sábado, 27 de fevereiro de 2021

HEXÁLOGO - Relacionamento Humano - Parte XLI (PN)

 RELACIONAMENTO
HUMANO

(Parte XLI)

Pierre Nadie*

 

Descobre quem está à tua volta. Há muitas pessoas  a contemplar. Algumas são sombras. Outras não te fazem bem. Outras te fizeram mal. 

Descobre quem está à tua volta. Pessoas há que te usaram. Outras te enganaram e te mentiram. Outras abusaram de ti, de tua confiança, de tua fidelidade. Outras te humilharam. Outras te ironizaram e desprezaram.


Descobre quem está à tua volta. Há pessoas, ao teu redor, que são anjos. Outras são insubstituíveis. Outras são inesquecíveis. De outras nem o nome lembras. 

Descobre quem está à tua volta. Algumas te fazem tanto bem que as guardas dentro de ti. Talvez, ou com certeza, há alguém que tenha encontrado um lugar cativo dentro de ti, em teu coração. Outras te acolhem e te corrigem. Outras te querem pelo que és e não pelo que tens. Outras veem tuas qualidades. 

Descobre quem está à tua volta. Há pessoas que te ideologizam. Outras te insultam. Outras há cegas à verdade, à fé, ao amor. Outras que te mentem para te alienar. Ainda outras que te mascaram de interesses e maldades.

Descobre quem está à tua volta. Há pessoas que te têm ajudado. Outras precisam de ti. Outras confiam em ti. Vê, há pessoas que sofrem, que passam fome de alimentos, de amor, de Deus. Há pessoas a quem te curvas. Tu mesmo podes ser essa pessoa.


ARTIGO - Política e Ciência (RMR)

 POLÍTICA E CIÊNCIA
Rui Matinho Rodrigues*

 

Pensar e dialogar tendo como objeto cogitações políticas exige, para que a racionalidade não seja levada pelas paixões ou convicções prévias, a vigilância epistemológica e os procedimentos próprios da interpretação metódica dos fatos e ideias. O argumento da autoridade da ciência é usado com frequência no debate político. 

Ocorre, todavia, que a indicação da escola de pensamento de onde tiramos a ideia ou a interpretação dos fatos tornam o discurso mais compreensivo, devendo o interlocutor saber classificar o que está dizendo e ouvindo.

Ciência, sim, mas qual? A do positivismo de Auguste Marie François Xavier Comte (1758 – 1857); do positivismo lógico do círculo de Viena (coordenado por Moritz Schlick, 1882 – 1936); do racionalismo crítico de Karl Raymond Popper (1902 – 1994) do racionalismo pós-crítico de Thomas Samuel Kuhn e de Paul Karl Feyerabend (1924 – 1994)? Sem este esclarecimento a comunicação fica prejudicada. 

O discurso é uma pequena parte do que se diz. A maior parte é feita de pressupostos, inter-relações e significados não explicitados. Quando emissor e receptor da mensagem conhecem os múltiplos significados atribuídos aos conceitos e categorias teóricas estes cuidados facilitam o entendimento. 

Ao falar em ética é oportuno esclarecer a concepção invocada. Será a da ética antropocêntrica, cosmocêntrica ou teocêntrica? Devemos, ainda, lembrar a distinção feita por Maximilian Karl Emil Weber (1864 – 1920) separando a ética da convicção da ética da responsabilidade. Ao falar em Direito pode ser oportuno dizer se é o jusnaturalismo ou juspositivismo que embasa a proposição. 

Não devemos, todavia, pensar que a citação de uma obra, autor ou tradição filosófica seja uma adesão integral ao conteúdo da referência feita, nem seja suficiente para validar o que é dito. Este é vício do teoricismo, que Luís de Gusmão denomina “fetichismo do conceito”, em obra assim intitulada. 

Não concordo com o conjunto da obra de Friedrich Nietzsche (1844 – 1900), mas não hesito em citar alguns de seus pensamentos que são válidos. Cito frequentemente Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), até o elogiei de modo hiperbólico, repetindo a frase segundo a qual a Filosofia se resume a Platão (428/427 a.C. – 348/347 a. C.) e Aristóteles, o resto é nota de roda pé. Cito suas obras, como “A política”, “Retórica”, “Poética” entre outras. Mas não ignoro suas imperfeições. 

