domingo, 29 de novembro de 2020

POEMAS - Rio Jaguaribe (VA) - Chuva de Outono (HE)

 RIO JAGUARIBE
Vicente Alencar*

Ele caminha lento,
amargurado,
invadindo a Caatinga,
passando os Tabuleiros,

levando esperanças
ao caboclo que acredita
na sua força.
 
O desmatamento de suas margens
o assoreamento que é vítima,
a poluição
que o agride,
os dejetos que lhe jogam,
mesmo assim ele caminha.
 
Embora devagar,
segue firme,
sabendo que seu destino
é levar em frente
o esperado desenvolvimento...
 
Os sertanejos
que dependem de suas águas,
das suas margens,
do seu peixe,
o respeitam...

Seus afluentes vivem
o drama do Sol,
da falta de inverno,
da ausência de Programas Oficiais.


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CHUVA DE OUTONO
Humberto Ellery* 

Embriagai-vos sem cessar. Com vinho, com poesia, com virtude. Como quiserdes. Mas embriagai-vos. (Charles-Pierre Baudelaire)

 

São monótonas, são tristes, e são frias,
as chuvas de outono que caem suavemente sobre mim.

Ventos gelados anunciam o inverno,
o inverno silencioso e frio que se aproxima.
O terrível inverno da solidão, do esquecimento...
 
De repente, numa explosão de cores,
um reflorir primaveril inesperado!
Trazendo a luz e o calor do verão,
iluminando o céu,
enchendo o ar de um perfume embriagador...
Uma linda e acolhedora Primavera.
Uma Primavera inesperada, atemporal...

Que importa a mim que seja ilusória...
Que importa a mim que seja fugaz...
Que importa a mim que seja inatingível...

O Arco-Íris também é ilusório,
Também é fugaz, também é inatingível.

E ainda assim nos encanta.
Ah! Baudelaire... Baudelaire...

Hoje eu vou embriagar-me.
Não é com vinho, nem poesia ou com virtude,
Vou embriagar-me, sim, de Juventude!
 
(Dedicado à linda bacante que me serve generosas taças de sua exuberante juventude).

ARTIGO - A Sociedade Aberta (RMR)

 A SOCIEDADE ABERTA
Rui Martinho Rodrigues*

 

A grandeza e a diversidade do mundo dificultam a compreensão das mudanças. Quanto maior ou mais complexo o objeto, mais raso e incerto o conhecimento sobre ele. A civilização começou nos grupos primários, caracterizados pelas relações diretas entre os membros, intimidade, afetividade, espontaneidade e cooperação direta (Dicionário de Ciências Sociais, da FGV). O trabalho de cada um podia ser visto por todos e consistia em atividade física. A organização resultou de tentativa e erro corrigido, conforme Friedrich August Von Hayek (1899 – 1992), sob o sistema de parentesco (Claude Lévi-Strauss, 1908 – 2009), como uma pequena ordem.

A pequena ordem cresceu. Surgiram grupos secundários, relações indiretas, fragmentárias e impessoais. A estes Hayek, na obra “Erros Fatais do Socialismo”, denominou ordem ampliada espontânea, por não ser criada por algum gênio e por não ter um sistema centralizado. Nela prevaleceram, por seleção natural, condutas que resultaram em maior oferta de bens e serviços. Tais condutas nem sempre são atividades físicas, visíveis, não seguem os padrões da pequena ordem originária e são incompreendidas, classificadas como contrárias ao interesse social, pelo não reconhecimento do trabalho distinto da atividade física e os seus benefícios indiretos. A persistência de tal percepção lembra os resíduos e derivações de Vilfredo Pareto (1848 – 1923) e são comparáveis à longa duração histórica de que trata Fernand Braudel (1902 – 1985). Nascia a ordem ampliada espontânea (Hayek). 

