terça-feira, 31 de março de 2020

ARTIGO - O Labirinto da Ciência (RMR)


O LABIRINTO
DA CIÊNCIA
Rui Martinho Rodrigues*



A instituição universitária tem origem medieval. Tem os genes do corporativismo de suas origens. Sobreviveu às transformações históricas, demonstrou versatilidade e resistência. Entre os Séculos XV e XIX, porém, limitou-se a defender saberes estabelecidos com posturas dogmáticas. Posteriormente a riqueza e o poder sentiram agudamente a instrumentalidade do conhecimento válido.

Letrados, peritos e escribas ganharam importância, conforme descreve Carl Wright Mills (1916 – 1962), na obra “A Elite do Poder”. Os três tipos citados são variações do intelectual, ou, mais precisamente, seus precursores, conforme Raymond Arond (1905 – 1983), na obra “O Ópio dos Intelectuais”.

Os feitos da Revolução Científica do Século XVII, no campo das ciências da natureza, trouxeram prestígio para a ciência. As distinções entre diferentes ciências, porém, escapam ao grande público. Nem toda ciência “proíbe” resultados diversos de suas previsões, escapando ao teste de validação, que é a falseabilidade proposta por Karl Raymond Popper (1902 – 1994), na obra “Conjecturas e Refutações”.

A validação percorre caminhos tortuosos. A ciência é o conhecimento mais confiável no campo fenomênico. Usufruir do prestígio que ela proporciona rende farta colheita. O adjetivo “científico” adquiriu status de vaca sagrada. A história do conhecimento científico, todavia, é um cemitério de erros. Quatro modelos de átomo se sucederam em aproximadamente duzentos anos. A queda de cada um deles é o enterro de um erro da ciência. O conhecimento avança corrigindo erros. Não por ser infalível. Nem sempre a validação do conhecimento é monolítica. A divergência é muito frequente na comunidade científica. A validação por ela nem sempre é cristalina.

O número de publicações sofre distorção do paradigma dominante, como assinala Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1996), em “A Estrutura das Revoluções Científicas” e pode atender a interesses de grupos. Artigos científicos podem ser devolvidos com a sugestão de que o autor cite fulano e sicrano, promovendo-os. Existe, ainda, o despreparo de alguns doutores. Eles nem sempre são doutos.

A orientação acadêmica, já o dissemos no livro “Pesquisa Acadêmica” (está esgotado, não é propaganda), chega a recomendar um número mínimo e máximo de páginas para trabalhos científicos, ignorando a complexidade do objeto, a natureza do estudo, o estilo do autor e outros aspectos.

C. W. Mills afirmou: O sociólogo que não for capaz de se expressar em até cento e cinquenta páginas não sabe o que quer dizer. Depois escreveu “A Elite do Poder”, com cerca de quatrocentas páginas. Consultores ad hoc avaliam bibliografias pelo ano da edição das obras citadas e recomendam a escolhas de objetos que estejam na moda. Livro sobre norma técnica já foi publicado com o título de metodologia científica por ignorar o que seja tal coisa.

Karl Emil Weber (1864 – 1920) discorreu sobre ciência como vocação, distinguindo ciência de política. Hoje prevalece o entendimento de que tudo é política. Certamente o é. Impende, todavia, discernir entre diferentes significados de política. Politizar problemas técnicos é um grave erro, como invocar em vão o nome da ciência pode ser uma farsa. 

Louis Althusser (1918 – 1990), após sair da prisão, negou que tivesse interesse em voltar ao meio universitário. Justificou desqualificando o ambiente acadêmico onde viveu e foi prestigiado. Não é um meio pior que a sociedade em geral, mas está longe de ser melhor. Isso vale para a política. Misturar as duas coisas é reunir os defeitos de ambas.


segunda-feira, 30 de março de 2020

CRÔNICA/POESIA - (soneto decassilábico português) Ociosidade Induzida (V.M.)



OCIOSIDADE
INDUZIDA
Vianney Mesquita*

– Quinze dias hoje, 29.3.2020 –




Para as imortais  Karla Karenina, Inês Mapurunga e Alana Girão de Alencar.






Na ociosidade e na abundância, desequilibra-se a razão.
(TITO LÍVIO).



