quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

CONTO (RV)

A CALVA
Reginaldo Vasconcelos*



Ele casara cedo, e era feliz. O primeiro filho já vingara quando a primeira crise de nostalgia da vida de solteiro bateu forte. Os mesmos amigos, os mesmos bares, a mesma faculdade, a antigas namoradas ainda cheirando a flores orvalhadas, em pleno frescor da juventude.

Nada contra aquela que casualmente elegera e com quem firmara o compromisso vitalício, e que dele se tornara dependente, agora lhe dando o primeiro herdeiro, a cara dele mesmo – segundo a família propalava – as mãos dos Corrêia, o nariz dos Araújo.  

Mas na cidade vizinha que ele frequentava a serviço ninguém ia saber sobre a família que formara, de modo que, tudo fazia crer, seria possível manter por lá um universo amoroso paralelo, que somente os parceiros mais íntimos poderiam conhecer – pois afinal uma aventura amorosa absolutamente secreta não tem graça.

A moça era linda – e se bela de fato não fosse era sestrosa, de um charme intenso. Tinha um andar bailado e uma boca carnuda cujos beijos sabiam a caju doce. Quando abria um sorriso parecia a aurora rompendo a madrugada, cheia de promessas de indizíveis alegrias e prazeres.

E a vida transcorria normalmente entre os dois polos até que um dia veio a notícia aterradora. A namorada engravidara. Então urgia contar a ela que era casado, e não foi nada fácil – mas que não se preocupasse que ele reconheceria o filho e não lhe deixaria faltar nada – embora não pudesse assumir a relação. Drama, choro, tristeza, crise, fofoca.

Já esperando o segundo filho a jovem consorte oficial soube da outra e sua cria, na outra cidade, que ele ainda quis negar, até saber ser a fonte fidedigna, impossível desmentir. Drama, choro, tristeza, crise, fofoca, tudo se repetindo do lado de cá da vida dele.

Mas a vida seguiu parcialmente normal, embora do lado de lá se tenha instalado uma mágoa indelével e um dívida dolorida, e do lado de cá uma ponta de rancor incurável e uma cobrança moral subliminar que feriu para sempre o relacionamento do casal – pois um espelho quebrado não reflete nunca mais a mesma imagem.

Não é que a esposa tivesse perdido a confiança, como ocorre às vezes no adultério revelado, mas, muito pior, aquela perdera sequer a intenção de confiar. Não havia mais interesse, tudo fazia para o marido como quem presta um favor de má-vontade, enquanto o tempo ia operando em cada um as naturais alterações da maturidade.  Até que o tempo afastou a poeira pretérita dos fatos e ainda um terceiro filho aconteceu, para selar aquela família e consagrar uma paz gelada.

Mas, conforme prometera, ele assumiu o rebento adulterino, uma filha que se fez adolescente, à qual nunca faltou a pensão mensal e o bom presente, nos aniversários, nas quatro festas do ano, visitando-a com frequência, pois prosperara na profissão e as suas condições econômico-financeiras lhe permitiam garantir um bom padrão de vida dos dois lados – lados que jamais se aproximaram.

Um dia a mocinha quis o pai no colégio em que estudava, para uma festa na qual as famílias dos colegas estariam. Ele não podia lhe negar esse capricho, embora temendo o constrangimento de encontrar por lá alguém da parentela, dele ou da esposa, que as duas cidades eram distantes para o segredo amoroso dos meninos, mas muito próximas para o bom nome de um respeitável cidadão.  

Foi, mas com a desculpa da viagem, cuidou de chegar atrasado à quadra de esportes em que o evento acontecia, e ficou de pé nas últimas fileiras de retardatários, muito providencialmente, lobrigando sobre os ombros e entre as cabeças que ficavam à sua frente. Porém a menina, angustiada com a sua ausência, localizou-o de repente, com a acuidade vivaz da adolescência, e lá do centro do grande estádio em festa esgoelou-se: “Gente! Chegou o meu pai!” – apontando na sua direção.

