O Brasil e o Nordeste
nos anos 50
Arnaldo Santos*
Os fundamentos históricos e condicionantes político-econômicos para o desenvolvimento tardio da Região Nordeste e o Banco do Nordeste do Brasil como ação para o projeto nacional desenvolvimentista do presidente Getúlio Vargas.
De conhecimento
global é o fato de que a relação de dependência econômica, científica e
tecnológica do Brasil perante o mundo desenvolvido ocorreu, especialmente, à
extensão de toda a primeira metade do século imediatamente anterior.
Revisitando a
história desde o fim do mencionado espaço temporal, encontra-se registro da
realização, já em 1947, no Rio de Janeiro, de Conferência Internacional sobre a
defesa dos interesses econômicos do Brasil no Continente. No evento, os
representantes nacionais cobraram ao Presidente dos EUA, Harry S. Truman,
anuência para que fosse criada uma comissão bilateral com o objetivo de debater
modalidades de incentivar o investimento privado no País. Propositura aceita e
confirmada, organizou-se um grupo de trabalho denominado Comissão Técnica
Brasil-Estados Unidos, liderada por John Abbink, representante estado-unidense,
e por Otávio Gouveia de Bulhões, indicado pelo Brasil. O grupamento ficou
conhecido como Missão Abbink.
Na sequência de
determinação do referido grupo, já em 1949, a Missão Abbink elaborou um
documento onde analisou, não só, os segmentos econômicos e as precondições para
o desenvolvimento, mas, também, a participação do Estado Brasileiro e do
capital estrangeiro. Esse estudo foi a primeira tentativa de assentar um plano
de desenvolvimento para o Brasil, apesar de não detalhar os projetos, tampouco
de estimar os recursos financeiros necessários à implementação, o que já
evidenciava sua ineficiência para alcançar os objetivos pretendidos.
O Governo de Eurico
Gaspar Dutra, a seu turno – e que vinha trabalhando paralelamente com os mesmos
dados - também divulgou, em 1949, um conjunto de medidas a serem implementadas
daquele ano até 1953. Essas medidas ficaram conhecidas como Plano Salte. O
acrônimo SALTE é constituído pelas letras iniciais das palavras Saúde,
Alimentação, Transporte e Energia, que compunham as áreas a serem incentivadas.
Como, até então,
não havia recursos externos para alavancar a industrialização, o Governo Dutra
perfilhou uma política de crédito mais liberal, concedendo, por exemplo,
empréstimos do Banco do Brasil a setores industriais considerados essenciais.
Dessa ideação resultaram
algumas fábricas localizadas no Sudeste, mas nada de relevante para o Nordeste
– o que reafirmava o afastamento da Região desde sempre – pelo fato de que o
Salte não previa um planejamento em escala nacional. Ainda assim, nos últimos
anos do Governo sob comentário, a economia brasileira denotava índices de
crescimento expressivos, de 6% ao ano. O Nordeste, entretanto, mais uma vez não
se beneficiou dessa dilatação, confirmando a tradição malsã de excludência,
ainda vigente na realidade em curso.
Nesse período,
impõe-se enfatizar o fato de que, por décadas, as tragédias ocasionadas pelo
clima no Brasil eram somente as “secas do Nordeste”, estampadas nas primeiras
páginas dos jornais e na maioria dos meios de propagação coletiva em todo o
Estado Nacional, que exibiam imagens de crianças esquálidas pela fome, migração
em massa, animais no chão esturricado, forjando o estereótipo de um grande e
oneroso locus para o País, já que a ação da elite política
local se limitava, tão somente, a pressionar o Governo Federal por mais e mais
recursos, sem, todavia, propor uma política de desenvolvimento para a Região.
Essa atitude só contribuiu para reforçar o estigma de uma terra cada vez mais
miserável!
Vale o registro de
que foi na primeira metade da década de 1950, isto é, correspondente ao início
do segundo Governo Vargas, que ocorreu a maior saída, até então registrada, de
nordestinos desesperados para outras regiões do País, especialmente para São
Paulo, o que intensificou as preocupações do Governo Federal com o flagelo
regional. Nesse tempo, além da seca, a economia do Nordeste vinha de um extenso
período de estagnação, com agricultura atrasada e pouco diversificada, grandes
proprietários de terras, débeis relações capitalistas de produção, concentração
de renda e indústria com baixíssima produtividade.
