sexta-feira, 29 de setembro de 2017

SONETO DECASSILÁBICO PORTUGUÊS - Igrejas de Veneza (MC-VM)


IGREJAS DE VENEZA
Márcio Catunda (quartetos)*
Vianney Mesquita (tercetos)**




Capelas de altas torres coroadas,
Prodígios de Jesus por toda parte,
Vislumbram-se entre as luzes encantadas,
Pelos pintores plasmados com arte.



No mar, ao longe, as ilhas projetadas,
Entre esses dons que a Natura reparte,
Filigranas brilhando nas fachadas,
Veneza é da beleza o baluarte.

Arquiteturas de noventa igrejas –
Águas-furtadas, duomos, capitéis –
Uma estesia inexprimível ensejas.



Com teus adestradíssimos pincéis,
Perseverantemente, tu cotejas
As canções de enlevados menestréis.












ARTIGO - Ao Leitor. Que Leitor? (JSN)


AO LEITOR.
QUE LEITOR?
João Soares Neto*


“Leitor, coautor do texto.” (Ledo Ivo)


Quem escreve não pode ser escravo de um leitor que desconhece. Ora, isso é simplificar a coisa. Ao escrever não se pode ir atirando a esmo. Há que ter foco. Ao escrever em jornal a pessoa tem menos de 24 horas para captar e interessar o leitor. No dia seguinte, o jornal é descartável. Razão pela qual vou disponibilizando no meu ‘www’ ou nos dos amigos.

Procuro, portanto, escrever para quem não está apenas interessado no cotidiano. Tento, a cada semana, ir mudando de rumo. A única coisa permanente é a minha forma de contar. Isso é o que se chama estilo.

Para se ter estilo, seja bom ou não, é preciso mourejar com as letras, saber das vírgulas, dos pontos, das interjeições e não exclamar muito. Ser o mais natural possível. Se consigo, é outra coisa.

Hoje, o leitor se depara com muitas opções que o confundem ou o atraem. No mundo digital há muito de enganação. Promete-se uma coisa e, em seguida, o usuário cai em armadilhas que o levam a caminhos não imaginados.  A curiosidade, na Internet, é uma faca de dois gumes, leva a novos conhecimentos/informações ou a simples engodo.

Há discussões acadêmicas sobre a natureza da crônica ou do artigo. Como diz Humberto Werneck: “Se não é aguda, é crônica.” Seriam eles alvitres literários? Trato um pouco de assuntos ligados ao cotidiano, a vidas das pessoas e os fatos que vão montando o nosso dia, desde as matinas até o arrebol. Matinas e arrebol foram apostas apenas como adereço.
 
Não é básico que o texto seja sempre ligado ao cotidiano, ao coloquial ou ao real. Ele pode ir, além disso. Divagar para que o leitor possa experienciar algo inusitado, como está sendo a tessitura deste escrito. O meu compromisso é trazer o leitor até o ponto final, mesmo sabendo que o ponto final é imaginário. Depois dele, cabe ao leitor maquinar o que se seguiria não tivesse o ponto existido.

O escritor deve aceitar como tema até uma pena que cai da asa de um pavão e isso nos levaria, por exemplo, ao Pavão Misterioso, do cantor e compositor Ednardo.

Eu não sigo cânones, vou lendo os dedos sobre o teclado e o que sai, muitas vezes, é o inesperado e não aquilo que, de princípio, gostaria de escrever. Como dizia Clarice Lispector: “Eu escrevo para nada e para ninguém. Se alguém me lê é por conta própria e auto risco”.

Se me tolherem a liberdade, se me pautarem, não serei eu, pois a liberdade é a minha característica. Sem ela, com certeza, ficaria aprisionado pelo assunto imposto, suas regras, seu número de palavras, a que não desejo me submeter, mesmo que a criatividade, como a de hoje, não seja o desiderato. Se não me encontro ou se me perco, resta a salvação e o arbítrio deste ponto final.





COMENTÁRIO:

Começo por desafiar o “ponto final” do articulista, que de fato é o ponto de partida para longas reflexões e discussões.

A primeira delas que me estimulo a fazer é sobre a distinção técnica entre crônica e artigo, e ainda o conto, que com aquela se confunde muita vez.