Ele surpreendeu-se e sorriu amarelo para ela, discretamente, ainda imaginando que no meio tantos pais talvez não o identificassem claramente. “Aquele careca ali; aquele é o meu pai!” – a mocinha especificou cheira de orgulho. Ele correu a vista com o canto do olho e constatou que sua calva era a única a reluzir por ali, entre tantas cabeleiras.
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
          Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ      

      

ARTIGO (VM)

REMINISCÊNCIAS E UM LUGAR PARA O SONETO NECRÓPOLE
Vianney Mesquita*


Qual o esconderijo onde a morte não consegue entrar? (SÊNECA) (1)


Exceto engodo de memória, corria 1961 e eu, na antiga Escola Industrial de Fortaleza, hoje IFCE, cursava a disciplina Língua Portuguesa, cuja regente era a mui estimada e competentíssima professora Adelba Montenegro de Carvalho, pessoa culta e da distinta sociedade daquela ainda tão provinciana Fortaleza.

Por esse tempo, na ambiência de uma biblioteca com acervo (2) de primeira qualidade mantida pela Escola, avezara-me a leituras que se afastassem do ramerrame das produções mais simples, de mero alcance popular, com vistas a granjear lista maior de palavras, expressões e edificações frasais, a fim (quem sabe, ingenuamente) de me achegar aos clássicos, mormente em razão das saudáveis disputas entre os seis ou sete mais destacados escolares da classe, comigo incluso, que primávamos pela proximidade da perfeição quando do descometimento das tarefas a nós destinadas.

Posso contabilizar, entre eles, Cícero de Jesus Durval e Silva, Antônio Edson do Nascimento, José Adail dos Santos (falecido) Francisco Santos de Oliveira, José Linhares do Nascimento (falecido) e Francisco Meneses de Mendonça, dos quais (os vivos) de há muito não tenho qualquer notícia.

Renderam-me, a mim e aos demais litigantes – no melhor senso que esta palavra pode alcançar – excepcionais dividendos, resultantes desses investimentos culturais francos e não calculados, rosa-dos-ventos da nossa trilha em demanda do saber, ótimo de se guardar e empregar, porém, de trabalhosa obtenção. Expressem-no aqueles favorecidos pelo hábito diuturno de estudar.

Tanto em relação à língua-prosa quanto metrificada, diligenciava no tentame de compor textos mais ricos, com vocabulário diversificado e ideias bem meditadas, com o fito de oferecer a quem lesse a oportunidade de deparar algo diverso do estilo trivial e elocução terra-a-terra, conforme lecionava a Professora Adelba e consoante comentei recentemente com a escritora palmaciana Iolanda Campelo Andrade a respeito de suas produções literárias.

A Mestra, no entanto, desaprovava, incontinenti, nossas amplificações expressionais e transportes verbais que beiravam a gramatiquice, muitas vezes descambando para o preciosismo, pois composições de decodificação difícil até por parte de leitores mais aprestados intelectualmente.

Em razão, todavia, das limitações informacionais peculiares ao nosso intervalo etário – por exemplo, eu contava apenas catorze anos – com certa raridade, mesmo assim passando pelos cortes procedidos pela Professora, lográvamos um escrito regular, apreciável, limpo de defeitos gramaticais e falhas de estilo, na verdade, diferentes daquelas expressões compositivas que fazem situar seus autores na conhecida vala comum. 


BENTO TEIXEIRA PINTO

Difícil era, senão impossível, atentar para as prescrições professorais no concernente ao interdito da imitação, do chamado pasticho, a reprodução servil do estilo de outrem, como, por exemplo, há-de o cultor da história de nossas letras assentir nas trasladações literárias procedidas pelo portuense Bento Teixeira Pinto (Porto, 1561-Lisboa, 1618) com sua mal-ajambrada Prosopopeia (1601), conquanto tenha sido, cronologicamente, o primeiro poeta “brasileiro”, lusitano radicado no Brasil, ao se excetuar São José de Anchieta, que também não era nosso nacional, mas canarino-espanhol (São Cristóvão da Lagoa - Tenerife – Canárias, 19.3.1554; Reritiba, hoje Anchieta-ES, 9.6.1597).

Desculpem as digressões, mas é adequado informar o fato de que alguns historiógrafos literários nacionais, como, entre outros, José Veríssimo, Ronald de Carvalho, José Guilherme Merchior e Afrânio Coutinho tacham Bento Teixeira Pinto de imitador de Ovídio, nas Metamorfoses, e Camões, n’Os Lusíadas, além de esse poema pretensamente épico fazer acentuadas referências apologéticas a Jorge Coelho de Albuquerque, Governador de Pernambuco, ao tempo de sua produção (MESQUITA, Vianney. Fermento na Massa do Texto. Sobral: Edições UVA, 2001).