A amplitude do objeto é inversamente proporcional ao conhecimento sobre ele. Entender a ordem ampliada produz conhecimentos superficial e inconsistente (Imídio Giuseppe Nérici, “Introdução à Lógica”). Fórmulas definidoras do dever ser da sociedade fracassaram sempre desde a tentativa de Platão (428/27 a.C. – 348/347 a.C.) em Siracusa. Arrependido do que disse na obra “A República”, Platão escreveu “As leis”, mas não foi bem recebido. O planejamento central não consegue articular todas as variáveis da ordem ampliada, mas enseja a sensação de superioridade moral e intelectual. Fracassa, mas é sedutor. 

Há uma raiz atávica animista em certas fórmulas “esclarecidas”. A personificação de entes como se pessoa fossem, com um espírito, ao modo do animismo, é observada na categoria classe social posta como fundamento maior da análise histórica e social, considerada como unidade monolítica (Hayek). Classes consideradas segundo a origem da renda seja capital ou trabalho (Karl Heinrich Marx, 1818 – 1883), como se a sociedade fosse formada por duas partes monolíticas e personificadas, burguesia e proletariado, lembram os resíduos e derivações de Pareto, relativamente ao animismo. 

A divisão dicotômica oferece um prato cheio de oprimidos e injustiças a quem queira profligar o mundo mal. A busca dos fatos considera a estratificação baseada na quantidade de renda (posição no mercado, Karl Emil Maximilian Weber, 1864 – 1920), como nas pesquisas eleitorais, dando lugar a diversas camadas de renda. Isso não é classe, é camada! Então para que serve a origem da renda? Não explica nem venda de sabonete. Grupos identitários, importantes como massa de manobra, não se ajustam a estratificação dicotômica nem às camadas de renda. A estratificação dicotômica, porém, continua entronizada como unidade fundamental de análise. 

O fetichismo do conceito (Luís de Gusmão, vivo), somado aos citados resíduos e derivações, longa duração, incomunicabilidade dos paradigmas (Thomas Samuel Kuhn, 1922 – 1996) e aos obstáculos epistemológicos (Gaston Bachelard, 1884 – 1962) também explicam o animismo residual remanescente da pequena ordem. A logomaquia dos inimigos da sociedade aberta (Karl Raymond Popper, 1902 – 1994) também influencia quem se coloca genuflexo ao ler autores consagrados. É preciso seguir Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 – 1900): ria de todos os mestres.


LIVROS - Luciano Carneiro (VA) - Pílulas de Felicidade (AG) - Histórias da Gente (WI)

 LUCIANO CARNEIRO
Vicente Alencar*



 

Com patrocínio do Instituto Moreira Salles (IMS), foi lançado no mês de outubro o livro LUCIANO CARNEIRO - FOTOJORNALISMO E REPORTAGEM (1942-1959), resgatando a memória desse notável fotojornalista cearense, cuja trajetória ainda é muito desconhecida por seus conterrâneos.

 

Na internet (loja do IMS), o livro estava sendo vendido com 50% de abatimento, ao preço promocional de R$ 64,75, sem incluir o frete.

 

Segue a resenha do livro e um perfil do organizador.

 



LUCIANO CARNEIRO – FOTOJORNALISMO E REPORTAGEM (1942-1959)

 

Artista: Luciano Carneiro

Organização: Sergio Burgi

 

Em sua breve e profícua carreira como fotojornalista, o cearense Luciano Carneiro (1926-1959) documentou eventos históricos que marcaram a década de 1950, como a Guerra da Coréia e a Revolução Cubana. Também produziu grandes reportagens sobre aspectos da realidade brasileira, de conflitos fundiários a atos estudantis.

 

Nascido em Fortaleza em 1926, Luciano Carneiro teve uma trajetória rápida e abrangente. Aos 16 anos, iniciou sua carreira no Correio do Ceará. Em 1948, ingressou na revista O Cruzeiro, no Rio de Janeiro, onde se consagrou como fotojornalista. Além de produzir as imagens, muitas vezes assinava os textos das matérias.

 

Ao longo de 11 anos de atividade na revista, cobriu temas brasileiros e internacionais, viajando do Japão à União Soviética, do Egito de Nasser à Iugoslávia de Tito. Em 1959, aos 33 anos, sua trajetória foi interrompida bruscamente, quando faleceu em um acidente de avião, no retorno de um trabalho em Brasília.