Perfaz, hoje, exatos quinze dias que, ex-vi de determinação das autoridades sanitárias do Mundo, as pessoas afastaram-se das suas constâncias laborais, culturais, de ócio público – como cinemas, teatros, circos entre outras – para permanecer no recesso de suas casas, a fim de driblar a temerária covid-19 (não merece letra maiúscula).

Este acrimonioso e odiento mal pandêmico – insensível, invisível, inodoro, insípido e inaudível – avesso, pois, aos sensos humanos – já mexeu com mais de 600 mil viventes, mandados para as casas de saúde e para os carneiros de cemitérios, obrigando o orbe inteiro a uma reserva forçada e difícil, que muito preocupa e deixa buliçosos e traquinas os seus circunstantes.

Defesos de participar dessas intimidades e frequências sociais em todas as situações, sem o natural deleite social, ínsito aos hominídeos, após essas duas semanas de convívio físico-social interdito, em remissa forçosa em seus lares (e nem são todos os que os possuem!), os habitantes da Terra prosperam na sua vontade firme de se verem livres desse portentoso vírus, de tudo fazendo e ao geral se obrigando com vistas à conquista desse desiderato.

Felizmente, também – sem me reportar aos inomináveis males econômicos que esta circunstância fez pojar à sociedade, mormente às comunidades pobres e miseráveis, o que é de gravidade desemparelhada – a condição de isolamento nos deixa mais cuidadosos e conscientes, ainda, acerca dos nossos procedimentos de cariz humano-procedimental.

De tal maneira, a ocasião agora perpassada nos concede o lance de revistar nosso transato ético, comportamental e deontológico, a cujo raciocínio não era dado azo em virtude do tempo consumido com o labor, a vida urbana, os cuidados com o corpo e, em muitos casos, a transcendência para o sobrenatural, um “pouco” esquecida quando sob o perfeito confortamento vital.

Esta comodidade, fluente no âmbito da normalidade vivífica, parece nos isentar das responsabilidades relacionadas à existência posterior ao exício corporal – a pós-animação terrena – para todos os credos, quer cristãos ou adeptos de motos confessionais outros e – por que não – até os ateus e agnósticos – para alguns dos quais guardo a certeza de que adquiriram bilhete para bons assentos na vida eterna, de tão perfeitos que são seus procederes...

Sem muitos quefazeres, na fruição da remissa forçada, então, comecei a pensar, tendo essas reflexões abicado neste soneto decassilábico português, oferecido à ala feminina da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, representada pelas musas-paradigmas do comportamento e da dignidade – Inês Mapurunga, Karla Karenina e Alana Girão de Alencar – assentado no texto-prosa expresso na sequência.

Conquanto não seja simpático a férias longas, como esta quarentena, vou, a pouco e pouco, cumprindo meu castigo, merecido, no concerto deste “inferno” de suspiros que solto há quinze dias.

A quarentena, tal como os sais diapiros, conforme exprime a Geologia, que rasgam as rochas e a terra para aparecer em cima, leva o remisso a fazer tudo o que puder para matar o tempo, no exemplo do quarteto dois, que recorre ao lúdico, como os jogos de gamão e firo, conservando-se no lar para o coronavírus não invadir.

Então, em ambiência tranquila, embora acossada, tendo o lugar de morada como fortaleza, remansa amortecido o tempo vagaroso, para, nessas férias, remuneradas – diga-se – pôr nas mãos da Santíssima Trindade esta lida remanchona que, tenho convicção, logo terá termo.

Veja o caríssimo leitor o emprego da rima encadeada nos quartetos, o que parece conceder um pouco mais de estesia aos versos decassilábicos portugueses.



  
OCIOSIDADE INDUZIDA

Não saboreio extensos retiros,
Em cujos giros vou pagando a pena,
Nesta geena de infaustos suspiros,
Sob autogiros, há uma quinzena.

Na quarentena, os sais dos diapiros
Furam os papiros, rochas à centena
Forçando a arena a gamões e firos
E o torpe vírus não adentra a cena.

Nesta tranquilidade induzida,
Em casa, valhacouto de guarida,
Amorteço o Chronos vagaroso.

Assim, em férias (com féria) da vida,
Entrego esta preguiçosa lida
Ao nosso Trio Todo-Poderoso!