No que concerne aos raros textos em língua-prosa da época mencionada, de estágios (3) literários por mim experimentados, nenhum restou preservado, embora uns poucos hajam sido publicados em folhas de periodicidade irregular circulante da EIF, locus dessas memórias, como Vencer e O Concludente, cujos arquivos, certamente, não mais existem (preciso até verificar isso na Biblioteca), porquanto estava ainda bastante longe da Era Digital, tampouco se conservava o hábito saudável de reter originais manuscritos.

Foi, portanto, da Avenida Treze de Maio, 2081, ainda sem qualquer arborização nas alamedas, pavimentada com pedras toscas e onde ainda descansa por demais modificado o edifício do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia - IFCE, que saiu a peça à frente, mantida decorada e de salto (4), onde é notório o teor imitativo – de Araújo Porto Alegre, Camões, e Augusto dos Anjos, principalmente  com mero preenchimento do estalão provençal sonet, razão por que lhe não pretendo conferir qualquer axiologia literária, pois eivada de defeitos, daqueles particulares a quem é visitante de qualquer tema.

De outra parte, convenhamos, ao se preterir a noção de o escrito não ser da colheita de produtor maduro, passado na casca do alho da Literatura, o soneto Morbidez, composto em outubro de 1961 (?), não é tão ruim assim!  - como em 17.02.2014 me escreveu Sânzio de Azevedo por via de correio eletrônico. Ao solicitar a opinião do celebrado Mestre, de quem sou admirador número um, ele indigitou na composição vários defeitos, como, v.g., os quartetos não rimados, a esquisita concordância de sonhos com neurônios (malgrado os portugueses consoem levando em conta a fonética, ocorrente assim com mãe e também) e um suarabácti (5), registado em raquidiano, o que voltarei a comentar.

Reproduzo, pois o Morbidez.

Tomam-me por inteiro as mialgias/ Na arteriosclerose das matérias./E o bater pressuroso das artérias/ Pareço escutar todos os dias.
Seguir calado, acalentando sonhos/ Já não resisto de tal modo insano/ Extravasa-se o fluido raquidiano/ S’esvaem a cada dia meus neurônios.
É a cefaleia ultradolorosa!/ Que agride, me açoita e me anquilosa.../Como se me fendesse um parietal.
O bisturi meu cérebro não cinde/ Porque o doutor da epífise imprescinde.../Pois que findou: partiu-se a pineal.

Vianney Mesquita

O celebrado e eclético escritor de A Terra antes do Homem divisou, de súbito, a parecença com o estilo do Vate paraibano da Vila do Espírito Santo, hajam vistas o vocabulário presunçosamente cientificista praticado no Morbidez, em pretensa comparação ao modo de tornear do artista de Vandalismo.

O Professor Doutor Rafael Sânzio de Azevedo, porém, me fez suspirar aliviado, quando referiu não recorrer, quando concerta seus metros, ao expediente do suarabácti, mas exprimiu para mim a ideia de que o não tem por erro, pois aproveitado por poetas de renomeada, a começar pelo maior de todos no Brasil [na sua opinião e na minha, coincidentes com igual pensamento de Olavo Bilac e Mário Raul de Morais Andrade  (6)] Gonçalves Dias.

Contudo os olhos de ignóbil ponto:/Um tapuia, um guerreiro adventício.

E outros grandes poetas:

Entre blasfêmias e obscenos cantos. (Luís Nicolau Fagundes Varela). ritmo e cadência no teu passo. (Antônio Frederico de Castro Alves).

E um moderno, Mário de Miranda Quintana:

Andam por tudo signos diversos.


NECRÓPOLE

O outro soneto, o anunciado no título deste artigo, é desconhecido de Sânzio de Azevedo, e também foi devidamente guardado na retentiva, de cor e salteado, e é, seguramente, de 1961, composto no sistema ABBC, ABBC, AAB e AAB, para mim, bem melhor, sem ser perfeito – é claro – do que Morbidez.

Aqui, sem o saber, naturalmente, parece que acertei, no escuro, porque nada sabia de versificação, elaborando as estâncias apenas à demanda de preencher os gradeados aos modos de Camões (Episódio de Inês de Castro), José Basílio da Gama(n’O Uraguai), Araújo Porto Alegre (Colombo), Padre Antônio Tomás (Contraste) e de um que meu conterrâneo José Fernandes Sampaio, durante larguíssimos anos, me fez pensar fosse de sua lavra, e só bem mais tarde descobri ser de outro patrício, meu patrono na cadeira número 27 da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, Professor José Rebouças Macambira (Palmácia, 17 de novembro de 1917 – Fortaleza, 17 de janeiro de 1992), celebrado linguista e douto poliglota. Cuido de Lábios Virginais, inserto no livro Musas de Aquém e de Além, publicado em 1981. Segue-se mencionada peça.

