terça-feira, 30 de maio de 2017

ARTIGO - República dos Embutidos (AS)


REPÚBLICA 
DOS EMBUTIDOS
Arnaldo Santos *


Por mais que o Presidente Michel Temer aposte na mediocridade dos integrantes do Congresso Nacional, na indigência moral e ética daqueles que, direta ou indiretamente, estão envolvidos na trama e o querem no poder, sob o falso argumento de que sua saída prejudicaria ainda mais o país, e até na omissão e morosidade do Poder Judiciário, seu mandarinato já não serve nem para produção de embutidos pela JBS.

Mesmo com todo o desprezo que o senhor Michel Temer demonstrou nutrir pela República, (esse sentimento ficou claro ao se permitir participar da trama que agora está sendo divulgada), e pelo que se pode depreender dos fatos revelados nas gravações dos Irmãos Batista, (ainda que editadas ou forjadas), não é preciso ser constitucionalista nem penalista para logo se perceber quão graves são os crimes contidos no diálogo do empresário com o ainda Presidente.

Se as delações dos executivos da Odebrecht não encontram precedentes na história política brasileira, pelo largo espectro de políticos e partidos envolvidos, convido os do "andar de cima", que ora fazem de tudo para defender o senhor Michel Temer, a fazerem uma aligeirada reflexão sobre a gravidade dos crimes cometidos pelo Presidente da República, a partir dos conteúdos revelados nessas gravações publicadas nas últimas duas semanas. 

O mínimo que se lhe pode imputar são os crimes de responsabilidade e de prevaricação, pois durante 38 minutos de gravação (esse é o tempo que durou a conversa do empresário com o Presidente), atentamente ele ouviu os relatos do cometimento de vários delitos praticados pelo gângster Joesley, que vão da compra do procurador da república Ângelo Gullar, já preso, passando pela concessão de propina a dois juízes citado nas gravações (ainda não se conhece o seus nomes), ao pagamento a um informante da força tarefa da Operação Lava Jato, (também não revelado ainda), até a interferência na nomeação de agentes públicos nos vários órgãos do governo, e pasmem – alguns dos delitos, como a compra do silêncio do Eduardo Cunha e do doleiro Lúcio Funaro, com a plena concordância do Presidente, com a frase: “Isso você deve continuar, viu!”.

Tudo isso relatado ao Presidente, até com uma certa jactância, pelo senhor Joesley – que, a bem da verdade, já era investigado pela prática de outros crimes, em cinco outros processos pretéritos aos fatos agora revelados.  Para agravar ainda mais o nebuloso cenário em que esses fatos ocorreram deve ser dito que a trama foi encenada em uma reunião secreta no Palácio do Jaburu, onde o senhor Michel Temer teve a preocupação de perguntar ao seu interlocutor se alguém o havia visto entrar. O leitor saberia o porquê desse cuidado? A um presidente da República é dado o direito a conversar com um criminoso confesso, e ouvir os relatos dos seus crimes, e, não só ficar calado, mas até manifestar o seu apoio? 

O senhor Michel Temer, ao aceitar participar desse despudorado enredo, demonstrou, além de desapreço pelo republicanismo, não ter qualquer noção das nobres responsabilidades e da concepção do que significa exercer a função de Chefe de Estado. Assim, é preciso dizer-lhe que a majestade do cargo de Presidente da República não se coaduna com a realização de encontros, ainda que informais, às escondidas, na calada da noite, e menos ainda em companhia de um criminoso lesa-pátria, para tratar de negócios pouco ortodoxo com o Governo.

Diante dos fatos que abalaram a Nação, quando o Brasil inteiro esperava sua renúncia na última quinta-feira, o senhor Michel Temer surpreendeu a todos, reafirmando sua permanência no cargo. Aqui deve ser lembrado que quando a banda "pútrida" dos seus Ministros começou a ser denunciada pela Lava Jato, o Presidente logo se apressou em estabelecer e anunciar uma linha de corte, adotando como critério para exoneração dos mesmos a denúncia contra eles, pois enquanto investigados permaneceriam nos cargos, e assim é até hoje. Adotando para si o mesmo critério, para o seu próprio benefício, talvez por isso tenha afirmado em alto e bom som que não renunciaria, já que, por enquanto, é apenas investigado, por determinação do Ministro Edson Fachin.

