ESTA,
SIM... (1)
Vianney
Mesquita*
Assim
como o ferro, sem exercício, se oxida, à semelhança de como a água se putrefaz,
e no frio gela, semelhantemente, o espírito humano, não exercitado, se arruína.
(LEONARDO DA VINCI – YAnchiano (2), 15.04.1452; †Amboise
(3), 02.05.1519).
Espesso de continente,
denso de teores metodológicos e pressupostos epistemológicos ditados pelo
exigente crivo da autora, o ensaio sob glosa exibe admirável profundez pelos
enredos e ambages da Ciência Sematológica, rematada pela sobeja pesquisa
empírica – um consórcio perfeito para afluir ao propósito da Semasiologia,
configurado no saber novo.
Diversamente da magrém
de peças de cinquenta e poucas laudas,
desprovidas de conteúdo penetrante e bem especulado – no plano teorético quanto
no patim empírico, via de regra decorrente da desídia de certos autores e do
açodamento de alguns orientadores – o ensaio da Professora Doutora Maria das
Dores Nogueira Mendes excele em qualidade – e em quantidade – porquanto deitou
cátedra num recheio de 340 páginas.
Em matéria, assim, tão
desdobrada, dissecou seu tema, não digo até se exaustar, pois nada existe
acabado, porém concedeu aos estudos linguísticos no nosso meio colaboração de monta,
inclusive e principalmente, como substrato do saber ordenado para mais estudos
do gênero.
Trata-se, por
conseguinte, da manifestação terminante de que a Ciência, mormente a Semiótica,
encontra pelos pagos cearenses receptáculo para seu progresso, haja vista a
diligência por ela expressa na execução deste experimento de alevantado
merecimento, ao dissecar o investimento vocal, cenografias e ethé (4) em peças compostas e/ou interpretadas vocalmente pelo Pessoal do Ceará – Ricardo Bezerra,
Ednardo, Raimundo Fagner, Rodger e Téti, Fausto Nilo e outros por ela
estudados.
Conquanto, porém, possa-me
não assistir razão, entendo que a Semiótica (Sematologia, Semasiologia ou
Semiologia), malgrado quase cem anos de existência oficial
(1916, com o Cours de Linguistique
Generále, obra post-mortem de
Ferdinand de Saussure – 1857/1913), mesmo que este não represente tempo
suficiente para um ramo científico se fixar, ainda não desfruta de compreensão
pacífica, tampouco experimenta trânsito sereno entre os cultores do ecúmeno
científico.
Com tal ideia, salvante
mais acurado juízo (até porque sou um quase-visitante do assunto), reporto-me, em
específico, ao ambiente brasileiro, onde até agora, desde que ultrapassou o
bloco de adeptos e defensores, é um conjunto de fatos científicos portador de certa inocuidade, hajam vistas as quaestiones vexatae, a insuficiente
influência na sociedade, sob o prisma de sua evolução, e outros influxos de
aplicação ligeira, conforme sucede
com qualquer ramo do saber ordenado recente, razão, aliás, que a pode inocentar
em relação ao até agora não operado por esta Ciência.
Com obras iguais a
esta da Prof.a. Dr.a Mendes, todavia, ao achegar a audiência até o campo da
prova, ferindo tema bem mais comum, como sói acontecer com a música popular – e
do Ceará – a linha científica de Roland Barthes, Oswald Ducrot, Dominique
Maingueneau, Rogério Bessa e Tzvetan Todorov, decerto, encontrará, paulatinamente,
ubérrimo campo para sediar-se entre nós.
Esta, sim, é uma tese
de doutoramento, na mais estrita manifestação das palavras!
***
(1) Comentário, ora modificado, escrito no dia 11
de janeiro de 2013, quando dei por finda a revisão da tese de doutorado da
Prof.a. Dr.a Maria das Dores Nogueira Mendes, hoje docente do Departamento de
Letras Vernáculas – Centro de Humanidades, da Universidade Federal do Ceará,
defendida logo depois, sob a orientação do Prof. Dr. Nelson Barros da Costa,
também da U.F.C., com a coorientação do Prof. Dr. Júlio César Rosa de Araújo. O
trabalho traz por título O Duro Aço da Voz – Investimento Vocal, Cenografia e Ethos em canções do Pessoal do Ceará.
(2) Anchiano é um lugarejo, parte de Da Vinci, comuna
italiana da Região da Toscana, Província de Florença.
(3) Amboise – Comuna do Centro, antiga Ambácia, no
vale do rio Loire, pertencente ao Departamento de Indre-et-Loire. Depois de
Tours, é a mais populosa do Departamento – cerca de 13 mil pessoas . Ali está
sepultado Da Vinci. Recentemente, tive a satisfação de percorrer o vale do
Loire quase todo, visitando, inclusive o famoso Castelo de Amboise.
(4) Ethos, com plural ethé, é termo da Língua
Grega, significativo de caráter, com vários desdobramentos. No senso aqui
empregado, porém, denota o exercício do poder de compositores e musicistas,
formalmente prontificados em escolas ou na autodidaxia da experiência, para
influenciar nas emoções e atitudes, bem assim na moral do seu público
aficionado.