Ao rouco e surdo canto do cipreste,/ A turma inerte se não mais levanta./ E triste e morta em silêncio canta/ A morbidez terrível dum gemido.

À tez marmórea que a cidade veste, /Além o crocitar doutros cantores/Contrasta dalegria dos atores/ Do vivo libertino e destemido.

Num cemitério, nada assoma ou medra/Tudo é a indiferença duma pedra/ A muda língua a for dos absortos.

E todos vós que houverdes seus amores/ E para vós são como mis horrores,/ Vinde, também, para o festim dos mortos.
(Vianney Mesquita)



Neste poema de dez ictos – acentos que recaem sobre a sílaba de um pé - é possível o leitor lobrigar o uso de expedientes figurais, como síndeto, elisão, hipérbole, metáfora, bem assim colocações clíticas pouco comuns na prosa e ordinárias na poesia, como na apossínclise em “a turba inerte se não mais levanta”, e.g. (segundo verso), inversões dos locais ordinários dos termos e outros meios de conferir obediência ao metro e conceder mais esthese à composição; e, toca dizer, o mais relevante, sem eu conhecer, no tempo de produzido, as prescrições expressas pelos manuais, como um a que tive acesso, todavia sem sequer conseguir lê-lo, o Tratado de Versificação (1905), da autoria de Sebastião Cícero dos Guimarães Passos (1867-1909) e Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (1865-1918), pois não possuía as informações solicitadas para alcançar seu entendimento. De tal modo, o haver logrado terminar a composição decorreu da comparação com os clássicos dos primeiros momentos da Arte da Literatura nacional, como os precitados escritores.


VERSÃO PROSADA DO SONETO

A feitura deste decassilábico teve por locus o campo santo municipal da Sede municipal de Palmácia-CE, entre a Vila Campos e o Pinga, onde há um cipreste comum – Cupressus sempervirens – variedade de árvore conífera de folhas bastante delgadas, da família das Cupressaceae, bem receptiva ao sopro dos ventos. Veja, pois, o leitor o cotejamento.


Primeiro Quarteto

Ao passo, portanto, que a brisa sacode os ramalhos do cipreste do cemitério, produz um silvo meio rouco do roçar dos esgalhos, entrecortado de assovios. Evidentemente, os que estão aí sepultos não mais podem se alevantar. Então, calados, tristes – porque mortos – silentes permanecem, sob a languidez do sibilo provocado pela brisa na árvore.


Segundo Quarteto

Ao aspecto cinzento e triste (tez marmórea) que encobre a morada dos mortos se ajuntam os corta-mortalhas (Tito alba), voejando com seus grasnados soturnos e assustadores, e os urubus (Coragyps atratus), sentindo o rasto da matéria decomposta, em flagrante oposição à alegria da vida experimentada lá fora, nutrida com destemor e muitas vezes descomedimento.
Primeiro Trístico

Numa cidade onde os moradores ficam imutavelmente na horizontal, na expressão de Billy Blanco em A Banca do Distinto, absolutamente nada se mostra, nenhuma coisa progride, pois reina a apatia de seres inanimados, a quietude é que dá o sem-tom de quem já foi arrebatado para a dimensão etérea, quer para o tormento eterno, a necessária purgação ou mesmo para a Glorificação Celestial, ou seja, a muda língua a for (7) dos absortos.


Segundo Trístico

Então, o autor convida a todos aqueles que têm amores (houverdes está no verso aplicado no sentido de possuirdes), os quais para essas pessoas são como horrores, a virem, também, morar no cemitério, como a assentir na ideia do poeta neoclassicista lusitano, Manuel Maria de Barbosa l’Hedois du Bocage (*Setúbal, 15.09.1765; Lisboa, 21-12-1805), para quem Ah, não me roubou tudo a negra Sorte!/Inda tenho este abrigo, inda me resta/O pranto, a queixa, a solidão e a Morte.

