terça-feira, 28 de julho de 2020

ARTIGO - O Império Chinês Renasce (LA)


O IMPÉRIO
CHINÊS RENASCE
Luciara de Aragão*



Desde 2008, em torno dos jogos olímpicos e por quase uma década, a metrópole de Pequim pareceu erguer, em torno dela, uma nova ordem mundial. A China começava uma fase de lua de mel com os outros países e ainda que tivesse reprimido um recente levante no Tibete, o país angariou simpatias internacionais após um devastador terremoto.

Muitos foram a Pequim para a “festa de debut” da China. Líderes estrangeiros encantaram-se com a arquitetura, os fogos reluzentes e as cerimônias de abertura ostentando as ambições de poder do país.


Em seguida, o mundo chegou a “outro ponto de inflexão: a implosão do sistema financeiro americano e a crise econômica global. O crescimento da China escorou ao mesmo tempo a economia mundial e a crença entre as autoridades do país de que seus sistemas econômico e político poderiam ser rivais de seus correspondentes americanos” (jornalista Edward Wong. Papers 2008 Universidade de Harvard).

 Ser abertamente autoritário, não impediu o país de funcionar como um ímã. Muitos pensaram que a China iria forjar uma nova identidade, mais aberta e vibrante, iniciando uma era de novas ideias, valores e uma inovação cultural, digna do desejado status de superpotência.

Essas expectativas esperançosas não se cumpriram. Dentro de um espectro amplo, do comércio à internet, do ensino superior ao cinema, fica explicito um modelo chinês autoritário para o mundo. O império que renasce é o resultado do exercício de poder esmagador do Partido Comunista, incluindo a coerção econômica e religiosa, o que anula o poder de atração da sua cultura e saber.

Embora, das grandes potências dominantes no Século XIX, só a China surja como um império rejuvenescido, o faz sob o todo poderoso Partido Comunista dominando um vasto território reunido pelos governantes manchu da dinastia Qing, obtidos pela rota da guerra e da diplomacia.

Favorecida pela Geografia, seu domínio avança com o uso de suas forças armadas para testar o seu potencial de controle, seja nas fronteiras disputadas, do Mar do Sul da China até o Himalaia, ou nas campanhas internas que estimulam o nacionalismo. A dinâmica externa da China, engendra ambições externas.

Na história recente, os Estados Unidos foram uma luz global para todos aqueles que defendiam valores como o estado de direito, a liberdade de expressão, a transparência do governo, o respeito aos direitos civis e os direitos humanos.

Mesmo que as políticas do governo frequentemente não igualassem esses ideais, o “poder brando” americano soube ser tão poderoso quanto suas forças armadas. A ascensão e a forma de atuar da China oferece sombrio contraponto.


Logo, a partir de 2009, o poderio duro do Partido Comunista Chinês, nos âmbitos externo e interno, atuou com força bruta, suborno e intimidação, de modo cada vez mais forte, dentro da consolidação do pensamento de Xi Jinping na formação do Partido, colocando-o ao nível de Mao Tse-tung.

No exterior, a China estabelece uma política agressiva com a construção de instalações militares em recifes disputados no Pacífico e invasão de redes cibernéticas. A China pressiona por uma infraestrutura em forma de cinturão, atravessando a Eurásia. Mesmo trazendo benefícios aos países envolvidos, ela exerce sua influência territorial pelo comercio e pela coação.

Nenhum país conhece melhor a aspereza chinesa do que a Noruega. O país foi retaliado com o rompimento das relações diplomáticas e comerciais durante os seis anos que se seguiram a concessão do Nobel da Paz (2010) a Liu Xiaobo defensor da democracia e preso na China onde morreu.

Ao consolidar suas fronteiras terrestres, a China começa a voltar-se para o exterior e ao contrário dos Estados Unidos não vem munida de um ideal missionário voltado às questões mundiais.

Não é ponto pacífico que não pretenda difundir sua ideologia e seu sistema de governo”. O que a impele para o exterior é a necessidade de assegurar energia, metais e minerais estratégicos a fim de sustentar o padrão de vida em ascensão” (Kaplan, Robert. 2003 p.202).

Para este fim, a China vem estabelecendo “relações vantajosas de poder tanto em territórios contíguos quanto em lugares remotos que oferecem uma abundancia desses mesmos  recursos de que o país necessita  para alimentar o seu crescimento” (Kaplan. Idem. Ibidem).

Pode-se concluir que sair de suas fronteiras oficiais está ligado a um interesse nacional vital: sobrevivência e a expansão econômica o que define o país como hiper-realista. A busca chinesa põe-se em rota de colisão com países e governos de conotação direitistas como os Estados Unidos, colidindo também com Índia e Rússia por suas próprias esferas de influência.

Internamente, o Partido Comunista detém advogados atuantes dos direitos civis, sufoca a internet, obriga empresas e universidades a instalarem células do partido, proíbe bíblias e o exercício da liberdade religiosa, planeja um sistema de Crédito Humano, um inferno orwelliano,  por ser parecido com um livro de George Orwell, quando as notas dos seus cidadãos se ligarão à obtenção dos seus empregos, hipotecas e as vagas das escolas de seus filhos. (Tashi Wangchuk, Times 2015).

