quarta-feira, 19 de abril de 2023
sexta-feira, 14 de abril de 2023
ARTIGO - O Futuro do Nordeste É Verde (RC)
O FUTURO DO
NORDESTE
É VERDE
Ricardo Cavalcante*
O processo de transição energética em curso no mundo inteiro abre uma janela de oportunidades sociais e econômicas sem precedentes para o Nordeste. A corrida global pela descarbonização do planeta encontra em nossa região o ambiente adequado à necessária geração de energia limpa.
Os ventos sopram a nosso favor com grande regularidade e elevada produtividade o ano inteiro. Sobre nós incide o maior índice de radiação solar do país e um dos maiores do mundo. E com o diferencial de os dois, vento e sol, poderem estar no mesmo local e de forma complementar nos diferentes momentos do dia.
Somos, portanto, um território propício à geração de energia eólica e fotovoltaica a um custo mais baixo, fator essencial para uma produção mais competitiva do hidrogênio verde, hoje considerado o combustível do futuro.
Outro diferencial do Nordeste está na extensa rede de linhas de transmissão e na infraestrutura portuária que construímos ao longo das últimas décadas, fatores que alargam ainda mais os nossos horizontes de oportunidades.
Fruto dessa atitude proativa, em pouco mais de três anos, de 2019 para 2022, nós passamos da condição de importadores para exportadores de energia para o resto do País. E isto é só o começo, pois acreditamos que, diante de tudo o que estamos fazendo, da seriedade com que encaramos os desafios, da forma colaborativa como temos trabalhado, a grande revolução ainda está por vir.
Ouso dizer que nos próximos anos o Nordeste vivenciará um momento de inflexão positiva, que promete transformar definitivamente o modo de ser e de viver da nossa população, em especial das pessoas mais simples, que habitam as pequenas cidades do interior, onde a pobreza impera, o sol arde mais forte, e a cada novo dia uma nova usina de energia eólica ou solar haverá de nascer.
Ao longo da extensa cadeia produtiva das energias renováveis, milhares de novos empregos serão criados, novos produtos e serviços serão demandados, novos conhecimentos e aprendizados gerados. Todos esses vetores haverão de agregar ainda mais valor às economias locais, contribuindo decisivamente para a melhoria da qualidade de vida das populações e promovendo cidadania de forma ampla e sustentável onde ela mais se faz necessária.
Nesse novo paradigma de convivência, todos sairão ganhando. Os governos, em suas três esferas – municipal, estadual e federal – irão arrecadar mais e com isso poderão oferecer melhores serviços para a população; as instituições de ensino e pesquisa irão formar melhores profissionais e desenvolver mais ciência aplicada com foco na inovação; os setores produtivos ampliarão suas participações nos múltiplos mercados, o que lhes permitirá gerar melhores empregos com oferta de salários mais dignos.
Ainda existem desafios por superar. Precisamos encontrar soluções que permitam a redução dos custos de produção de energia eólica e solar, de modo a tornarmos produção de hidrogênio verde mais barata. Também precisamos trabalhar no desenvolvimento da energia eólica no mar, e na efetivação dos marcos regulatórios correspondentes. E para fortalecer ainda mais o desenvolvimento regional e suprir de forma adequada os hubs de hidrogênio verde no Nordeste, precisamos ampliar as linhas de transmissão, de modo a permitirem a transferência de energia entre as demais regiões do País.
Para além de tudo isso, o Nordeste nunca teve uma oportunidade tão grande de transformar definitivamente a sua realidade como agora.
Portanto, consciente das nossas competências, da nossa capacidade criativa, e diante das potencialidades que latejam sobre o nosso território, conclamo todos os nordestinos a nos unirmos em um círculo virtuoso, para aproveitarmos essa oportunidade histórica.
Vamos fazer valer a inteligência e a força de trabalho do nosso povo!
NOTA ACADÊMICA - José Augusto Bezerra - Doutor Honoris Causa
José Augusto Bezerra
Doutor Honoris Causa
O empresário e escritor José Augusto Bezerra, o maior bibliófilo do Brasil, Membro Benemérito da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ), foi indicado pelo Magnífico Reitor Cândido Albuquerque, e eleito pelo Conselho Universitário da Universidade Federal do Ceará (UFC), para receber o título de Doutor Honoris Causa.
