terça-feira, 29 de abril de 2014

ARTIGO (CB)

Ministro da Integração Nacional e parlamentar cearense são alvos de críticas


BLOG DO ELIOMAR


Com o título “DNOCS à beira da extinção”, eis artigo do engenheiro Cássio Borges*. Ele aborda a indicação da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) para ser a operadora federal do Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco e afirma que, em três requisitos principais, o DNOCS dá de goleada na referida Companhia. O artigo chega no momento em que, no Hotel Oásis Atlântico, ocorre nesta segunda-feira, seminário sobre convivência do homem com o semiárido. Confira:

Recebi atencioso telefonema de um distinto jornalista cearense dizendo ser um absurdo esta campanha sistemática nos bastidores de Brasília visando a extinção do DNOCS. Que o DNOCS deveria ser protegido por uma Cláusula Pétrea da Constituição Brasileira, não ficando ao sabor e aos humores de quem esteja momentaneamente no poder, defendendo interesses individuais ou de grupos de dentro do próprio Governo, para ter a água sob o seu inteiro e absoluto domínio.

Toda essa questão gira em torno da venda da água e o dinheiro arrecadado, cerca de R$ 40 milhões anualmente, gasto através da COGERH ao seu bel prazer, sem ter que dar qualquer satisfação aos organismos de controle do Governo Federal. É como se fosse a privatização da água, através de uma empresa chamada COGERH.

Quanto à indicação da CODEVASF para ser a operadora oficial do Projeto de Integração do Rio São Francisco em decreto nº 8207, de 14 de março último, assinado pela Presidente Dilma, eu diria que nos três principais itens: conhecimento do semiárido, infraestrutura administrativa e operacional e infraestrutura hídrica no semiárido, o DNOCS dá de goleada naquela Companhia.

É simplesmente inacreditável que um simples deputado cearense, sem nenhuma expressão em tema desta natureza, de nome Domingos Neto (Pros), seja capaz de fazer uma proposta tão absurda como esta de transferir para a CODEVASF as bacias hidrográficas que há mais de um século foram e vêm sendo desenvolvidas pelo DNOCS.

Nunca vi nada escrito pelo referido deputado defendendo esta ou outra questão relacionada aos recursos hídricos do Ceará. Tenho certeza absoluta, e posso provar por A mais B, que ele não sabe o que está dizendo. Este tema dos recursos hídricos está tão desprezado que até mesmo o Dia Mundial a Água deste ano não foi comemorado no Ceará, certamente para fugir ao debate com a população cearense. Tudo está sendo feito na surdina, visando alijar o DNOCS do comando dos recursos hídricos do Nordeste. Para mim, um crime que se comete contra a nossa região.

Entretanto, tudo está sendo feito com o pleno consentimento do Ministério da Integração Nacional, que tem agora sob o seu comando o engenheiro cearense Francisco Teixeira, o inimigo nº 1 do DNOCS. Por que e para que? Qual o motivo desse cidadão está agindo desta maneira? Com que interesse? Por que este amor pela CODEVASF? O que é mais provável é que há interesses inconfessáveis por trás desta proposta do deputado Domingos Neto que nem ele mesmo sabe explicar.

Vou ficar por aqui e poder dizer com o currículo que tenho de bons serviços prestados ao DNOCS e ao Nordeste em meio século de atividades que o que está faltando no Ceará é o conhecimento e a aplicação da Ciência Hidrológica. Onde estão os doutos nesse assunto? Por que se omitem?
  

* Cássio Borges
Ex-Diretor do DNOCS

Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica de Pernambuco, com cursos de especialização em Hidrologia e recursos hídricos, pela Escola Nacional de Engenharia e Pontifícia Universidade Católica-PUC, ambas do Rio de Janeiro. É Membro Honorário da ACLJ.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

CRÔNICA (WI)

Já faz é tempo que moro aqui
Wilson Ibiapina*

Foi o físico Rodger Rogério que me trouxe do Rio para Brasília, em 1970. Nessa época, os físicos cearenses José Evangelista Moreira, Josué Mendes Filho, Flávio Torres, Newton Teophilo, Cesar Bezerra, a exemplo de Rodger, faziam mestrado e davam aulas na UnB.