Assim, como fizera Galileu Galilei, ainda no século XVII, quando apontou pela primeira vez seu telescópio para os céus e identificou buracos negros na atmosfera, os irmãos Joesley e Wesley Batista, quatro séculos depois, com suas lunetas de longo alcance para a prática da corrupção, repetiram o gesto do cientista e astrônomo Italiano seiscentista. 

Dos abatedouros da JBS, e das janelas de luxuosos apartamentos na Quinta Avenida em Nova York, ao apontarem suas lunetas de longo alcance para o BNDES, fundos de pensão e o Governo como um todo, desde a era Lula, logo também identificaram os muitos buracos negros para a prática de um agudo processo de corrupção, até mirar e abater o Presidente Michel Temer no Palácio do Jaburu, para com a sua carcaça enriquecer a produção de embutidos, trazendo a chancela do PMDB e do PSDB, e o selo de qualidade do Procurador Rodrigo Janot e do Ministro Edson Fachin, que os premiaram com uma vida nababesca – livre, leve e solto pelo mundo afora, depois de todos os crimes cometidos.



segunda-feira, 29 de maio de 2017

ARTIGO - Desinformação Sistemática (RMR)


DESINFORMAÇÃO
SISTEMÁTICA
Rui Martinho Rodrigues*



A esposa do ex-deputado Eduardo Cunha, Cláudia Cruz, foi absolvida pelo Juiz Moro, que determinou a devolução de uma expressiva soma da ré inocentada, por ser produto de crime. A esposa do ex-governador Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, foi condenada.

A desinformação, aproveitando-se do fato de que o grande público desconhece as tecnicalidades jurídicas, esforça-se por desacreditar o magistrado. As redes sociais noticiam os fatos citados como escandalosamente contraditórios.

Receber do marido presentes e depósito em dinheiro não se confunde com receptação, coautoria ou participação nos crimes do cônjuge. Adquirir joias e fazer gastos supérfluos não tipifica delito. A fruição do produto do crime não constitui delito. Uma vez alcançado o desiderato do agente da conduta o crime está consumado.

O que vem depois é apenas post factum não punível. Cônjuges não são legalmente – nem sequer moralmente – obrigados a delatar uns aos outros. Cláudia Cruz não era obrigada a comunicar os crimes do marido às autoridades; não cometeu crimes ao receber dele presentes caros, nem ao fazer gastos fúteis e extravagantes. 

A origem do numerário recebido, todavia, é criminosa e cria a obrigação de devolvê-lo, conforme a decisão do Juiz Moro. Só há motivo para condenação quando o cônjuge participa da execução do crime ou lhe empresta apoio. Seria preciso que houvesse provas de tal participação de Cláudia Cruz nos crimes de Eduardo Cunha. O MP denunciou-a.

Significa que existiam provas? Não. Se assim o fosse todos os réus seriam obrigatoriamente condenados. O MP denuncia sempre que existam, antes da instrução criminal, indícios capazes de originar dúvida, conforme o princípio in dubio pro societate. O magistrado julga, depois da instrução criminal, de acordo com o princípio in dubio pro reo.

Moro entendeu que não havia provas suficientes para caracterizar participação ou coautoria. Isso é corriqueiro. Não há escândalo. Adriana Ancelmo foi condenada em outro processo, com outras provas. Ela é advogada e recebeu vultosos recursos como honorários profissionais, sem ter acompanhado processos e sem ter feito nenhum parecer jurídico. Foi condenada por lavagem de dinheiro e outros crimes.



COMENTÁRIO

Muito judiciosamente, o Prof. Rui Martinho Rodrigues observa em seu artigo que, tanto a opinião publicada quanto a opinião pública, fazem cobranças descabidas ao Judiciário, por absoluta ignorância da processualística penal.