COMENTÁRIOS

Vianney...

A homenagem me chega, tanto quanto nas histórias belamente escritas e ironicamente dramáticas, como um impetuoso e aflito Eco.

Ouço e, de imediato, tenciono responder, noutro grito, um novo poema! Dadas as circunstâncias... em nossas cavernas podemos rememorar o sol que arde lá fora, e desse pensamento, encontrar forças para esperar e escrever fazendo jus ao ócio criativo! Grata pelas palavras e pela provocação necessária.

Avante!

Alana Alencar
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Caro mestre Vianney, não tenho a sua estatura intelectual para usar as palavras que definam a minha admiração, respeito e gratidão por esse texto e poema dedicados a mim e a minhas queridas amigas confreiras com a sua assinatura. Cá do meu casulo, encantada com sua sensibilidade, envio minhas vibrações de paz e saúde (física e emocional).


Karla Karenina
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Meu suserano intelectual.
Neste sereno entardecer, quando a noite deglute o dia, brilha no meu coração esta prece-poema que clama as Mãos de Deus. Ave! 

Edmar Ribeiro


CONTO - Uma Oração (ES)


UMA ORAÇÃO
Edmar Santos*


O céu ainda estava em dilema entre ficar dia ou se tornar noite; crepuscular.

Mãos postas colocaram-se em reverência, enquanto olhos pedintes direcionavam-se à abóboda escurecendo que fazia o firmamento. Um momento de oração.

O volume da voz era quase inaudível, os lábios movimentavam-se em compasso lento, fazendo das palavras uma corrente de letras oradas: “Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim?” (Salmos 42:11). Pálpebras cerraram-se, lágrimas caíram.

A mente, que de início acelerava-se em pensamentos angustiantes, quedava-se em um quase torpor de conexão, não mais com o externo aos olhos, mas com imagens de luzes de brilho, uno e ofuscante, dentro do crânio como se, naquele momento, a alma, ela toda, postasse-se em evidência. E murmurou, pedindo orientação para encontrar um conforto e paz. 


Em reposta, seus ouvidos escutaram uma música suave que dizia: “(...) o acharás, quando o buscares de toda a tua alma”. (Mateus 16;26). O sorriso recebia a mensagem, louvando em poesia: “Favo de mel são as palavras suaves: doces para a alma” (Provérbios 16:24). Palpitações cardíacas surgiram.

O coração em movimento de descompasso aliviava o aperto mantido pelo nó trazido no peito, e a esperança começava a colorir as luzes que brilhavam na mente; exaltante afirmou: “Ó Deus, tu és o meu Deus; (...) te buscarei; a minha alma tem sede de ti.” (Salmos, 63:1). Sorria e chorava ao mesmo tempo.

No ápice da alegria, em êxtase, as mãos se afastaram em paralelo, erguendo-se em direção ao alto, como que para pedir, mas também, receber algo em atendimento ao seu pleito angustiado; pronunciava palavras úmidas em lágrimas: “Senhor, livra minha alma dos lábios mentirosos e da língua enganadora.” (Salmo 120:2). Temia.

Sentindo suas mãos leves, as direcionou ao rosto e pressionou as faces, momento em que ouviu: “(...) não temais os que podem matar o corpo e não podem matar a alma; temei, antes, aquele que pode fazer perecer, no inferno, a alma e o corpo”. (Mateus, 10:28). Reflexivamente ajoelhou-se.

Sentindo-se em alívio e consolo, enxugou as lágrimas que insistiam em umedecer seu rosto; entre soluços intermitentes, com convicção de quem vivencia esse mundo, sem, contudo, deixar de vivenciar também e intensamente a fé, em forma de canto alegre adorou: “Aguardo o Senhor; a minha alma o aguarda, e espero em sua palavra” (Salmos, 130:5).  Compreendendo melhor sua existência, repetiu em oração: “(...) a Cesar o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mateus 22:19-21). Amém!

