FONTES DE HILARIDADE
Vianney Mesquita*
Tanto maior é o erro quanto mais grave é o que o comete. [FERNANDO DE ROJAS –
dramaturgo espanhol- YLa Puebla de Montalbán
(Toledo), 1470; † Talavera de la Reina,
1541].
A tarefa de revisão textual constitui atividade por
demais cansativa, em especial se o autor é iniciante no ofício, intenta ser (ou
verdadeiramente é) simplório em excesso, e – o pior de todos os defeitos –
quando não domina a pontuação, tampouco a colocação correta dos sinais
diacríticos ou acentos, de modo a exigir, de quem repassa o conteúdo do
trabalho então relatoriado, o alcance do seu raciocínio, a fim de poder concertar
as ideias no mesmo passo em que conserta os deslizes.
De tal modo – e até sob conselho médico, que o diga
o cirurgião cardíaco Dr. Valdester Cavalcante Pinto Junior – procuro
descometer-me dos trabalhos a mim confiados, divertindo-me, a modo cidadão e
com a necessária urbanidade, à custa de lances engraçados ocorrentes no contato
com os textos que me vêm à joeira e procedente de muitos pagos onde se pratica
a Língua Portuguesa, em múltiplas vertentes do conhecimento, da Mitologia até a
Matemática, passando pelas Ciências da Saúde, as Ciências Corológicas e da
Terra (o repertório mais apreciado por mim), História Natural e demais origens
do saber em parte ordenado.
Na produção de escritos científicos e literários,
em especial os mais longos e densos, de 50 a 500 folhas (verso e anverso), a
fadiga do autor é notada, muitas vezes, depois de algumas dezenas de páginas,
quando descura, naturalmente, por exemplo, das regras de regência, colocação
clítica e concordância nominal e verbal, rendido ao emprego da língua culta,
mercê das exigências impostas ao produtor de teores de Ciência, especialmente a
instâncias de tempo, para conquista de um título universitário stricto sensu, aprovação em concurso,
ascensão funcional no trabalho e coisas assemelhadas.
A este respeito, aliás, em contato com futuros
consulentes, costumo recomendar atenção redobrada na ideação propriamente dita,
no fulcro da verdade por eles demandada, sem se incomodarem, enquanto as novas
ideias sob exame dos produtores não se oferecem ao julgamento da comunidade
estudiosa, com os então detalhes comunicacionais em Língua Portuguesa,
porquanto tencionam submeter suas peças ao crivo de um revedor de ofício, de
tal modo a conceder mais prazo, pois economizado o tempo de atenção com a
gramática e o jeito peculiar de escrever, verbi
gratia.
O revisor de textos (com missão bem diversa daquela
de revedor meramente de provas gráficas), por conseguinte, terá a
responsabilidade de varrer os desacertos e inexatidões, os caxorros e extratos
sociais que situam em cheque o
relatório da pesquisa, fazendo-o escorreito, deseixado de qualquer senão
gramatical, consoante as três imperfeições há pouco expressas em itálico, e, se
possível, maximizando o estilo, pois, mesmo em redações desse gênero, a língua,
concernentemente à textura elocutória, pode exibir um autor com maneira diversa
de tornear, fora da vala comum das elocuções terra-a-terra, triviais, em
atenção ao juízo do Conde de Buffon, para quem o estilo é a própria pessoa (le style c’est l’homme).
Acresce anotar o fato de que, muito raramente, se
registam menos do que dez marcações – nem sempre erros propriamente, mas
sugestões de supressão de termos e dicções sobejas e repetidas na mesma página,
manias e chavões acadêmicos, pleonasmos e outras redundâncias, sinais de
pontuação mal situados, enganos geográficos e históricos, estatística
desatualizada, tabelas fechadas nos lados, colisões formadoras de cacófatos et coetera.
É conveniente expressar a necessidade de segunda
revista, depois de honradas as emendas sugestionadas pelo revisor de escritos,
porquanto, havendo marcações em demasia na prima revista, os deslizes menores
podem ter se escondido entre os mais graves, não restando detectados.
No segundo parágrafo deste comentário, referi-me à
diversão empreendida, especialmente se o cansaço me quer atingir, na
oportunidade em que, conforme expressei, comento com os próprios autores, sem
sair do terreno da decência, polidez e ética. Escondo, pois, a muitas chaves, a
identidade da pessoa com quem brinquei, a qual também se desentedia da labuta
de casa, do trânsito, trabalho e estudo e até se recreia com os próprios e
inocentes deslizes. Tanto é assim que, nas ocasiões em que nos encontramos,
sempre é a personagem que me lembra do ocorrido, deixando mais do que patente a
noção de que, longe de se molestar com o chiste, apreciou tanto o evento, de sorte a jamais sair da sua
lembrança.