 

Este livro é o primeiro a percorrer de forma abrangente a carreira e obra de Carneiro, cujo acervo está, em parte, sob a guarda do IMS. A publicação reúne mais de 170 imagens e cerca de 35 matérias.

 

Também apresenta uma cronologia detalhada da vida do fotógrafo. O material exibido no livro provém do acervo de Carneiro, sob a guarda do IMS, e dos arquivos da revista O Cruzeiro, hoje parte do acervo do jornal Estado de Minas.

 

Na equipe de O Cruzeiro, Carneiro atuava ao lado de uma nova geração de fotógrafos como José Medeiros, Flávio Damm e Henri Ballot. Inspirados no chamado fotojornalismo humanista, que surge no pós-guerra com nomes como Robert Capa e Henri Cartier-Bresson, buscavam construir narrativas críticas, com o teor autoral e engajado com as questões sociais.

 

Foi com essa perspectiva, em um contexto de Guerra Fria marcado pela polarização, que Carneiro rodou o mundo. Uma de suas principais coberturas – que ganha destaque no livro – foi a da Guerra da Coréia.

 

Em 1951, conseguiu obter credenciais para entrar no país, tornando-se, com apenas 25 anos, um dos únicos repórteres sul-americanos a cobrir o conflito. Carneiro publicou um total de 10 matérias sobre a guerra. Fotografou Seul destruída, acompanhou tropas turcas e colombianas, retratou militares feridos, prisioneiros de guerra e civis em fuga. Também foi um dos quatro correspondentes que saltou de paraquedas ao lado do exército americano sobre as linhas inimigas na Coreia do Norte.

 

A publicação também destaca a cobertura da Revolução Cubana. No início de 1959, Carneiro acompanhou os momentos finais da queda do regime de Fulgêncio Batista. O fotógrafo documentou a entrada de Fidel Castro em Havana, entrevistando o líder revolucionário e outros dirigentes. Também testemunhou os julgamentos e fuzilamentos de oficiais da repressão do antigo regime. Em maio de 1959, registrou a visita de Castro a Brasília, onde o líder cubano foi recebido por Juscelino Kubitschek.

 

SERGIO BURGI

 

Formado em Ciências Sociais pela Usp em 1981, ano em que ingressou no curso de Mestrado em Conservação Fotográfica da School of Photographic Arts and Sciences, do Rochester Institute of Technology (EUA) onde obteve em 1984 os diplomas de Master of Fine Arts in Photography e Associate in Photographic Science pelo Rochester Institute of Technology. Foi coordenador do Centro de Conservação e Preservação Fotográfica da Funart entre 1984 e 1991.

 

É membro do Grupo de Preservação Fotográfica do Comitê de Conservação do Conselho Internacional de Museus (Icom) e desde 1999 coordena a área de fotografia do Instituto Moreira Salles, principal instituição voltada para a guarda e preservação de acervos fotográficos no Brasil.



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PÍLULAS DE FELICIDADE
Almir Gadelha*




Este é o meu mais recente livro, que está no prelo, e em breve disponível ao leitorado.



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HISTÓRIAS DE GENTE
DA GENTE
Wilson Ibiapina*



Nessa coletânea de crônicas, faço referência a este Blog da ACLJ, à ACLJ, à Tenda Árabe, local das reuniões informais da Confraria. E conto casos hilariantes de sua juventude em Fortaleza entre os grandes nomes contemporâneos da música cearense. A obra pode ser encontrada na livraria do Sérgio Braga, vizinho ao Flórida Bar, no início da Rua Dom Joaquim, na Praia de Iracema.

ARTIGO - Literacia, Ter ou Não Ter (FCVT)

 Literacia,
ter ou não ter!
Francisco Cadorno Vasconcelos Teles*


Segundo Smith, 𝐋𝐢𝐭𝐞𝐫𝐚𝐜𝐢𝐚 é a capacidade de cada indivíduo compreender e usar a informação escrita, contida em vários materiais impressos, de modo a desenvolver seus próprios conhecimentos.  