A
solenidade de outorga do título foi na noite desta quinta-feira, 13 de abril, no salão nobre
da UFC, seguida de um lauto coquetel nos jardins da Reitoria, oferecido por José Augusto. A ACLJ se fez
representar por sete de seus acadêmicos titulares, quais sejam Reginaldo
Vasconcelos, Paulo Ximenes, Arnaldo Santos, Vianney Mesquita, Vicente Alencar, Humberto
Ellery e César Barreto.
NOTA CULTURAL - Semana Edson Queiroz
A FAMÍLIA
REVERENCIA A MEMÓRIA
DO PATRIARCA EDSON QUEIROZ,
EM SEU 98º ANIVERSÁRIO,
NA CIDADE EM QUE ELE NASCEU
Com a elegância que lhe é peculiar, o casal Igor e Aline Queiroz Barroso, presidente e vice-presidente do Instituto Myra Eliane, promoveu uma missa em ação de graças ao saudoso empresário Edson Queiroz (1925-1982) in memoriam, na noite desta quarta-feira, dia 12 de abril, em Cascavel, cidade natal do homenageado, município pertencente à Grande Fortaleza, a apenas 64 km da Capital.
A data marca o aniversário de nascimento do patriarca da família Queiroz, que, se vivo fosse, completaria 98 anos de idade. A missa foi seguida pela abertura de uma exposição de fotografias de arte de autoria de seu neto, Rodrigo Queiroz Frota, que é artista visual, mostra denominada “Fragmentos de Viagem – Ventos do Oriente”, que inaugura a “Semana da Vida, Trajetória e Legado do Chanceler Edson Queiroz”.
Edson, um empreendedor ousado e sensível, manifestava afeto pela cidadezinha praiana em que nasceu, e de onde saiu ainda criança com a família, que no início da década de 30 do Século XX se radicou em Fortaleza, mas voltou ao local de origem para fundar uma processadora de castanhas de caju, a Cascaju. “Se quiseres ser universal, começa por pintar a tua aldeia” – dizia Leon Tolstoi, o célebre escritor russo. Edson pintou.
O empresário, fundador de um império empresarial, não sofria de “sede de província”, ao contrário do que se queixava o escritor e jornalista carioca Antônio Callado, imortal da Academia Brasileira de Letras, que nascera no Rio de Janeiro e lamentava não ter uma “goiabeirinha da infância" para visitar de vez em quando, privilégio que muitos dos seus amigos desfrutavam – e Edson tinha o local da sua meninice a frequentar.
A exposição de fotografias de Rodrigo Frota, com imagens de aspectos étnicos captadas na Índia e em Myanmar, países da Ásia, foi instalada no Memorial Edson Queiroz, espaço cultural que funciona no antigo prédio de Câmara e Cadeia da cidade de Cascavel, restaurado pelo Instituto Myra Eliane, instituição benemerente criada e presidida pelo casal Igor e Aline Barroso.
A Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ) foi representada no evento por seu presidente, Reginaldo Vasconcelos, por seu tesoureiro Adriano Jorge, e pelo marchand Sávio Queiroz Costa, membro titular da instituição e sobrinho do homenageado.
Presente ainda o repórter fotográfico Luis Carlos Moreira, que ostenta dignidade honorífica da instituição. Igor Barroso, bem como Paula e seu marido Sílvio Frota, que são seus Membros Beneméritos.
Nas imagens, fala de Igor Barroso no Memorial Edson Queiros, e abaixo ele e Aline, o autor da exposição fotográfica, seu primo Rodrigo Frota e a mulher deste, Bruna Waleska – além de Paula e Sílvio Frota, pais de Rodrigo e instituidores do Museu de Fotografia Fortaleza – com o Prefeito e a Primeira-Dama da cidade de Cascavel, Tiago e Luana Ribeiro.
Reginaldo Vasconcelos, que foi fotógrafo e empresário do ramo fotográfico nos anos 70, comenta a boa qualidade das imagens e os aspectos do Oriente retratados por Rodrigo, cujas culturas védicas do hinduísmo e do budismo ele tanto conhece e aprecia, dos estudos de artes marciais orientais e yoga, que praticou desde a infância.
