quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

EXORTAÇÃO (VM)

REFLEXÃO NO
INÍCIO DO
TEMPO QUARESMAL

MEMENTO, HOMO...

Vianney Mesquita*

Estou perto do dia da minha derradeira viagem, um grande salto da terra (THOMAS HOBBES. YWestport, 05.04.1588 – Derbyshire, 04.12.1679).

Quarta-feira de cinzas é dia de igreja católica lotada, muitas vezes até por pessoas que a frequentam somente nesta data, quer em virtude de superstição, arrependimento pelos seus excessos e transportes durante o carnaval, ou mesmo as duas razões combinadas. Infelizmente, entretanto, tem ressalto o primeiro pretexto manifesto na crendice, retratado na supersticiosidade e no senso de fanatismo religioso.

Propício, todavia, radica o fato de todos evocarem a leitura na Bíblia em Língua Portuguesa, onde está expressa em Gênesis, 3:19, a divisa Lembra-te, homem, que és pó e em poeira te tornarás, quando o Criador, perpetrada a falta original, expulsou Adão do Paraíso, prescrevendo-lhe intensos trabalhos, rematados com a morte, ocasião em que o corpo  a carne – de nada mais aproveitará.

De modo diverso do ocorrente na Banda oriental, a cultura do Ocidente nos infundiu a ideia de que o fim pela morte é algo terrível, embaraçoso, porquanto está disposta nos limites do impossível a admissão da nossa finitude, do exício definitivo da vida, de modo a persistirmos no raciocínio irreal e ilusório de que não se efetivará o trespasse da alma para a Outra Dimensão, pois a existência terrena seria sem termo.

Eis, todavia, que balança esta “convicção”, absolutamente equivocada, ao menos uma vez por ano e no primeiro dia da Quaresma, coincidente com a Quarta-Feira de Cinzas. É quando, pois, o padre da Igreja de Roma – cruzando na testa de cada um as cinzas remanescentes das palhas do Domingo de Ramos imediatamente anterior  representa Deus a nos alertar para o fato de que a Humanidade é pó e à poeira retornará em definitivo como matéria.

Então, ao modo como a Igreja procedia antes do Concílio Vaticano II, é substituída a frase latina Memento, homo, quia pulvis, es et in pulverem reverteris, igual a “Lembra-te, homem, que és pó em pó te tornarás”, podendo o sacerdote dizer, alternativamente: “Arrependei-vos e crede no Evangelho”.

Esta verdade é terminante e vale para a Humanidade inteira, seja na velhice, na senescência, esteja o cidadão na circunstância de “preferencial” – como é da moda  vigor, na saúde e bem-estar socioeconômico, na doença e indigência, em particular, na juventude ou nova adultidade, em qualquer estado, se impõe que todos se deem conta de que o reino do céu está perto, sendo crucial que preparemos o caminho do Senhor, endireitando nossas veredas, à maneira como expresso por João Batista, a voz que clamou no deserto.

Então, no dia inaugural da Quaresma, examinemos a consciência e tomemos tento em remover os habituais excessos, apagar as rixas com os circunstantes, viver mais a Palavra, ao procurar a indicação divina, a fim de que delineie a correção dos rumos de cada um, sem simuladas carolices nem devoções aparentes, vedadas as manifestações atitudinais, limitadas ao âmbito do edifício da igreja, porém com eficácia em todo lugar e a qualquer tempo.

De tal maneira, experimentamos a oportunidade de atualizar nossa Contabilidade para demonstrá-la em balanço perfeito aos  “órgãos de controle” do Alto, com vistas a deixar nossos registros sempre limpos e nossa ficha sem rasuras nem lacunas que possam se fazer óbices impedientes da nossa intenção salvífica.
Então, completando a reticência do título, está em Gênesis, 3:19, a importantíssima divisa latina Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris, convidando-nos a evocar a noção de que, na qualidade de corpo, somos cinzas, aquelas cruzadas hoje nas cabeças de cada qual.


*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista 

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