Pois é, estimado leitor, o fato de eu não haver guardado alfarrábios, anotações garatujadas, e de não as ter memorizado para usança posterior, como fiz agora, impede-me de reciclá-las e oferecê-las aos atuais consulentes noutras versões bem mais alumiadas pela clareza dos novos tempos, ao se contar com as grandes fulgurações das descobertas no terreno das novas tecnologias e com a expansão e as melhorias dos programas de cultura, ciência, tecnologia e artes.

Inês, todavia, é morta há tempos.

Verba volant; scripta manent!  

(1) A fonte de onde extraí o pensamento – NINA, A. Della -Dicionário da Sabedoria, São Paulo: Fittipaldi, 1985 – não informa de qual Sêneca é a frase, se de Lúcio Aneu Sêneca, o Filósofo, ou de seu pai, Marco Aneu Sêneca, o Retórico.
(2) Talvez não seja ocioso informar que a palavra é de som aberto – é – e que tem como diminutivo o vocábulo acérvulo.
(3) A bem da elocução, é inconveniente empregar estágio para retratar tempo, época, quadra, como se vê amiudamente. Estágio tem essa aplicação aqui procedida, como tempo para tirocínio e treinamento de alguns ofícios, como de escritor, professor, advogado, médico, jornalista, por exemplo.
(4) Costuma-se falar “de cor e salteado”, mas pode ser empregada a expressão, semelhante, “decorado e de salto, para diversificar e não persistir a mesmice.
(5) Suarabácti é, consoante Salles Villar e Houaiss (2008), “... espécie de epêntese que consiste em se desfazer um grupo consonantal por meio de intercalação de uma vogal, como ocorreu com a palavra barata, originária do antigo brata (latim blatta) ou com braúnabaraúna; anaptixe. Etim. Sânscrito svarabhakti.Gram. Separação por meio de vogal”.
(6) Bom é lembrar o fato de que há outro Mário – o Mário Kepler Sobreira de Andrade ou Mário de Andrade do Norte, engenheiro-agrônomo e poeta fortalezense, autor de Versos de Noite Próxima (05.07.1910; 05.02.1944).
(7) Dicção pouco empregada na prosa e mais no metro, a for significa “conforme o costume”, “à moda de”, “à maneira de”. 


*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista  

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

ARTIGO (PA)

A LIÇÃO DE CÍCERO
Paulo Maria de Aragão*

Um conselho para os plantonistas do poder é o texto-debate que Marco Túlio Cícero travou em Roma, 55 a.C., e até hoje atualíssimo: “O Orçamento Nacional deve ser equilibrado. As Dívidas Públicas devem ser reduzidas, a arrogância das autoridades deve ser moderada e controlada. Os pagamentos a governos estrangeiros devem ser reduzidos, se a Nação não quiser ir à falência. As pessoas devem novamente aprender a trabalhar, em vez de viver por conta pública”.

A sucinta lição resume um compêndio de política, economia e moralidade. Dita no senado romano por Cícero, a máxima soa verdadeira e atual. Se o seu conteúdo fosse materializado, o homem público respeitaria o cidadão pagador de tributos; e nunca faria da máquina pública um indomável mamute que pisoteia os anseios primários da coletividade: educação, saúde e segurança. Hoje, Euclides da Cunha repetiria que "O sertanejo é, antes de tudo, um forte"? Talvez não mais o exaltasse como o fez em Os Sertões, por vê-lo rendido ao ócio, esquecido do trabalho pelas bolsas eleitoreiras.

A Presidente assumiu o segundo mandato e anunciou a contenção de gastos, falando em redução de benefícios trabalhistas e previdenciários. Por que não restringir o abusivo número de 39 ministérios que custa ao tesouro público R$ 58 bilhões por ano? Por que não fomentar o exercício da cidadania acabando com a maquiagem contábil que leva o país ao descrédito e afugenta os investidores? 

Apesar de sofrer na pele, “o povão não tá nem aí” - escumalha humana que se envolve em aventuras pré-eleitorais, alienada pela insensatez e pela ânsia de receber uns cruzeiros do candidato que serão gastos na noite.  Nunca na história deste país de "Macunaíma", o herói sem nenhum caráter, personagem-síntese do homem brasileiro, tornou tão real a obra-prima de Mário de Andrade.

A advertência de Cícero permanece atualizada e se ele hoje vivo estivesse, poderia fazer fortunas como consultor de grandes estadistas. Mas, na “Terra do Nunca”, "Eu não sei de nada", além de não tê-los, nada se saberia informar sobre a corrupção e o equilíbrio do orçamento público.