Rodger Rogério, José Evangelista Moreira, Josué Mendes Filho, Flávio Torres
Minha ideia era passar uma temporada e retornar ao Rio, ou voltar para o Ceará, como fizeram alguns que estudavam na UnB. Fui trabalhar na sucursal do Correio do Povo, jornal dos gaúchos, e logo depois na TV Globo.

A comunidade cearense só crescia. Encontro o Fernando César Mesquita, que me arranjou o primeiro emprego, e outros amigos começam a chegar. Augusto Pontes, Fausto Nilo, Fagner, Lustosa da Costa, Rangel Cavalcante, Dário Macedo, Tomás Coelho, Álvaro Augusto Ribeiro. 

Augusto Pontes, Fausto Nilo, Fagner, Lustosa da Costa, Rangel Cavalcante, Dário Macedo, Álvaro Augusto Ribeiro, Fernando César Mesquita
Fui fazendo novas amizades. Dizem que quem chega a Brasília passa por três fases: deslumbramento, rejeição e amor. Quando me dei conta, já estava nessa fase de apego à cidade, onde casei e nasceram meus filhos e neta. Brasília tem os pioneiros, os candangos, que chegaram no tempo da construção, e os brasilienses, os que nasceram aqui. Faço parte da leva de candangos.


Não vi Brasília nascer, mas peguei na mão dela para atravessar as largas avenidas quando ela tinha dez ano. Alcancei os redemoinhos de vento que levantavam a poeira amarela a alturas que se perdiam de vista. Hoje aos 54 anos, a cidade continua recebendo levas de nordestinos.

Mas agora o padrão de imigração é diferente, como lembra o piauiense Clodo Ferreira, professor da UnB e compositor. São os políticos, que ao fim do mandato, não voltam mais para seus estados de origem. São os jovens aprovados em concursos, ou que chegam para completar a formação.

Hoje, já somos mais de 600 mil nordestinos vivendo no Distrito Federal. O que tem mais é piauiense. Eles são 152 mil. Depois vêm os maranhenses: 143 mil. Em seguida, 136 mil baianos e, em quarto lugar, os 97 mil cearenses. Moram, também, no DF 34 mil pernambucanos; 31 mil potiguares; 7 mil alagoanos e 6 mil sergipanos.

É como diz o Correio Brasiliense, principal jornal da cidade, fundado e dirigido por nordestinos: “Nós não apenas deixamos o Nordeste, como fincamos nossas raízes por aqui”. Na matéria de capa “O Nordeste mora aqui” a revista do Correio afirma que, além de ajudar a construir Brasília, os nordestinos, com suas tradições e referências, tornam a cidade muito mais interessante.”


*Wilson Ibiapina
Jornalista
Diretor da Sucursal do Sistema Verdes Mares de Comunicação
em Brasília - DF
Titular da Cadeira de nº 39 da ACLJ


domingo, 27 de abril de 2014

ENSAIO (RV)

O RETROVISOR DA HISTÓRIA
E O DESCONFORTO SOCIAL
Reginaldo Vasconcelos*


Muitos de nós somos filhos de pessoas que não se deveriam ter casado, ou não deveriam ter procriado entre si, seja por flagrante incompatibilidade de gênios, seja por sua indigência financeira na época, seja pela diferença sociocultural de suas famílias. Contudo, nenhum de nós pode agora renegar aquela união, por mais maldita, que resultou no nosso ser, porque senão não existiríamos.

Do mesmo modo, por mais odienta tenha sido a solução escravagista das colônias europeias dalém mar (essa fatalidade histórica tenebrosa em que os autóctones das Américas e os povos d´África sofreram agruras impensáveis), os brasileiros de hoje não podemos abjurar aquilo que nos cristalizou a nação, fazendo de nós o que somos, dotando-nos de generosa mestiçagem e de grande riqueza cultural.