Na sua definição, meus caros, o termo vai além da simples compreensão dos textos, inclui um conjunto de capacidades de processamento de informações, que poderão ser usadas na vida pessoal de cada indivíduo. Ou, como afirmam José Carlos Morais e Regine Kolinsky, Literacia designa convenientemente “a arte” da leitura e da escrita.

Desta maneira, podemos concluir, sendo a literacia uma complexidade, que a mesma não é estática, pois a compreensão das pessoas sofre mudanças, para mais ou para menos. E essa compreensão deve ser alimentada, para nutrir nosso sistema de informações. 

Na sociedade contemporânea, cada vez mais globalizada, a informação é a força que move a sociedade, e sua escassez acaba por atrasar ainda mais o desenvolvimento social, econômico e tecnológico de nosso país. Assim, se faz urgente e necessário buscar soluções para que as pessoas de diferentes segmentos sociais tenham acesso à informação. Nesse sentido, a biblioteca surge como um instrumento de democratização da informação. 

Certo disso, a biblioteca tem sua função social eminente, sendo ela primordial para composição da Literacia em nosso Estado. Não pode ser tornar um depósito de livros. Tem que gerar e passar conhecimento, a consciência do passado, o reconhecimento do que foi vivido pelos nossos antepassados. O privilégio de compor essa ideia é a base de um programa para uma Biblioteca. 

Temos o direito inalienável que todas as pessoas possuem de ter acesso ao conhecimento, sem diferenciação de classes. É um direito humano, por isso, à revelia do que temos sentido na atual conjectura do País, reitero a necessidade de ampliar esse contexto de “𝐭𝐞𝐫 𝐥𝐢𝐯𝐫𝐨𝐬 𝐞𝐦 𝐮𝐦𝐚 𝐞𝐬𝐭𝐚𝐧𝐭𝐞” e trazer novos olhares para minimizar as diferenças culturais, econômicas e educacionais, e atenuar a nossa tão gritante desigualdade social. 

É essa a nossa ideia ao formular a “Biblioteca Itinerante Canto do Piririguá”, integrada com uma comunidade, de forma que possa agir de modo mais participativo, agregando valores, conceitos e formas na vida de inúmeros indivíduos, os quais ela atende e presta serviços, que são indispensáveis para o desenvolvimento pessoal e intelectual, contribuindo assim para a valorização do saber e, consequentemente, também para a educação e a cultura.





COMENTÁRIO: 

O artigo do Professor Cadorno Vasconcelos Teles é realmente interessante, porque faz uma abordagem inusitada sobre o termo “literacia”, um anglicismo (literacy), do latim litteratu – muito pouco conhecido no Brasil, mais comum em Portugal. Hoje a palavra está relacionada com as habilidades cibernéticas em prol da transmissão e da apreensão de conteúdos.

Na origem o termo remete à habilidade inata do leitor privilegiado de compreender, mas principalmente de apreender, absorver, incorporar, fixar nas retentivas da memória, pela vida toda, sem nenhum esforço “decoreba”, passagens livrescas, experiências vividas, excertos de peças cinegráficas, detalhes, fatos, descrições, temas filosóficos, frases de efeito, lições de moral, aspectos que vão compor o seu cabedal intelectual dali avante, para futuras reflexões e citações.

Os desprovidos dessa habilidade especial podem até compreender superficialmente o conteúdo do que lhe perpassa o intelecto, mas não profundamente, tal sorte que depois, ouvindo comentário aprofundado ou citação a respeito de um texto que leu, por alguém dotado de “literacia” que também o compulsou, não experimenta a sensação de déjà vu. Parece-lhe uma perfeita e encantadora novidade. É como quem comeu, mas não digeriu e não absorveu o alimento.

Detalhe interessante é a designação que Vasconcelos Teles dá à sua biblioteca itinerante, o “canto do piririguá”  nome tupi do anum-branco, pássaro de sonoridade lânguida e bela.   