O diálogo deve expor as bases teóricas do que é dito, facilitando a clareza. É preciso reconhecer as próprias lacunas e buscar fontes que possam preenche-las. No debate sobre alianças políticas é preciso lembrar que se trata de uma forma de cooperação com o outro. Alteridade é diferente. Vladmir Ilyich Ulianov, Lênin (1870 – 1924) analisou o repúdio ao jogo de alianças em obra com título bastante elucidativo: “Esquerdismo, doença infantil do comunismo”. 

Antes da presunção de virtude e sabedoria devemos buscar os fundamentos das escolhas nos fatos e no rigor epistemológico da análise. É preciso ler e cotejar entendimentos e interpretações. Ensinei Filosofia da Ciência e percebi graves lacunas na formação de profissionais, resultado da ausência da disciplina nos cursos de graduação e até de pós-graduação. A exaltação de ânimos contaminou o ensino e a pesquisa. 

A Filosofia da Ciência não é solução. Mas contribui para mitigar o problema. Não esqueçamos a neutralidade axiológica (Weber). Ciência enfatiza juízo de existência, não o dever ser do juízo de valor. Ciência não define o dever ser, oferece subsídios quando submetida ao escrutínio do pesquisador.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

NOTA ACADÊMICA - Sarau Virtual da ACLJ (23.02.2021)

  SARAU VIRTUAL DA ACLJ
(23.02.2021)

   

A Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ) promovia, nas noites de terça-feira, na casa de bebidas finas Embaixada da Cachaça, um poetry slam, consistente em um pequeno sarau de poesias, prosa poética e performances musicais acústicas ao vivo, segundo uma prática que começou nos EUA e se difundiu pelo Planeta.


   
Mas essa rotina cultural saudável foi interrompida pela pandemia de Covid-19, e então o grupo de habitués passou a se reunir virtualmente nas noites de terça-feira, em que acadêmicos, artistas, intelectuais e poetas em geral, frequentadores daquele reduto boêmio e cultural, matam a saudade e mitigam a carência de convívio, mantendo em atividade a ACLJ, apesar do isolamento social obrigatório.




PARTICIPANTES

Estiveram reunidos na conferência virtual desta terça-feira, a primeira deste ano de 2021, que teve duração de duas horas, 13 participantes. Compareceram o Professor Rui Martinho Rodrigues (com a sua  consorte e nossa confreira Josefina), o Magnífico Reitor da UFC Cândido Albuquerque, o Jornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos, 

Também estiveram no grupo virtual o Bibliófilo José Augusto Bezerra, o Marchand Sávio Queiroz Costa, o Advogado e Sionista Adriano Vasconcelos, o Músico e Representante Comercial Marcelo Melo, o Pedagogo e Psicólogo Edmar Santos, o Engenheiro e antigo Oficial de Marinha Humberto Ellery, o Especialista em Comércio Exterior Stênio Pimentel, o Físico e Professor Wagner Coelho e o Agente Comercial Internacional Dennis Vasconcelos.

Justificaram ausência o Juiz de Direito Aluísio Gurgel do Amaral Júnior, impedido de comparecer em razão da sua atividade no magistério superior; o Jornalista e Sociólogo Arnaldo Santos, por compromissos profissionais; a Atriz, Psicoterapeuta, Escritora e Poetisa Karla Karenina, que se encontra em São Paulo; o poeta Paulo Ximenes, que está fora da Cidade; o Ambientalista e Político João Pedro Gurgel, por motivos estudantis, e o Professor e Procurador Federal Edmar Ribeiro, por ainda se estar restabelecendo de Covid-19.  


TEMA DE ABERTURA

O Presidente Reginaldo Vasconcelos abriu os trabalhos lamentando a morte de três personalidades da sociedade cearense pela Covid-19 nesta semana, amigos de participantes da reunião  o Engenheiro Agrônomo Flávio Leitão, Presidente da Federação da Agricultura do Estado do Ceará (Faec), o Médico e Empresário Sérgio Bezerra de Menezes e o Médico e Político Iraguassu Teixeira, tradicional Edil de Fortaleza. 