Não podemos entender que o País tenha dívidas morais com os mais bugres ou mais negros de agora, pois isso parte da presunção branca de que o Brasil não é mestiço. Pois essa essência multiétnica é o que nos dá identidade e força genética, sem a qual estaríamos divididos entre um Portugal paupérrimo, uma África miserável e uma nação de silvícolas em estágio evolutivo primário, de tecnologia  rudimentar e parco conhecimento cientifico.

Aliás, acaso dívidas morais antigas se transmitissem a gerações futuras, os povos atuais não poderiam ser amigos, pois quase todos tiveram conflitos sangrentos ou se escravizaram entre si, em diferentes momentos da história universal, oportunidades em que muitas etnias do passado se fundiram, para fundar cepas diversas.

Assim também é despropositado querermos repristinar ódios políticos antigos, enxergando com os olhos de hoje o que se deu em outro cenário histórico, em que os jovens brasileiros mais conscienciosos e bravos não tinham alternativa ao ativismo ideológico e atentaram contra o regime, e os militares, por seu turno, não vislumbravam outra reação que não fosse o enfrentamento sangrento ao que na época, e nas circunstâncias de então, lhes parecia ameaçar o bem comum.

Enfim, as linhas tortas nas quais escreve o Arquiteto do Universo não podem ser questionadas depois que a realidade se transmuta e a justeza dos resultados se impõe, sobre fatos consumados. A vida e a literatura são repletas de casos de pessoas milionárias que somente reuniram fortuna em razão de uma injusta e sofrida demissão do passado, de modo que o gesto inamistoso daquele antigo patrão, tão maldito na época, se converteu em uma benção no futuro.

Por estas cristalinas razões são equivocadas as políticas de Governo atuais, glamourizadas pela mídia, dando azo a leis e regulamentos de feição humanitária e democrática, mas que terminam por infundir ódio racial no espírito daqueles em que melhor se identificam traços genéticos dessa ou daquela procedência, bem como provoca uma sanha vingativa nos descendentes dos que sofreram os embates ideológicos do passado.

Tudo se faz no país para vitimizar os cidadãos, por isso ou por aquilo, de modo que cada um tenha sempre algo a opor aos circunstantes: as cotas étnicas, a revogação da anistia, as “comissões da verdade”, os pruridos morais que criminalizam qualquer referência à obvia variação cromática da pele de alguém, criando um absurdo purismo de linguagem, em nome de um descabido coitadismo.

Absurda a presunção apriorística de que toda mulher é vítima do marido, até prova em contrário; de que todo criminoso é vítima da sociedade ou do “sistema”; de que todo despossuído tem direito de atacar aquilo que outros adquiriram legitimamente, com trabalho e esforço.

Equivocada a ideia de que todo consumidor de droga ilícita é um doente, que contraiu a moléstia dos amigos, de forma involuntária; de que um criminoso contumaz de dezessete anos e onze meses de idade é inimputável – todos esses disparates modernos, de pretensão republicana, mas que cada vez mais provocam desconforto social.

Tudo errado. Na verdade, negros, indígenas e brancos brasileiros, e suas variações mestiças, são iguais perante a lei, e não se podem distinguir por sua raça. Ponto e vírgula. Quem fugir desse preceito deve ser penalizado. Ponto final. Não deveria a própria lei discriminá-los, sob o pretexto de proteger os mais morenos, quando são somente os mais pobres, de qualquer origem étnica, que requerem proteção.

Na verdade, jovens brasileiros dos meados do século passado acreditaram em uma fórmula política nova e se insurgiram contra a iniquidade social, como haviam feito os republicanos contra a monarquia, mais atrás. Houve reação do poder constituído, como era de se prever e, de parte a parte, a revolução produziu sangue, suor e lágrimas, como soe acontecer.

