EXTENSÃO DO ARTIGO
ERGASIOFOBIA / OTIUM-UNIFOR
AO PROF. DR. FILIPE JESUINO
Vianney Mesquita*
A
insolência do vulgo é proporcional à sua ignorância; tudo quanto está fora do
alcance da sua inteligência o trata com desdém. (William Carew HAZLITT, autor e
editor inglês,Y22.08.1834; † 08.09.1913).
Faço
remissão ao texto enviado ao Prof. Filipe de Meneses Jesuino, a respeito do
Otium – Laboratório de Estudos do Ócio e Tempo Livre, da Universidade de
Fortaleza, onde militam vários seus colegas, intitulado Ergasiofobia, lance em
que lhe pedi para verificar a propriedade do escrito sob do espectro da
Psicologia, temática por ele sustentada com segurança e distinção.
Folgo
com ter seu aprovo, na resposta reproduzida na nota de rodapé deste comentário,
na qualidade de meu consultor padrão-ouro nesta área, pois contava com a
possibilidade de haver algum senão de natureza conceitual, porquanto não é
matéria de meu trato acadêmico, mas apenas configura noções apreendidas de
leituras e da formação elementar – diga-se, de boa qualidade, que aqueles dos
nossos tempos – eu e seu pai, o Prof. Geraldo Jesuíno, “exempli gratia” –
experimentamos.
Como,
todavia, o saber científico não tem donos, nada demora incursionarmos por ele
em todos os quadrantes, principalmente agora, isento que estou de trabalhos
docentes vinculados a um só saber lindado por conteúdos programáticos,
considerando que a Ciência é horizontal, encadeada, sem extremo de começo nem
borda de fim.
Entendo,
no âmbito do meu laicalismo insolente – dirão, certamente, alguns – que, em
razão das grandes conexões experimentadas hodiernamente pelos tentáculos das
centenas de sub-ramos ordenados do conhecimento, restam redimensionados os
antigos limites, o começo e o cabo dos seus feitos.
Isto
porque, na visão macro de uma Ciência singular, parece ter sido reformatada
aquela departamentalização rigorista dos vários terrenos disciplinares, que,
ainda hoje, delineia e serve à Didática com vistas à transferência de ideias a
quem estuda, mormente no concerto dos teores de graus de ensino propedêuticos
ao ensino superior e, mesmo, na graduação.
A
determinação desses segmentos curriculares foi, entretanto, por consequência, a
fórmula pertinente aplicada para transmutar conteúdos, haja vista a precedência
de uns para sossegar o terreno de outras informações a serem recepcionadas na
seara escolar, tendo os primeiros como prerrequisitos.
Quem
é capaz de admitir Geometria, se não viu Aritmética? Pode-se estudar Teoria
Literária sem haver transitado pela Gramática? Improvável, decerto, é existir
alguém capaz de acolher regramentos de Gastroenterologia e Cardilogia, por
exemplo, sem haver detidamente examinado os haveres de Anatomia e Citologia,
matérias inaugurativas, de primeiro semestre, dos cursos de Ciências Médicas.
Convém
trazer à colação o argumento de que ainda não deixaram de ter curso pacotes
curriculares defeituosos, porém, sob protesto recorrente de pedagogos e
psicólogos da Educação, em ensaios e mais experimentos, na demanda de
estabelecer um estalão de matérias consentâneo em relação às necessidades
educacionais e instrucionais da atualidade.
Daí
por que sucede uma constante modificação de grades didáticas na maioria dos
cursos, mormente os universitários, tudo isto em virtude do secionamento
incessante dos ramalhos da Ciência, de que é exemplo bem próximo a extraordinária
evolução da Informática.
Aduzindo
mais dificuldade, no entanto, para os raciocínios aqui expendidos, é apropriado
trazer agora, assentado em Hugo de Vries, o argumento de que o desdobre dos
objetos do conhecimento conduziu a uma gradual distinção das Ciências, com o
resultante perigo de estreitar a visão a um restrito domínio técnico e de se
perder a perspectiva das “grandes conexões da totalidade do ser”. (In: Walter
Brugger – Dicionário de Filosofia. 2.ed. São Paulo: Herder, 1969).
No
meu entendimento modesto, inexiste um “aqui começa a Química; nem aqui termina
a Fisico-Química”; tampouco “O que me compete falei até aqui, agora fica por
conta dos geógrafos”.
Quem
diria que o Direito deita raízes na Microbiologia aplicada nos cadáveres, até
após exumação, para aclarar crimes de morte e, de sobejo, servir a outros
pretextos científicos?
A
propósito, me lembro da dissertação de mestrado do médico e advogado, Dr.
