segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

CRÔNICA (VM)

FACULDADES AB HOC ET AB HAC
Vianney Mesquita*


Os erros mais curtos são sempre os melhores. (PIERRE CHARRON – bispo, filósofo e teólogo francês – 1541    1603).


Hoje, em todo quarteirão, nas quatro esquinas e no meio, dos dois lados, há uma faculdade, às vezes até somente com duas salas de aula, onde se ministram sem competência as mais extravagantes graduações, ocorrência geral em todo o País, concorrendo para conceder canudos a pessoas que, às vezes, nem ler conseguem, quanto mais entender o que a mensagem intenta conotar.

Esta afirmação, sem dúvida, hiperbólica, se aproxima por demais da verdade, porquanto o licenciamento de programas de graduação superior, hoje, é semelhante ao que se diz, cearensemente, da contagem de carneiros e bodes em um aprisco, quando um freguês vem comprar do criador: “cinco minutos de bodes”, “meia hora de carneiros”, isto é, desde que abre a cancela, a quantidade de caprinos e ovinos negociada corresponde, respectivamente, a esses tempos de saída dos animais de seu curral, medidos no relógio.

O Ministério da Educação está com a porteira do seu redil aberta há mais de 20 anos de faculdades, ou seja, faz todo esse tempo que sai curso do curral, tendo se instalado poucas excelentes, outras muito boas, aproximando-se do ideal, porém, grande parte sem a menor qualidade, o que é por demais lamentável, principalmente, porque o fato mascara, na realidade,  as estatísticas nos planos nacional e exterior em relação ao quantitativo de pessoas detentoras dos diplomas de formação superior, formal e legalmente (vou deixar, de caso pensado, este defeito eufônico) certificadas, sob as (des)graças espúrias do Estado.

O pior é que a desídia de determinados responsáveis por educação superior e pesquisa no País já se eleva ao patim da pós-graduação – agora quase lacrimejo – quando, por exemplo, uma universidade grande daqui, de projeção nacional e internacional, segundo o Regimento Interno (sic – e eu não sabia que havia regimento “externo”) concede diploma até de doutorado com “teses” defendidas por um doutorando que divide três artigos – não uma tese, por definição e necessidade, um experimento probante de saber novo com autor singular – com até cinco coautores.

Durma-se com esta dor de dente!

Pergunto: por que o título vai para apenas uma pessoa, se os demais subscritores dos textos são compartes? Decerto, se qualquer um dos cinco pedir na Justiça o mesmo galardão, não antevejo motivo para o magistrado não determinar a honra do que solicita o demandante. Isto está bem perto de acontecer, pelo desenrolar dos fatos.

Alô, Magnífico! Conserte esse viés tão violento, enquanto a U não se submete a uma vergonha nacional! Corrija esse despautério, que faz Antônio Martins Filho e Ícaro de Sousa Moreira (principalmente, este) tremerem em seus carneiros!

Sinto de perto o quanto há de oblíquo nessa legalidade, exageradamente enviesada, de certificar faculdades e mais faculdades, em alguns casos, de cursos com objetivos estranhos e possibilidade duvidosa de profissionalização, quase à certeza de sua inocuidade, às portas de um ofício insubsistente, quando o diplomado vai dar conta de que choveu no molhado.
Tais manufaturas de certificados locupletam o mercado – de causídicos semianalfabetos, pedagogos goguentos, psicólogos que nem Freud explica, jornalistas apedeutas, médicos feitos uma personagem chicoanisiana, que, de inopino, faz cirurgia em paciente que a ele se queixou de cefalalgia, e tantos outros engabelados pela modicidade dos preços ou, mais grave, “beneficiados” com os programas do Governo Federal que a vivaldina faculdade tem direito de aplicar.

Experimento esta insossa realidade, por exemplo, quando, procedente de um programa de Especialização de uma dessas escolas – pós-graduação em sentido estreito – me vem para corrigir monografia da área do Direito, na qual, em meio aos absurdos escorregos na Gramática e absoluta desorganização reflexiva, o neoadvogado – que o exame da OAB, certamente, vai embarreirar – chamou de infanticídio o assassinato de um garoto de 16 anos por um bandido em um assalto, quando até os leigos de boa leitura conhecem o ilícito infanticídio como ato criminoso próprio da mãe sob a influência do estado puerperal.

Também não ocorreu apenas duas vezes o fato de alguém me procurar para revisar sua mamografia de conclusão de curso, significando dizer que jamais vira escrita a palavra monografia, pois somente ouvira, repetidas vezes. Tive, então, vontade de lhe indicar um bom mastologista, porém, não o fiz por urbanidade e dó da sua indigência acadêmica e vocabular.

Entrementes, outra senhorita me indagou qual a primeira decisão para começar uma mamografia. Em vez de lhe dizer que a providência inicial era desvestir o soutien, informei os passos próprios para linear o escrito da monografia, como escolher o tema, reunir a literatura a estudar, eleger o docente-orientador et reliqua.

Muito recentemente, um amigo professor recebeu cópia de trabalho de conclusão de curso de Especialização em uma dessas dificuldades, faculdade de araque, com nota suma cum laude, um dez vermelho e grande na capa, da autoria de uma amiga sua, que lhe pediu para ler.

Na sua leitura, ele divisou a experiência relatada pela autora já na Introdução, ao dizer que, depois de formada, havia lesionado em escolas de bairro, depois lesionou em estabelecimentos particulares e pretende, doravante, lesionar em faculdade, pois, para chegar até aí, se prepara para se submeter a um concusso. Disse-me ele que, em meio a tantas lesões, até o orientador restou lesionado, pois cometeu “concussão de autoria” praticada no exercício de seu ofício magisterial, atribuindo máxima com louvor a um trabalho que sequer teve a desventura de ler.

Quando eu estudava no terceiro ano colegial, no João Pontes, da Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, havia um senhor, já anoso, meu colega, procedente de um curso “elefante”, o qual havia sido aprovado em exames de madureza ginasial.  Ocorreu que, conforme a nova redação concedida ao art.99 da Lei n. 4024/61 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), ex-vi do Dec.Lei 709/69, o estudante contando mais de 16 anos poderia submeter-se a tal exame sem cumprir regime escolar e, com 19 anos, poderia fazer madureza colegial. Então, muito obtuso, broco à exaustão, disse que somente voltaria ao interior, de onde proveio, depois de se formar engenheiro-agrônimo .

Hoje, malgrado distância temporal imensa dessa ocorrência, de 1969 para cá – 46 anos – os egressos dessas faculdades de que cuido, ainda agora, dizem uns que querem ser adevogados, outros tencionam o diploma de psicológicos, ao passo que alguns pretendem os certificados de sociólugos ou de pedagougos.

Nisso é que dá a instalação, sem rígidos critérios, de faculdades, ab hoc et ab hac, a torto e a direito.

Vade retro, Satana!


*Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista  

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