REFLEXÃO NO
INÍCIO DO
TEMPO QUARESMAL
MEMENTO, HOMO...
Vianney Mesquita*
Estou perto do dia da minha derradeira viagem, um grande
salto da terra (THOMAS
HOBBES. YWestport, 05.04.1588 – †Derbyshire, 04.12.1679).
Quarta-feira
de cinzas é dia de igreja católica lotada, muitas vezes até por pessoas que a
frequentam somente nesta data, quer em virtude de superstição, arrependimento
pelos seus excessos e transportes durante o carnaval, ou mesmo as duas razões
combinadas. Infelizmente, entretanto, tem ressalto o primeiro pretexto
manifesto na crendice, retratado na supersticiosidade e no senso de fanatismo
religioso.
Propício,
todavia, radica o fato de todos evocarem a leitura na Bíblia em Língua
Portuguesa, onde está expressa em Gênesis, 3:19, a divisa Lembra-te, homem, que és pó e em poeira te tornarás, quando o
Criador, perpetrada a falta original, expulsou Adão do Paraíso,
prescrevendo-lhe intensos trabalhos, rematados com a morte, ocasião em que o
corpo – a carne – de nada mais aproveitará.
De
modo diverso do ocorrente na Banda oriental, a cultura do Ocidente nos infundiu
a ideia de que o fim pela morte é algo terrível, embaraçoso, porquanto está
disposta nos limites do impossível a admissão da nossa finitude, do exício
definitivo da vida, de modo a persistirmos no raciocínio irreal e ilusório de
que não se efetivará o trespasse da alma para a Outra Dimensão, pois a
existência terrena seria sem termo.
Eis,
todavia, que balança esta “convicção”, absolutamente equivocada, ao menos uma
vez por ano e no primeiro dia da Quaresma, coincidente com a Quarta-Feira de
Cinzas. É quando, pois, o padre da Igreja de Roma – cruzando na testa de cada
um as cinzas remanescentes das palhas do Domingo de Ramos imediatamente
anterior – representa Deus a nos alertar
para o fato de que a Humanidade é pó e à poeira retornará em definitivo como
matéria.
Então,
ao modo como a Igreja procedia antes do Concílio Vaticano II, é substituída a
frase latina Memento, homo, quia pulvis,
es et in pulverem reverteris, igual a “Lembra-te, homem, que és pó em pó te
tornarás”, podendo o sacerdote dizer, alternativamente: “Arrependei-vos e crede
no Evangelho”.
Esta
verdade é terminante e vale para a Humanidade inteira, seja na velhice, na
senescência, esteja o cidadão na circunstância de “preferencial” – como é da
moda – vigor, na saúde e bem-estar socioeconômico, na doença e indigência, em
particular, na juventude ou nova adultidade, em qualquer estado, se impõe que
todos se deem conta de que o reino do céu está perto, sendo crucial que
preparemos o caminho do Senhor, endireitando nossas veredas, à maneira como
expresso por João Batista, a voz que clamou no deserto.
Então,
no dia inaugural da Quaresma, examinemos a consciência e tomemos tento em
remover os habituais excessos, apagar as rixas com os circunstantes, viver mais
a Palavra, ao procurar a indicação
divina, a fim de que delineie a correção dos rumos de cada um, sem simuladas
carolices nem devoções aparentes, vedadas as manifestações atitudinais,
limitadas ao âmbito do edifício da igreja, porém com eficácia em todo lugar e a
qualquer tempo.
De
tal maneira, experimentamos a oportunidade de atualizar nossa Contabilidade
para demonstrá-la em balanço perfeito aos “órgãos de controle” do Alto, com vistas a deixar
nossos registros sempre limpos e nossa ficha sem rasuras nem lacunas que possam
se fazer óbices impedientes da nossa intenção salvífica.
Então,
completando a reticência do título, está em Gênesis, 3:19, a importantíssima
divisa latina Memento, homo, quia pulvis
es et in pulverem reverteris, convidando-nos a evocar a noção de que, na
qualidade de corpo, somos cinzas, aquelas cruzadas hoje nas cabeças de cada
qual.
*Vianney Mesquita
Escritor e Jornalista
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