Tashi é o tipo de cidadão que a China desvaloriza mesmo quando trabalha dentro da lei e recomenda políticas em beneficio das pessoas comuns. Seus projetos de ensino do idioma tibetano o condenaram. Mesmo, passados dois anos, ele continua detido em Yushu, sua cidade natal.

A ideia de um sistema orwelliano aparece pela primeira vez em documento de 2014, invocando que isto vai melhorar os serviços do Estado, facilitando o aceso aos financiamentos. O uso está planejado para 2020. A nota do cidadão será a base de confiabilidade de uma pessoa e a classificação será pública.


A privacidade inexistirá na China, que se revela como um estado policialesco completo. Nesta segunda década do Século XXI, a China segue impiedosa nas suas ideias como no tempo de Mao. Ressaltemos aqui que o progresso moral em política internacional é um projeto norte-americano, não chinês.


ARTIGO - Direito Canônico e Canonização (VM)


DIREITO CANÔNICO
E
CANONIZAÇÃO*
Vianney Mesquita**



É preciosa aos olhos do Senhor a morte dos seus santos. (BÍBLIA, Salmos, 115-15).


Na acepção mais simples possível, o Direito Canônico resulta da conjunção de procedimentos orientadores da estrutura da Igreja Católica, Apostólica Romana, bem como das relações estabelecidas entre os que professam esta confissão. Suas fontes remanescem na Sacra Escritura, nas decisões dos concílios relativas a dogmas ou disciplinas, nos decretos pontifícios e no costume, quando universal e antigo.


As principais vertentes librárias, antes da grande ocorrência de Trento – cuja principal circunstância resta vinculada à propagação do protestantismo de Martinho Lutero e seguidores – são as coleções de Dionísio Adriano (Século VI), o Decreto de Graciano (1150), as Leis Extravagantes (1234}, o Sexto (1298) e as Clementinas (1313). Esse acervo foi reunido pelo ora dito Concílio, em três fases, de Basileia (Suíça) Ferrara-Florença (Itália), ocorrido de 1431 a 1442, tendo o conjunto assumido a denominação de Corpus Juris Canonici.


Importa exprimir, por apropriado o momento, o fato de que a mencionada cimeira cardinalícia – o Concílio em três cidades europeias – foi transferida dessa comuna helvécia para Ferrara, em 1438-1439, pelo Papa Eugênio IV – OSA, Ordem de Santo Agostinho – e, depois, para Florença, demorando ali de 1439 a 1442.

Noticia a nascente livresca adiante referenciada o fato de que o Direito Canônico sobejou bastante mudado pelo Concílio Tridentino, sucedido de 1945 a 1563, completado, até hoje, com as bulas papais (5: 1983).

No concernente à Canonização, do étimo latino canonizatio, e atualizando a informação, recolhi do Dicionário de Liturgia, do Monsenhor Sabino Guimarães Loyola (6:1995), a informação de que esse procedimento é de teor administrativo-judicial, sob as regras do citado Juris Canonici.

Expressa o então presbítero da Igreja em Sobral-CE-Brasil, ao se reportar à Constituição Apostólica Divinus Perfeccionis Magister, do Sumo Pontífice João Paulo II (São João Paulo), sobre a Nova Legislação Relativa à Causa dos Santos, datada de 25 de janeiro de 1983, que a disciplina para beatificar e canonizar foi profundamente modificada, pois revogados os lineamentos anteriores, havendo sido estabelecidas novas orientações e prescrições, facilitando enormemente os procedimentos para a beatificação e a santificação. Sabe-se – e isto de há muito é cediço – que a canonização é o ato declaratório da Santa Madre Igreja de que uma pessoa cujo passamento já ocorreu é um santo, razão por que a inscreve no Cânon (do grego kanon = régua) dos mortos santificados, aceitos por ato particular, restrito ao Vaticano, isto é, por decisão do mais elevado status da clerezia romana, sancionada pelo Sumo Pontífice.

Consoante exprime Cavalcante, em matéria para o magazine Superinteressante (7: on line), no começo da Igreja, inexistia processo formalizado de reconhecimento dos santos, porquanto “os primeiros mártires cristãos, como Pedro (Apóstolo de Jesus e o primeiro papa), já eram cultuados popularmente”.


O Autor adita, ainda, o informe de que a primeira pessoa canonizada por um pontífice romano – o Papa João XV (acrescentei, sempre, os nomes praticados em circunstância secular – nascido Giovanni de Gallina Alba Santo Ulrico, bispo de Augsburg (7: on line ) . Esta, acresço, é uma cidade do Estado da Baviera – Alemanha, hoje com cerca de 270 mil habitantes).