Aqui
a assinatura iconográfica do repórter fotográfico Luis Carlos Moreira, o nosso PQD, um dos profissionais que fizeram a cobertura do evento, no caso dele para a coluna Jeritza Gurgel, com empréstimo a este Blog.
segunda-feira, 10 de abril de 2023
ARTIGO - A Compreensão da Realidade (RMR)
A COMPREENSÃO
DA REALIDADE
Rui Martinho Rodrigues*
O mundo não é autoexplicativo. Não é um livro aberto. A expressão “a realidade que está aí” chegou a ser largamente usada. Parecia aludir a uma prova plena, que dispensa análise. Alguns professores defendiam o abandono do estudo de teorias. Diziam ir direto aos problemas. Era a transformação do magistério em militância política, espécie de catequese, forma tosca de doutrinação.
A confusão entre ensino e proselitismo deveu-se, em certa época, ao fato de que grande parte dos docentes era composta por clérigos da geração formada no tempo da Igreja Tridentina, sob a orientação do concílio de Trento (1545 a 1563), dedicado à contrarreforma, da chamada igreja pré-conciliar (anterior ao Vaticano II). Era a tradição que originou as Universidades, na Idade Média, para defender a autoridade da Igreja da Escolástica (Jacques Dreze, e Jean Debelle, na obra Concepções de Universidade).
A compreensão do mundo depende (i) do acesso a informações fáticas e (ii) de teorias que orientam o direcionamento e a interpretação da percepção. Informações fragmentadas ou meramente ornamentais, como conhecer edições raras ou nomes de autores, datas e lugares de fatos ou nomes de personagens são de pouca ou nenhuma irrelevância.
O proselitismo tem relação no magistério com os resíduos e derivações (Vilfredo Pareto, 1848 – 1923) da herança atávica da formação histórica da educação brasileira, formada por escolas confessionais. Estas, sobretudo dos Jesuítas, foram sucedidas pelo positivismo de Auguste Comte (1798 – 1857), também caracterizado de inclinação catequética. Veio depois a hegemonia ideológica dos demiurgos que pretendem impor uma reengenharia social, criando uma sociedade nova e por meio dela um novo homem.
As nossas escolas apresentam teorias sem mostrar as objeções que existem contra elas. É catequese. Paulo Freire (1921 – 1997) nomeou tal procedimento como educação bancária, porque limitada a ministrar depósitos de informações, sem o exame das objeções pertinentes.
O proselitismo continuou. É tática para o exercício do poder ou compreensão confusa de que todos devem ter um lado. O debate sobre neutralidade axiológica é antigo e não será resolvido. Fatores alheios ao rigor epistemológico impedem que seja solucionado. Mas é simples: temos (i) juízo de fato, de realidade ou de existência; e (ii) juízo de valor.
No primeiro temos a obrigação moral de guardar a mais rigorosa neutralidade. Não podemos alegar engajamento do bem para dizer que uma figura de quatro lados iguais é uma circunferência. Já o juízo de valor, por ser valorativo, não expressa verdade objetiva (quando o que é dito corresponde ao fato aludido), o que declara é um juízo moral. Aí devemos ter lado.
Um legista ao descrever uma ferida pérfuro-cortante e os seus efeitos, inclusive causando óbito, tem obrigação de ser neutro. Formula juízo de fato. Caso proceda de outro modo estará mentindo. O lado “do bem” não justifica tal coisa. Acusação e defesa do acusado deverão formular juízo de valor, devem ter lado acusando e defendendo, apresentando teses que devem se submeter ao contraditório, à crítica. O ensino laico deve apresentar juízo de fato. Objeções devem fazer parte do estudo, mas tal não ocorre. Professores e autores, como os militantes da imprensa, confundem ter lado com salvo conduto para o proselitismo ou repetem a catequese de que foram vítimas.