O povo quer o sangue dos agentes públicos e de tudo que for oficial, e quer cadeia em regime fechado sem julgamento regular. E a imprensa fica a açular os incautos contra procedimentos jurídicos que absolutamente desconhece, dizendo aleivosias e cometendo injustiças.

Por exemplo, baderneiros numerosos atacaram a polícia na Explanada dos Ministérios, fazendo uso de fogo e de armamento eventual com potencialidades letais, quando um policial afasta a turba atirando para o alto. Então, é tratado pela mídia como o grande vilão.

Tecnicamente, a mulher de um dos presos tem atitudes criminosas, conforme os autos, e por isso é condenada; a mulher do outro não tem culpa nem dolo nas práticas ilícitas do marido, e é absolvida. Pronto. Não deveria "o sapateiro ir além dos sapatos".

As pessoas queriam ambas presas, porque ambas usufruíram do fausto que lhes proporcionaram os seus maridos ladrões, uma delas induzida pelo companheiro a praticar atos indignos. Eu, fosse o juiz, e antes, fosse o legislador, as duas permaneceriam soltas.


Sim. Se isso é ser machista, eu o sou com muito orgulho, e o confessarei enquanto ser homem (e ter hombridade) não for crime. O fato é que noventa e nove por cento das condenadas nos presídios femininos não tiveram a iniciativa de delinquir,  e somente o fizeram por influências de seus homens. Fizeram-no por amor. Eu não conheço nenhum caso de criminoso influenciado por sua mãe, mulher ou filha.

Deixei margem para as exceções raras, pois há isolados casos de mulheres perversas, de viúvas negras, de ladras ladinas, manipuladoras de homens, traidoras horrendas e assassinas de maridos. Mas é claro que não estão nesse caso nenhuma das mulheres de Sérgio Cabral. “Ele é quem quis, ele é o homem; ela é apenas uma mulher”, diria eu, parafraseando Chico Buarque.

Reginaldo Vasconcelos
            

SONETO DECASSILÁBICO - Mácula Noturna (VM)


MÁCULA NOTURNA*
Vianney Mesquita**

Entre o ódio e o amor existe o sexo. (Benedito Cardoso)



Ultimamente, em certas circunstâncias,
Como em libidos a estremar demências,
Cogito em adentrar-te as reentrâncias,
Depois de acariciar tuas saliências.

Eis que a barbaridade dessas ânsias
Parece demonstrar as evidências
Do fato de conterem tais instâncias
A censura velada das ciências.

Interrompida a relação soturna,
Um termo é imposto à mácula noturna
E, empós o sonho findo, o tino chama.

Abertas, pois, as pálpebras do dia,
Eu recorri do tálamo à vigia
Para meu corpo não cair da cama!


*Composição datada de 03.06.1966, com 100 palavras.


domingo, 28 de maio de 2017

NOTA ACADÊMICA - Excursão Cultural à Iracema


EXCURSÃO CULTURAL A IRACEMA


A Academia Cearense de Letras, cumprindo as políticas de maior integração das instituições congêneres sediadas no Palácio da Luz e de interiorização da entidade veterana, implementadas pelo seu atual presidente, o Ministro Ubiratan Aguiar, organizou a Primeira Excursão Cultural do Gabinete Federativo das Academias Literárias Cearenses.



A comitiva de acadêmicos de letras do Estado, na manhã desta sexta-feira, dia 26 de maio, foi à simpática cidade de Iracema, da microrregião da Serra do Pereiro, na mesorregião do Jaguaribe, no Estado do Ceará, sob os auspícios prestimosos do advogado, político e literato Neuzemar Gomes de Moraes, que é natural daquele Município, em que foi Presidente da Câmara de Vereadores e vice-prefeito.



À noite, o bibliófilo José Augusto Bezerra, ex-presidente da Academia Cearense de Letras, Presidente da Associação Brasileira de Bibliófilos e Membro Benemérito da ACLJ, natural da vizinha cidade de Alto Santo, foi homenageado pela Câmara Municipal de Iracema, que lhe outorgou o título de Cidadão Honorário, em solenidade festiva muito movimentada e concorrida.