COMENTÁRIOS

O poder da oração, alívio e consolo nesse momento difícil que estamos passando e sempre!
Aline

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Oração sempre foi o consolo de nossa alma atribulada. Orai e vigiai
Rosângela Santos

POEMA - Canção do Olhar (TL)


CANÇÃO DO OLHAR
(ATRIZ)
Totonho Laprovitera*








Todo dia me dou conta,
quando pego a meditar:
Como é boa a vida simples
e o sentido dos seus sonhos

Quem na vida já amou
entende o que eu digo agora
O saber do bem-querer
é estar sempre apaixonado



No olhar da poesia
o silêncio é expressão
da palavra que ilumina
e embala esta canção

No tablado a pintura
do universo da atriz
faz da bela criatura
estrela de seu país

Que num mundo sem porteiras
siga forte a sua sina,
corra terras estrangeiras...
viva a arte da menina!





 Nota: Este poema foi musicado pelo confrade Amaro Penna, o amigo Peninha.
  



domingo, 29 de março de 2020

CRÔNICA - Estádio Presidente Vargas (CE)


Estádio
Presidente Vargas:
Vida e Morte.
Costa Eleuterio*
(Ao poeta Vicente Alencar)


Em 14 de setembro de 1941, foi inaugurado o Estádio Presidente Vargas, situado em Fortaleza, no bairro da Gentilândia, em homenagem, claro, ao chamado “Pai dos Pobres”. Uma semana depois, a bola rolou, com um jogo interestadual: Ferroviário Atlético Clube versus  Tramways.

Resultado final da partida: Um a zero, gol do atleta, Chinês, um paraibano oriundo de Pernambuco. Assim, o sopro vital instalou-se, o gol, ofertado por um “chinês!”. Coisas do futebol”, rico em enigmas. Por um longo período o amoroso PV serviu de palco para memoráveis jornadas.

Em 11 de novembro de 1973 foi inaugurado o Estádio Castelão,  o “gigante do Mata-Galinha”, no governo de César Cals de Oliveira Filho, com o jogo entre Ceará Sporting Club versus Fortaleza Esporte Clube. Resultado do confronto: um insosso zero a zero. Muitas águas rolaram desde então.

Querido e velho amigo PV, vejo-te nestes ásperos dias, subindo no cadafalso, altaneiro, como os grandes mártires e heróis da História. 

Lá no inicio – 1941 – um “chinês”, com um gol de cabeça te deu o sopro vital! Hoje um outro “chinês”  – 2020 – um vírus enjoado e traiçoeiro, tira teu direito à vida!


Ecce homo,  ditam os fariseus. Consummatum  est. Fazer o quê? É a vida! É a morte!

Perdão, amigo PV. Fica minha gratidão pelos mágicos  momentos que curtimos juntos ao longo de meio século de existência.

E fica meu grito solto no ar: 

Aí é Ferrim,  meu filho!



sábado, 28 de março de 2020

ARTIGO - Hamlet (HE)


HAMLET
Humberto Ellery*



HAMLET: Calúnias, meu amigo[...] porque se pudésseis ficar tão velho quanto eu, sem dúvidas andaríeis para trás, como caranguejo. POLÔNIO (`A parte): Apesar de ser loucura, revela método. A Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca (Ato II, Cena II) William Shakespeare



A tragédia do Príncipe Hamlet, escrita por Shakespeare, conta sobre o assassinato do Rei Hamlet, envenenado  por seu irmão Claudio, que assim apoderou-se de duas Coroas: a do Reino da Dinamarca, e a Coroa “Gertrudes”, a Rainha, mãe do infeliz Príncipe Hamlet.

O fantasma do Rei aparece ao Príncipe, relata sobre o assassinato, e lhe cobra vingança, que mate seu tio, o agora Rei Claudio. Assustado com tamanha empreitada, inclusive sem saber como faria para cometer o regicídio, e para permanecer no palácio real (enquanto tramava o assassinato), resolveu fingir-se de louco, para afastar suspeitas.

O conselheiro real Polônio, encarregado de sondar o príncipe, percebe em uma conversa que, apesar de aparentemente louco, ele ainda preservava sua agudeza intelectual.