Penso que o artigo, stricto sensu, é sempre um texto de vocação utilitária, do ponto de vista prático, técnico, científico, cartesiano, analítico, tutorial, paradidático, não raro o rascunho de uma tese.

A crônica, por seu turno, se distingue do artigo e do conto porque pressupõe versar despretensiosamente sobre fato real, atual ou memorialístico, sempre pitoresco, com conotação psicológica, sociológica, filosófica, intimista.

Ela pode ser testemunhal ou confessional, de natureza burlesca ou lírica – neste caso se podendo classificar como “prosa poética”. Uma vez eu já disse que “fazer crônica é encontrar mel sob o vespeiro do cotidiano”.

Já o conto, semelhante à crônica, tem caráter ficcional, portanto mais literário, com psicologismo sobre os personagens e não sobre o narrador. A menos que o narrador seja ficcional, faça parte da história e, portanto, também seja personagem.

Uma peça jurídica, por exemplo, na descrição dos fatos, pode ter características de crônica, com força para comover o magistrado, e de artigo, na defesa do direito, visando convencê-lo. Mas, em momento algum pode ter semelhança com o conto.

O segundo ponto a abordar refere a afirmação de Clarisse Lispector, no sentido de que escrevia para ninguém. De fato, para o produtor de literatura o leitor, parco ou copioso, é um fator totalmente hipotético e incidental. O objetivo do escritor é a délivrance.

Por fim, sobre o aspecto original e inusitado, no que se refere ao conteúdo e à forma, ao estilo e ao tema, para que resulte interessante o texto tem realmente que espantar e surpreender.

Entrevistado certa vez por Jô Soares, um Diogo Mainard ainda jovem, que escandalizava pelo que dizia e por como o fazia em seus ensaios, pontificou com exatidão que o texto bem-comportado é letra morta.

Que quem escreve tem que recorrer ao imprevisível, para sair da platitude e do truísmo, da mesmice tautológica e da obviedade, para sobressair no mar de letras publicadas hoje em dia. Em terminologia moderna, se diria que o escritor tem que “sair da caixinha” e pontuar “fora da curva”.

Reginaldo Vasconcelos
        

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

NOTA CULTURAL - Obra Imprescindível


IDEAL LANÇA OBRA IMPRESCINDÍVEL


O intelectual cearense Paulo Henrique Lustosa se debruçou sobre um fato marcante da História recente do Brasil, a instauração do Estado Novo por Getúlio Vargas, em 1937, quando o então ditador, a bordo de grande popularidade, fechou o Congresso Nacional e extinguiu os partidos políticos. 

Essas medidas extremas de autoritarismo tiveram como pretexto defender o País do marxismo, que se insinuara dois anos antes, na chamada Intentona Comunista.

Para fortalecer esse subterfúgio foi elaborado pelo capitão Olímpio Mourão Filho, e divulgado pelo Governo, um documento sobre um suposto “Plano Cohen”, que visaria tomar o poder e instalar o comunismo no Brasil.

Após estudar profundamente essa passagem dramática da vida brasileira Paulo Enrique Lustosa produziu uma obra romanceada sobre o tema, que lançará na noite desta próxima terça-feira (26.09.17), no Ideal, dentro do IV Setembro Cultural, programa anual do Departamento de Cultura daquele clube. 

Essa leitura é indispensável a quantos tenham interesse na História Brasileira, conhecimento essencial para a mais plena compreensão da trajetória política do País, desde o processo colonizatório, passando pelo golpe militar que proclamou a República, pela contrarrevolução de 1964, até os conturbados dias que vivemos. Só pode analisar e entender o presente quem se aprofunda no passado.

O estilo denominado romance histórico”, com enredo ficcional sobre fatos rigorosamente reais, garante a necessária palatabilidade literária, que encanta e apaixona, dotando o livro daquele poder de prender o leitor vespertino, fazendo-o invadir a madrugada entre suas páginas.  

O jovem autor, que é deputado federal, pertence à mais nova geração de uma tradicional família de jornalistas e políticos cearenses, filho do Deputado Paulo Lustosa, sobrinho da escritora Isabel Lustosa e do saudoso jornalista Lustosa da Costa, e neto do General Humberto Ellery, que foi vice-governador do Ceará.