Participaram da excursão o Ministro Ubiratan Aguiar, Presidente da ACL e Neuzemar de Moraes, representando a Academia Cearense de Retórica, a Academia Cearense de Cultura, a Sociedade Cearense de Geografia e História e a ALMECE, as quais integra, secretariado por sua filha Crislene Gomes.






Também compunham o grupo o jornalista e advogado Reginaldo Vasconcelos, Presidente da ACLJ, e o bibliófilo José Augusto Bezerra, acompanhado de sua mulher Bernadete, da sua filha Margareth e dois de seus netos, Saulo e Júlia, além de seu irmão, o advogado Abneias Bezerra, com a sua Socorro Fujita, que foram prestigiar o ilustre parente, recipiendário da homenagem.

Neuzemar e Ubiratan saudaram José Augusto, da tribuna da Câmara, com sua belíssima oratória,  aquele com uma peça escrita que abaixo reproduzimos, este último em uma fala de improviso, mercê de seu talento de tribuno. O homenageado também improvisou o seu discurso, enriquecendo o roteiro que adrede preparara. 


Presente simbolicamente o ex-governador Lúcio Gonçalo de Alcântara, cuja participação  no grupo estava prevista, mas que não pode viajar por súbita indisposição de saúde e consequente recomendação médica. Ele redigiu uma mensagem que foi lida por José Augusto Bezerra da tribuna, e que aqui reproduzimos.

Estavam ainda na comitiva o médico Ernani Machado (acompanhado do filho Lucas), Presidente do Centro Cultural do Ceará; o poeta José Maria Nunes Guerreiro, Presidente da Academia Limoeirense de Letras; Graça e Nicodemos Napoleão, representando a ALMECE, a Academia de Letras Maçônicas e o Centro Cultural do Ceará; Arlene Portelada e Valeska Capistrano, ambas da ALMECE.  



José Augusto Bezerra surpreendeu a todos durante a solenidade, ao quebrar gentilmente o protocolo para, por seu turno, conceder a Medalha do Centenário de Rachel de Queiroz a quatro personalidades, duas delas dentre os membros da comitiva e duas autoridades locais: Neuzemar de Moraes, Ubiratã Aguiar, o Prefeito de Iracema, José Juarez Diógenes Tavares e o Presidente da Câmara, Antônio Erivaldo Magalhães Moura

Reproduzimos trechos do belíssimo discurso que Neuzemar de Moraes proferiu em louvor a José Augusto Bezerra,  que disponibilizamos na íntegra através de um link de acesso.



DISCURSO DE NEUZEMAR GOMES DE MORAES (EXCERTOS)

“Nesta noite luminosa, festiva e encantadora, onde povo e Câmara Municipal se entrelaçam, formando uma ambiência na qual, como diria Joaquim Nabuco, cérebros e corações se fundem para a comunhão da cultura e da cidadania”.

“JOSÉ AUGUSTO BEZERRA, apaixonado por livros, porque neles está a grande riqueza do mundo, constituiu a maior biblioteca particular do Brasil, composta por mais de quarenta mil volumes, sendo cerca de dezesseis mil, de obras raras. Tão famosa é a sua biblioteca que em 1980 ela já era visitada por personalidades do porte de Aurélio Buarque de Holanda, Gilberto Freire, Paulo Rónai, José Mindlin, Pedro Correia do Lago e outras figuras de destaque no mundo cultural brasileiro. 

Em 1985, JOSÉ AUGUSTO BEZERRA fundou a Associação Brasileira de Bibliófilos, sendo o presidente da prestigiada entidade nacional. O romance épico O Espírito do Sucesso o consagrou como respeitável escritor e beletrista de escol”.

“O novel cidadão de Iracema é membro efetivo do Instituto do Ceará – Histórico, Geográfico e Antropológico, do qual foi presidente de 2007 a 2009, e de 2011 a 2013. O Instituto é a mais antiga entidade cultural do Ceará. Ele é também membro efetivo da Academia Cearense de Letras, a mais antiga do gênero no país, entidade que presidiu de 2013 a 2017, tendo sido o mais dinâmico de todos os seus dirigentes”.

