Faça-se
a Água
Risco
de Tragédia
no
Jaguaribe
Exmos. Senhores Senadores
Confesso, enquanto
especialista na área de recursos hídricos, tendo editado cinco livros sobre
este tema em nossa região e publicado cerca de 300 artigos nesta especialidade,
em jornais, revistas técnicas, tendo frequentado três das maiores faculdades de
engenharia do nosso país, a Escola Politécnica da Universidade Católica de
Pernambuco, a Escola Nacional de Engenharia e a Pontifícia Universidade
Católica (Puc), estas duas últimas, do Rio de Janeiro, que estou profundamente
decepcionado com os rumos que estão dando a este assunto em nossa região.
Inicialmente, era somente o
estado do Ceará, através do seu Secretário de Recursos Hídricos, que pretendia
se apossar dos 66 açudes federais construídos pelo Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) localizados nesta unidade da federação, tendo como
objetivo vender a água neles acumuladas através da Cogerh (Companhia de
Gestão de Recurso Hídricos do Estado do Ceará) que, segundo constava estava
apurando (?) a fabulosa quantia de R$ 480 milhões para cobrir, anualmente, os
deficitários cofres estaduais. O próprio Diretor-Geral do Dnocs confirmava esta
informação.
No ano de 2009, que não foi
um ano excepcional de chuvas, a exemplo dos anos de 1924, 1974 e 1985, o Açude
Castanhão tomou extraordinário volume d’água e quando o nível desta atingiu a
cota de alerta, a cota 106 m, todas as 12 comportas já deveriam estar abertas,
mas, imprevidente e infelizmente, não estavam. Toda a população do Baixo
Jaguaribe (cerca de 300.000 pessoas) ficou ameaçada de uma tragédia.
Os gestores desta obra, na
mente de poderem dispor de mais água, deixaram o nível desta atingir a cota
máxima, isto é, a cota 106 m, na qual o açude acumulava, naquela situação, 6,7
bilhões de m³, incluindo incorreta e indevidamente neste volume, o que seria
disponível (portanto, tecnicamente não utilizável) para o controle de
enchentes, ou sejam, 2,3 bilhões de m³. Graças a esta incorreta e inconsequente
decisão, correu-se o risco de o nível das águas superarem o cume dos diques (de
terra) e, por muito pouco romperem causando uma tragédia no Baixo Jaguaribe,
como acima foi dito.
Senhores Senadores,
desculpem-me, mas estou cumprindo um dever de cidadania ao lembrar-lhes a
possibilidade de repetição daquele perigoso episódio de 2009, com o qual inicio
a redação do livro que escrevi, de 362 páginas, intitulado: “A FACE OCULTA DA
BARRAGEM DO CASTANHÃO – Em Defesa da Engenharia Nacional”. Tenho acompanhado
algumas incursões de Vossas Excelências no campo da Ciência Hidrológica com os
quais estou em absoluto desacordo. A grande maioria dos Senhores, por exemplo,
certamente nunca viu a capa de um livro de Hidrologia. Não é verdade? Estão mal
assessorados.
Já bastam os cerca de dez
ou doze erros grosseiros (e bota “grosseiros” nisto!) que foram cometidos no
projeto do Açude Castanhão, objeto do livro, acima referido que escrevi. Para
mim, já basta de tanta INCOMPETÊNCIA (com letras maiúsculas) dos responsáveis
por esta questão dos recursos hídricos no estado do Ceará.
Para a absurda decisão de
transferir as ações técnicas e científicas na área de recursos hídricos do Dnocs
para a Codevasf, eu diria que aquele Departamento Federal atua na região
semiárida do Nordeste brasileiro em rios temporários, isto é, em rios
intermitentes, enquanto a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do
São Francisco e do Parnaíba) atua em rios perenes, no caso os rios São
Francisco e Parnaíba. Portanto, o Dnocs tem expertise de 112 anos numa região
problemática do nosso país, densamente povoada, que requer água acumulada em
açudes em rios intermitentes e gerenciamento eficaz dos seus recursos hídricos.
A Codevasf não precisa
“fazer água” porque onde ela atua já tem água em abundância. Os rios são
perenes. O Dnocs, ao contrário, tem que “fabricar água” e, como disse, em
homenagem que recebi na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, em
comemoração dos 110 anos do Dnocs, que ele é de fato, “o maior fabricante de
água em regiões semiáridas do mundo”.
Infelizmente, no nosso
país, os interesses políticos se apresentam mais importantes dos que os
técnicos como fatores decisórios de um empreendimento, quando estes deveriam
ser amparados cientificamente pelas normas técnicas, legais e jurídicas. De
onde se conclui que na atual conjuntura nos meios nordestinos, o Poder Político
está acima da Técnica e da Justiça, para a minha tristeza e para a decepção de
toda a comunidade técnica/científica de nossa região.
Atenciosamente,
Engº Cássio Borges