Prossegue o Jornalista: “Tudo começa com a investigação do candidato pelo bispo da diocese, onde é reunido o material referente à sua suposta santidade, com seus escritos e relato dos milagres”. O prelado, então, indica um promotor da causa para defender o postulante a santo, bem como um “promotor da fé”, a fim de conferir e fazer os contra-argumentos (IBIDEM). “Daí são necessários” – prossegue – “que pelo menos dois milagres autênticos sejam comprovados para que o Papa canonize o candidato”. (IBIDEM ).

Retorno às lições históricas de Loyola (6:1995, p. 150), ao exprimir a noção de que, consoante a Divinus Perfeccione Magister,

[...] não há mais dois processos: um para beatificação e outro para canonização. Inicia-se o processo de canonização de um servo de Deus, de natureza administrativa, instruído com as formalidades de processo judicial, no qual se solicita ao Papa, por intermédio da Congregação para as Causas dos Santos, a inscrição de beatos a Igreja Católica. (Impus destaque em preto).

O fecho do procedimento, exclusivamente de competência do Papa, conduz

[...] o servo de Deus de certa região ou família religiosa a receber culto eclesiástico. Posteriormente, caso se confirme um milagre comprovado, o Papa concede a canonização.

É possível, então, na pedagogia de Loyola – ao explicitar a Constituição Apostólica de Karol Józef Wojtila (João Paulo II) – fazer a distinção de dois lados – em primeiro lugar, o procedimento da santificação de jaez administrativo, ao passo que a outra parte, que são os atos do Sumo Pontífice, de beatificação e santificação, de teor litúrgico, porquanto já é parte do culto público da Igreja. Poderá acontecer, então – consuma o Autor – “[...] que o servo de Deus seja somente beatificado, até mesmo, nunca seja canonizado”. [6:1995].

Já no tempo em que alguns dos Franciscos, neste passo comentados, foram santificados, de acordo com os registos da História, bem antes das modificações profundas procedidas pelo Concílio Ecumênico Vaticano II [1962-1965], o Papa declarava solenemente inscrita no rol dos santos uma personagem que recebia da Igreja culto público.

Com efeito, caso a Congregação e os ritos acolhessem a sugestão como legítima, o candidato começava a ser havido como venerável. Se houvesse praticado virtudes cristãs em grau elevado e operado no mínimo dois prodígios (milagres), por meio de um Breve Pontifício, era-lhe concedida a circunstância de beato. Meio século mais tarde, na ocorrência de mais dois milagres, tinha lugar um extenso processo, no curso do qual se examinavam os escritos e as virtudes do bem-aventurado.

Divisemos, então, o que exprime esta vertente (5: 1983). Segue-se que

[...] se efetua a discussão entre o advogado de Deus e o advogado do Diabo, um dos quais sustenta a causa da canonização, enquanto o outro contesta. Por fim, desde que é julgada legítima, o Papa resolve a canonização consagrada por uma cerimônia solene e comunicada por uma bula a toda a Cristandade. (P. 453).


Consoante o leitor pode observar, após a edição do citado Documento de São João Paulo II, no decurso das canonizações – ou de apenas beatificação, como alude Loyola, pois não há mais peça processual dupla – estas se revestiram de maior simplicidade e se impregnaram do senso de relativa e também responsável pressa, com a atuação somente dos causídicos do Alto – o promotor da causa e o incentivador da fé – nos atos de apoio e conferência/contestação às postulações.

Tal sucede diferente que alude a literatura mencionada há instantes, referindo-se a um solicitador de Deus e a um postulante do Demônio, aliás, para mim, em alocução despropositada e perto de se configurar incivil, por imprimir configuração satânica à noção de justiça.

Se o consulente pesquisar acerca da história de santificações ocorridas após a Constituição de São João Paulo II, editada em 25.01.1983, concordará com os resultados da simpleza do processo, conforme sobreveio com as canonizações de São João XXIII e de São João Paulo II, no dia 27 de abril de 2014, o primeiro distante 31 anos do seu passamento e o segundo divergindo apenas nove de sua trilha para a glorificação celestial.

Os dois prefalados casos diferem, pois, em distância estelar, do evento de São José de Anchieta, também sob notação neste trabalho, no concernente à vagarosidade de seu processo de beatificação, que só se deu em 1980, mesmo na condição de venerável, adquirida pouco tempo após seu passamento, em 1597,

Acresce exprimir, ainda, o fato de que a canonização deste Sacerdote jesuíta hispano-brasileiro demorou, ainda, 34 anos, decerto por dificuldades de demandas nos enormes autos processuais de mais de 400 anos, materializada, finalmente, no dia 3 de abril de 2014, por breve de Sua Santidade, o Papa Francisco.
[...]


* Capítulo do Livro Franciscos Moradores do Céu – Palmácia: Arcádia Nova Palmaciana, 2018 (VM)




domingo, 26 de julho de 2020

NOTA ACADÊMICA - Sarau Virtual da ACLJ (26.07.2020)

SARAU VIRTUAL
DA ACLJ
(26.07.2020)
   

A Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ) promovia, nas noites de terça-feira, na casa de bebidas finas Embaixada da Cachaça, um poetry slam, consistente em um pequeno sarau de poesias, prosa poética e performances musicais acústicas ao vivo, segundo uma prática que começou nos EUA e se difundiu pelo Planeta.