“JOSÉ AUGUSTO integra também a Academia Cearense de Retórica, a Academia Cearense da Língua Portuguesa e a Academia Fortalezense de Letras e a Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, esta último como Membro Benemérito”.

“O valor do seu trabalho intelectual e a contribuição benéfica que tem dado ao Ceará e ao Brasil têm merecido o reconhecimento em forma das mais diversas homenagens, destacando-se aqui, para resumir, porque seria fastidioso enumerá-las: a Medalha Boticário Ferreira, da Câmara Municipal de Fortaleza, e o Troféu Sereia de Ouro, do Sistema Verdes Mares de Televisão”.

“Obvio que a presença do JOSÉ AUGUSTO BEZERRA aqui, cidadão honorário desta terra, acadêmico que cedo alçar-se-á à Academia Brasileira de Letras, serve para estimular cada vez mais os nossos valorosos estudantes e esta augusta casa legislativa teve essa percepção, aprovando unanimemente a propositura do ilustre vereador Edvaldo Bezerra de Souza”.

“Bibliófilo JOSÉ AUGUSTO BEZERRA – este título expressa a homenagem que esta terra lhe presta, pelos seus inúmeros e indiscutíveis valores”.

“Sendo assim, e como em vezes outras, tomo emprestadas as palavras de Marco Antônio, proferidas há mais de dois mil anos na vetusta cidade de Roma; “para homenageá-lo, só se a Natureza; a Natureza, com seus mistérios; a natureza com seus encantos; a natureza, com a sua sinfonia; a Natureza, com os seus sons maviosos; a Natureza, com as suas multicores, brincando de arco-íris, se curvasse inteira para cá e bradasse ao universo, aqui está um homem”, o bibliófilo, intelectual, escritor, historiador, acadêmico, administrador e cidadão iracemense, JOSÉ AUGUSTO BEZERRA”.


A íntegra do discurso de Neuzemar Gomes de Moraes pode ser acessada acionando-se o link abaixo.


quarta-feira, 24 de maio de 2017

ARTIGO - A Sorte e o Mérito (RV)


A SORTE E O MÉRITO
Reginaldo Vasconcelos*


O capitalismo é a exploração do homem pelo homem. O socialismo é o contrário. (Millor Fernandes)



Um membro mais puro e ingênuo da família me consulta, em viagem rodoviária, se têm donos aquelas extensões de terra de um lado e do outro da estrada que percorremos de automóvel. Respondo que cada palmo daquelas vastidões tem o seu proprietário no registro de imóveis.

Então aquele espírito gentil quer saber por que razão não se compartilham aquelas áreas imensas e incultas com quem as queira explorar – e essa consulta deflagra uma longa reflexão que vai ao fulcro da questão ideológica que ocupa os pensadores e que há um século vem dividindo a humanidade.  

O destino de cada um deflui do binômio sorte-mérito. As pessoas nascem diferentes, em condições diferentes, e defrontam venturas e azares diferentes, em circunstâncias diferentes no curso de suas vidas, o que assoalha o  fadário pessoal de forma totalmente aleatória. Assim, como diriam os crentes, “Deus propõe”.

Então, “o homem dispõe”, concluiriam aqueles mais místicos: a partir daí tudo vai depender de seu desempenho e de seus esforços. Essa é a explicação lógica para o patrimônio e para o capital; a explicação obvia de existirem ricos e pobres, opulentos e miseráveis.

O grande mérito do pensamento marxista, que inspira o socialismo real e o sonho comunista, é o humanitário inconformismo com essa regra. Mas o seu grande óbice é que essa trágica realidade é inelutável. É assim que é. A pessoa nasce feia ou bela, sadia ou doente, dotada de tino ou embotada, em palácio ou na sarjeta, para evoluir ou regredir na escala econômica e social.
 