Na verdade, é necessário dirigir a democracia brasileira olhando para o futuro, enxergando pelo para-brisa do tempo, priorizando a educação e valorizando o mérito, tratando igualmente os iguais, sem os desigualar forçadamente para privilegiar iniquidades. Na verdade, dirigir o país focando o retrovisor da História tem nos lançado na mais desconfortável buraqueira social.



*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ
               

sábado, 26 de abril de 2014

COMENTÁRIO (VM)

O ORTÔNIMO, OS HETERÔNIMOS E A OUTRA COISA, NA CALIGRAFIA DO POLÍGRAFO LINHARES FILHO
Vianney Mesquita*

O que penso do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.


[Alberto Caeiro – heterônimo de PESSOA, FERNANDO Antônio Nogueira de Seabra  - *Lisboa, 13.06.1888; +Lisboa (Jerônimos), 30.11.1935].


Linhares Filho
Procedia a uma regulagem nas minhas (como eu) desorganizadas estantes, quando divisei A Outra Coisa na Poesia de Fernando Pessoa, do escritor polimático Linhares Filho, professor titular de Literatura Portuguesa da U.F.C. mestre nesta linha investigativa (Pessoa) e doutor no mesmo veio (Miguel Torga).

José Linhares Filho, de quem experimentei o prazer de assistir ao lançamento do broto intitulado Junto à Lareira Invisível, há poucos meses, é lavrense (da Mangabeira), como ocorrem ser Dimas Macedo, Batista de Lima, Josafá e Joel Linhares e Joaryvar Macedo, bem assim muitos autores de renome, procedentes desta fonte prolígera de pessoas de letras, cultura e ciência.

Tanto em razão de sua diversa e qualificada produção na poesia, ensaio e noutros gêneros de escritura, como, em particular, em decorrência dos estudos empreendidos em profundez acerca de Pessoa e Miguel Torga (Adolfo Correia da Rocha), LF é produtor apreciado, estudado e policitado no Brasil, Portugal e nas várias nações lusofônicas, razão por que constitui nome de referência terciária no ecúmeno literário nacional e mesmo ultrapassando os limiares patriais do idioma português.

Na releitura do mencionado clássico da ensaística literária, restou mais cristalina ainda (a leitura repetida tempos após é procedida sempre noutra perspectiva) a ideia de que descobrir lances novos, por exemplo, na produção de literatos da grandeza de Machado de Assis, Eça de Queiroz, José de Alencar, Fran Martins ou Fernando Pessoa não constitui labor no alcance das pessoas comuns, porquanto, se pensa, desarrazoadamente, suas obras já restam eficientemente dissecadas pelos mais eminentes analistas.

Desta sorte, depreende-se a noção de que a Arte, na sua acepção melhor, não é tão estreita ao ponto de se esgotarem valores latentes, e sempre haverá no seu recôndito entretons ainda intocados e que somente poderão ser devassados pela argúcia do estudioso exigente e fiel à pesquisa para descodificação perfeita da mensagem.

Fernando Pessoa
A Outra Coisa na Poesia de Fernando Pessoa, ora apreciada com visão renovada, diversa da leitura inaugural, não constitui, decerto, um livro a maior na bibliografia passiva do Lisbonense notável, conforme se poderia erroneamente supor a priori, pois LF percorre intimamente o discurso admirável do Poeta luso e, sine ira et studio, no frasear de Públio Cornélio Tácito, imagina, supõe, fotografa, conclui e explica, com a clareza do bom tradutor, as diversas facetas da obra do Autor de Mensagem.

Linhares Filho estabelece as relações entre o ortônimo e os heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis; exprime singularmente as posições de Caeiro e Reis, bem assim o relacionamento de Campos-Caeiro; formula coerentemente as soluções idealista e realista no contexto pessoano, explicando, no que chamou solução realista, o infinito de Pessoa, o impossível de Reis e o realismo de Campos.