Descrever as duras condições de trabalho durante a Revolução Industrial, principalmente na sua primeira fase, deveria ser acompanhada do registro do fato de que as condições de vida no campo, de onde vinham os operários, eram ainda piores. A grande emigração do campo para a cidade não se fez sob coação. Foi uma fuga das terríveis condições no meio rural. Deveria ser dito que não houve retorno de desiludidos, das cidades para a roça, apesar dos proprietários de terra terem interesse em reverter a causa da escassez de mão de obra agropastoril.
Falar na Teoria da pauperização (descreve a economia moderna (capitalista) como progressivamente causar pobreza superlativa), mas a mortalidade infantil declinou e a esperança de vida ao nascer cresceu; o analfabetismo recuou e os anos médios de escolaridade aumentou, o acesso aos bens materiais foi democratizado; o escravismo foi empurrado para a esfera do crime. Erro ou manipulação esta é uma prática largamente difundida. A seletividade das informações é catequese que se reproduz. Resulta, ainda, do patrulheirismo que bloqueia a publicação do que foge da ortodoxia dos grupos organizados, conforme Pedro Demo registra em seu livro Intelectuais e vivaldinos.
Lamentamos a falta de estudo das teorias e das objeções a elas. Por outro lado, é igualmente lamentável o “teoricismo” abusivo. Quem fala em (i) exacerbação da miséria das massas, (ii) desigualdade social, (iii) concentração de renda e (iv) exploração, meramente repetindo teorias apresentadas sem as respectivas objeções ou foi enganado ou está enganando.
O falso debate baseado apenas na citação de autores de nomeada, sem o cotejo com as objeções, ignorando os fatos, como é o caso da omissão relativa aos indicadores de qualidade de vida e ao acesso aos bens materiais, configura “teoricismo” mal digerido que Luís de Gusmão, na obra O fetichismo do conceito, denunciou com eloquência.
A alegação de pauperização deveria ser cotejada com os indicadores de qualidade vida. A desigualdade deveria ser explicada como uma diferença injusta e com a discussão sobre o que seja tal coisa, ponderando direitos potestativos (que não exigem contraprestação nem podem ser contestados) versus mérito, demandas sociais, riscos e outras coisas.
A concentração de renda deveria ser estudada junto com curva de evolução dos indicadores de qualidade de vida. A logomaquia sobre exploração seria proveitosa se distinguisse exploração imanente ao trabalho assalariado da exploração incidental, cotejando a Teoria do valor trabalho com a Teoria marginal do valor. Não é assim.
quinta-feira, 6 de abril de 2023
NOTA ACADÊMICA - 12º Aniversário da ACLJ
ACLJ
COMEMORA SEU
DUODÉCIMO
ANIVERSÁRIO
A Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ) completa doze gloriosos anos de existência, nesse próximo dia 04 de maio, tempo aparentemente curto, correspondente à puberdade humana – porém superadas a lactência delicada e enfermiça, as doenças meninís e as peripécias perigosas e arriscadas das crianças, que tantas vezes fazem engrossar os índices de mortalidade precoce, tanto de pessoas quanto de entidades deste gênero.
A célebre “Padaria Espiritual” durou um lustro tão-somente, e até hoje os “padeiros” são incensados in memoriam, e seus descendentes ostentam com orgulho a ascendência honrosa – de modo que se a ACLJ sucumbisse a esta altura, ou tivesse soçobrado no mar de dificuldades que venceu e superou, os que tivessem chegado a vergar a sua pelerine ritual poderiam se louvar desse fato, vida a fora, registrado em atas e em farto material iconográfico.
Mas nossa confraria permanece hirta, sob as firmes colunas do panteão parnasiano, cultuando a fraternidade e a beleza, nas letras lusitanas e nas artes em geral, no âmbito de abrangência do torrão alencarino, atravessando crises políticas mundiais e a pandemia de Covid, seguida de convulsão social no País, que abalou a higidez moral e a credibilidade dos estamentos mais respeitáveis da Nação, públicos e privados.
Nesse período duodenário, exatamente doze confrades fizeram a sua passagem para a imortalidade literária – seis titulares pertencentes à quadraginta numerati, e seis componentes da casta especial dos Beneméritos. À sua memória dedicamos os nossos continuados esforços para manter a casa aberta, a chama acesa e o lema vivo – cada um com a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo – parafraseando Walter Franco.