* Paulo Maria de Aragão 
Advogado e professor 
Membro do Conselho Estadual da OAB-CE
Titular da Cadeira nº 37 da ACLJ

CRÔNICA (ICA)


PARTIDA MELANCÓLICA
Iolanda Campelo Andrade*


Não me questionem se minhas atitudes mudarem. Os ponteiros do relógio avisam que é hora de partir desse lugar chamado ingenuidade exacerbada. (ANDREZA FILIZZOLA).


Não era qualquer mala, mas uma de madeira. Era nova, funda, revestida de papel quadriculado, em amarelo e marrom, pintada com verniz copal, com alça de alumínio. Lembro-me muito bem! O máximo que eu podia possuir.

Nela, Mamãe arrumava minhas roupas: vestidos, blusas, saias... Ah! Mais uma dúzia de calcinhas novas e três sutiãs, em folha, também.

Entre minhas roupas, a farda escolar. Esquisita! Saia cinza, abaixo dos joelhos. Tinha pregas-macho bem fundas, na frente. A blusa era branca, de mangas curtas e costas cerzidas. Sim, senhor (a), cerzidas mesmo! Remendadas, para melhor dizer; consertos feitos pela Mamãe, à altura dos ombros. Do lado esquerdo da blusa, um bolso com o emblema do colégio, por sinal estabelecimento público – Colégio Municipal Filgueiras Lima. Nos ombros, o distintivo – estrelinhas de cerâmica – indicativas do meu ano escolar: Primeiro Normal.

Visto aí que não era uniforme novo, mas sobrante de uma prima que havia estudado nesse mesmo lugar, para onde eu estava sendo “forçada” a ir estudar; não que não apreciasse o estudo, pelo contrário, o problema era a partida, a melancólica partida que eu teria de fazer.

De volta à mala... Dentro dela, ainda, um lençol, toalha, uma caixa de sabonetes, escovas de dentes e de cabelos, creme dental, perfume, desodorante, xampu e um tubinho de condicionador capilar, de marca – recordo-me dos detalhes ... Tudo preparado.

Por cima das roupas, já para fechar a mala, o caderno dos meus sonhos! Linda brochura, coisa luxuosa para mim. Na capa dura, o desenho de uma adolescente beijando uma flor. Ao lado do caderno, o estojo com uma dúzia de canetas de boa qualidade, uma régua, três excelentes canetas esferográficas em cores distintas, uma borracha, um lápis e um apontador, tudo num invólucro de plástico, com fecho ecler. Esse o meu tesouro.

Mamãe fechou a mala. Já era tardinha e o Sol já se punha. Meu último dia na Serra...

Passei a noite em pesadelos, entre dormir e acordar, pensando na minha vida nova. Conciliei pouco o sono e despertei com leve toque no ombro e uma voz:  Acorde, minha filha, se ajeitar pra gente ir. O Sol já havia aparecido. Era Papai que, sem querer, ia me levar a mares nunca dantes navegados... E, por sinal, mares bravios alencarianos! E eu sofria!

Tinha que partir... Não desapontaria meus pais. Arrumei-me, despedi-me da Mamãe e da Vovó Senhora e saí. Meus irmãos ainda dormiam.

O ônibus da viação que faz a linha de Palmácia estava à minha espera. Imponente. Era o carrasco a conduzir-me ao cadafalso! O que aprontei para merecer tamanha sina? Que arte fiz para receber essa maldade? Papai ia comigo. Segui, triste, a viagem, mas procurei não demonstrar. Afinal, havia de concluir meus estudos.

E minha Serra ficava para trás... Minha casa, a família, os amigos, minha escola, a praça onde tanto brinquei, o sítio, a perene fonte, a bica dos Caboclos, as cachoeiras, o poço dos Cachorros, os montes... O Santo Cruzeiro...  A pedra do Bacamarte – altiva, assistindo à minha tristeza...  Meu amor, meu primeiro amor... E eu ia despedindo-me de tudo, pela janela, escondendo as lágrimas para não preocupar Papai. Cada pedra era uma saudade! Toda árvore uma recordação. Até mais ver, Palmácia, até a volta!

Chegamos ao destino. Estávamos em Fortaleza, na casa de pessoas da família que me acolheriam. Todos na sala: minha prima, seu marido, seu filho, alguns amigos e minha tia. Era domingo e bebericavam.

