terça-feira, 20 de maio de 2025

ESCÓLIO POÉTICO - Proveito do Silêncio (APMR)

  PROVEITO DO SILÊNCIO,

de Vianney Mesquita
 
Ana Paula de Medeiros Ribeiro* 

Oculte o que sente, o que pensa. Orne-se e exalte-se de ignotos esplendores a alma na prisão dos sentidos. Admire-se, aprecie-se e cale-se.

 

FIÓDOR IVANOVITCH TIÚTCHEV, poeta russo. Ovstug, 05.12.1803; San Petesburgo, 27.07.1873

 

O soneto Proveito do Silêncio, do mestre palmaciano Vianney Mesquita, reproduzido sequentemente, abre sua nova obra Reservas da Minha Étagère (Arcádia Nova Palmaciana, 2024).       

A profundidade filosófica do poema é um convite ao mergulho na erudição e na delicadeza de um autor que trata o silêncio não como ausência, não como vazio, mas como substância. Vianney eleva o silêncio a um patamar quase sagrado.

À extensão dos catorze versos, desenha diversos contornos para o silêncio. Inicialmente, o trata como escolha; em seguida, recomenda que o cultivemos com base na lógica e na razão, especialmente quando for preciso manter a harmonia. Mais adiante, assegura que, mesmo sem palavras, é possível haver esplendores.     Declara, fechando a peça, que o amor pleno se realiza na comunhão dos espíritos, na qual as palavras se tornam desnecessárias.

Com esta belíssima composição poética, o Autor expressa a trilha metodológica para a leitura de toda a sua obra. O texto convida à introspecção, à contemplação da linguagem como chave para a transcendência. As estrofes nos sussurram: leia com pausa, quase em oração. Silencie-se para colher o proveito da atmosfera de erudição e profundidade que encontrará em Reservas da minha Étagère. O silêncio é a linguagem necessária para esse mergulho. 

Em não falar pensemos tão-somente
Quedos restemos em sazões quaisquer,
Na taciturnidade, adredemente.
Ao decidir não sibilar, sequer.
 
Manda a razão, conforme se pressente,
E consoante a lógica requer,
Vivamos no silêncio integralmente
Quando a harmonia se justapuser.
 
Nada expressemos sem tir-te nem guar-te
Mudos, então, prezemo-nos, destarte
Ornados e exaltados de esplendores.
 
Sob o trio verbal, recato à parte
Iremos nos querer 
 que o amor se farte –

Com noss’alma aditada de fulgores.



CRÔNICA - A Luz Perpétua das Estrelas (JEA)

A LUZ PERPÉTUA
DAS ESTRELAS
José Eduardo Agualusa*


 

O apagão em Portugal e Espanha teve um mérito inesperado: acendeu as pessoas. 

A longa interrupção de energia elétrica, que, na segunda-feira passada, atingiu a Península Ibérica, trouxe o caos e a inquietação para as grandes cidades, crianças presas em elevadores, escolas fechadas, dezenas de voos cancelados, boatos terríveis, e muita gente assustada, fazendo fila diante das mercearias de bairro para comprar água, vinho tinto, comida enlatada e papel higiênico. 

Ao entardecer, porém, o ambiente distendeu-se.  

Em Lisboa, de onde escrevo esta coluna, vi vizinhos, que nunca antes se haviam cumprimentado, conversando uns com os outros, sentados na calçada. 

Vi desconhecidos partilhando velas e lanternas; outros oferecendo água e alimentos aos menos prevenidos. 

Embora os semáforos tivessem deixado de funcionar não testemunhei nenhum sinal de nervosismo.  

Os motoristas respeitavam-se uns aos outros. 

Respeitavam até mesmo os pedestres, até mesmo os ciclistas, numa cortesia rara para os padrões locais. 

Cheguei a me sentir em Berlim. 

As esplanadas encheram-se de gargalhadas, ainda que os bares e restaurantes não tivessem como servir refeições quentes. 

As pessoas deixaram de olhar para a tela dos celulares, e começaram a prestar atenção umas às outras. 

Parecia um domingo numa cidade pequena, há 30 ou 40 anos, antes da invenção dos celulares. 

Katie Flour, uma chef norte-americana, radicada na capital portuguesa, passou a manhã dessa segunda-feira em casa, assando um cordeiro e preparando saladas para um jantar pop-up num restaurante muito conhecido.  

Às 11 horas ocorreu o apagão. 

Ao final da tarde, percebendo que o jantar não iria se realizar, Katie colocou travessas com comida nos bancos de um jardim em frente, acendeu algumas velas, e convidou os vizinhos. 