Reginaldo Vasconcelos


quinta-feira, 26 de novembro de 2020

CRÔNICA - Oração da Madrugada (AF)

ORAÇÃO DA MADRUGADA
Altino Farias*




ARTIGO - O Dnocs nas Mãos Sombrias dos Políticos (CB)


Com o título O Dnocs nas Mãos Sombrias dos Políticos, eis artigo de Cássio Borges, engenheiro civil, com especialização em recursos hídricos na Escola Nacional de Engenharia e Pontifícia Universidade Católica-PUC, ambas do Rio de Janeiro. “O Dnocs é um órgão centenário de grande patrimônio não só material, como técnico e cientifico, e não pode, simplesmente, ser jogado no lixo para atender interesses políticos/eleitoreiros, portanto escusos, de quem quer que seja”, expõe o articulista.


 

Eliomar de Lima – Jornal O Povo – 06 de outubro de 2020

 

   

O Dnocs nas mãos
sombrias dos políticos
Cássio Borges*

  

Depois do meu posicionamento contra a construção da portentosa Barragem do Castanhão, cuja maior interessada era a Construtora Andrade Gutierrez, escrevi um livro identificando mais de uma dezena de inaceitáveis erros de engenharia cometidos na elaboração do projeto do referido reservatório de autoria do extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento-DNOS. Esta foi a desastrosa interferência daquele organismo na área de atuação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) no semiárido brasileiro. Foi uma amarga experiência.

Digo isto a propósito do Projeto Lei Nº 4.731, de 13 de agosto de 2019 de autoria do Senado Federal, o qual foi transformado na Lei 14.053, de 08 de setembro e 2020, ampliando a área de atuação da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), com sede em Brasília, até a Região Amazônica, ou, mais precisamente, até o Estado do Amapá, criando um conflito institucional de competências com a Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), com a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), com a Sudeco (Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste) e com o próprio Dnocs, que já atua em grande parte daquele mesmo território até, inclusive, o estado do Maranhão. 

Infelizmente, o Dnocs, há tempos vem sendo vítima de insidiosa perseguição por parte de grupos empresariais, os mesmos que cometeram, num passado recente, erros inomináveis no projeto do Açude Castanhão. No meu entendimento, este pessoal já deveria ter sido defenestrado de suas funções à frente de órgãos públicos na esfera federal, pelo menos nesta área de recursos hídricos, cuja incompetência foi amplamente demonstrada no livro a que acima me referi, intitulado “A Face Oculta da Barragem do Castanhão - Em Defesa da Engenharia Nacional”.

Na atualidade, o Dnocs da era Bolsonaro não foge à ignominiosa regra das antigas mazelas, em que o nefasto poder político partidário que, há tempos o domina e o descaracteriza, é mais poderoso do que os nobres princípios que nortearam aquele notável Departamento ao longo de sua existência, tendo como preceitos básicos de conduta o patriotismo e o idealismo dos seus técnicos e servidores.

Há tempos, lá pelo ano de 1985, um grupo de técnicos enclausurados na Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará, trabalha, diuturnamente, para comandar os recursos hídricos federais, visando manter sob o seu domínio a administração e o controle dos 86 açudes construídos por aquele Departamento nesta Unidade da Federação. O objetivo deste pessoal é a privatização das águas acumuladas nos açudes do Dnocs. Eles viram que o caminho mais curto para atingir este objetivo é a extinção do Dnocs, que é protegido pela Constituição Brasileira. Mas, sendo a Codevasf uma organização também do Governo Federal, em caso da extinção do Dnocs, aquela Companhia seria a sua sucessora, portanto a herdeira de todo o patrimônio daquele Departamento, entre os quais os seus açudes.

Senhores Deputados, Senhores Senadores, Senhores membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, inclusive do Ministério Público Federal, é inevitável que este meu posicionamento favorável à permanência do Dnocs no cenário nordestino se transforme em clamor público suprarregional como a última forma de despertar a consciência e a responsabilidade dos que, no exercício de cargos funcionais ou eletivos, devem sempre agir em consonância com os superiores interesses da população em geral, e com o rigoroso zelo no gasto do dinheiro público, pois honestidade na administração pública não se traduz em apenas não se apropriar ou desviar verbas, mas também, fundamentalmente, em empregá-lo com economicidade, sob a melhor relação benefício/custo.