   
Mas essa rotina cultural saudável foi interrompida pela pandemia de Covid-19, e então grupo de habitués passou a se reunir virtualmente nas manhãs de domingo, em que acadêmicos, artistas, intelectuais e poetas em geral, frequentadores daquele reduto boêmio e cultural, matam a saudade e mitigam a carência de convívio, mantendo em atividade a ACLJ, apesar do isolamento social obrigatório.



Na longa e agradável sessão virtual deste domingo (26.07.2020), para declamações em prosa ou verso, e para discussões e comentários sobre a cultura cearense, estiveram reunidos 15 participantes, nomeadamente o marchand Sávio Queiroz Costa (anfitrião virtual), a advogada, psicanalista e poetisa Alana Girão de Alencar, o jornalista Reginaldo Vasconcelos.







Participaram também o Prof. Doutor Rui Martinho Rodrigues, o engenheiro e ex-oficial de Marinha Humberto Ellery, o agrônomo e poeta Paulo Ximenes, o Juiz de Direito Aluísio Gurgel do Amaral Júnior, o físico e professor Wagner Coelho, o Procurador Federal e professor Edmar Ribeiro.

Também disseram presente o pedagogo, psicólogo e penalista Edmar Santos, a atriz, poetisa, escritora e psicoterapeuta Karla Karenina, o agente de exportação Dennis Vasconcelos, o filósofo, teólogo e psicoterapeuta Júlio Soares o Bibliófilo José Augusto Bezerra  todos membros da ACLJ.

José Augusto Bezerra, Presidente Emérito da Academia Cearense de Letras e ex-presidente do Instituto do Ceará, fundador e presidente da Associação Cearense de Bibliófilos, trouxe novamente uma grande contribuição à reunião literária de hoje.

Apresentou uma obra rara de sua imensa coleção, publicada no Ceará em 1831, de autoria de Juvenal Galeno, denominada A Porangaba, poema inspirador da Iracema, de José de Alencar, livro publicado quatro anos depois. Porangaba, do tupi, poronga+abá = "pessoa bonita". Pessoa indígena, porque a palavra tupi para pessoa não indígena é "caraíba".

Ele brindara os confrades com uma narrativa interessantíssima sobre o grande poeta Castro Alves, que teria se apaixonado por uma senhora casada, a atriz portuguesa Eugênia Câmara, e porquanto ela tenha resistido à sua corte, terminou cedendo à beleza do poeta, e ao encanto de sua poesia. 

Ela deixou o marido e uniu-se a ele, que morreu anos depois em consequência de um acidente de tiro numa caçada, de que ela se culpou para sempre, porque antes haviam discutido, ela pretendendo voltar à vida artística, contra a vontade dele. Na sessão deste domingo José Augusto Bezerra também exibiu uma obra rara a esse respeito.

Na reunião virtual deste domingo, que durou duas horas prazenteiras, cada participante apresentou uma performance literária, e, ao final, o artista sônico Marcelo Melo, Comendatário da ACLJ, tocou ao violão duas belas canções, com melodias suas e de sua prima Karla Karenina, e letras da poetisa Alana Alencar.

Nessa segunda parte da sessão os acadêmicos se deleitaram  saindo do enlevo e da introspecção das atividades literárias (a que, no jargão interno da ACLJ, se diz, de forma analógica, "transitar pela BR")  para a descontração musical e anedotária, entrando em temática que corresponde, na gíria acelejana, a trafegar por via "vicinal", momento que se registrou a alegria dos sorrisos.



A sessão foi dedicada ao saudoso Professor José Alves Fernandes, filólogo e lexicógrafo, imortal da Academia Cearense de Letras e Membro Titular da ACLJ, pai da confreira Karla Karenina, a qual fez um comovido e comovente pronunciamento sobre ele, à memória de quem todos brindaram.     

sábado, 25 de julho de 2020

ARTIGO - Quem Governa (RMR)


QUEM GOVERNA
Rui Martinho Rodrigues*


Quem nos governa? Antônio Delfim Neto disse que ministro faz discurso, mas o poder é exercido do terceiro escalão para baixo. Examinando material de um treinamento de pessoal de órgão público, vi que o conteúdo era contrário ao pensamento do titular da casa, que sem tempo ou interesse, não examinou o dito material, não foi alertado e não percebeu o que os assessores estavam fazendo.



Mais de cinco mil cargos de confiança, no serviço público federal, só em Brasília, ainda estão ocupados por pessoas de partidos de oposição. Alguns dizem que é aparelhamento remanescente de governos anteriores. Esta prática se caracteriza pelo preenchimento de vagas com favorecimento partidário ou ideológico e estímulo ou a preparação de candidatos com o objetivo de exercer influência na instituição. Além do serviço público, as empresas de comunicação seriam alvo de um esforço nesse sentido. Um professor de Física me confidenciou que desde menino foi designado para “infiltrar” uma certa organização, não tendo conseguido por um problema pessoal.