Essa obra de estreia de Paulo Henrique, pela sua importância, é recomendada pela ACLJ, que tem nas suas atribuições institucionais a missão de estimular e revelar novos valores literários e jornalísticos entre os conterrâneos cearenses.

       

SONETO DECASSILÁBICO PORTUGUÊS - Mera Ventura (MC-VM)


MERA VENTURA
Márcio Catunda*
Vianney Mesquita**


À luz do litoral cosmopolita,
Onde a sede do encontro me fascina,
Inauguro, na fonte que me habita,
Artefatos verbais de uma oficina.



Eu quero ser agora um sibarita,
Nas estradas vitais que a tarde ensina,
Nos vislumbres do azul que o mar suscita
Nas estrelas transborda minha sina.

Há muito, a escandescência em mim palpita,
Tal e qual cicerônica verrina
Ao Caio Verres de um mundo à desdita.


Por que, diverso, a Graça me destina,
Uma divina orquestração, restrita
A valsas, tangos, coro e cavatina.









ARTIGO - O Fetichismo do Direito (RMR)


O FETICHISMO DO DIREITO
Rui Martinho Rodrigues*


O fetichismo do Direito dominou a política a partir do Século XX. É a ilusão a norma jurídica como solução para problemas materiais. As constituições até então tratavam da estrutura e organização dos poderes públicos, formas e sistemas de governo. 

Dispunham sobre direitos e garantias dos cidadãos no âmbito político; assim como no campo jurídico em sentido estrito, como o devido processo legal e a ampla defesa. Omissas quanto aos detalhes da vida em sociedade, elas deixavam livres o legislador e o administrador do futuro.

A Carta Política Americana, originalmente tinha sete artigos. Acrescentaram-se, depois, dezessete emendas. As dez primeiras trataram das liberdades individuais. As outras dezessete tratam do Poder Federal. A Constituição Americana de 1789 não estaria de pé, depois de tanto tempo, se regulamentasse detalhes da vida em sociedade, a exemplo da nossa CF/88, que dispõe sobre coisas como petróleo e relações de trabalho.

Caso tivesse dispositivos sobre lenha e outras coisas do século XVIII, a Constituição Americana não estaria de pé. Sintética é a denominação dada às leis magnas enxutas, definido o Estado e normas de contrapoder, com obrigações de não fazer. Estas não dependem da disponibilidade de meios para ter efetividade, nem oneram ninguém, pelo que não estimulam tantas resistências e conflitos.

O Século XX entregou-se ao fetichismo do Direito. A Revolução Mexicana de 1910 chegou ao poder e fez a Constituição de 1917, a primeira a incluir os chamados direitos sociais. Depois os alemães fizeram uma Carta Política em 1919, igualmente detalhista e “generosa”. Prevaleceu este modelo: constituições analíticas. É a ideia de assegurar bem-estar social por meio da norma jurídica. 

O Direito Constitucional passou a definir obrigações de fazer. Estas exigem meios e oneram alguém ao requisitá-los, suscitando resistências. Junte-se a isso o modelo de constituição rígida, que, se por um lado, oferece a vantagem da estabilidade normativa, por outro amarra as mãos do legislador do futuro, impondo um entendimento do passado.

A CR/88, nos dispositivos reguladores da cidadania e da organização do Estado, foi a melhor que já tivemos. Protegeu o cidadão com o Direito Penal garantista, na organização dos poderes separou o Ministério Público da Advocacia Geral da União, entre outras coisas. Merece elogios.

Seguiu, todavia, a onda internacional do fetichismo do Direito, ilusão de que norma jurídica pode resolver problemas materiais. Analítica e rígida (obstáculo a emendas), dispõe sobre direitos trabalhistas e sobre combustíveis na iminência do descarte pela tecnológica. Pensa no bem-estar, não na reserva do possível.

A CR/88 foi prefaciada (caso único no mundo) por Ulysses Guimarães, candidatíssimo a Presidente da República. Subiu no palanque eleitoral. Temos miséria? A Constituição resolverá. Poderíamos constitucionalizar o direito à vida. Seríamos imortais ou ganharíamos uma indenização do Estado quando alguém morresse.