ASSUNTOS ABORDADOS 

Esse tema de abertura suscitou o assunto que dominou a reunião, o enfoque sobre a morte  porém sem viés soturno, mas no âmbito filosófico e poético. Estabeleceu-se longo e rico debate sobre os pensadores gregos antigos, notadamente Sócrates e Aristóteles, a respeito da condição ontológica e existencial, com as ponderações eruditas de José Augusto Bezerra,  Rui Martinho Rodrigues e Cândido Albuquerque. 

Humberto Ellery e Reginaldo Vasconcelos declamaram poemas autorais que tangenciam esses aspectos, e Edmar Santos leu uma fábula de sua lavra tratando do amor e do fim da vida – e Marcelo Melo intercalou as conversas com performances musicais de voz e violão.    

Por fim, o Presidente Reginaldo Vasconcelos tratou das démarches burocráticas para a convolação da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ) em "Academia Brasileira de Literatura e Jornalismo (ABLJ)" a partir de 04 de maio próximo, e prometeu a gravação e a divulgação de um vídeo a respeito nos Grupos da Academia, para a partir dessa mensagem colher opiniões e sugestões.    

DEDICATÓRIA


A sessão virtual da ACLJ realizada nesta terça-feira, dia 23 de fevereiro, foi dedicada aos três renomados cearenses que foram vítimas das Covid-19 nesta semana, o Médico e Ex-Vereador Iraguassu Teixeira, o Agrônomo Flávio Saboia e o Médico e Epresário Sérgio Bezerra de Menezes.   


ARTIGO - Idioma Majestoso (PN)

 IDIOMA MAJESTOSO
Pierre Nadie*


Textos truncados. Frases confusas. Períodos desconexos. Concordâncias inexistentes. Palavras deturpadas. Um idioma majestoso perde a sua majestade. 

Não, nunca perderá sua majestade. Em seus salões, haverá sempre sábios e bons dançarinos, ao sabor de uma boa música ritmada, ditos virtuosos e taças de vinho de boa cepa. Maus súditos, em vão, ousam lapidá-lo, porém terminam em caos babélico, onde a ignorância torna incompreensível o linguajar, cria distâncias  e produz melodias que pode mexer o corpo, mas não nutre mentes, nem alegra espíritos. 

Adentro no Lácio e deparo-me com uma orquídea negra, linda e rara flor, a última, a mais nova, a mais linda e mais perfumada de todas as que ornam salões, pátios e jardins. 

Nosso idioma – o Português – é uma das mais lindas das línguas universais. Herdou a beleza do latim, mas não sua síntese. Serviu-se do grego, menos que sua vitória na Decápole. 

A alma brasílica não pode ser destruída, ela é esteio de nossa unidade, voz de nossas produções, diálogo de nossas diversidades, riqueza de nossas criatividades. Memória do que temos sido, raiz de nossa identidade, como povo, como nação. 

Com nosso idioma, nos comunicamos, nos dirigimos e dialogamos com o resto do mundo. Verbetes regionais não o enlameiam, estimulam-nos a nos compreendermos em nossas peculiaridades. 

Lacaios de mediocridade vernacular espalham-se aos quatro cantos. Invadem universidades, templos, escolas, arte, literatura. Não é liberdade, não é modernidade. Usurpação de nossa unidade nacional, crime de lesa-pátria: destrói a “fraternidade” que nos irmana, aniquila o patriotismo, mergulha na ruptura  gramatical e sintática, que torna textos híbridos e incompreensíveis, dando margem a interpretações, a gosto do freguês e de acordo com seu QI, que, sem conhecimentos, sem leitura e sem entendimento, tende a fazer-se idiota. E o idiota acha-se sábio e julga que o idiota é o outro, acha-se democrata e julga que o ditador é o outro, acha-se aberto e julga que fundamentalista, racista, nazista é o outro. 

