O PLEBISCITO BRITÂNICO
Rui Martinho Rodrigues*
Os britânicos escolheram um caminho
economicamente desvantajoso. A indústria automobilística daquele país fica em
desvantagem com a restrição ao grande mercado da União Europeia (UE). A
indústria mais sofisticada, em geral, terá prejuízo. A restrição à entrada de
imigrantes torna deficitária a substituição de idosos por jovens.
O Reino Unido tende, com a decisão em
apreço, a agudizar a própria desunião. O separatismo doméstico ganhou força. A decisão
tomada contraria os interesses econômicos. O desafio à lógica do mercado,
todavia, está sendo respeitada, apesar de protestos. Acostumamo-nos a pensar
que o interesse econômico é, em última instância, como diriam um pensador de
grande prestígio, o fator decisivo na determinação dos rumos da sociedade.
O acatamento da voz das urnas, porém,
lembra a força da tradição democrática dos anglo-saxões, respeitada em todos os
países desta linhagem, sem interrupção há séculos.
É oportuno ressaltar que a saída dos
britânicos da UE é um recuo da globalização. Os críticos do citado processo de
integração internacional desaprovam de modo acrimonioso o obstáculo interposto
no caminho do avanço da internacionalização das economias e das culturas
nacionais.
A decisão do plebiscito britânico
pretende defender as culturas nacionais dos povos que integram o Reino (não
muito) Unido. Também expressa a percepção do povo simples e dos pequenos
negócios e dos desprezados velhinhos. Os intelectuais, as pessoas das diversas
elites e os grandes negócios também foram contra.
Os analistas “politicamente corretos”
desta vez estão do lado dos grandes negócios e das elites em geral, a começar
pela “aristocracia” intelectual. O povo simples perdeu o encanto? Ou as suas
decisões só devem ser acatadas quando sintonizadas com o pensamento dos
“esclarecidos”, herdeiros dos “reis filósofos” concebidos por Platão?
O nacionalismo, seja aquele do tipo
econômico, seja do tipo preocupado com a conservação das culturas nacionais,
influenciou a atitude separatista. Curiosamente os que até ontem combatiam a
“famigerada globalização”, agora defendem a internacionalização das nações
europeias.
O nacionalismo, do ponto de vista
filosófico, expressa uma distinção injustificável entre seres humanos.
Economicamente é a festa dos que se locupletam com as reservas de mercado.
Politicamente é uma oportunidade ímpar para o populismo inescrupuloso. Mas isso
só agora foi descoberto? Ser nacionalista deixou, de modo abrupto, de ser
“politicamente correto”?
Caíram as bolsas de valores. Caiu a
libra. Parece, porém, que nem tudo é mercadoria, quando se decide
contrariamente a tão criticada “lógica dos mercados”. Curioso é que tantos
analistas estejam contrariados com o desprezo por tal lógica, associado a uma
tentativa de preservar uma cultura nacional, segundo um raciocínio semelhante
aos argumentos em defesa do cinema, da música e da literatura brasileiras.
A mudança subitânea
de valores e princípios, no caso, diz alguma coisa sobre o discurso “politicamente
correto”.