Abaixo, o convite virtual para a 12ª Assembleia Aniversária da ACLJ, que principiará com a exibição de uma retrospectiva fotográfica e cinegráfica de seus doze anos de existência, em que se dará posse a novos acadêmicos, se lançará um livro e marcará a instalação de um departamento especial da confraria, a Arcádia Alencarina, composto por doze de seus membros que se dispuseram a subvencioná-la.
CRÔNICA - A Liça (AGAJ)
A LIÇA
Aluísio Gurgel do Amaral Jr.
Era maio de 1993. Eu retornava de Brejo Santo para Jati. Pelas dezoito e trinta fui interceptado por uma Ford F1000 Luxo, após a Piçarra. Desceram dois homens armados querendo saber quem era eu.
Identifiquei-me como Juiz de Direito. Observei que estavam em minha jurisdição, armados, descaracterizados e que deveriam ser do serviço reservado e que, portanto, se identificassem.
O único falante declarou que quem dava as ordens era ele, e perguntou se eu estava armado. Enfiei a mão no paletó e o outro interrompeu, apontando-me a arma. Recomendei-lhe calma, e com suavidade retirei e destampei minha caneta esferográfica, a exibi ao falante, e disse:
“O que eu não puder fazer com a ponta desta caneta, não é com arma que eu vou conseguir!” O falante recuou à camionete, conversou com alguém por meio minuto e me liberou.
Reiterei estar em minha jurisdição e que eles
se retirassem. Obedeceram. Tornei ao interior do meu Ford Verona sob a noite
estrelada, relaxei e me urinei todo.
ARTIGO - Adjudicação Compulsória (DPV)
Adjudicação Compulsória de imóveis
Desregulamentação do CNJ para desjudicialização
é primordial
Diego de Paiva Vasconcelos*
Inserir e ampliar a participação da advocacia brasileira de forma a contribuir com o atual movimento de desjudicialização que vem se expandindo no Brasil tem sido uma das prioridades do trabalho da Comissão Especial de Desjudicialização do Conselho Federal da ordem (CFOAB). O desafio do descongestionamento judicial no país passa desde já pela visão clara e objetiva de todos os envolvidos de que demandas que não envolvam litígios não devem ser levadas ao Poder Judiciário.
Recentemente, normativas dos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo deram uma grande contribuição a este movimento, ao regulamentar o procedimento extrajudicial de Adjudicação Compulsória. Até então, o meio judicial era o único mecanismo para que fosse permitida a substituição da vontade do vendedor relativa a um negócio jurídico quitado, mas ainda não transferido.
Com esta inovação, este procedimento passa a ser possível pela via administrativa – isto é, em Cartório, e poderá ocorrer nos casos em que o vendedor se recuse a cumprir um contrato pactuado e já quitado, ou ainda quando tenha ocorrido sua morte ou declarada sua ausência, exista incapacidade civil ou localização incerta e não sabida, além de, nos casos de pessoas jurídicas, tenha ocorrido a sua extinção.
As sistemáticas paulista e fluminense foram regulamentadas pelos Provimentos nº 06/2023 e Provimento nº 87/22, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo e do Estado do Rio de Janeiro, respectivamente, e regulam o procedimento autorizado pelo artigo 11 da Lei Federal nº 14.382/22, aprovado pelo Congresso Nacional após derrubada do veto do ex-presidente Jair Bolsonaro. Estima-se que o procedimento que antes demorava até cinco anos pela via judicial, possa ser realizado em um tempo médio de até três meses – um avanço importante para mitigar este problema.
Segundo o Provimento do TJ/SP, poderão efetuar o procedimento o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado munido de poderes específicos.
O assunto foi tema de um importante Seminário, ocorrido em São Paulo, e promovido pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal (CNB/CF), onde tive a oportunidade de destacar que a Comissão de Desjudicialização da OAB Nacional acompanhou o desenrolar de tais normativas que, de forma acertada, reforçaram a necessidade da presença do advogado, como guardião do interesse e da vontade das partes, assessorando e orientando o interessado quanto ao desenrolar do procedimento.