O Dnocs é um órgão centenário de grande patrimônio, não só material, como técnico e cientifico, e não pode, simplesmente ser jogado no lixo para atender a interesses políticos/eleitoreiros, portanto escusos, de quem quer que seja.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

ARTIGO - Consciência Negra (RV)

 CONSCIÊNCIA NEGRA
Reginaldo Vasconcelos*

  

Três povos foram convocados pela História para fundar uma nova nação” – esta é a minha leitura fenomênica para a diversidade brasileira. Claro que, como todo processo gestatório e puerperal, a formação de uma nova nação envolve dor e sofrimento, e o seu amadurecimento completo demanda esforço e paciência.

Os povos a princípio envolvidos no processo foram os ameríndios litorâneos, os celtiberos portugueses e várias etnias africanas – cada um deles dando o seu contributo, conforme o nível cultural e o “estado da arte” em que se encontrava no momento. 

Gervásio Leandro. Filho de um negro e de uma índia. 
Lutou na Itália na 2ª Grande Guerra. 
Tinha uma sequela no indicador,
 causada pelo gatilho do fuzil. 

Os nossos indígenas ainda viviam na Idade da Pedra; os portugueses eram uma monarquia frágil, de uma península pobre e sofrida da Europa, herdeiros da cultura greco-romana, com alguma tecnologia gráfica, agrícola, náutica, edilícia, industrial; e os africanos, donos de uma rica cultura empírica – na música, na dança, na mística, nas artes plásticas e na arte culinária. 

O período dessa fusão de povos superou 300 anos, transcorridos hoje um pouco mais de 130 janeiros que essa fase se encerrou, a partir do fim do escravismo e da Proclamação da República – de modo que ainda se vive a puberdade nacional.

Em virtude do desnível sociocultural que essas circunstâncias impuseram, por mais de três séculos, os descendentes dos nossos índios e os nossos afrodescendentes, hoje já bastante miscigenados entre si, e com algum caldeamento europeu, ainda preponderam nos estratos mais pobres e menos escolarizados da coletividade brasileira.

Porém, no presente estágio evolutivo a que ascendeu a humanidade, fazem-se oportunas e necessárias as mobilizações públicas e os esforços jurídicos no sentido da uniformização sociocultural e econômica de toda a nacionalidade, combatendo-se o preconceito racial e a discriminação social, de modo que cada um tenha as mesmas oportunidades de progredir, cultural e profissionalmente.

No Brasil, impende que isso seja feito de forma pacífica e ordeira, por meio de políticas públicas de ensino gratuito de qualidade nos três níveis, combate à pobreza, rigor jurídico contra o crime de racismo – aquele em que a pessoa tenta discriminar e prejudicar qualquer das etnias nacionais, no campo social ou profissional – e não somente injuriando um indivíduo pela cor de sua pele.

Injúria é injúria, moral ou material, contra pessoa de qualquer etnia, nascitura ou falecida (na sua modalidade reflexa), de modo que qualificar e agravar a injúria por motivo racial é privilegiar as formas gerais de ofensa grave. É hipersensibilizar uma categoria social por “coitadismo”, assumir o racismo reverso, oficializando o mito vitimário de que a negritude gere opróbrio – fazendo aprofundar antipatias e revoltas.

Thiena Leandro Vasconcelos, 
resgatando o orgulho da sua negritude genética.
A negritude não é defeito; ser negro não é vergonha – mas uma condição que deve orgulhar e enaltecer os brasileiros em geral, pois o País seria menor sem Machado de Assis e sem Pelé, sem Lima Barreto e sem Cartola, sem Cruz e Souza e sem Milton, sem Gil, sem Djavan – de uma lista imensa de negros notáveis e de anônimos brasileiros que são negros valorosos. 