Em 6 de fevereiro de 2005, fui submetido a uma
cirurgia cardíaca, revascularização, com os facultativos cirurgiões cardíacos
Fernando Antônio de Mesquita, meu irmão, e Valdester Cavalcante Pinto Junior,
que até hoje me acompanha, havendo obtido o máximo sucesso, mesmo após, dias
antes, eu me haver apagado por 11 minutos, com ressuscitação, no exame de
cateterismo.
O citado Dr. Valdester assentiu em que continuasse
com a atividade, porém, cum grano salis,
sem denodo, ausente aquele esforço peculiar ao trabalhador consciente,
responsável, pois sugeriu até que não contratasse, por exemplo, determinados
trabalhos, exigentes de mais esforço, depois de me haver indagado que tipo de
tarefa era mais afanosa. Sugestionou que levasse
na esportiva, não me agastasse nem exagerasse no ofício, ao que
desobedeci, logo após cicatrizar a lasca de 23 cm no meio do esterno,
praticando, porém, a diversão.
Nos primeiros meses de 1997, maiormente para amatar
a seriedade de um livro que poderia ter sido paulificante, e, ao contrário,
ainda hoje, passados quase 18 anos, provoca risos, aprendera com meu guru
universitário, Prof. Dr. José Anchieta Esmeraldo Barreto, a chicoanisiar os comentários
pretensamente mais pesados no que concerne à leitura. E eis que me dou bem com
essa técnica, aplicada por ambos na obra a duas destras e um par de cérebros há
instantes referida, a ele agradecido pela dica excepcional – e por tantas
outras coisas mais.
Enrusto, pois, na narração das comicidades, os
nomes, situações e quaisquer circunstâncias suscetíveis de indicar as personagens,
a igual do que se faz no concernente à Resolução número 466/2012, do Conselho
Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde do Brasil, prescrita para estudos envolvendo
seres humanos – a chamada pesquisa In
anima nobili, a qual atenta para os desígnios da Bioética, configurados nas
quatro determinações: Autonomia, Não Maleficência,
Beneficência e Justiça e Equidade.
Ensaios com pessoas humanas, em matéria procedimental
do investigador, divergem, entretanto, da conduta do operário da busca
científica, quando dos estudos In anima
vili (com animais inferiores), a qual, me cumpre evidenciar, reserva também
regras éticas e deontológicas – as normas prescritas para investigações com
animais vivos não humanos, como aquelas em curso, por exemplo, na Universidade
Estadual do Ceará – UECE, altamente especializada neste mister, no âmbito de
seus programas de pós-graduação em Ciências Veterinárias.
À frente, pois, dou conta, por enquanto, de algumas
ocorrências meio cômicas, nos excepcionais bastidores da atividade de consultor
de textos acadêmicos, fatos que me afastam o estresse, me desopilam e
desembaraçam os órgãos internos, aglomerando até material para ser reunido com
objetivo de publicação, a fim de enricar o recheio editorial cearense de textos
hilários, conforme o fizemos, o Prof. Dr. Anchieta Barreto e eu, no A Escrita Acadêmica – Acertos e
Desacertos, em 1997, ainda hoje objeto de troças e gaitadas.
Procedo, porém, a estes parênteses agora
preenchidos, tomando tento em asseverar o fato de que, em sua maior parte, os
experimentos e ensaios nos patins de mestrado e doutoramento das nossas
universidades, configurados e depois sustentados em defesas públicas sob os
moldes de teses e dissertações, resultam de inconcusso valor acadêmico, com
alcance científico internacional, a fim de inverter-se para o progresso e o bem
da humanidade, aliás, o principal escopo da atividade científica e dos feitos
acabados da Ciência. Neste comenos, particularizo, entretanto e por pretextos
óbvios, a Universidade Federal do Ceará, a qual faz piso do ecúmeno educacional
e investigativo desde 1954, diferentemente das demais, com trajeto mais
recente, ao ocupar lugar de destaque na seleção das prestigiosas instituições
acadêmicas do País, ao lado da USP – Universidade de São Paulo, Universidade
Federal do Rio de Janeiro e Universidade Presbiteriana Mackenzie, da qual há
pouco tempo, aliás, foi reitor o cientista e meu amigo, internacionalmente
reconhecido, Prof. Dr. Manassés Claudino Fonteles, ex-dirigente-mor, também, da
UECE.
Seguem, agora, os anunciados causos detectados em
peças de cunho acadêmico por mim transitadas recentemente, com dados
absolutamente embaralhados, de modo a não dar a ensancha de nenhuma detecção
verdadeira.