Vianney Mesquita
e Rui Martinho Rodrigues
em Portugal, ao lado da estátua
de Fernando Pessoa 
Linhares Filho, pois, no volume sob comento, deu continuidade ao seu fado de excelente escritor de ensaios, garantindo um lugar de destaque no concerto da crítica especializada; e, ao demostrar a personalidade multíplice do Escritor de Primeiro Fausto, arremata com o enfeixe maior de Pessoa – o empenho deste em compreender o mundo e atingir o ser.

O experimento literocientífico sob exame, por conseguinte, malgrado assunto espreitado amiúde por teóricos de toda parte, é uma vertente exata para quem tencionar proceder a incursões mais demoradas pela obra de Fernando Antônio Nogueira de Seabra Pessoa, em decorrência da absoluta originalidade das suas proposições.

Glória e paz e parabéns e vida longa ao excelso ensaísta e enorme cristão, ocupante de uma cadeira (a de Luís Antônio da Rocha Lima) na Academia Cearense de Letras, o lavrense José Linhares Filho!

 *Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista.

  

ARTIGO (RMR)

AS PRERROGATIVAS DO MINISTÉRIO PÚBLICO,
A JUSTIÇA ELEITORAL E AS INSTITUIÇÕES REPUBLICANAS
Rui Martinho Rodrigues*

A mais alta corte da Justiça eleitoral deu um passo para restringir o papel do Ministério Público (MP) na persecução penal, quando se trate de crimes eleitorais. Não devemos esquecer que a referida persecução é prerrogativa constitucional exclusiva do MP, que é incumbido de fiscalizar o cumprimento da lei, e como corolário deste mister, cabe a ele a referida persecução penal. O cumprimento de tão árdua missão foi protegido pelo legislador constituinte originário com as mesmas garantias da magistratura.

O processo acusatório, adotado modernamente, tem a preocupação de distinguir a pessoa que acusa da pessoa que julga. É isso que o distingue do processo inquisitorial, em que produzir provas, acusar e julgar eram tarefas desempenhadas pela mesma pessoa.

Certamente o mesmo espírito garantista recomenda a separação da pessoa que se envolve na investigação, produzindo provas, daquele que faz a acusação, porque o envolvimento com o trabalho de produzir provas pode comprometer a formação da convicção do fiscal da lei, a quem cabe acusar.

A investigação dos crimes eleitorais tem o potencial de desencadear poderosas pressões. Deixar a formação do conjunto probante exclusivamente a cargo da polícia judiciária, afastando o MP desta fase, implicar deixar a persecução penal e a defesa das instituições republicanas sem as garantias constitucionais que amparam os órgãos do MP, logo no que tange aos crimes eleitorais.

Promotores de Justiça e Procuradores da República (integrantes do MP) são inamovíveis, vitalícios, recebem subsídios únicos, não tendo gratificações ou vantagens que possam ser retiradas pelo poder político. Delegados podem ser transferidos administrativamente; podem perder funções gratificadas, são muito mais vulneráveis às pressões políticas do que os órgãos do MP. Verifica-se, no caso, uma colisão entre o desejável e o possível; uma contradição entre a virtuosa observância dos princípios do processo acusatório e a preocupação com a defesa das instituições republicanas e da democracia, para as quais a lisura do processo eleitoral é decisiva.

A eventual perda de isenção do MP, na apreciação dos fundamentos das conclusões do inquérito, pode ser corrigida pelo magistrado, a quem compete formular o juízo de admissibilidade da denúncia formulada pelo MP. O cerceamento da investigação, na ausência do MP, com as suas garantias, poderá resultar em danos irreparáveis para as instituições políticas brasileiras. Estranhamente, a iniciativa parte da Justiça Eleitoral. Ou talvez, muito compreensivelmente, considerando que a política é o centro do Poder.

*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10

RESENHA (VM)

MEMÓRIA – TESTEMUNHO DA HISTÓRIA
Vianney Mesquita*

O historiador é um profeta que olha para trás (SCHLEGEL, Augusto Guilherme – *Hanover, 08.09.1767; +Bonn, 12.05.1845).