Neste mesmo evento, que contou com a participação da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reforcei a necessidade de que seja estudada pelo órgão a regulamentação nacional da matéria, de modo a evitar procedimentos esparsos e diferenciados, fruto de regulamentações diversas editadas pelos respectivos órgãos correcionais. Além de padronizar o entendimento para a prática deste novo à nível nacional, facilitando a atuação da advocacia, sua edição seria efetiva até mesmo para a própria segurança dos notários e registradores.
Tal preocupação se dá também pelo risco de que regulamentações distintas acabem por levar ainda mais demandas ao Poder Judiciário, tendo o efeito reverso do que se buscou com a desjudicialização deste procedimento, o que acabaria impactando ainda mais o backlog rocessual brasileiro e onerando os cofres públicos. Sem uma regulamentação uniforme e clara, e a possibilidade de discrepância de regras regionais, onde houver um interesse ferido e um advogado sagaz, haverá uma maior possibilidade de judicialização.
Vale ressaltar também que a regulamentação do CNJ deve ser realizada nas mesmas linhas do que os inovadores provimentos paulista e fluminense, prestigiando a participação dos advogados em todo o processo por ser este um preceito constitucional, para que se resguarde todas as prerrogativas das partes que participam deste procedimento.
A desjudicialização é uma premissa evolutiva que se impõe à nossa sociedade e temos que avançar cada vez mais em sua efetivação. A transferência de atos que não envolvam litígios a outros modais de resolução, abrindo novas portas para que a sociedade consiga avançar na resolução de seus problemas é um caminho que deve ser estimulado e trilhado pela advocacia brasileira e pelos demais players da atividade jurídica.
Nota: O autor é filho do cearense Maurílio Vasconcelos, Engenheiro e Professor, fundador do Curso Cipam em Fortaleza na década de 60, radicado em Rondônia no ramo da construção civil, Membro Honorário da ACLJ.
sábado, 1 de abril de 2023
ARTIGO - O Animal de Rebanho (RMR)
O ANIMAL DE REBANHO
Rui Martinho Rodrigues*
Abelhas e formigas são animais sociais. Suas sociedades têm (i) divisão social do trabalho, inclusive da tarefa reprodutiva e (ii) uma estratificação social típica do sistema de castas. Eram classificadas pelos velhos e bons manuais de Biologia como sociedades coletivistas, hoje havidas como “eusociedades” dotadas de “funcionamento perfeito” e “amistosas”, embora formigas e abelhas não sejam tão pacíficas nem o sistema de castas perfeito. Nelas o indivíduo serve à sociedade, não o contrário. “Perfeito funcionamento”, no caso, é juízo de valor no qual o indivíduo não é importante. A funcionalidade sem inovação também não é tão perfeita.
Leões e elefantes formam sociedades individualistas, sem divisão social do trabalho e sem estratificação social, renomeadas como “subsociedades”, indicando uma revisão valorativa da nomenclatura, para a qual a independência dos membros de uma sociedade indica uma condição mais primitiva e inferior. Mas o individualismo, salvo quando exacerbado, não significa conduta ou sentimento antissocial, nem uma imperfeição funcional. Ressalta apenas a primazia do indivíduo. Nas sociedades individualistas o indivíduo não existe em função da sociedade, mas a sociedade em função do indivíduo, assim como “o sábado foi feito por causa do homem; e não o homem por causa do sábado” (Marcos. 2;27).
A visão do homem como animal político (Aristóteles, 384 a.C.– 322 a. C), nos coloca um passo além dos animais sociais, acima dos seus padrões repetidos. A aptidão política está na origem do processo democrático, quando os gregos adotaram o debate de ideias como método decisório nos negócios da polis, substituindo a força (Olivier Nay, na obra História das ideias políticas). Política guarda relação, entre outras coisas, com o uso da razão.