Lembro, primeiro, o fato de que, aqui neste medium de comunicação, em crônica do dia
9 deste mês, relatei a ocorrência de uma moça que pediu para eu revisar sua mamografia (nunca ouvira falar em
monografia) e eu lhe disse que não era mastologista, havendo pensado em
indicar-lhe o Dr. Luciano Silveira, o que não fiz; bem assim de outra, pouco
tempo depois, ao me indagar qual a primeira coisa que o concludente faz para
começar a mamografia. Fiquei, então,
com a vontade de dizer-lhe que o primeiro passo era tirar o soutien, porém me limitei a dizer-lhe as
providências iniciais para produção do seu TCC – Trabalho de Conclusão de
Curso.
Em tarefa com vistas a qualificar um relatório de
Mestrado na Universidade Federal do Ceará, a mestranda dedicou seu trabalho
[...] Ao meu marido Gotardo, com carinho
e muito amor. Incluí, pois, a vírgula faltante e escrevi: “Imponha vírgula
entre marido e Gotardo, sob pena de seus leitores pensarem que a senhora
pratica a poligamia, tem mais de um marido”.
Isto me faz evocar um evento por mim presenciado,
nas dependências da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, onde estive na
qualidade de assessor especial do Reitor da U.F.C., Prof. Dr. Raimundo Hélio
Leite. Durante uma reunião plenária do Conselho de Reitores das Universidades
Brasileiras – CRUB, logo depois de um destes eventos haver sido realizado em
Fortaleza, nas dependências da UECE, quando era reitor o Prof. Dr. Reginaldo
Cruz de Macedo (fictício), esse magnífico agradeceu aos seus pares, reitores
brasileiros, o apoio recebido quando realizada a versão anterior do
acontecimento na sua cidade, Fortaleza.
Complicou, todavia, com o pedido do Reitor cearense
ao Presidente da Mesa, reitor da UERJ de 1984 a 1988, Prof. Dr. Charley Fayal
de Lira, para que o agradecimento fosse inserido no ANAL daquela Sessão
Plenária.
Ocorreu que, embora sensível à solicitação, o
Presidente ficou com as mãos na cabeça, sem saber o que fazer ...
Defensor de uma dissertação de Mestrado em
Pedagogia, em segunda qualificação, trabalhou, quantiqualitativamente, em
escolas particulares e públicas de Aquiraz, município litorâneo cearense, o
tema realização de atividades acadêmicas, individuais ou com o auxílio docente.
Assim, a certa altura do texto, escreveu:
[...] Além disso, na ESCOLA PÚBLICA (realcei), não foram presenciadas ações efetuadas com o colega ou em grupos,
pois os alunos quase sempre permaneciam em suas carteiras, realizando
atividades individuais. Contrariamente, NA PRIVADA (imprimi destaque), observei, esporadicamente, a realização,
por parte de alunos e alunas, de algumas atividades. Depois de lhe pedir
desculpas pelo escrito antes do que agora
escrevo, assim grafei: “Parece bastante indiscreto, tampouco saudável e
higiênico, observar, mesmo que esporadicamente, CERTAS atividades que alguém
desenvolve na PRIVADA”.
É muito comum, quando dos primeiros contatos (consulente
novo), a ocorrência de certas perguntas que, realmente, merecem contestações
mais drásticas, pelo grau de obviedade encerrado na indagação, no caso deste
exemplo, em texto dissertativo de mais de 200 páginas. Após telefonar para a doutoranda, informando
sobre o trabalho acabado, ela interroga: Professor,
tinha algum erro? De pronto,
respondi: “Apenas três, mas somente no título, que era A Questão do Processo de Aprendizagem Individual ou a Partir do Auxílio
Docente em Escolas Pública e Privada no Município Guaraciaba do Norte. Não
há erros propriamente, mas se registam três manias: questão, processo e a
partir – as quais hão de ser
evitadas, em razão da exagerada frequência de emprego. O título, evidentemente
e a instâncias do revisor, foi refeito. Esta mesma consultante houvera me
perguntado se ela somente pagava as páginas que contivessem erro. Disse -lhe,
pois, que era, e, ainda mais, as que não registassem erro, eu lhas indenizava,
ou então que somente me trouxesse aquelas com erros.
Então, caros leitores, para “não dizer que não
falei de flores”, quase diariamente se registam coisas que tais, de sorte que,
com elas, conservo meu veio espirituoso, arredo o estresse e a chateação do
trânsito e dos noticiários repletos das desgraças e alcances milionários,
transferidos pelos meios de propagação coletiva, “caminhando e cantando...”, em
obediência à poesia inteligente, outrora proibida, do paraibano Geraldo Pedrosa
de Araújo Dias, nosso Geraldo Vandré...
*Vianney Mesquita
Escritor e Jornalista
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