Nosso idioma somente é nosso idioma, na sua correição, cuja fonte original continua a alimentá-lo, mesmo em suas neologias. E nós, que cultuamos as boas letras e boas artes, não podemos nos referenciar por baixo, pela mediocridade, que está tomando conta do salão, como se a imbecilidade fosse padrão pujante da cultura da hipermodernidade. 

Disruptura? 

Não somos “maria-vai-com-as-outras”, não devemos compactuar com a destruição de nosso idioma, pois, daqui a pouco, ninguém vai conseguir mais se entender (o que já começa a acontecer) . Vamos estudar, estudar, estudar e escrever bem, bonito e escorreito, honrando nossa própria “soberania”. Somos amantes das letras, vamos zelar por elas! 

Orações sem nexo confundem orações, mentes e corações.

Inculturar não faz mal. Culturar  incompetência e ignorância é mau-caratismo e desserviço à cultura, à ciência, à arte... à cidadania. 

Ciência e cidadania fazem-se também com idioma.



terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Lançamento de Livro (VM)

 PARIS E SEUS POETAS VISIONÁRIOS,
DE MÁRCIO CATUNDA,
A PÚBLICO EM ABRIL DE 2021
Vianney Mesquita*

 

 

Não falemos de poetas morais ou imorais; os poemas são bem escritos ou mal escritos. É só. [OSCAR Fingal O’Flahertie Wills WILDE – poeta epigramático e dramaturgo irlandês. Dublin, 16.10.1854; Paris, 30.11.1900 – 46 anos].

 

Daqui a um mês e pouco, em abril, o colega acadêmico, escritor e advogado Márcio Catunda, diplomata brasileiro de carreira, hoje trabalhando em Belgrado (Sérvia), vai lançar aqui em Fortaleza, em local ainda a escolher, seu trabalho intitulado Paris e seus Poetas Visionários, escrito nessa Capital europeia, quando visitou, um por um, os locis onde mourejaram esses vates franceses de vida muito particular, interessante, curiosa e, às vezes, estranha [Guillaume Apollinaire, André Breton, Paul Éluard et alii]. 

Regozijo autêntico descansa, pois, em experimentar o lance de escoliar, mesmo com lábeis palavras, acerca deste produtor de dezenas de livros de enorme peso, postado na primeira linha qualitativa, com registo de obra dilatada e de subido alcance na contingência literária brasileira.

Márcio Catunda é conhecido e magnificamente mensurado pela crítica nacional, motivo por que pertence a sodalícios de alteada essência no País, como, verbi gratia, esta Academia Brasileira de Literatura e Jornalismo e a Academia de Letras do Brasil, haja vista sua multímoda produção na senda da poesia, no âmbito da crônica, no terreno da história e na seara de vários outros gêneros para expressão das nossas letras, o que dele faz et eximia auctor, para gáudio dos cearenses, júbilo da inteligência brasileira e vanglória da Língua Portuguesa. 

Com vistas a demonstrar a verve criativa, o engenho e o estro e – não raras vezes – as esquisitices e extravagâncias peculiares aos vates franceses estudados [Louis Aragon, Max Jacob, Antonin Artaud et reliqua], o multiforme autor de  Laudetur: 63 Poetas Espanholes del Siglo XXI [2012), Terra de Demônios [2013] e Mário Gomes: Poeta, Santo e Bandido [2015], consoante antecipado, virou e revirou a Cidade-Luz em espinhosas andanças a pé, anotando particularidades, fazendo inferências e estabelecendo relações, para, no remate de tão soberbo trabalho, nos presentear com este modelar relato, autêntico, veraz e inédito, a fim de, irrepreensivelmente, fundear, em altivo complemento, à história da Poética Mundial. 

Em adição à magnificência de tão surpreendente produção – assunto de trato original, haja vista a maneira como foi edificada, no próprio âmbito de sublime criação dos áugures pesquisados, Paris – vem adorná-la a marca sedutora expressa na capa do livro, procedente da mão poética do celebrado artista plástico e escritor e acadêmico G. Jesuíno, num acrescentamento beneficamente sobejo a um trabalho já de si plenificado de estesia. Quid nimium sit, non nocivis.  O que é demais, decerto, muita vez, vem para reforço de valor. 