Papai entregou-me a mala e o segui. Ao transpor a porta, enganchei os pés no tapete e caí. A mala nova desabou também e se abriu na queda. As roupas se espalharam pela sala, o vidro de perfume se quebrou...

E com aquele episódio, fiquei passada de vergonha!

Foi esta a primeira decepção experimentada na Cidade grande. E eu tinha apenas 15 anos...

*Iolanda Andrade é socióloga, 
docente, prosadora e poetisa, 
natural de Palmácia-CE.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

VICENTE ALENCAR ED Nª 774



Nós prestigiamos a Língua Portuguesa falada nos cinco (5) continentes.

SAI UM ANDRÉ E ENTRA OUTRO
O Carnaval Cearense até 2014 teve como Rei Mômo o André Barros, funcionário da Câmara Municipal de Fortaleza e também Radialista. Deixou o trono. Foi eleito André Gondim. Que todos nós tenhamos um grande Carnaval.

SAUDADE
Por falar em Carnaval é bom lembrar a Escola de Samba Luiz Assunção que já não existe. Foi comandada pelo Maestro Luiz Assunção o mais cearense dos maranhenses. Um nome inesquecível dentro do nosso Carnaval.

ANTONIO GUTMAN
O médico e escritor Antonio Gutman foi o grande aniversariante de sábado na extraordinária Academia Brasileira de Médicos Escritores - ABRAMES. Ganhou de seus colegas as homenagens merecidas em lauto jantar que congregou todos aqueles que lhe querem bem. Os nossos melhores votos de parabéns.

50 ANOS
Em abril as comemorações alusivas aos 50 anos da SOBRAMES - Sociedade Brasileira de Médicos Escritores.

LITERATURA
ANSEIOS é o mais novo livro da médica e escritora Juçara Valverde, presidente da Academia Brasileira de Médicos Escritores. Foi lançado ao final de 2014, editado pela Kelps, de Goiânia. Gaúcha de nascimento a notável poetisa é radicada no Rio de Janeiro.
 
BELA CAMOCIM
A bela Cidade de Camocim ficará melhor ainda nos próximos dias. Estão recuperando alguns trechos da Av. Beira Mar.

PARABÉNS PRÁ VOCÊ
Quem recebe os parabéns amanhã, dia 27, é a Jornalista Cínthia Medeiros, atualmente no Grupo de Comunicação O POVO.

REVER AMIGOS
Um dos melhores esportes do mundo é conversar. Com colegas, conhecidos, sempre é bom. Mas com os grandes amigos é bem mais agradável. Neste final de semana revi e conversei com grandes amigos; o casal Raimundo Silva Cavalcante e Dona Wanda, lá em Camocim. Melhor do que bom. Conosco a escritora Margarida Alencar e o ilustre casal benebeano Marília Coelho e Francisco José Lira Coelho.

FACULDADE MAURICIO DE NASSAU
Informei sobre os novos cursos de ENGENHARIA da Faculdade Mauricio de Nassau em Fortaleza no bairro de Joaquim Távora, no encontro das Avenidas Visconde do Rio Branco (frente) e Aguanambi (fundos).

São cinco os Cursos:
- Engenharia Mecânica.
- Engenharia Elétrica.
- Engenharia Química.
- Engenharia de Produção (Industrial).
- Engenharia de Telecomunicações.

Um informe especial: os exames serão realizados em fevereiro e os interessados já podem inscrever-se no seguinte endereço eletrônico:

www.mauriciodenassau.edu.br

Os exames serão em fevereiro. Porem se você não inscrever-se para este exame, automaticamente estará relacionado para o próximo.

O Coordenador dos Cursos é o Prof. Eduardo Leão.

E ATENÇÃO!
Temos agora inscrições por tempo ilimitado para os Cursos Superiores em Dois Anos, categoria especial. As inscrições estão abertas no mesmo sistema e os cursos são os seguintes:

1 - Gestão da Qualidade
2 - Gestão de Recursos Humanos
3 - Gestão Comercial
4 - Gestão Financeira
5 - Gestão Portuária
6 - Gestão e Lojística
7 - Marketing
8 - Radiologia
9 - Redes de Computadores


LIVRO DE MOREIRA BRITO
O livro do radialista e poeta Moreira Brito intitulado SONHOS E LAMENTOS, excelente produção lançada no ano que passou, continua à venda no CANTINHO DO DIABÉTICO - Av. 13 de maio, 1173, no bairro de Fátima.