Os espiritualistas atribuem aos desígnios de Deus o que se consegue ser na vida, e a inspiradas virtudes o que é dado a cada um obter e adquirir. Mas o marxismo não crê em Deus e pretende desprezar a sorte e o mérito como fatores pelos quais cada um prospere ou fracasse, imaginando que caberá ao Estado a missão divinal de igualar o destino de todos através do regime, na direção do que consideram ser a tal “justiça social”.

Não há “justiça social”. Trata-se de uma ficção – segundo um dos mais festejados historicistas atuais, o cienteista israelense Yuval Noah Hariri, autor do livro “Sapiens”, o best-seller do momento, que analisa a História da Humanidade do ponto de vista antropológico.

Para além da chamada “justiça divina”, que é randômica, há a espontânea e virtuosa fraternidade humana – o altruísmo, a liberalidade, o desprendimento, a caridade – no alcance das forças pessoais, ou seja, no “alcance do braço” dos mais benevolentes indivíduos, dotados de um agudo sentimento de empatia.




Porém, todo o mais é a justiça jurídica, que cabe à longa manus do Estado aplicar, regulando as relações e garantindo a cada um o status social que ele tenha por sorte, e o patrimônio que obteve por mérito, nessa ordem ou vice-versa.

Os bichos não nascem sob garantias de Pã, e nenhuma pessoa traz os “direitos humanos” desde o útero. A Natureza entrega todos à sorte – sadios ou belos, feios ou doentes, sábios ou obtusos – para que, a partir de seus dotes e de seus méritos, construam o seu destino.

Não há leis universais que estejam escritas nas estrelas dimanando proteção à graciosa gazela que os leões vão devorar, nem ao leão, que a lança de um guerreiro massai vai abater, nem ao massai que outro leão vai vitimar – porque a lei universal é a da supremacia do mais forte, sem espaço para se estabelecer a oclocracia. 
      
Não estou defendendo que a sociedade não possa ou não deva criar e seguir normas protetivas pelos mais desvalidos de seus membros, em contrapartida às sanções penais que institui para os infratores de suas regras.

A sociedade faz isso em qualquer regime moderno e evoluído de governo, com suas políticas públicas, com as proteções trabalhistas e previdenciárias, sendo que o capitalismo opera pelo básico, universalizando ainda as oportunidades de progresso que viabilizam a "mobilidade social" (pai rico, filho nobre, neto pobre; pai pobre, filho rico, neto nobre sempre sopesando o mérito e considerando a sorte individual de cada qual distribuindo em seus programas sociais o que sobeje aos afortunados tributados, que licitamente produzem e acumulam.

Os socialistas sonham fazê-lo pela pretensa igualdade aquiliana entre as pessoas, o que, desenganadamente, a realidade da vida não permite. As pessoas são diversas, querem a diversidade, anseiam por competir e prosperar, porque essas pulsões são inerentes à sua condição na Natureza e à sua estrutura psíquica essencial. Só assim são estimuladas ao progresso.




Procusto, o personagem mitológico que com sua cama de ferro obrigava que todos nela coubessem exatamente, cortando as pernas dos maiores e espichando as dos menores, usava duas camas diferentes, conforme o caso, para que ninguém escapasse à sua régua igualitária.

Esses mitos gregos reproduzem a realidade existencial que a sabedoria antiga intuía – e, na experiência socialista real, há camas sob medida para os chefes e os áulicos do governo, os quais reservam para si um padrão de vida superior ao das massas enormes que igualam pela força – como confirma o russo Dmitry Sidorenko, interprete oficial da Embaixada do Brasil em São Petersburgo, Membro Honorário da ACLJ, que viveu in loco o período soviético.  

Os intelectuais que defendem o socialismo, os teóricos da ideologia comunista, os militantes de esquerda, os ativistas sociais – mesmo os seus grandes paradigmas do passado – nunca começam por si mesmos a aplicação das regras da utopia que defendem, pois nada de seu dividem ou compartilham, alegando que só deveriam fazê-lo dentro da “nova ordem mundial” que imaginam poder implantar.