Partidos de convicção preocupam-se em infiltrar setores estratégicos, desde antes da divulgação do pensamento de Antonio Gramsci (1891 – 1937) no Brasil, principalmente pela obra “Os intelectuais e a organização da cultura”, na qual a proposta revolucionária se desloca da tomada do governo para conquista da hegemonia ideológica. A Escola de Frankfurt também refez uma releitura do marxismo e apontou para a cultura como o foco do interesse revolucionário. Antes que esta escola do pensamento social se tornasse influente no Brasil o “Partidão” já incentivava a infiltração. Esta é a atitude de quem tem uma forte convicção, sentindo-se portador de uma boa nova capaz de produzir um mundo melhor.


Intelectuais e artistas frequentemente se inclinam pela contestação dos padrões culturais vigentes. Sentir-se no papel de agente da construção de uma nova e maravilhosa era é muito tentador. O termo intelectual, porém, conforme Thomas Sowell (1930 – vivo), não se aplica genericamente aos eruditos, estudiosos e pessoas inteligentes, mas apenas aos que raciocinam no campo das ideias, dedicam-se à cultura e integram a intelligentsia (militância na cultura e em movimentos estéticos e políticos). Engenheiros, físicos, matemáticos e médicos estudiosos e inteligentíssimos não são intelectuais, romancista, porém, enquadram-se na classificação aludida.

Intelectuais não se preocupam com a viabilidade dos sonhos que divulgam e estimulam. Sentir-se sábio e virtuoso é um pensamento sedutor. Raymond Aron (1905 – 1983) descreveu tal sentimento como “ópio dos intelectuais”, atribuindo-o ao marxismo. Mas o raciocínio se aplica a todo o campo designado como “progressista”.


Durante décadas o ópio dos intelectuais seduziu a intelligentsia, que até os anos setenta fazia triagem ideológica nas redações dos jornais e nos concursos das universidades, nas áreas de humanidades. Depois deixou de ser necessário. Décadas de aparelhamento formaram toda uma geração com antolhos, como os habitantes da caverna da alegoria de Platão (428/427 a.C.– 348/347 a.C.).

Os cinco mil cargos ocupados pelos partidos de oposição, em Brasília, não são só aparelhamento, mas fruto da hegemonia obtida por décadas de aparelhamento, inclusive sob o Estado Novo e o consulado militar. Agora é falta de opção. Toda uma geração foi catequizada. Restam os militares, mas não são suficientes. A parte contrária fez maioria nas urnas, mas não governa. Não tem com quem. O governo é exercido do terceiro escalão para baixo, pelos “reis filósofos” não eleitos. Gramsci estava certo: não basta tomar o palácio de inverno (ou vencer eleição, acrescente-se), sem ganhar a cultura.



ARTIGO - Fiocruz - Segunda Onda da Covid no Ceará (AS)


FIOCRUZ

SEGUNDA ONDA
DA COVID NO CEARÁ?
Arnaldo Santos*


Superados os primeiros cinco meses da pandemia, as ações da comunidade médico-científica brasileira, as atenções dos economistas - cuja atuação, no momento, objetiva planejar a reabertura da economia – bem como dos prefeitos e governadores, têm como meta definir uma estratégia que seja eficiente no enfrentamento de uma eventual segunda onda da Covid.



Boletim da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) publicado na última quinta feira (23/07), informa que os estados do Maranhão, Amapá, Rio de Janeiro, e Ceará, já podem estar iniciando uma segunda onda; o comunicada se referência no significativo aumento do número de internações ocorridas nas últimas semanas, pela Síndrome Respiratória Aguda Grave – (SRAG), nesses Estados.

Diante desse novo cenário e da pressão dos setores econômicos pela reabertura, certamente o governador Camilo Santana e o prefeito Roberto Cláudio, já estão atentos para o risco de serem obrigados a fechar tudo novamente, com agudo influxo na economia, se não adotarem critérios ainda mais rígidos e seletivos a partir de agora.

Apesar da abnegada atuação dos médicos, cientistas e pesquisadores epidemiologistas e demais profissionais da saúde, somadas as diligentes ações da maioria dos governos em cada Estado, como se verifica no Ceará, os resultados político-sociais, econômicos e de saúde, na primeira fase da pandemia, são devastadores.

Os últimos números da Covid-19 mostram que ultrapassamos os dois milhões e meio de infectados, contabilizando quase  85 mil mortos, e continuam crescendo em todo País, (no Ceará já são mais de 151 mil infectados, e quase 7,5 mil mortos). Para atenuar as tensões, o relatório da Organização Mundial da Saúde, do início deste mês, afirma que, no Brasil, o índice de infecção pelo coronavírus pode ter chegado ao estágio que a OMS define como platô - quer dizer: a doença estabilizou.