Malgrado todas
essas adversidades de atraso econômico e social, baixa industrialização, falta
de infraestrutura rodoviária e de transporte, energia e telecomunicações, foi
que ocorreram as novas eleições. Consoante registrado na História, no dia 3 de
outubro de 1950, Getúlio Vargas foi eleito Presidente da República, retornando,
então, pelo voto, a ocupar a mais alçada função no País.
Vargas tomou posse
em 31 de janeiro de 1951. O debate iniciado no Governo Dutra sobre estratégias
de desenvolvimento econômico teve continuidade, então, com muito maior ênfase,
oportunidade em que o Presidente Getúlio Vargas aventou para sua regência a decisão
central acerca das políticas sobre o tema, considerando que era necessária a
intervenção governamental para direcionar o crescimento econômico brasileiro,
de preferência com o apoio do capital estrangeiro.
O Banco do Nordeste
do Brasil como ação para o projeto nacional desenvolvimentista de Getúlio
Vargas
No segundo governo
Vargas, tinha curso um ambiente institucional favorável à criação de um banco
como o BNB. No começo, havia sido objeto de promessas de campanha, apontando
para a continuidade do desenvolvimento impulsionado pela ação estatal, que
caracterizou o período ditatorial de Vargas. Secundariamente, experimentava
seguimento uma filosofia desenvolvimentista de cariz institucional
consubstanciada na Constituição vigente do País, com base na qual a ação do
Estado era largamente protegida. Assim, neste entretempo – segundo Governo
Varguista – mudava somente o ambiente político, com a redemocratização, via
Carta Grande de 1946, mas o espírito desenvolvimentista impulsionado pelo
Estado continuava muito robusto e, objetivamente, expresso no próprio Texto
Constitucional.
Nesse âmbito de
efervescência desenvolvimentista, foram instituídos dois grandes bancos
estatais que mudaram a própria configuração institucional do sistema financeiro
nacional – o BNDES e o BNB. As motivações, todavia, para instituir ambas as
instituições financeiras foram bem diferentes. A primeira distinção foi que a
ideia para implantação do BNB não surgiu de um simples plano, mas de uma
filosofia de governo, expressa nos vários discursos da campanha de Getúlio
Vargas à Presidência da República, que era para sustentar a continuidade do
desenvolvimentismo, transportado robustamente pela ação estatal, iniciado com a
Revolução de 1930. Já o BNDES aflorou da ideia de impulsionar o desenvolvimento
por meio da industrialização do País e, como é farto na História, inspirado
pelas análises da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos – CMBEU.
O aparecimento do
BNB na ambiência regional, no início dos anos de 1950, assinala um ponto de
inflexão estratégica na política até então vigente com a qual o Governo Federal
cuidava dos problemas do Nordeste, onde o Departamento Nacional de Obras contra
as Secas (Dnocs) ocupou, por cerca de 40 anos, o lugar de efígie central
daquela sucessão desenvolvimentista.
A seca de 1951-1953
registra um significado especial no argumento histórico do Banco do Nordeste do
Brasil, porquanto foi depois de uma visita que o Ministro da Fazenda, Horácio
Lafer, fez à Região, todavia – uma vez atingida por estiagem prolongada e devastadora
–, que despontou a ideia de originar a Instituição. Assim, para o BNB, mais do
que uma catástrofe em seus efeitos naturais e políticos, aquela comprida e
dolorosa estiagem constituiu, também, um marco em sua trajetória.
Em 1951, conforme
há pouco expresso, ocupava o Ministério da Fazenda o político e homem de
negócios paulista, que participava no Recife, naquele ano, de um evento
promovido por empresários ligados ao setor algodoeiro.
Depois que retornou
ao Rio de Janeiro, por meio de uma Exposição de Motivos circunstanciada, Lafer
propôs ao Presidente Vargas o instituto de um banco especial, que veio a
representar, também, uma mudança radical nos procedimentos de apoio do Governo
Nacional ao Nordeste, sob a visão de que esse amparo não devia se restringir
apenas aos momentos aflitivos do povo da Região, mas ter um caráter de
permanência, atuando como um instrumento transformador da economia regional.
A seca de 1951-1953
e a formulação da proposta para a criação do Banco do Nordeste
Alguns analistas
entendem que o BNB foi originado em razão da visita que Horácio Lafer fez ao
Nordeste em 1951, quando começava mais uma seca devastadora, e teria ficado
bastante impressionado com o que viu – o sofrimento do povo atingido pela seca,
a desarticulação do sistema produtivo regional e a impotência das políticas
governamentais em decurso, mormente as de “combate às secas”, que eram remédios
ineficazes para tanger aquela situação dramática.