Outras pessoas foram aparecendo, e o que poderia ter sido um fracasso se transformou num momento mágico, que Katie nunca mais esquecerá. 

Além disso, por algumas horas, libertas da poluição luminosa, as estrelas voltaram.

Na noite esplêndida, morna, acolhedora como um abraço, vi jovens deitados de costas, nos parques e nos jardins, apontando com espanto para o desenho das constelações.

Talvez fosse a primeira vez que alguns deles viram estrelas. 

Vozes mais românticas defendem que os governos deveriam organizar apagões pelo menos uma vez por mês. 

Não me atrevo a tanto. 

Contudo, talvez não fosse má ideia cortar o acesso à internet todas as semanas, por exemplo, nas noites de domingo. 

Nesses domingos jurássicos voltaríamos a ser simplesmente humanos, como os nossos avós.

Conversaríamos, olhos nos olhos, inteiros e sem interrupções, trocando histórias e gargalhadas e festejando a amizade e o milagre da vida. 

Em vez de tirarmos fotos do jantar para depois as postarmos no Instagram, comeríamos! 

Em vez de nos abraçarmos para as selfies, nos abraçaríamos! 

Em vez de nos preocuparmos com os grandes dramas do mundo, estaríamos atentos aos pequenos problemas daqueles que nos são próximos. E isso tudo, atenção! — sob a luz perpétua das estrelas.

O Globo - 03/05/2025


sexta-feira, 16 de maio de 2025

NOTA ACADÊMICA - ACLJ - 15ª Assembleia Aniversária

 ACLJ
15ª ASSEMBLEIA ANIVERSÁRIA

 

A Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ), neste mês em que comemora o seu 15º ano de existência real, e 14 anos de instalada formalmente, realizou a sua Assembleia Geral Aniversária, no auditório principal do Palácio da Luz, na Praça dos Leões, na noite deste dia 14 de maio, solenidade dedicada ao teatro cearense.



Na oportunidade tomaram posse na dignidade de Membros Beneméritos da ACLJ, por propositura do confrade Beto Studart, o ex-governador do Estado, Gonzaga Mota, um dos maiores intelectuais e bibliófilos do Ceará atualmente, e o megaempresário José Carlos Pontes, fundador e presidente do Grupo Marquise, um dos orgulhos o empresariado cearense. 




Ao final da cerimônia foi exibido um documentário sobre a opereta A Valsa Proibida, de autoria do musicista Paurilo Barroso e do dramaturgo Silvano Serra, peça que marca o apogeu da dramaturgia alencarina, cuja última temporada remonta ao ano de 2011, portanto já há 14 anos.

https://drive.google.com/file/d/14Uh6y64U4wDFIHovCjD9Af7HLxzrXMqn/view?usp=sharing

A primorosa vídeo-reportagem sobre a referida peça de teatro foi realizada pela Zoom Digital, do videomaker Eduardo Pinheiro, sob a direção do jornalista e pesquisador Roberto Bomfim, com patrocínio do Grupo M. Dias Branco e da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC). 

Sob a condução do radialista Vicente Alencar, Secretário-Geral da ACLJ, que é o seu Mestre de Cerimônia oficial, a solenidade transcorreu de forma célere, com a Mesa Diretiva composta pelo Presidente Reginaldo Vasconcelos, pelo Presidente Emérito Rui Martinho Rodrigues, pelos Beneméritos Lúcio Alcântara e Beto Studart, e pelos membros titulares da entidade Stênio Pimentel, Gabriela de Palhano e Carlos Rubens – este último representando o Presidente da Fiec, Ricardo Cavalcante.

O evento teve início com a projeção de um vídeo de 2011, registrando a abertura do programa de televisão Visão Política, do jornalista Arnaldo Santos, anunciando a instalação da ACLJ – ele próprio um dos membros fundadores. 

Em seguida, fez-se o registro da posse de duas novas integrantes da entidade, investidura que ocorreu na noite do dia 03 de maio, durante a 7ª Reunião da Arcádia Alencarina, entidade interna da ACLJ composta pelos 10 membros “fardonados” que a subvencionam.




 

As duas acadêmicas são a jornalista Gabriela de Palhano, que assumiu a Cadeira de nº 7, fundada por sua avó, Wanda Palhano, e a Procuradora da Fazenda Nacional Liana Ximenes Lessa, que, por seu turno, sucedeu ao próprio pai na Cadeira de nº 12, o poeta Paulo Ximenes, falecido em setembro do ano passado.


 

Após a formação da Mesa Diretiva houve a tradicional performance do Arauto Oficial da ACLJ, Jean Navarro, que executou a “clarinada triunfal”, e, em seguida, a Banda de Música da 10ª Região Militar tocou o Hino Nacional e depois a Ode Alencarina, hino da Academia.