O ignorante afirma, o sábio duvida e o sensato reflete. Isso resulta das diferentes manifestações da racionalidade, nem sempre perfeitas. A “lei” 80 e 20, de Vilfredo Pareto (1848 – 1923) descreve o fenômeno em que vinte por cento dos fatores produzem oitenta por cento dos resultados. A razão praticada pelo animal político parece corresponder ao descrito pela mencionada “lei”. Não falemos nos números de Pareto. Reconheçamos, porém, que graves equívocos influenciam poderosamente a história. Barbara W. Tuchman (1912 – 1989), na obra A marcha da insensatez, relata numerosos exemplos de decisões desastrosas, citando apenas as que foram tomadas por governos abertos aos críticos.
Ser animal político não exclui comportamento de rebanho. Líderes exercem enorme influência sobre as massas. A tecnologia ampliou o alcance do poder de manipulação das pessoas. Os tipos weberianos de liderança incluem a tradicional (inercial); a carismática (pessoal, emocional, pela identificação dos liderados com o líder) e a racional legal (normatividade impessoal) convive agora com um quadro mais complexo.
Os meios de comunicação potencializaram o poder dos (de)formadores de opinião. A imprensa contribuiu para o relativo sucesso das reformas protestantes do século XVI. A Revolução Francesa contou com os jornais impressos e as enciclopédias. A era do rádio “coincidiu” com uma “safra” de líderes, como Haya de la Torre, Vargas, Peron, Mussolini, Hitler.
As tecnologias digitais criaram uma tribuna franca, democratizaram o debate, quebraram o monopólio da mentira e da manipulação. Impactaram tão fortemente que os vaqueiros da boiada cidadã, outrora inimigos da censura, passaram a justifica-la. O mercado político tornou-se concorrencial. Adversários do livre mercado e da concorrência querem o “ministério da verdade” profeticamente descrito por Georg Orwell (1903 – 1950), na obra 1984.
Herdeiros dos reis filósofos (Platão, 428 a.C.– 348 a.C.) projetam uma sociedade perfeita, ao modo das “eusociedades”. Mas não se constrangem em apregoar o individualismo radical, próximo do solipsismo. Promovem o rompimento dos laços propostos pelos conservadores: família, pátria, igrejas e rejeitam o limite dos direitos individuais formado apenas pela alteridade, sugerido pelos liberais. A guerra híbrida entre ideologias instrumentalizadas pelas grandes potências promove o tráfico de drogas psicoativas. No México, a participação de uma embaixada no tráfico evidenciou o que o ex-agente de um serviço secreto havia dito há décadas: trata-se de guerra.
A engenharia social inspirada nos insetos coletivistas e o individualismo exacerbado, próximo do solipsismo, que só reconhece a individualidade hedonista, se harmonizam. A senhora de costumes cognoscitivos fáceis (Lucio Colleti, 1924 – 2001), também conhecida como dialética, harmoniza a contradição. Tribos urbanas identitárias podem ser coletivistas apesar de exaltarem a fragmentação social e denunciarem grupos sociais básicos como família e nação. Destruídas as estruturas de apoio e de controle social restará o Estado controlado pelos partidários da engenharia social e antropológica.
As redes sociais despertam ódio, não pela mediocridade ou pelas mentiras, mas por desfazer o trabalho de três gerações, que levou ao domínio do que Louis Althusser (1918 – 1990) e Antonio S. F. Gramsci (1991 – 1937) consideravam “aparelhos ideológicos”: escolas, indústria cultural e meios de comunicação social em geral. Concluída a conquista de tais “aparelhos”, os demiurgos do bem dominavam totalmente a cultura. Então a tecnologia digital estragou tudo.
O povo deve ser soberano, se executar as instruções dos reis filósofos. Dois livros de Lênin (Vladimir I. Ulianov, 1870 – 1924) expõem o duplipensar denunciado por Orwell. São eles: O Estado e a revolução, uma pregação anarquista defendendo todo poder aos soviets (conselhos populares com poderes legislativos e executivos) e O que fazer, em que defende todo o poder para os dirigentes revolucionários. A dialética pode fazer a síntese entre o círculo e o quadrado.
O povo, para eles, deve ser o laicato,
submisso ao comitê central, verdadeira cúria metropolitana dos “esclarecidos”.
É heresia das redes sociais desafiar a infalibilidade dos guias. George Amado
(1912 – 2001) já denunciava a “inquisição” dos líderes com atitude de cruzados,
inclusive no cometimento de barbaridades.