Estou me referindo a essa peça do Shakespeare, porque sua releitura me fez pensar num fato de hoje. É que nesses tempos de quarentena, tenho aproveitado o dolce far niente para dedicar-me ao “ócio criativo” (Domenico de Masi), embora às vezes eu pense que, de tão cheio, “o saco vai explodir” (perdoem a expressão vulgar, padrão Olavo de Carvalho). Pois é; só eu e Deus nesta casa, e Deus ultimamente não tem me dado muita atenção (culpa minha, não d´Ele), restam-me a TV, o computador e meus livros (sendo que a quase totalidade eu já li).

Sobre a Política, tema que sempre foi do meu agrado, onde inclusive militei por largos períodos de minha vida, recentemente resolvi parar de debater via Internet, por não suportar o ambiente de Coliseu Romano, onde todos querem ver sangue, onde as argumentações lógicas foram substituídas por agressões e insultos.

As redes (anti)sociais “deram voz a uma legião de imbecis” (Umberto Eco). A pluralidade de pensamentos e posicionamentos políticos foram substituídas por um radicalismo intolerante e intolerável, de uma violência verbal estúpida, onde duas seitas ferozes, os “bolsonáticos” e os “luloucos”, com cotoveladas, caneladas e até ameaças físicas expulsaram de campo os que apenas querem ter o direito de divergir.

Eu, que não sigo nem Lula nem Bolsonaro, não suporto esse maniqueísmo tosco, fiquei sem espaço. Nem quero disputar espaço nesse campo conflagrado. Vade retro!

Mas a quarentena, a releitura de Hamlet, e a enxurrada de bobagens que têm sido ditas me atraíram de volta.  E o que tem Hamlet e ver com o Presidente Bolsonaro? Lá vou eu!

O posicionamento do Presidente Bolsonaro, ao propor o fim da quarentena, indo de encontro aos mais respeitados especialistas médicos, o exemplo do Prefeito de Milão Giuseppe Sala, a própria OMS – Organização Mundial da Saúde, e o simples bom-senso, ergueram contra ele um clamor: “O homem tá louco!” Não sou Psiquiatra, não sou Psicólogo, nem tenho a sagacidade do Polônio, mas acho que pode até ser loucura, mas tem método.

Inclusive vislumbro uma inteligência superior por trás disso tudo. Talvez o ex-astrólogo, ex-islamita e escroque Olavo de Carvalho, o autointitulado filósofo, que é o Guru da Dinastia Bolsonaro. O “papagaio de prostíbulo” (mesmo quem não gosta dele reconhece) é muito inteligente, culto, e tem uma invulgar capacidade de convencimento, exímio argumentador.

Como diria Jack, The Ripper, vamos por partes:

Ato I, Cena I: O Presidente Bolsonaro convoca uma reunião para debater e tomar decisões sobre a Pandemia, e convida os Presidentes dos Poderes Judiciário e Legislativo e demais Instituições envolvidas. Estranhamente fala em união, respeito e cooperação de maneira calma, educada e serena. Assistindo àquela cena, pensei: Está querendo conquistar o eleitorado mais equilibrado, não vai consegui-lo, e vai perder apoio entre os pitbulls que o seguem nas redes (anti)sociais. Não deu outra, nos dias seguintes a mídia começou a divulgar seu “derretimento” nas redes.

Ato II, Cena I:  O filho zero dois, para estancar a sangria, certamente recorreu ao Guru da Virginia que traçou o roteiro. Sim, porque nem o zero um, nem o zero dois, nem o zero três, nem o próprio pai, o zero à esquerda, têm QI para tomar atitude tão esperta. 

Ato III, Cena I: Com aquela sua declaração estúpida, priorizando a salvação da Economia em detrimento da salvação de Vidas, o Zero à Esquerda conseguiu dois objetivos, a saber: Em primeiro lugar recuperou o apoio de seus pitbulls nas redes (anti)sociais, que o idolatram justamente por suas atitudes beligerantes e estúpidas, e, em segundo lugar, arranjou uma bela desculpa para o dantesco fracasso da sua condução da Economia, que já caminhava para o brejo (ver Pibinho, ver fuga de capitais externos, tudo anterior ao Coronavirus) e que a Pandemia só vai piorar, e muito. E a culpa será dos Governadores, como ele berrou no portão do Alvorada:  “Eles arrebentaram o País! É um crime!”.

Fecham-se as cortinas.