No final da solenidade, antes da projeção do documentário sobre a opereta A Valsa Proibida, o acadêmico Pedro Bezerra de Araújo, latinista da ACLJ, recitou o Pai Nosso em latim, em homenagem ao novo Papa Leão XIV.



 

Na sequência os acadêmicos levantaram o costumeiro brinde com vinho do Porto, reuniram-se para a foto coletiva, e foi servido o coquetel comemorativo, no salão principal do silogeu.

DISCURSO
REGINALDO VASCONCELOS

Meu querido Dr. Lúcio Alcântara, deputado, prefeito, governador e senador da República, nosso 4º Benemérito e Presidente de Honra interino, representando o Membro Titular Fundador Cid Carvalho, ocupante da Cadeira de nº 1 da ACLJ, ausente por motivo de saúde; 

Prof. Dr. Rui Martinho Rodrigues, este o nosso Presidente Emérito, o primeiro a presidir a nossa casa de literatura e jornalismo; 

Amigo querido Beto Studart, nosso 20º Benemérito, não sei se maior como grande empresário ou como figura humana gigantesca, que tenho entre as joias do meu patrimônio afetivo, por nada que não seja o seu luminoso caráter de filósofo aplicado; 

Ilustres beneméritos empossandos, o Professor Gonzaga Mota, ex-governador do Estado, um dos maiores intelectuais e pensadores cearenses do nosso tempo, e o empresário José Carlos Pontes, cuja gloriosa trajetória pessoal orgulha o Ceará, fundador e presidente do Grupo Marquise, conglomerado de empresas de abrangência nacional, que hoje oportuniza emprego a mais de 10.000 pessoas;

Confrades Gabriela de Palhano, Stênio Pimentel e Carlos Rubens, demais componentes da Mesa; 

O nosso preito de gratidão ao Ricardo Cavalcante, ausente por motivo de força maior. Ele é líder de líderes, brilhante Presidente da Fiec, entidade que nos patrocina, e que completa agora 75 anos. Interinamente, Ricardo está presidindo a Confederação Nacional da Indústria. 

Nosso 21º Benemérito, ele foi agraciado merecidamente com o título de Cearense do Ano pela ACLJ, ao final da pandemia de Covid 19, por seu grande empenho e magnífico desempenho no combate à doença e no socorro aos doentes, trabalhando institucionalmente em colaboração com a Universidade Federal, que então tinha à frente o Magnífico Reitor Cândido Albuquerque. 

Agradecendo ainda a Dra. Graça Dias Branco, que entre os nossos mais estimados beneméritos sucedeu ao ilustre pai, o saudoso Ivens Dias Branco, ela que entre nós também representa a sua mãe, Dona Consuelo, a qual, do alto dos seus gloriosos 90 anos de idade, certamente de sua casa nos acompanha e abençoa. 

Dra. Graça e seu irmão, Ivens Dias Branco Júnior, ausentes por imperioso motivo de viagem de negócios, ele atual detentor do título de Cearense do Ano, eleito por esta ACLJ, sob os auspícios de ambos pudemos produzir um importante documentário em homenagem ao teatro cearense, cujo apogeu foi a opereta A Valsa Proibida, primoroso vídeo que em seguir exibiremos; 

Meus confrades, senhores convidados, minhas senhoras e meus senhores. 

Penso eu que antes de poder falar, de desenvolver uma linguagem, o homem foi mímico, e durante a mímica ele riscou, de modo que o gérmen da comunicação humana são o teatro e a escrita. 

Imagino o rico gestual dos pré-homens nas cavernas, nossos remotos ancestrais, contando às suas mulheres os sucessos das caçadas, feitos que depois registravam nas paredes rupestres, inscrições das quais algumas ainda hoje subsistem.

Desde então se vieram desenvolvendo os códigos vocais, as línguas ágrafas, em seguida a escrita lítica simbológica, os idiomas, mais adiante o papiro, o pergaminho, o palimpsesto. Depois Sua Excelência o papel, e, por fim, sua Majestade o livro impresso. 

Mas a tudo isso precederam a dramaturgia e as artes gráficas, o canto e a dança, a música e a letra da música, a pintura corporal e de cenários, o papel dos atores. Se me perdoarem o eloquente e oportuno trocadilho, digo tudo isso para exaltar o importante papel do teatro na evolução da humanidade.

Tem-se notícia de representações teatrais no Egito, mil anos antes de Cristo, ainda sem diálogo entre os atores. Também na China e no Japão. E na Grécia Antiga o teatro foi concebido na sua forma clássica de tragédia e comédia que desde então se desenvolveu no Ocidente. 

