A RESPEITO DOS CRÍTICOS
Vianney Mesquita*
Qual
o mais duro dos críticos? – O amador malogrado (J.W. GOETHE).
Decerto agastado com as opiniões dos
comentadores de arte, de quem experimentou do látego, o poeta e artista
paulistano Sérgio Milliet da Costa e Silva (20.09.1898-09.11.1966) demonstrou
desagrado em relação a alguns deles, assim dizendo em conhecida expressão:
O crítico é um arquiteto a posteriori, habilitado
a desmontar o conjunto da obra peça por peça, para dizer como foi feita e com
que material. E nessa tarefa mexeriqueira de desmontagem e remontagem, mais de
uma vez se engana e ficam sobrando parafusos (DELLA NINA, 1985, p.320).
Sobejas razões assistem ao escritor de
Cartas à dançarina, pois os
criticastros, quando não usam da louvaminha, da bajulação, fazem o reverso,
retalhando comentários sórdidos, via de regra tangidos pela inveja e animados
pela vindita. Os comentaristas de verdade são sóbrios nos seus escólios, pois
leves nos reparos e parcimoniosos no elogio. Reprováveis são as críticas
encomendadas, como censuráveis são as apologias e os ditirambos.
Gilberto Freyre, por sua vez, também
reclama, ao exprimir a noção de que certos críticos, no Brasil quanto em
Portugal, abrem um romance ou um poema à cata de pronomes mal colocados, erros
de infinito, falhas de metrificação.
Para o Intelectual pernambucano, estes
se comportam como simples guardas-civis da ordem gramatical, meros
mata-mosquitos de higiene da Gramática (IBIDEM).
Outro expoente da nossa cultura a
verberar contra os aristarcos brasileiros é Gladstone Chaves de Melo –
político, filólogo e escritor pátrio (Campanha-MG, 12.06.1917- Rio de Janeiro,
07.12.2001) - ao se reportar, por exemplo, às increpações de José Feliciano de
Castilho (irmão de Antônio, cego) e Franklin Távora, os quais, ao que se dizia,
excitados com dinheiro oficial, moveram “injusto” e “impiedoso” esforço, de
estudo, contra José Martiniano de Alencar, o filho, em relação à polêmica
travada acerca da Confederação dos
Tamoios, de Domingos José Gonçalves de Magalhães, o Visconde do Araguaia.
[...] é uma campanha de desmoralização e de descrédito,
organizada e levada a efeito com técnica e minúcia, um ataque sistemático e
constante ao político, ao jurista, ao dramaturgo, ao escritor... É a crítica soez,
feita a retalhos. Castilho é o tipo do caturra, gramaticoide estreito,
exsudando latim e erudição por todos os poros, arvorando-se em mestre do bom
gosto, do estilo, em paladino da vernaculidade. (MELO apud LELLIS, In MESQUITA,1989).
No concerto internacional, consoante o
enorme João W. Goethe (1740-1832), o mais cáustico dos críticos é o amador mais
fracassado (IDEM, 1985), referência que, aliás, deve doer profundo em quem é
assim conceituado.
Já o festejado escritor de O Vermelho e o negro, Stendhal (Henrique-Maria
Beyle – Grenoble, 23.01.1783 – Paris, 27.03.1843), parte para a liça,
aprestado com os aços da palavra, ao exprimir, revoltado, a uma pessoa que
dirigia comentários com desaires a uma de suas obras: “Este homem não tem a
minha opinião; logo, é um imbecil; critica o meu livro, logo é um celerado,
ladrão, assassino, asno, falsificador, canalha, covarde”. (DELLA NINA, 1985,
319).
Também Jorge Cristóvao Lichtenberg
(Ober-Ramstadt, 01.07.1742 – Gottingen, 20.02.1799), filósofo e primeiro docente
de Física Experimental da Alemanha, acicata os maus críticos, ao exprimir a
ideia de que, entre os maiores descobrimentos realizados pela mente humana, nos
últimos tempos, figura a arte de julgar os livros sem sequer os folhear (IDEM),
isto é, o não-li-não-gostei das
mentes desprovidas, que comentam os escritos de alguém às vezes sem sequer
proceder à leitura das guarnições.
Efetivamente, esses exemplos, pinçados
de centenas de registos procedidos por pessoas afamadas e açoitadas pelos
criticoides, conquanto verdadeiros, liberam a verve dos honestos comentaristas,
os quais, à isenção, erigem aos seus devidos patins a arte produzida,
conferindo-lhes o merecido lugar no panteão da história, conduzindo-os ou não à
posteridade, resistentes ou não resilientes às intempéries e modismos , e.g., da indústria cultural, divisada,
inauguralmente, por Max Horkheimer e Theodoro Wiesengrund Adorno.
Como primeira serventia, no entanto,
intentamos com estas referências justificar a alegoria do nosso livro Arquiteto a Posteriori – apreciações críticas (UFC, 2013) – com a vênia do
artista e escritor paulistano, referido no pórtico desde segmento.