O desafio que se impõe ao País, desde agora, será manter a estabilização e, se possível, a redução da doença, evitar a segunda onda, combinada com a reabertura da economia, ante o comportamento nem um pouco recomendável da população, que teima em não respeitar as normas de não aglomeração, isolamento social e uso de máscara; simples gestos de cidadania, especialmente enquanto estivermos sob a pandemia.  

Sociologicamente, esse comportamento de não respeitar as normas sanitárias, por um número cada vez maior de pessoas, inclusive por autoridades, revela que, além de contaminada pela Covid, a sociedade está adoecida do complexo de “vira-lata”, não no sentido de inferioridade que a elite branca brasileira, dos tempos coloniais, forjou, e nos deixou inoculado como herança, mas no senso narcísico, em que alguns do “andar de cima”, se exibem, fazendo-se superiores, credores de direitos, e sem nem um dever para com a cidadania coletiva.

Na dimensão de um pretenso poder pessoal que imaginam ter, alguns poucos tentam fazer recrudescer o desprezível “[…] você sabe com quem está falando”; como na cena mostrada pela televisão, na qual o guarda municipal Cícero Hilário Rosa, da cidade de Santos, dignamente arrostou o desembargador Eduardo Siqueira, do Tribunal de Justiça de São Paulo, quando esse tentou detratá-lo e humilhá-lo, ao ser multado por não usar máscara em uma praia santista. Sem esforço, e com o devido respeito aos cães, não é difícil identificar o “vira-lata” nesse episódio!

É nessa realidade de descumprimento das normas sanitárias que cada vez mais o fantasma da segunda onda põe de sobreaviso as autoridades sanitárias brasileiras, os governadores e prefeitos, por terem a consciência de que a ameaça de segunda emergência é real, e poderá ter consequências ainda mais gravosas para a saúde da população, pelo número de mortes que poderá causar.

Grande parte dos estudos científicos internacionais que trata do tema confirma as evidências de uma segunda onda, algo que os epidemiologistas brasileiros vêm alertando; somente está alheia a essa realidade, por se julgar infensa a tudo, a parcela da população que continua nas ruas, praias e bares, ignorando os protocolos sanitários, assim como o próprio Presidente da República, que adotou um comportamento errático perante a Covid, e, a julgar pela atitude incivil que continua ter, a eventual segunda onda não deve estar a lhe preocupar.

Os que por arrogância ou negacionismo ignoram os riscos de uma segunda emergência da Covid, no Brasil, precisam se conscientizar de que não se trata de “achismo”, mas de estudos realizados por epidemiologistas; devem, ainda, atentar para o comunicado da OMS, que, inclusive, critica a reabertura da economia, nessa fase da doença, e acompanhar o noticiário da imprensa brasileira.  O Chefe do Centro da Covid, de São Paulo, e 90% dos médicos ouvidos, em todos os estados, afirmam, por exemplo, que são reais e altas as possibilidades de outra onda no País.



O que vem a ser, então, essa segunda onda, da qual tanto se fala, e pouco se explica, para que as pessoas saibam o que significa, quais são suas características e como se configura? O Dr. Mike Tildesley, da Universidade de Warwick, a define como sendo “[…] um ciclo onde o número de infecções aumenta e diminui novamente – cada ciclo é uma onda de coronavírus”.

Nessa perspectiva, para se determinar o fim de uma onda, é necessário que o vírus seja controlado, e se verifique uma diminuição substancial dos índices de infecção e mortes, enquanto que, para a segunda onda se configurar, se faz igualmente imprescindível que se verifique um efetivo e significativo aumento sustentado de infecções.

Essa descrição de como se caracteriza o fim e/ou o surgimento de uma nova onda, combinada com a reabertura da economia, e o inevitável afrouxamento das medidas de isolamento social, somados à inobservância dos protocolos sanitários, como temos observado, evidenciam que estão criadas as condições para eclodir a segunda onda.

A propósito, os historiadores que estudam as pandemias no mundo são unânimes em afirmar que numa sequente onda, o grau de letalidade é ainda maior do que o da na primeira; e citam como exemplo o que ocorreu no período da gripe espanhola, no primeiro quartel do Século XX, como relatado nos registros da pesquisadora Christiane Maria Cruz: “[…] a gripe espanhola se espalhou em três ondas de contágio, entre março de 1918, e maio de 1919, entre todas elas, a mais grave foi a segunda, iniciada em agosto de 1918, causando a morte de milhões de pessoas”.

Ressalte-se que a discussão desse tema não é um mero exercício especulativo, como muitos querem crer, e por isso negligenciam os protocolos de saúde exigidos pelas autoridades sanitárias; muito pelo contrário, a possível segunda onda da Covid situa-se no centro dos debates do controle da pandemia, em escala global, procedendo-se com base no que ora ocorre em vários países.

Quando se examina o aumento no número de pessoas infectadas que está se verificando nos EUA, bem como na Austrália, que até então vinha sendo referência no controle do coronavírus, mas que voltou a ter um significativo aumento no nível de infecção, fica evidenciado que foi consequência do afrouxamento dos protocolos sanitários, depois da reabertura das suas economias.