Aliás, alguém tem dito que não existe fronteira exata entre os conceitos de “esquerda” e de “direita”. Mas essa é exatamente a distinção entre as duas classes: a esquerda acredita ser possível a igualdade socioeconômica universal, mesmo com o prejuízo da liberdade; a direita defende que na desigualdade natural os que melhor prosperem livremente, pela sorte e pelo mérito, apliquem a fraternidade em benefício dos demais.

Os integrantes da direita se dividem ainda entre egoístas e altruístas. Os egoístas são avaros, são desonestos, são usurários, são cúpidos, são especuladores, são corruptos, barbarizam o meio-ambiente pelo lucro, são aéticos, são os tais “capitalistas selvagens”. Os altruístas trabalham, criam, empreendem, cumprem as leis, pagam tributos, fazem benemerência, praticam o mecenato, cumprem a função social da empresa e da propriedade que detêm.  

Já os que compõem a esquerda, no Brasil, na Cupa, na Coreia do Norte de hoje, e na Rússia de ontem, enfim, em qualquer tempo e em qualquer lugar do mundo, estes dividem-se entre os ideológicos e os fisiológicos. Os ideológicos acreditam piamente nas suas convicções, são apaixonados por elas, e constroem a fantasia de que a vida deveria ser um festival igualitário, e o mundo um paraíso socialista. 

Já os esquerdistas fisiológicos são fracassados ressentidos, hipócritas e oportunistas, que enxergam no esquerdismo uma maneira fácil de prosperar sem fazer jus. São os chamados “ideólogos da inveja”. Esses não rezam e não trabalham, não produzem e não doam, não estudam e não criam, mas apenas levantam bandeiras por desmerecidos direitos humanos e  benefícios sociais. 



segunda-feira, 22 de maio de 2017

ARTIGO - Verso e Reverso (RMR)


VERSO E REVERSO
Rui Martinho Rodrigues*


As acusações contra os políticos de todos os partidos procedem. São todos culpados. Não há seletividade ou perseguição. O verso da música popular se aplica ao caso: “se gritar pega ladrão não fica um”. Técnicos de empresas estatais, doleiros, empresários e até políticos têm sido presos cautelarmente, conduzidos coercitivamente, investigados, condenados ou apenados, ainda que suavemente, em sede de acordos de cooperação, devolvendo numerários, colaborando com a justiça para desarticular organização criminosa. 

A lava Jato presta um relevante serviço à Nação. Apoiemos a “República de Curitiba”, já que os partidos, com os seus líderes, sem distinção, converteram-se em organizações criminosas, embora existam, individualmente, raras e honrosas exceções.

Olhando verso e reverso, temos que os técnicos das estatais, os doleiros e empresários têm sido presos em maior quantidade, mais cedo e por mais tempo do que os políticos. Curitiba não é Brasília. A justiça de primeiro grau tem uma vara dedicada só a isso. O STF é mais lento por força de sua carga de trabalho. Sim, mas observam-se algumas condutas extraordinárias em Brasília, na expressão do ministro Teori. A necessidade e constitucionalidade de tais medidas são duvidosas.

Eduardo Cunha foi afastado do mandato. Era culpado, sim. Mas, não existe a figura jurídica do afastamento do mandato. Teori criou o afastamento antes da condenação com o apoio do plenário do STF, sem consulta ao Legislativo. Era medida extraordinária, disse ele. Agora um senador, culpado até a medula, foi afastado. O extraordinário se repete, agora monocraticamente. 

O STF ditou a conduta da Câmara no impeachment, rasgando o Regimento da casa em assunto interna corporis, arrogando-se ao exercício da função legislativa, sem ter representatividade nem gozar de presunção de superioridade ética comparativamente aos demais poderes. O Legislativo e o Executivo não merecem fé. O Judiciário e o MP merecem? Não. Democracia é suspeita. Uma gravação abalou o país. O PGR e o STF aceitaram-na sem uma perícia prévia! Saímos dos limites da lei. Punam-se corruptos para salvar as instituições, sem destruí-las para realizar punições.

Isso não acaba bem. Fora da lei não há salvação.