Suplementarmente, também, expressamos
a ideia de homenagear esse literato, de referência nacional e mundial, como
jornalista, poeta bilíngue (escrevia em Francês – seu avô tinha esta por
nacionalidade) e tradutor.
Consoante assere o historiador
literário e escritor do concreto, paulista Mário da Silva Brito (Dois Córregos,
14.09.1916),
[...] nome de importância na história da cultura de
vanguarda no Brasil, tendo-se interessado por todas as manifestações inovadoras
surgidas no País, a partir da Semana da Arte Moderna, da qual foi participante.
Fez polêmica modernista, notadamente a irrompida entre os próprios grupos
renovadores, e, pela sua busca de equilíbrio, já o apontaram como o elo de
ligação (sic) entre os modernistas
históricos e as novas gerações suas sucessoras (Apud MENESES, 1969, p. 840).
Expressa, ainda, esse seriíssimo analista
da Literatura brasileira o fato de que, da obra em língua prosa do Poeta de Par le
sentier e Les départ sans pluie,
tem destaque, “[...] especialmente para o conhecimento da evolução do
Modernismo, e, notadamente, da poesia dessa fase, a série intitulada Diário Crítico – vasto painel que documenta as ideias, os livros e os
autores do período que abrange”. (IBIDEM, pp. 840-1).
Nossa homenagem e reconhecimento a
este, que abre Arquiteto a Posteriori e
apadrinha as dezenas de produtores cearenses ali comentados, em seus escritos
de Ciência e Tecnologia e Literatura, em uma reunião de artigos, guarnições,
quartas-capas, pronunciamentos e prefácios ao longo de algum tempo e que não
perderam atualidade nem essência, de sorte a ter valido a pena – pensamos –
guardá-los e, então, os trazer enfeixados em livro.
Chamamos a atenção para o fato de que não
nos consideramos um arquiteto ao depois, ao jeito como diz Sérgio Milliet,
porquanto não desmontamos nem remontamos nada, limitando-nos a comentar – sem
bater os autores e tampouco os adular. Também optamos por não escrever acerca
de escritos de má qualidade, nem tomar de assalto os bons textos,
impingindo-lhes, adredemente, defeitos nestes não contidos, como procedem certos
comentadores para estimular a arenga e proceder à vindita, pois (e isto é uma
glória) não constituímos desafetos. Os textos comentados no Arquiteto a Posteriori são, todos, de
boa qualidade.
Neste comenos, pedimos cortesia aos
leitores para reproduzir a epígrafe do nosso volume de estreia – Sobre livros
– aspectos da editoração acadêmica – publicado pelas Edições UFC em 1984. Historicamente,
consoante a pesquisadora Leilah Santiago Bufrem, na investigação Editoras Universitárias Brasileiras – uma
crítica para a reformulação (São Paulo: EDUSP. 2001), nosso livro há pouco
mencionado é o primeiro da área de editoração acadêmica no Brasil.
Prefalada epígrafe é da colheita de
Pavel Dmitriyevich Korin {Palek (Ivanovo Oblast), 08.07.1892 – Moscou,
22.11.1967}, pintor e restaurador de arte, conhecido e admirado pelo tamanho
enorme de suas peças e em razão do extraordinário realismo.
A menção coincide com a nossa intenção
ao preparar o Arquiteto a posteriori.
Mi articulo no es un tratado
cientifico ni um programa, sino mas bien meditaciones em lo alto de um puerto
montañoso, cuando el largo camiño queda ya atrás, pero la cima se encuentra
todavia delante desde la altura conquistada por nuestro arte desde la altura de
los ideales e objetivos del siglo, se siente la necessidade de ojear em torno,
de mirar atrás y de avizorar el futuro. Ocurre eso porque el presente es
siempre um puente entre el pasado y el porvenir.
Naturalmente, non pretendo plantear
todas las cuestiones transcendentales del arte contemporâneo, ni, mucho menos,
resolverlas. Pero hay algo que quiero dejar fuera de dudas, y desde las
primeras paginas, hablo, em recuerdo a Montaine:
Esse libro es sincero, lector!
BIBLIOGRAFIA
BUFREM, Leilah Santiago. Editoras Universitárias. Uma Crítica para a Reformulação. São Paulo: EDUSP, 2001.
LELLIS, Raul Moreira de. História Literária do Brasil. São Paulo:
Nacional.1970.
MENESES, Raimundo de. Dicionário Literário Brasileiro.
(Ilustrado). São Paulo:Saraiva, 1969.
MESQUITA, Vianney. Sobre Livros – Aspectos da Editoração
Acadêmica. Fortaleza/Edições UFC; Brasília: PROED-MEC, 1984.
MESQUITA, Vianney. Impressões – Estudos de Literatura e
Comunicação. Fortaleza: Agora, 1989.
NINA, A. Della. Dicionário da
Sabedoria. São Paulo: Fitipaldi, 1985.