Aguardemos, pois, esta oportunidade, após o declínio covidano, pois indene de suspeita é o fato de que apreciar os ardis histórico-literários de Márcio Catunda é louvar-se nos prodígios da inteligência.

sábado, 20 de fevereiro de 2021

CRÔNICA - Saudade Boêmia e Gastronômica (RV)

 SAUDADE
BOÊMIA E
GASTRONÔMICA
Reginaldo Vasconcelos*


Na Alemanha, visitei um restaurante de 300 anos de idade, na Cidade de Colônia. Somente os donos variaram ao longo dos séculos, mantidos o mesmo nome, o mesmo local, o mesmo cardápio histórico, apenas acrescido, com o tempo, para acompanhar a modernidade.

Em Nova Jersey, nos Estados Unidos da América, tive notícia de uma casa de pasto secular que atravessou incólume as duas guerras mundiais, e que continua atendendo e servindo os pratos criados pelos seus mais antigos cozinheiros, que cativaram várias gerações de seus clientes. 

No Brasil, não conheço exemplos de tamanho respeito à tradição gastronômica, quando, pelo contrário, tenho lido sobre a morte de redutos boêmios e culinários tradicionais, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, que cerraram as portas, notadamente agora, durante a pandemia da Covid.


Em Fortaleza, há poucos meses fechou a última das nossas peixadas mais antigas da Av. Beira Mar, o Alfredo, que resistiu por 62 anos, mas que se seguiu a tantas outras mais novas, que foram caindo em sequência como um pelotão de dominós – o Anísio, o Expedito, a Peixada do Meio, o Tia Nair, o Delícias Cearenses, dos irmãos Marquinhos e Ranúzia.

Também não resistiram o Lido e o Estoril, na Praia de Iracema, como mais recentemente as boas casas rústicas especializadas em camarões do Mucuripe, como o Osmar e o Faustino.

Exceção heroica o Flórida Bar, cult point de intelectuais e artistas da Cidade, hoje localizado na Rua Dom Joaquim, na Praia de Iracema, fundado há mais de meio século pelo Sá Filho, herdado pelo seu filho, Sá Neto, depois pelo seu neto, Hermínio, hoje transferida a propriedade aos garçons da casa, mas ainda funcionando  segundo informação do acadêmico da ACLJ Altino Farias  engenheiro, dono da Embaixada da Cachaça, administrador do Blog Pelos Bares da Vida.    

Outro exemplo louvável de resistência o tradicionalíssimo Restaurante Caravelle, na Av. Luciano Carneiro, fundado há já 60 anos, remontando os primórdios do antigo Aeroporto Pinto Martins, do qual ficava na passagem, até hoje mantido no mesmo local e conservando o mesmo cadápio e temperos, pela família do fundador, Oscar de Holanda  e que assim permaneça com as futuras gerações.


Para o paladar mais sertanejo, Fortaleza tinha na Parangaba as excelentes “mãos de vaca”, as grandes paneladas, como a do tradicional Mané Bofão, nas proximidades da Catedral, que não existem mais, cujo cardápio se restringe hoje aos grandes mercados da Cidade  e as churrascarias populares na região do Alicate, no Bairro Monte Castelo, que ainda sobrevivem, mas descaracterizadas da tradicional rusticidade.

O aterro da praia engoliu o restaurante Cirandinha, do Pedrão, ponto dos boêmios que virava a madrugada, e que servia uma bisteca de porco especial – enquanto as ondas da enseada do Mucuripe rebentavam no quebra-mar a um metro das últimas mesas. Mais na frente o Sereia, cujo restauranteur era o Deó, também de vocação madrugadora. 

Ainda subsistem, mas não têm mais a mesma excelência culinária, os restaurantes dos clubes sociais remanescentes, o Ideal e o Náutico, em que se servia uma impagável Lagosta ao Thermidor. 

Por outro lado, já são apenas saudades as trattorias da Praia de Iracema e da Av. Beira Mar, as do Farias – Sorriento e Il Fornelo, e a do Alfio, vizinha do Cais Bar – saudoso e memorável.