O cativeiro de índios e negros, na nossa colonização, representa uma fatalidade histórica, a mesma tantas vezes sofrida por todos os povos do Planeta, ao longo do tempo, pois os conflitos bélicos sempre ocorreram, e era comum que os vencidos terminassem escravizados. Tanto que mesmo a Bíblia refere a escravos. Assim, todos os homens modernos descendemos de escravos, vividos em algum lugar e algum momento do passado.

Portanto, não faz sentido atribuir dívida pública a povos formadores da nacionalidade brasileira, pois os fatos históricos ocorrem dentro do contexto sociopolítico de sua época, de modo que não se podem atribuir culpas odiosas às subsequentes gerações.

Graça Leandro e o filho afetivo, Tuala Buiú.
Não fosse assim, japoneses ainda abominariam americanos pelos terríveis ataques a Hiroshima e Nagasaki, e judeus ainda deplorariam alemães pelos horrores tremendos do Holocausto. Tudo isso está socialmente elidido e moralmente superado pelo manto do passado.           

Mas o vezo brasileiro de “macaquear” os americanos do norte, procurando imitá-los em tudo, levou o nosso País, da monarquia constitucional que fomos – na época grande potência mundial, liderada por um Pedro II cientificista, cosmopolita e humanista – para a corrupta república de bananas em que se converteu, a princípio dita subdesenvolvida, hoje ainda “em desenvolvimento”.

Agora se tenta transferir para cá o apartheid violento que os EUA tiveram e que sofrem ainda hoje, marcado por uma guerra civil, por atritos mortais, por assassinatos frios, sendo totalmente despropositado fazer de contas que o mesmo acontece no Brasil, com estímulo de partidos de esquerda e de uma imprensa asinina, que quer ver sangue e se põe a estimular a luta de classes.

Ora, discriminação e preconceito se podem traduzir numa palavra – antipatia – e antipatia não se elimina com leis repressivas e antipáticas. Podem-se também entender os mesmos termos com um outro vocábulo – intolerância – e tolerância não se conquista impondo cotas corta-filas, sem critério de mérito, como a favorecer deficientes, que, ao fim e ao cabo, não o são. 

Isso levará ao “conceito” lógico de que profissionais pretos sejam menos competentes, presumidos cotistas nas faculdades e nos empregos exercidos, obtendo-se o efeito oposto ao inicialmente pretendido.

Filho afetivo e Neta Sofia.  
Chegaremos a um ponto em que pessoas de pele clara evitarão cidadãos negros, mudarão de calçada, reduzirão o diálogo, se esquivarão de vínculos – enquanto os marginais de pele escura se louvarão dessa condição para serem poupados de qualquer repressão à sua conduta criminosa, ante a presunção de que uma simples cara feia que recebam se possa converter em injuria racial. 

Presentemente, centenas de cidadãos brasileiros, brancos e não brancos, são vítimas fatais de violência urbana, notadamente os mais pobres e mais negros – sejam eles marginais, sejam eles policiais – mas a imprensa resolveu explorar um caso isolado para conturbar o momento eleitoral. 

É obvio que os seguranças da loja gaúcha do supermercado Carrefour foram inábeis na contenção do agressor, pois dois homens treinados podem imobilizar facilmente outro mais forte, se conhecerem as  técnicas marciais necessárias, reduzindo-lhe os movimentos e o conduzindo aonde quiserem, sem espancamento e esganadura, como se exemplifica na gravura explicativa.


Mas, daí a ter havido racismo, a ensejar quebra-quebras em protestos públicos, levando à desvalorização das ações da empresa vitimada, tem-se nisso culpa exclusiva da má imprensa brasileira, que se dedica a estimular dissensões populares e convulsões fratricidas no seio o povo brasileiro.

Pessoas das ilustrações: Família multirracial do autor.

POEMA - Luta Incessante (AS)

Luta Incessante
Edmar Santos*

Zum, zum... Negro sou eu!

Zangão, marimbondo, rompeu cativeiro.

Zunido tão alto, se ouviu de longe.

Zueira de moleque, capoeira zangado.

Zumbia pernada com força de furta-cor.

Zoada de negro cantou liberdade.

Zumbi rei zanzava com negritude, em Palmares.

Zum,zum... Negro sou eu.