Por isso, como coincide a época do advento e da instalação desta Academia, com a data da última edição da opereta A Valsa Proibida, decidimos dedicar a ela o nosso 15ª aniversário, projeto a que o Grupo M. Dias Branco associou-se, patrocinando a edição do documentário realizado pela Zoom Digital, do videomaker Eduardo Pinheiro, sob a direção do jornalista e pesquisador Roberto Bomfim, que é nosso confrade. 

A Valsa Proibida é a única peça clássica de autoria cearense, iniciativa do musicista Paurilo Barroso, que musicou os diálogos escritos pelo dramaturgo Silvano Serra, pai do acadêmico Stênio Pimentel, aqui presente. 

Paurilo também compôs a melodia-tema, que recebeu letra de autoria do intelectual Otacílio de Azevedo, pai do confrade Nirez.  Silvano Serra e Otacílio de Azevedo, já instalados no panteão celestial, são os patronos das cadeiras acadêmicas da ACLJ respectivamente ocupadas por seus filhos referidos. 

Por fim, congratular-me com os confrades pelo transcurso de mais um aniversário da nossa ACLJ, agradecer penhoradamente à Fiec e ao Grupo M. Dias Branco pela concessão do seu importante mecenato, nas pessoas de seus titulares, Ricardo Cavalcante e Ivens Júnior, regozijando-me pelo elevado prestígio de poder contar com a honrosa presença de vós todos. 

Eu tenho dito. 

Muito obrigado.    


             

quinta-feira, 8 de maio de 2025

CRÔNICA - Memórias da Beira Mar (TL)

 MEMÓRIAS
DA BEIRA MAR
Totonho Laprovitera*

 

 Os momentos especiais de hoje são
as memórias de amanhã.” (Aladdin)

  

No Mercado dos Peixes, lembrei-me dos pescadores carregando pescados em enfieiras sobre os ombros. Pela cidade, ao serem chamados pelos fregueses, tratavam o peixe fresco ali mesmo, nas calçadas, deixando as escamas como marcas de suas passagens. 

Na bela Enseada do Mucuripe, reduto histórico a partir da bravura dos jangadeiros, guardo recordações das redes de pesca presas aos calões. Foi naquelas águas onde tomei meu primeiro banho de mar, durante uma temporada passada em uma casa à beira mar.

 

Recordo-me da Avenida Beira Mar – ainda uma via estreita de mão dupla, na época – sendo asfaltada no início dos anos 1960. Lembro-me também das peixadas e da casa de Luiz Gonzaga, amigo do papai, de onde, do sobrado, assistimos a uma animada gincana automobilística, disputada por jovens casais. 

No Mucuripe, era comum vermos casas de palha, pescadores típicos e jangadas de piuba – indo ou voltando do mar. Era a alegria e a paz do sustento de todos, abençoado nas missas da Capela de São Pedro, ou dos Pescadores, guardiã há 150 anos dos valores culturais da cidade e, sobretudo, dos moradores do bairro. 

Uma vez, bem criança, na praia do Iate Clube, do qual meu pai foi um dos primeiros sócios, eu me perdi da família ao me afastar entre as pessoas. Chorando, tentei encontrar nosso carro pelo instinto, mas felizmente fui achado e levei um carão do tamanho de um bonde. 

Nos anos 1970, descobri a vida noturna do Mucuripe, entre bares, peixadas e encontros. Frequentava a casa de Cláudio Pereira, um espaço democrático, cheio de artistas e intelectuais, e o bar do Anísio, onde descobri a crônica de costumes, desenhando e escrevendo. 

De lá para cá, era a Beira Mar do Alfredo “Rei da Peixada”, Aquarius, Badalo, Baiuka, Bem, Benzinho, Coqueluche – com luz negra! – Dom Victor, Escorrega, Expedito, Hong Kong, Martins, Peixada do Meio, Sandra’s, Tocantins, Trapiche e Trastevere. Das boates Meia-Noite, Fortim e Barbarella. Era a Fortaleza das tertúlias nos clubes Diários, AABB, Náutico e Iate. Era a Fortaleza ainda adolescendo. 

Mas também havia, na calçada da praia, as mesinhas com geladíssima cerveja, deliciosa caipirinha de limão e o enfarofado churrasquinho de gato. Para a higiene dos fregueses, uma bacia de flandres com água servida para lavar copos e utensílios. 

De primeiro, fazia parte do roteiro de entretenimento dos fortalezenses dar uma volta de carro pela Beira Mar. Mas essa já é uma história que contarei depois.