O fetichismo do Direito criou dispositivos “maravilhosos”. Universalizou a assistência à saúde. O mundo maravilhou-se. Sanitaristas e políticos nacionais e estrangeiros elogiaram o SUS, realmente muito bom para quem recebe tratamento no Hospital Sírio Libanês. Estudos ideologizados conceberam a solução de todos os problemas, valendo-se de dados seletivamente coletados, avaliam favoravelmente os seus resultados. Tais pronunciamentos são repetidos como argumento e autoridade, que nada vale para as ciências do ser.

Saúde e educação continuam péssimas. Os avanços de indicadores tais como anos de escolaridade, analfabetismo, mortalidade infantil e longevidade, entre outros, existem sim, mas não se devem ao fetichismo do Direito e sim ao processo de urbanização, seguindo uma tendência mundial. Éramos um país rural.

Hoje somos uma sociedade urbana. É mais fácil escolarizar e cuidar da saúde na cidade que no campo, onde as populações são isoladas pela dispersão e a distância. A urbanização não se deveu ao fetichismo do Direito nem a ação de governo algum. Ela se deu contrariando os arautos do bem-estar social, para quem o “êxodo rural” deveria ser impedido. A reforma agrária era apoiada, entre outras coisas, no argumento da “manutenção do homem no seu torrão natal”.

Nas cidades os indicadores também melhoraram. Mas não foi a CR/88 que proporcionou tais avanços. O mérito é da ciência, da difusão da informação pelo avanço das comunicações, orientando as famílias. A natalidade caiu. É mais fácil cuidar de dois do que de oito filhos. É a janela demográfica: a parcela infantil da população diminuiu e a idosa ainda não aumentou tanto.

A demanda por novas escolas e novos serviços de saúde reduziram-se. O saldo positivo na escolarização e na universalização dos serviços de saúde não se deve à CR/88. Qualitativamente? Fracassamos. O fetichismo é o substituto da revolução ou a sua nova fórmula. A túnica de Clio, a deusa da História, porém, é inconsútil. Não tem emendas porque as rupturas, em seu campo, não são inteiramente radicais, como querem os revolucionários. Pesquisas deveriam buscar nos estudos interdisciplinares um antídoto para a prisão dos paradigmas.



Porto Alegre, 25 de setembro de 2017


domingo, 24 de setembro de 2017

CRÔNICA - Eu Ando na Linha (JPG)


EU ANDO NA LINHA
João Pedro Gurgel*


Muitas pessoas devotam seu ódio a quem está preso. Não importa qual crime, quais circunstâncias nem qual contexto. Se está na cadeia, é porque “não presta”, e assim, nenhuma humanidade deve ser oferecida, pois “gente ruim não tem salvação”.

A argumentação de quem é pró-desumanização é forte. Contudo, para os que ainda acreditam no bem da humanidade, há esperança, e, devo falar em minha maior inspiração para uma Justiça Criminal humana, que não vem de um jurista, nem de um cientista, mas sim do músico Johny Cash.

Johny Cash foi um cantor americano, contemporâneo de Elvis Presley, que, como muitos, compunha canções sobre o estilo de vida americano. Sucessos como “I Walk The Line” (Eu ando na linha), que falam sobre uma vida recatada, ir à Igreja, sonhar em pegar na mão da amada, e temas fins.

Contudo, o sucesso de Cash foi tão estrondoso que logo o dinheiro e a fama fizeram com que sua vida estivesse em um contexto diferente daquele das letras de suas músicas. Agora, imperavam o vício das drogas, a promiscuidade, o mundo libertino em torno dele.

Em meio à depressão que acompanhou a derrocada pós-vício, as cartas mais lindas e inspiradoras de fãs vinham de lugares inusitados: das prisões mais sombrias dos EUA. Sim, aqueles homens tinham perdido a esperança em si mesmos. Contudo, eles encontravam na música de Cash o desejo de um dia serem puros, terem uma família, enfim, andar na linha novamente.

Foi então que Cash quis voltar, mas, dessa vez, diferente: iria tocar nos presídios. E assim foi. A contragosto das gravadoras certinhas da época, Cash gravou um CD ao vivo dentro da prisão, trazendo festa, alegria e esperança para centena de pessoas, outrora “condenadas”.

Folsom Prison Blues”, produzido nessa fase, foi o maior álbum de sua carreira, que deixou marcado o legado de um homem que venceu a si mesmo e que, naquele momento, queria ajudar outros a também se superarem.