PROGRAMA HOJE
SDQ (Se Deus Quiser) estarei de volta às 22 horas de hoje ao comando do nosso Programa Vicente Alencar - Educação, Cultura e Esporte na Rádio ASSUNÇÃO CEARENSE AM 620 até as 23 horas. Na Internet: www 620.am - espero contar com sua audiência.

LIMA FREITAS EM AÇÃO
Após pequeno período de férias retornou a Fortaleza e a presidência da ALMECE - Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará, o escritor Lima Freitas.


TERÇA-FEIRA, 26 JANEIRO DE 2015.
FORTALEZA - CEARÁ
NORDESTE DO BRASIL
AMÉRICA DO SUL

* Vicente Alencar
Presidente da União Brasileira de Trovadores - UBT Fortaleza.
1º Vice-Presidente da ALMECE - Academia de Letras dos Municípios do Estado do Ceará.
Secretário Geral da Academia Fortalezense de Letras.
 Titular da Cadeira nº 27 da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo

domingo, 25 de janeiro de 2015

ARTIGO (RMR)

IMPASSE E OPORTUNIDADE
Rui Martinho Rodrigues*




Seca no Sudeste é crise hídrica. No Nordeste já não se fazem secas como antigamente, da forma descrita por Rodolpho Theophilo, com multidões de retirantes e epidemias. Desmobilizada a economia rural, a seca não desemprega quem não trabalha. As epidemias dantescas foram afastadas pela imunização. Açudes, poços e cisternas atenuaram as mortes por desidratação; e a irrigação amenizou o sofrimento do que restou da agropecuária.

A indústria se vale dos grandes açudes e poços profundos. O colapso do abastecimento de Fortaleza não mais se repetiu depois do Castanhão e do canal para transposição de bacias. A eletricidade, suprida pelo São Francisco, Boa Esperança e Tucuruí e com o suplemento dos ventos, tem resistido às secas, não se sabe até quando.

No Sudeste a “crise hídrica” não tem precedente. Abastecer mais de vinte milhões de habitantes e matar a sede de um enorme parque industrial, nas cabeceiras dos rios, onde eles ainda não apresentam grandes volumes, é um desafio ciclópico. É o caso de São Paulo.

O colapso ameaça da Grande São Paulo. Anuncia-se a proibição da irrigação. A indústria não funcionará do mesmo jeito sem d'água. A atividade econômica diminuirá. Queda na arrecadação de tributos, majoração de preços e desemprego se somarão e retração do mercado, quando estamos iniciando um ajuste das finanças públicas.

A seca “sudestina” castiga a Grande Belo Horizonte e a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O impacto certamente será sentido por toda a economia brasileira. E não sabemos se 2016 será chuvoso.

Também estamos tendo dificuldades no setor de eletricidade. Temos seca, planejamento insuficiente, baixos investimentos e péssima gestão. Principalmente no setor de eletricidade, que foi prejudicado pelo estímulo dado ao consumo, na forma de represamento dos preços; agravado pela política de “modicidade tarifária”, que afastou investimentos; pela opção por hidrelétrica a fio dágua, sem nenhum reservatório; e pelas obras nunca concluídas. O impasse é preço da demagogia.

A preocupação ambiental deu lugar ao uso de combustíveis fósseis, a mais agressiva de todas as fontes de eletricidade.

Prever para prover é a inspiração de todo planejamento. Não faltaram previsões. Estudos anunciaram antecipadamente as dificuldades de geração de energia.

Conceda-se ao setor de abastecimento humano a atenuante de quem vive afogado em prioridades, sendo desafiado a investir pesado na prevenção de uma seca sem precedente, estatisticamente improvável.

No setor de eletricidade o estímulo ao consumo, pelo preço artificialmente baixo; o desestímulo aos investimentos; a opção pelas usinas a fio, cuja capacidade á meio sazonal, por falta de reservatório, tudo isso afasta a atenuante da seca inusitada. Ainda que tivéssemos chuva estaríamos usando combustível fóssil.

O desmatamento das nascentes e da mata ciliar foi completamente ignorado. E o setor elétrico é mais rico que o de abastecimento.

Reflorestamento, reutilização da água, usinas com reservatório, realismo tarifário e estímulo ao investimento têm agora a oportunidade gerada pelo impasse... se fecharmos a porta depois de roubados.

*Rui Martinho Rodrigues
Professor – Advogado
Historiador - Cientista Político
Presidente da ACLJ

Titular de sua Cadeira de nº 10