Há muito tempo feneceu o elegante “Sandra’s”, no alto das dunas, que não sobreviveu à sua dona, Sandra Gentil – e também naufragou o restaurante Wells de Fortaleza, do Grupo Pão de Açúcar, o único que servia receitas de peru o ano todo. 

Mais recentemente se foi a bucólica Churrascaria Parque Recreio da Aldeota – “E a lua viu desconfiada / A noiva do sol com mais um supermercado/ Era uma vez meu castelo  entre mangueiras / E jasmins florados”, como cantou o Ednardo. 

Vez por outra ainda vou ao restaurante do Paulinho, na Maraponga, especializado em carne-de-sol – que não é mais do fundador, mas ainda mantém a mesma qualidade – e com mais frequência prestigio o Carne de Caicó, da mesma especialidade, no Papicu – mas que temo desaparecer tão de repente – não mais que de repente. 

A última debacle entre os redutos mais boêmios, frequentado na madrugada pelos notívagos mais notórios da sociedade cearense, que oferecia à clientela um revigorante caldo de peixe – o Tocantins – que deixou na orfandade quem quisesse “esticar” a noite, depois de festas elegantes, de reuniões formais, de assistir a shows e espetáculos.

 

Enfim, sofre a culinária característica da gastronomia cearense, não somente para prejuízo do nosso turismo, mas para tristeza da memória afetiva dos nativos, que perdemos os referenciais da juventude, das boas noitadas do passado, dos bons pratos remissivos aos produtos das jangadas, bem como das antigas carneadas nordestinas.        



COMENTÁRIO

Muito boa a matéria sobre os nossos restaurantes e bares antigos. Fiz uma viagem ao passado ao ver a foto do Bar do Anísio, onde, há muitos anos, e ao furor de ene doses de uísque, eu deixei minha moto Yamaha cinquentinha  aos cuidados do Seu Anísio e voltei para casa rebocado por um amigo! 

Paulo Ximenes

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

ARTIGO - Um Poder Absoluto (RMR)

 UM PODER
ABSOLUTO
Rui Martinho Rodrigues*

 


Um dia Teori Albino Zavaski (1948 – 2017) decretou o afastamento do Presidente da Câmara dos Deputados. Disse, sem constrangimento, que exercia um direito extraordinário, categoria jurídica desconhecida. O atingido era Eduardo Cunha, a figura execrada. Ninguém se incomodou com o direito extraordinário. 

Gilmar Mendes julgou matéria de interesse de afilhado de casamento; Dias Toffoli já havia julgado correligionários do PT, amigos íntimos, no mensalão. Gilmar usou palavras chulas para referir-se aos Procuradores de Curitiba.

Luís Roberto Barroso usou palavras duríssimas contra Gilmar, inadequadas à liturgia do STF. Gilmar acusou o Presidente da República de genocida e incluiu o Exército nessa categoria de crimes. Essas coisas não afetam diretamente os cidadãos, que por isso não se incomodam. 

É importante conter a agressividade atual e o exemplo deveria vir do STF. A exacerbação dos ânimos, com agressões físicas ou verbais, nos aeroportos, restaurantes, nas ruas e nas redes sociais são intoleráveis. Ataques a pessoas públicas são injustificáveis. Acusações (diferente de ataques), porém, fazem parte do processo democrático, devendo ser toleradas quando protegidas pela exceção da verdade, excludente de ilicitude quando o acusador diz a verdade. Criticar é dever cívico. 

Parlamentares têm imunidade processual e prisional destinadas a protegê-los no exercício desta obrigação. Jornalistas podem acusar sem precisar revelar a fonte da informação. Cidadãos têm liberdade de expressão, ressalvado o anonimato.

A interpretação hiperbólica do garantismo penal, pelo STF, tem se caracterizado pela complacência para com acusados de corrupção até de tráfico de drogas. Ataques a pessoas públicas, até desejando a morte em um caso, não tiveram consequência. O STF não se importa, dependendo de quem seja a pessoa ofendida. 