Não sei o que o futuro me reserva no Direito Penal, que tanto amo. Mas, como jurista, devo admitir que o conhecimento só fará sentindo se um dia tiver um pedaço do coração desse ídolo, falecido em 2003, o inabalável Johny Cash.



SONETO DECASSILÁBICO PORTUGUÊS - Casanova (MC-VM)


CASANOVA
Márcio Catunda (quartetos)*
Vianney Mesquita (tercetos)**


Além da forja vítrea de Vulcano,
Jaz a Chiesa degli Angeli, da freira
Que Casanova impressionou de engano,
Levando-a na sua barca sorrateira.



O sedutor galã veio a Murano,
Não para meditar na sua ribeira;
Entrou veloz, qual bóreas, minuano,
Resgatar do convento a companheira.



Giacomo Girolamo Casanova,
Ao pilhar a (também) sóror inane,
Vileza de caráter só comprova.



Embora dele a escroqueria emane,
Sua universal fama se renova
Em longa com Marcello Mastroianni.











sábado, 23 de setembro de 2017

CRÔNICA - A Manada (HE)

A MANADA
Humberto Ellery*


Em maio do ano passado (2016), o Sr. José Sérgio de Oliveira Machado celebrou uma delação premiada com o Sr. Procurador Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros.

Quando as delações vieram a público verificou-se que  Sérgio, munido de um gravador, e usando de astúcia, induzira os senadores Romero Jucá, Renan Calheiros e o ex-presidente José Sarney a fazerem declarações criticando fortemente a Operação Lava-Jato.



Ficou famosa a fala do Jucá dizendo: “...é preciso estancar essa sangria”. Os três personagens disseram coisas que demonstravam um certo temor de que a operação os alcançasse masalém disso, nada tão comprometedor.

Li com muita atenção toda a degravação da denuncia, e, após muito analisar, cheguei à conclusão de que não havia nas falas dos envolvidos nenhum crime tipificado que merecesse uma denuncia formal.

No dia seguinte encontrei alguns amigos e fiz o seguinte comentário:

Essa delação prova três coisas apenas, e duas eu já sabia: que o Sérgio é desonesto e inescrupuloso confesso; novidade pra mim só mesmo  sua deslealdade, pois, nas falas do Sarney, do Jucá e do Renan não vislumbrei crime algum”.

Foi o que bastou para eu ser xingado de “defensor de bandidos”.

Em nada adiantou eu dizer que não defendia, nem defendo, esses três. O que eu defendo, enfaticamente, é a Lei. Se queremos depurar a atividade política, e retirar da vida pública os bandidos que a infestam, temos que fazê-lo sob o império da Lei. Ou nós lutamos para viver sob a força do Direito ou seremos subjugados pelo direito da Força.

Um ano depois a Polícia Federal concluiu que não havia nenhum crime tipificado contra o Sarney, o Jucá e o Renan, conforme eu dissera. Nenhum dos que me chamaram de “defensor de bandidos” veio a mim se desculpar, nem eu quero isso.

Mas o arrogante Janot, antes de pedir o arquivamento da denuncia, do alto de sua empáfia, afirmou: “Os crimes só não foram cometidos porque eu denunciei antes”. Em sua cabeça perturbada ele criou mais uma ferramenta de combate ao crime: a “Delação Preventiva”. Palmas, que ele merece!

Antes de encerrar, um breve parêntese: Embora eu aceite como válido o instituto da “Colaboração Premiada”, não consigo ter simpatia pelos “dedos-duros”, mesmo porque são todos criminosos, por definição.

Agora alguns amigos queridos me avisam que vou acabar “queimando o meu filme”, por defender o Presidente Temer. Vou repetir mais uma vez: minha preocupação é com a Constituição, com o Direito, com a presunção de inocência, até que se prove a culpa.  

Nunca afirmei que o Temer é inocente, pois estaria incorrendo no mesmo erro que combato, dos que o dizem culpado sem uma investigação que conclua pela culpa (ou inocência).

O mais próximo disso a que cheguei foi dizer que, por sua esplêndida condução na recuperação econômica do País, e sua coragem em lutar por reformas tão indispensáveis quanto impopulares, ele tem comigo um crédito de confiança. Um político desonesto não assumiria o formidável desgaste decorrente de uma política austera, voltada para o bem das gerações futuras.