    

COMENTÁRIOS

Humberto Ellery, trazendo analogia com a obra Shakespeariana, está correto quando diz que as declarações de Bolsonaro foram deliberadas e teleológicas – embora não se possa dizer quem o aconselhou. Como diz o articulista, também não acredito que de fato ele pretendesse que não houvesse o isolamento social.

Ele sabia que, passada a pandemia, mesmo com alguns milhares de mortos no Brasil, a economia do País vai estar arrasada, e toda a Nação, com os seus 210 milhões de habitantes, sofrendo horrores e se queixando do Governo. Então ele poderá dizer: “Eu avisei. Tentei evitar. A culpa não é minha”. Essa crise pode vir a ser a segunda facada a atingir o Capitão, sem a qual talvez não tivesse sido eleito.

Mas Ellery lança um bumerangue, que volta contra ele, ao dizer que os adoradores do Lula e os defensores de Bolsonaro são violentos e agressivos, uns contra os outros. Acontece que ele mesmo, que não se inclui em nenhuma das duas categorias, usa uma metralhadora giratória verbal contra elas duas, tratando os de um lado de “luloucos” e os do outro de “bolsonáticos” – dentre outros impropérios. Não dá para fazer discurso pacifista lançando ofensas e brandindo armas.
Reginaldo Vasconcelos


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Eu não preciso gritar nem assumir uma entonação de voz de quem está cheio de ódio, como o locutor desse vídeo, que deve ter sido parido pelo “Gabinete do Ódio”, localizado no Palácio do Planalto e coordenado pelos “sangue do meu sangue”, Zero Um, Zero Dois e Zero Três, sob as bênçãos do “Zero à Esquerda”.

Mais uma vez vou repetir essa cantilena, até que todos os “bolsonáticos” entendam: A alternativa ao Capitão não é necessariamente o PT, o Lula ou a Dilma. Ouso dizer até que melhor que o Capitão seria o “Seu Ninguém” no Comando.

O “Seu Ninguém”, que não existe, portanto não faz nada, pelo menos livraria o Brasil de um agente “atrapalhador”, cheio de poder institucional nas mãos. O Brasil político não se resume a essa “escolha de Sofia”: Bolsonaro ou Lula. Graças a Deus!!! Com certeza uma solução Constitucional está posta. Sai o Capitão, entra o General, simples assim.
Humberto Ellery


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Pois é, pois é, pois é! Zero prá lá, zero prá cá, caiu um zero no chão (royalties para Didi Mocó Colesterol, Novalgino, Mofumbo), pró Lula e não é pró Mito. Tá mais prá samba do crioulo doido do que para Hamlet.
Luiz Rêgo (Luizão das Candongas)


quinta-feira, 26 de março de 2020

ARTIGO - Politica, Conflito e Negociação (RMR)


POLÍTICA, CONFLITO
E NEGOCIAÇÃO
Rui Martinho Rodrigues*


Entre duas hipóteses baseadas nas mesmas evidências, a mais simples provavelmente é a mais certa, preleciona William de Occam (1285 – 1347). A mais complexa assim o é por necessitar de sucessivas emendas. Isso vale para a análise de fenômenos simples.

A política, porém, que é um campo de grande complexidade, exige análise igualmente complexa, para evitar incorrer em reducionismo. Negociação e conflito são presença recorrente nos negócios da polis. Partidos, interesses, paixões, ideias, força, valores em sentido axiológico, representação, liderança e regras do jogo são alguns dos seus elementos.

Samuel P. Huntington (1927 – 2008) assinalou a fragilidade do Estado sem partido. Representação, definição de interesses, ideias ou princípios e lideranças encontram nas agremiações partidárias uma via de expressão de grande relevância, condições propiciadoras do processo democrático.

Faltam-nos todas estas condições. A importância dos líderes não é reconhecida apenas pela concepção personalista da História. Até pensadores que têm como principal unidade de análise a categoria teórica “classe social”, como Gueorgi Valentinovich Plekhanov (1856 – 1918), admitiu que grandes homens desempenham um papel importante no desenvolvimento histórico.

Henry Thomas Buckle (1821 – 1862), que por caminhos diferentes de Plekhanov, formulou uma interpretação nomológica da História, admitiu, ao lado da ação dos fenômenos exteriores sobre o espírito, a ação do espírito sobre os fenômenos.