Mas críticas e ataques, alguns deles chulos, dirigidos aos integrantes do Pretório Excelso, são interpretados como ataque ao Poder Judiciário. Tomam a crítica ou ataque a pessoa de ministros como ataque à instituição. Equivale a confundir a crítica ou ataque ao piloto como direcionado ao avião, à engenharia aeronáutica. Quem assim raciocina está enganado ou está enganando. 

Alegando defesa das instituições o STF instaurou inquérito colocando-se como vítima e ao mesmo tempo como acusador, investigador e juiz. Violou a separação das funções do Poder, usurpou a função legislativa. Violou a competência do Executivo, interferindo na nomeação para cargos de confiança, desrespeitando a discricionariedade do ato. Não atingem diretamente os brasileiros que têm voz, que não se incomodam. 

Lembremos de Martin Niemöller (1892 – 1984), que diz: “Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, (...). No terceiro dia levaram meu vizinho católico (...). No quarto dia vieram e me levaram e já não havia ninguém para reclamar”. 

O STF tornou-se absoluto, sem os freios e contrapesos da divisão tradicional das funções do Estado, a ditadura da toga condenada por Rui Barbosa de Oliveira (1849 – 1923), como “a pior das ditaduras, porque contra ela não há a quem apelar”. 

O Estado de Direito foi destruído. O Legislativo, intimidado pelas investigações e processos contra muitos dos seus integrantes, não reage. O Executivo, acossado pela imprensa e pela maioria dos formadores de opinião, teme ser alcançado em alguma fragilidade. 

O garantismo do STF sugere que só acusados de corrupção são beneficiados pelo garantismo e que os ministros do STF “são mais iguais”, como na “Revolução dos bichos”, de George Orwell (1903 – 1950). 

Estão acima da reserva legal criando crime por analogia; abandonam o processo acusatório e restabelecem o processo inquisitorial; legislam, criam o flagrante mediante mandado judicial. Podem tudo, esquecidos de que o corporativismo é mau conselheiro e que o “o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus” (John Emerich Edward Dalberg-Acton, barão de Acton, 1834 – 1902).


terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

ARTIGO - Estados e Governos (GM)

 ESTADOS E GOVERNOS
Gonzaga Mota*

 

 

No momento atual, fatores como a globalização perversa; a busca do poder, pelo poder, não respeitando os princípios éticos; o fundamentalismo religioso; o corporativismo autoritário; o capitalismo selvagem; os estelionatos da falsa mídia, dentre outros, estão conduzindo nações ricas, emergentes e pobres para uma crise que abrange aspectos morais, de corrupção, socioeconômicos, de desesperança, de injustiça, de violência, de não liberdade, etc. 


Assim, lembremo-nos de Gandhi: “A forca de um homem e de um povo está na não violência”, bem como de Santo Tomás de Aquino: “Há homens cuja fraqueza de inteligência não lhes permite ir além das coisas corpóreas”. Precisamos pensar o futuro.

 

Para tanto, sem preconceitos, é fundamental a leitura de filósofos e cientistas como Aristóteles, Santo Agostinho, Kant e tantos outros. A grande crise mundial é consequência do aumento do pragmatismo e da redução das correntes filosóficas.

 

Para onde vamos? Não obstante as diferenças culturais dos povos, existem características básicas que devem ser comuns: a justiça; a democracia; a perspectiva de mobilidade social; a soberania popular, evidenciada por convicções não autoritárias; a busca permanente da paz; etc.

 

Nunca procuremos a subserviência para alcançar uma pseudofelicidade, mas sim a inquietação sincera como forma de chegar à liberdade. Concordamos que o modelo do Estado Democrático de Direito está esgotado. Na verdade, muitas vezes é injusto, pois permite privilégios.

 

Antes que voltem os defensores de regimes totalitários, é importante que se coloque nas agendas de debates, em fóruns nacionais e internacionais, a criação do Estado Democrático de Justiça. 


A propósito, lembremo-nos de Cícero, por sua vez: “Summun jus – summa injuria” (o supremo direito é a suprema injustiça). Assim, é difícil a humanidade conciliar um Governo democrático com um Estado autoritário ou vice-versa.