O mesmo foi constatado em Israel, e também no Irã, onde, no início, adotaram rígidos protocolos de isolamento social, resultando em um efetivo controle dos índices de infecção pelo vírus, mas, com a reabertura das atividades econômicas e o relaxamento das medidas, estão enfrentando um grave retrocesso, como vem sendo noticiado pela mídia internacional. O que está se verificando nesses países deve ser observado pelo Brasil, para não incorrer nos mesmos erros.

Outros estudos epidemiológicos publicados pelas mais respeitadas revistas científicas internacionais, como a Science, demonstram que a chamada imunidade de rebanho, aquela que a população  adquire através das pessoas que já foram infectadas pelo vírus, não será suficientemente capaz de evitar uma segunda emergência; e o problema pode ser ainda mais  agravado pela incerteza que paira, quanto ao fato de também não haver comprovação cientifica de que as pessoas, uma vez infectadas, estariam livres de uma  reinfecção, gerando um processo realimentador no grau e na extensão da infectividade, agravando ainda mais a saúde e a economia.

Nesse contexto, analisando as repercussões da primeira onda da pandemia, em uma perspectiva econômica, pesquisa realizada pelo IBGE confirma que, até junho, mais de 700 mil empresas encerraram atividades, impactando perversamente na vida dos trabalhadores, pois os dados evidenciam que um contingente de mais 7,8 milhões de pessoas perdeu empregos nesse período, em todo o Brasil, e esses números continuam crescendo, com gravame ainda maior na economia; e, no curto prazo, não se vislumbra uma atuação eficiente do Governo Federal para atenuar os reflexos dessa crise. No caso de segunda onda, será impossível prever o modo como ocorrerá.


Para depois de tudo, Fernando Sabino nos ensina “[…] De tudo ficaram três coisas: A certeza de que estamos sempre a começar... A certeza de que é preciso continuar... A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar. Por isso devemos: Fazer da interrupção um caminho novo... Da queda, um passo de dança... Do medo, uma escada... Do sonho, uma ponte... Da procura, um encontro”.




sexta-feira, 24 de julho de 2020

CRÔNICA - Quem Não se Comunica... (HE)

QUEM NÃO SE
COMUNICA...
Humberto Ellery*




“Eu não vim para explicar. Vim para confundir” (Abelardo Barbosa – o Chacrinha)



O grande comunicador Abelardo Barbosa, o popular Chacrinha, cunhou a máxima “quem não se comunica, se trumbica” – embora, em relação ao personagem nonsense que criou, lançou também a contraditória frase em epígrafe. 


Realmente, o ato de se comunicar, de transmitir ao outro aquilo que sentimos ou sabemos, é uma operação, aparentemente simples, mas que às vezes se revela extremamente difícil, por vezes impossível.

Mesmo que você se chame Francisco, seja sábio e santo, tenha o dom de falar com os animais, como explicar a um irmão peixe o que seria “sentir sede”?

Por outro lado, existem coisas difíceis de explicar, mas que são fáceis de entender, como a adolescente solteira que vai explicar à própria mãe que está grávida. É difícil de explicar, mas é fácil de entender.

Existem também coisas fáceis de explicar, mas difíceis de entender, como a experiência do gato de Schrödinger. Apesar de hoje muita gente falar em experiências quânticas, como entender que o gato está vivo e morto ao mesmo tempo dentro da caixa? 

Para explicar a “Interpretação de Copenhague”, faz-se necessário um profundo conhecimento do Princípio da Incerteza de Heisemberg, do Conceito e Cálculo de Probabilidades, além de uma grande capacidade de abstração matemática. Eu, por exemplo, consigo explicar a experiência do gato de Schrödinger com muita clareza. Entender é outra história!

E o chamado “diálogo intergeracional”? Como explicar a “envelhecência” a quem ainda está na “adolescência”? Como explicar o que é perscrutar o horizonte e enxergá-lo a olhos nus, ali, bem pertinho, “the final curtain” ao alcance das mãos?

Quando Carpe Diem deixa de ser apenas um lema, mas a continuação da frase “quam minimum credula postero” (confia o mínimo possível no dia de amanhã) torna-se um imperativo de vida (talvez sobrevida)?

Como explicar o que é não ter mais amanhãs, ter apenas “hojes”, que vão se transformando, inexoravelmente, de forma quase frenética em “ontens”?

Se existem coisa fáceis, outras difíceis de explicar, existem coisas que não carecem de explicações. Pra que explicar a um pássaro na gaiola como é voar? Basta abrir-lhe a portinhola. E não se espere que ele vá “cantar no galho do abacateiro, lá no meio do terreiro”. Não, se ele tem o infinito azul para voar. Ou então não merece a liberdade que não pediu, mas recebeu.

Quantos anos tinham Lennon & McCartney quando cantaram “When I get older, many years from now, when I´m sixty-four?” And me? I´m seventy-four, ten years older! Seguramente Sócrates, com sua incomparável capacidade de fazer seus discípulos “darem à luz” seu entendimento (maiêutica), seja capaz de transmitir essas ideias. Eu tenho muita “consciência de minha ignorância”, mesmo não sendo sábio, e confesso minha incapacidade para tal.