Reconheçamos: líderes são influentes. A falta deles, no grave momento que vivemos, é prejudicial. A falta de representação de interesses, segundo prioridades, canalizada por agremiações minimamente representativas, dificulta a negociação.

Quem não negocia, combate. A escolha do conflito como rota de ação política pode resultar da imitação de exemplos externos e da falta de habilidade diplomática. A impossibilidade de diálogo com adversários que consideram a ordem socialmente estabelecida como imposição de vencedores no conflito social, negociando com ardil, também dificulta o entendimento.

O maior obstáculo é a disputa em torno de valores, paixões, interesses e convicções inegociáveis, e a crença nas próprias forças para obter vitória no confronto. Donald John Trump optou pelo conflito no jogo político. Fê-lo com o apoio de um partido forte, e no contexto de instituições sólidas.

Repetir o feito no Brasil, sem partido; sem instituições tão sólidas; no ambiente de valores e princípios macunaimicamente líquidos; enfrentando problemas muito mais graves é uma escolha perigosa.

Vivemos o drama de uma pandemia que abalou os sistemas hospitalares de países muito mais desenvolvidos. A tragédia assim configurada não tem precedente nas sociedades urbanas, com grande mobilidade geográfica, grandes aglomerados e grande parcela formada por idosos, cardiopatas, diabéticos, obesos, imunodeprimidos e outros grupos vulneráveis.

O drama exigiu medidas extremas, inquestionavelmente úteis. Resta saber como sair delas antes que a hecatombe social se torne maior do que o desastre do vírus. A procura de soluções compatíveis com as peculiaridades sociais e financeiras do Brasil, com toda a diversidade geográfica, cultural e econômica exige entendimento.

Critérios técnicos são mais fáceis de harmonizar do que paixões e convicções políticas ou interesses particularistas. Permanece, todavia, a reserva do possível. O acirramento dos ânimos e a polarização permitem a opção pela negociação? Ou o conflito é uma imposição da realidade?


CONTO - Resistência (ES)

RESISTÊNCIA
Edmar Santos*


Envolto em seus pensamentos, orações e sacrifícios, um homem isolou-se por quarenta dias. Um propósito superior estava a lhe guiar ao objetivo.

A fome o assolou, e, em sua fraca estrutura famélica, ouvia vozes alheias a si, que procuravam induzi-lo a fazer suas vontades:

– Faz conforme te digo.

Entretanto, o que importava ao homem não era o momento adverso, e sim o propósito maior. Então, refutou as vozes alheias e lhes respondeu com voz que aparentava fraqueza, no entanto, invariável no tom.

– A questão não é a fome que me assola, a escassez do alimento. É o que posso suportar quando esta situação se impõe.

Indignadas e persistentes, as vozes continuaram a afligir o homem. Retóricas de favorecimentos e benesses grandiosas lhe foram oferecidas, bastando, para tal, que ele se permitisse a simples aceitação e obediência inquestionável, em relação a elas.

– Já trago no coração o meu norte – disse o homem – e toda a virtude necessária e existente está em quem já sigo dentro de mim.

Indignadas com a ineficácia de sua persuasão, as vozes tentaram constranger o homem em sua honra e fidelidade.

– Entendemos tua posição – as vozes exclamaram com desdém – já que tu segues com tanta obstinação esse teu norte, e ele te coloca nessa situação deplorável e paupérrima, por que não te lanças logo à morte, já que ela parece ser o destino que te espera?

O homem procedeu com uma inspiração profunda, como quem busca nos pulmões o último ar, em momento de agonia; com serenidade impressionante, assomada em uma voz que já não expressava exaustão, determinado, disse:

– Quem eu sigo e está em mim, o faço por minha convicção, escolha própria, e ninguém pode induzir-me com belas retóricas a mudar meu objetivo. Se não sei quais consequências me aguardam, sei que são minhas.



COMENTÁRIOS

Essas palavras me fizeram refletir sobre a fé, a confiança e a resistência.
Rosângela Santos


Palavras que me fazem ter mais fé em DEUS.
Anônimo


Excelente texto. Ótimo para reflexão.
Daniele Queiroz


Amo suas colocações, são excepcionalmente reflexivas...
Aline