Vou repetir de novo (vou acabar tendo que desenhar): se amanhã o Ministério Público provar que o Temer é corrupto, mudarei de opinião. Tranquilamente.

Mas enquanto existirem contra Temer apenas delações e ilações, que não provam absolutamente nada, como admitiu seguidas vezes o próprio Janot, prefiro acreditar num político que, até “dar um golpe” no PT, jamais teve qualquer denúncia contra si.

Até lá, não darei crédito a bandidos mentirosos  como os brothers Batistas (com Nota Oficial assumindo seu desapreço pela verdade), ou como esse tal Lúcio Funaro, que, mesmo nunca tendo visto o Temer de perto, diz que “tem certeza quase absoluta de que ouviu falarem que não sei quem me disse que, não sei onde, alguém contou que parece estar cada vez mais convencido de que é verdade”. É a nova “delação terceirizada” (royalties para o jornalista Carlos Andreazza).

A parte da imprensa que está engajada no “Projeto Fora Temer”, utilizando a máquina petista de assassinar reputações,  já arranjou até uma profissão para o picareta do Funaro: “Operador Financeiro”.

Por último: Não vou seguir “cientistas políticos”, “especialistas”, colunistas ou comentaristas, principalmente da Globo News. Sigo a minha cabeça, a minha capacidade de discernimento e até a minha intuição. Sou infenso a seguir manadas.

Como no Cântico Negro do José Régio: “Não sei por onde vou /  Não sei para onde vou / Sei que não vou por aí!










COMENTÁRIO:

O ínclito, lúcido, e – por que não dizer? – o sábio confrade Humberto Ellery, meu estimado contraparente, é um aguerrido defensor de suas ideias e de suas próprias conclusões, o que, por todos os títulos, é edificante e admirável.

Todavia, a chamada “verdade real”, que é o grande objetivo do persecutio criminis, tem os mesmos atributos fugidios e miméticos do lagarto estelião: hora parece estar aqui, hora parece estar acolá; hora parece ser assim, hora parece ser assado.  

Então, a Polícia e o Ministério Público, que mourejam no procedimento criminal que a mídia escrutina, vão apanhando tudo que semelhe ser o réptil procurado. Na fase processual é que a verdadeira coloração da sua pele é enfim identificada.

Sim. Os investigadores não têm que ser imparciais. Eles apresentam no inquérito e na denúncia uma verdade horizontal, um quadro fático em duas dimensões, sem o necessário contraditório, cabendo ao Judiciário verticalizar, aprofundar, tridimensionalizar a verdade, para absolver ou condenar.

No caso, segundo Ellery, Michel Temer – tradicional aliado petista, líder de um grupo político muito suspeito, compositor de um Ministério com vários réus-presos, com o principal assessor pilhado em circunstância indefensável  seria ele o que se poderia chamar de um “corrupto Denorex”: tem cara da corrupto, tem cheiro de corrupto, vive cercado de corruptos, entretanto é honesto como a mulher de César, porque, realmente, até aqui, não há contra ele uma só prova cabal.

Eu sou advogado, com experiência no processo-crime e longa militância no Tribunal do Júri, e sei que diante de uma acusação não há neutralidade: ou a pessoa adota a tese incriminadora, ou assume os argumentos da defesa. Ou acredita no advogado, ou aceita a verdade da promotoria.

Assim, enquanto o camaleão da verdade real ainda não revelou exatamente onde está, nem a sua real pele mosqueada, o critério do observador é aleatório ou afetivo.

Para mim, Temer está na posição bíblica do inditoso Bom Ladrão. Embora ladrão e crucificado, suando e sangrando, está apoiando a boa causa cristã e não merece descer ao inferno – até porque, se o fizer agora, o Brasil vai afundar nas trevas. A política econômica está certa, estamos superando a crise, as reformas estão em curso, devemos esperar as eleições.  

Resultado da equação: A manada, ressentida e irrefletida, brada “Fora Temer!”; eu o culpo, mas, racionalmente, digo “Fica Temer”; Ellery o prefere desculpar e absolver.

Reginaldo Vasconcelos