Esse diálogo intergeracional é complicado inclusive de mim para comigo. Explico: Quando completei sessenta anos resolvi reler os livros que mais me impactaram quando os li pela vez primeira, ainda bem jovem. Fui revisitar “Crime e Castigo”, “O Pai Goriot”, “O Vermelho e o Negro”, “Os sofrimentos do Jovem Werther”, “Dom Casmurro”, e toda uma vasta lista de livros que me despertaram o amor pela Literatura. Posso afirmar com tranquilidade, que é impressionante como o meu entendimento e as minhas interpretações variaram com a maturidade!

Daí eu entender e aceitar a minha falta de capacidade de explicar aos mais jovens certas atitudes que tomei recentemente. Apenas peço que me perdoem por não pedir perdão, uma vez que nas sofrências do amor não existem culpados, nem sequer existe a culpa. Somos todos vítimas.

Humberto Ellery, bancando o enigmático.


ARTIGO - O Debate Científico (RMR)

O DEBATE
CIENTÍFICO
Rui Martinho Rodrigues*


A história da ciência é marcada por embates, não raro apaixonados e pouco científicos. Max Karl Ernest Ludwig Planck (1858 – 1947) teria dito que a ciência avança funeral a funeral. Exéquias de teorias e modelos ou de cientistas? Não explicitou, mas deve ser de ambos.

A escola do racionalismo crítico descreve a resistência de velhos paradigmas em face dos novos, como cegueira dos paradigmas (Thomas Samuel Kuhn, 1922 – 1996).

Gaston Bachelard (1884 – 1962) também disse que o conhecimento pode ser obstáculo ao conhecimento inovador. As revoluções científicas nunca foram compreendidas pelos cientistas do seu tempo, por mais que fossem explicadas. Seguidores da Teoria dos Miasmas (odores fétidos que dariam origem às enfermidades) eram sábios, estudiosos, inteligentes e dedicados à ciência e ao bem comum.

Mas não aceitaram a teoria dos micróbios (Louis Pasteur, 1822 – 1895) apoiada por evidências. Max Planck, Gaston Bachelard e Thomas Kuhn analizaram muitos exemplos desse tipo de fenômeno ao longo da história da ciência.

A ciência não é unívoca. Cientistas têm paixões, interesses, vaidades, rivalidades e viseiras das tradições e referências teóricas de autores renomados, que usam tribunas prestigiosas como Universidades famosas, publicam em periódicos respeitados e têm apoio de movimentos culturais ou políticos influentes. Títulos e publicações são usados como argumentos de autoridade. Até existe o comentário segundo o qual quem não tem lattes (plataforma de exibição de currículos) não morde.

O adjetivo “científico” é peça de convencimento. Os incapazes de examinar o mérito do que é dito acatam a autoridade “científica”. Um dos primeiros professores a escrever sob a assinatura “professor doutor”, cumulando títulos, deu lugar ao comentário que explicava uso dos títulos como necessários, porque o mérito não era visível.

O debate entre médicos-doutores-professores-pesquisadores e de instituições como a Organização Mundial de Saúde foi politizado. Apesar da cegueira dos paradigmas e dos descaminhos da comunidade científica, é a ciência que devemos ouvir sobre a Covid-19. Efeitos colaterais, comuns à maioria dos remédios, são objeto de restrições rigorosas no caso dos antivirais usados contra o coronavírus.

O mesmo rigor se aplica aos demais medicamentos? Remédios tão perigosos foram vendidos durante décadas sem nenhum controle? Usados continuamente, por longos anos, no tratamento de quadros reumatoides, do lupos, e no uso profilático contínuo contra a malária, não podem ser usados por poucos dias na atual pandemia?

O índice de efeitos colaterais graves deveria ser divulgado. Alguns tipos de penicilina provocam uma reação a cada dez mil pacientes, se a memória não me engana. Qual é a estatística da  Hidroxicloroquina (HCQ)? Usados em outros tratamentos sem maiores problemas, os efeitos colaterais diferem conforme a patologia ou são inerentes às propriedades da droga? Quais fatores levaram a resultados contraditórios nas pesquisas e no uso clínico dos antivirais debatidos? Quais as diferenças e as explicações dadas pelas partes?

A cientificidade não é uma exigência rigorosa em clínica. Homeopatia e acupuntura são reconhecidas pelo Concelho Federal de Medicina, e não são rigorosamente científicas. 

A situação de uma emergência, como uma pandemia, deve aumentar o rigor da cobrança de cientificidade, ou suavizá-la? 

Uma droga usada por longo tempo sem o temor de efeitos colaterais, vendida sem receita médica, deve ser objeto de restrição no momento da emergência? 

O uso da HCQ será abandonado, por temor de efeitos colaterais, nos tratamentos de artrite reumatoide, malária e Lupus?

Clareza e completude devem ser observados por quem fala em nome da ciência.