Renato Evando Moreira Filho, por mim revisada (2008), sustentada junto ao
Mestrado em Microbiologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal do Ceará, intitulada Micologia Forense: a dinâmica da microbiota
fúngica na investigação do período post-mortem, sob a orientação da minha
consulente, há muitos anos, para revisão de textos, Doutora Sâmia Nogueira
Brilhante, cujo conteúdo muito me impressionou pelas relações intimistas dos
dois grupos de Ciência – a Biologia e o Direito – para constituir a Jusmedicina
e a Jusbiologia.
Aproveito
o ensejo para informar que o Prof. Dr. José Júlio Costa Sidrim, escritor de
Microbiologia acreditado e muito consultado internacionalmente, componente da
Banca do Dr. Renato Evando, bem como a Prof.a Dr.a Tânia Vicente da Silva,
minha colega da UFC e mulher do agora referido M. Sce., também a mim recorrem
para aprestar, gramatical e estilisticamente, suas produções científicas.
No
Nuntia Morata (MESQUITA, Vianney. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2014, p. 181) –
mui honrado com o fato de o psicólogo clínico Dr. Filipe lhe haver puxado as
orelhas, magnificamente delineadas – me reportava ao argumento de a Ciência
parecer se reencaminhar na convergência para a Filosofia, da qual divergiu há
tempos bastante transatos. Ali, também (ID.IBID.), me referia a C. H. Lars, ao
exprimir a opinião de que não existe o saber particular e, com arrimo na
Escolástica, externava esse sacerdote jesuíta a noção de ser impossível individualizar
tudo, reunindo detalhes e circunstâncias, ou seja, analogamente ao moto desse
pensamento cristão da Idade Média, tendo como mentores Pedro Abelardo, Gulherme
de Occam e Bernardo de Claraval, entre mais: non datur scientiae de indivíduo –
não há saber do particular – acolitado por outra divisa, conforme a qual o todo
individualizado é inexprimível (Omne
individuum ineffabile).
Evidentemente,
no arremate dessas vaniloquências (assim, alguém pensará), asseguro ao
destinatário principal destas notações que não tencionei adentrar de chofre o
tema, só circulei, consoante argutamente percebeu, ao modo de galo fazendo
pé-de-roda a fim de colher uma galinha para, em frações de minuto, com ela
coabitar.
Pode
ser que, na carona analógica desse colhudo do terreiro, eu tenha até pensado na
ideia de TODO NOVO PROCEDER DE UM OVO, como o mundo é possível derivar-se de
mera gota de coacervato, segundo uma das múltiplas ideações da origem da Terra,
esta esposada pelo russo Antonin Ivanovich Oparin, lida por mim em um opúsculo,
salvante engano, A Origem do Universo, no ano de 1971, e nunca mais revisitada.
Reconheço,
Prof. Dr. Filipe – em afirmação extensiva, é claro, ao leitor, a verdade de que
às vezes me comporto como o sapateiro ao criticar a pintura de Apeles: transpondo
a opinião sobre as sandálias e intentando apreciar o restante do afresco, sem
atentar para o que ralha comigo o pintor – Ne
sutor ultra crepidam – inserta numa das obras de Plínio, o Antigo.
Pouco
se me dá, porém, pois me concedo este direito. Se não logro possuir cancha
intelectual, e aqui recorro ao enorme Karl Raimund Popper – para quem todos
“somos cegos convencidos de que saber e ignorância são vizinhos” – guardo uma
boa idade para divertir-me até com o que ainda não sei, circunstância, aliás,
eternamente provisória para todas as pessoas.
Grande
abraço, professor Filipe M. Jesuino. Admiro-o, como dizem em Minas Gerais,
demais da conta.
NOTA
1
Caro professor,
Aprendi,
inclusive consigo, a não me deixar converter em fatia da salami science e, não
tomar meu ponto de vista como estandarte de um intelecto exclusivamente
preparado para combater. Tento batalhar pelo estilo, nos termos de Goethe, que
o compreende como aquilo que reúne o espírito conhecedor (universalizante) e a
imitação da natureza, ou o vínculo com os viveres individuais. Sei que muito
dos meus pares pensam diferente.
Buscam
apenas uma bandeira universal e se esquecem de que são apenas individualidades
de uma universalidade bem mais ampla. Tornam seu ponto de vista um dogma e, por
isso, se melindram.
Se
no campo do estilo me considero neófito, ao menos já consigo tirar alguma
aprendizagem do que escrevem os mestres, categoria em que o incluo. Um dia eu
chego lá.
Grato
pela interlocução
Cordialmente
Filipe Jesuino.
Cordialmente
Filipe Jesuino.
*Vianney Mesquita
Escritor e Jornalista
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