Sobra evidente o
fato de que uma decisão complexa como a de sugerir o estabelecimento de uma
grande instituição financeira de desenvolvimento não haveria de ser resultado
de uma impressão conjuntural do Ministro da Fazenda.
Há de se entender,
então, o que motivou a formação do Banco do Nordeste, feito algo que era
amadurecido, não exatamente como uma ideia de originar uma agremiação nos seus
moldes, mas como fundamento para uma política sob a qual convergiam as
convicções técnicas, por assim dizer, do financista Horácio Lafer, e as
premissas do projeto político do Segundo Governo Varguista. A seca de 1951
patenteou, somente, um fator de precipitação, um catalisador, alguma ideação
que faltava para deflagar mudanças cujos fundamentos já vinham sendo
constituídos, bem antes de Getúlio Vargas assumir a Presidência pelo voto popular.
A propósito, nem a
nova política para o Nordeste, que se propunha, em que o estabelecimento do BNB
foi o marco zero, era, como ideia motriz, algo tão novo assim. É azado
expressar o argumento de que a falência da velha política assistencialista,
exercitada havia cerca de 40 anos, tinha sido constatada há várias décadas por
outro titular da Fazenda, o Ministro Ruy Barbosa.
Na vigorosa
advertência para a ineficácia daquele tratamento concedido aos flagelados pelas
secas do “Norte” (o conceito de “Nordeste” ainda não existia), o Titular baiano
do Ministério atentava para a relação entre os gastos astronômicos e os
resultados pífios obtidos com aquela política oficial e a carga tributária
elevada imposta aos contribuintes. Dizia ele que “As despesas com os Estados
afligidos pela seca formam, no orçamento, uma voragem, cujas exigências impõem
continuadamente ao País sacrifícios indefinidos. Cumpre que a política
republicana, apenas consiga desvencilhar-se dos grandes problemas que envolvem
a sua inauguração, busque a esse problema solução mais inteligente e menos
detrimentosa para os contribuintes”. (Apud Paulo Brito Guerra, em A
civilização da seca).
A importância do
fundo das secas para a criação do BNB
A ideia de instalar
o BNB era estabelecer uma instituição para gerir os recursos do chamado “Fundo
das Secas”. Os recursos que formavam tal substrato financeiro foram instituídos
na Carta Maior de 16 de julho 1934, cujo artigo 177 estabelecia duas diretrizes
fundamentais da política de assistência do Governo Federal ao Nordeste, no
tocante à defesa contra os efeitos das estiagens, conforme vêm.
a) A
defesa contra os efeitos das secas nos então chamados Estados do Norte deveria
seguir um plano sistemático de caráter permanente, sob a responsabilidade da
União.
b) Era
estipulada uma quantia destinada à construção de obras e serviços de
assistência de valor nunca inferior a 4% da receita tributária da União sem
aplicação especial.
Sobrava
estabelecido o fato de que três quartos (75%) desse percentual eram destinados
ao custeio das obras normais do plano fixado, ao passo que o restante dos
recursos era depositado em caixa especial, para aplicação no socorro das
populações atingidas pelas secas.
Determinava-se,
pois, que o importe de 4% deveria ser revisto por lei ordinária, após
decorridos dez anos de seu estabelecimento.
A Constituição de
1937, que instituiu no País o regime autoritário conhecido por Estado Novo, não
tratou sobre o assunto, mas, na Carta Magna de 1946, em seu artigo 198, o tema
foi retomado e os recursos do Fundo passaram a ser regidos pelas regras
dispostas à continuidade.
a) Na
execução do plano de defesa contra os efeitos de determinada seca do Nordeste,
a União deveria aplicar, anualmente, com as obras e os serviços de assistência
econômica e social, quantia nunca inferior a 3% da sua renda tributária.
b) Um
terço daquele percentual haveria de ser depositado em caixa especial, destinada
ao socorro das populações atingidas pela calamidade, sendo essa reserva, ou
parte dela, passível de ser aplicada a juro módico, consoante as determinações
legais, em empréstimos a agricultores e industriais estabelecidos na área
abrangida pela seca.
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expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor, não
refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.