Quadra de evocação não muito inspirativa de saudade sucede neste momento, quando da passagem dos cinquenta anos do golpe militar-civil brasileiro ferido em primeiro de abril de 1964.

Defeso, porém, se revela ao bom senso deixar de considerar como recheio do passado qualquer fato, desagradável ou ameno, cuja circunstância, subordinada ao tempo durante o qual sucedeu, com seus naturais desdobres, deite reflexos no devir das ocorrências.

A propósito, trago à colação, por adequado, a ideia segundo a qual, dos escritos subsidiários da História, um dos mais relevantes é o texto de memória, por cujo intermédio o autor trata dos fatos que lhe dizem respeito ou pertencentes ao tempo que viveu, mormente se o protagonista contextualiza períodos e fatos nos quais exerceu influência significativa.

Tais sucessos, com efeito, aparentemente particulares, dotados de nuanças de pessoalidade ilusoriamente exterior, encerram inestimável saliência narrativa, porquanto costumam estimular a sagacidade do pesquisador, alumiando-lhe as pegadas na sua busca por aclarar um acontecimento incógnito ou insuficientemente explicado.

Esse desconhecimento ou meia-verdade do evento histórico, de seu turno, priva o estudioso, até o apreciador cum grano salis, de tomar contato com a certeza, fazendo-os – muita vez louvados em evidências oblíquas – extrair inferências também viciosas, as quais, escritas ou propaladas oralmente, confundem a audiência, conferindo ao fato o aspecto de falácia, o que resulta no levantamento de dúvidas a respeito da história e seu caráter de conhecimento apenas em parte unificado.

É nesta conexão incontingente investigador-memorialista que aflui o valor da particularidade, da minúcia imprimida ao esforço memorial. Então, após o siracusano brado de Eureka!, vai o cientista aproveitar, até o limite da elasticidade, o pequeno achado, ajuntando-o a outras pedras do seu casse-tête, para iluminar compreensões ainda meio obscuras, conformando a História e a esta devolvendo a dignidade ameaçada.

As reflexões procedidas, de estudo, até aqui intentam situar este livro acerca dos Ecos da revolução de 31 de março de 1964, da autoria do engenheiro militar Artur de Freitas Torres de Melo.

O texto diz respeito ao seu tempo de vivência com este golpe castrense, como relação simbiôntica memória-pesquisa, no concernente à serventia das informações reais por ele experimentadas no decurso de toda sua vida militar, como material de primeira qualidade, a embasar a narração, diuturnamente revisada, dos feitos de pessoas e instituições no Brasil, durante o universo temporal descrito.

O leitor encontra na obra do coronel Torres de Melo um repositório de fatos, viagens, lugares e situações – umas pitorescas, desagradáveis outras e lamentáveis tantas – de suas relações no Exército Nacional, sempre obediente e cordato em atenção às ordens corretas, porém absolutamente averso a determinações equívocas – o que lhe valeu algumas reprimendas e injustiças que jamais absorveu, como, verbi gratia, a transferência para a reserva, imposta pelo Governo Costa e Silva.

Neste passo, em sua exposição cuidadosa de pessoa inteligente e culta, com relação à possibilidade de censura, o autor conta sua vida desde a AMAN até 1999, oportunidade em que exercitou com o máximo de responsabilidade seus cometimentos de militança.

No Exército, apreciou como bom patriota os desígnios da Instituição, à qual serviu e defendeu até as últimas consequências, fazendo referência à correção e ao bom caráter que presidiram à maioria de superiores e subalternos, contudo não se furtou, também, de deplorar a má índole e a solércia de muitos chefes e oficiais maiores, bem como de pessoal de graduação inferior, infraqualidades presentes em quase todos os quadrantes.

Faz menção às suas posições políticas no Clube Militar, no Rio de Janeiro, e discorre longamente acerca dos comandos por ele exercidos, sempre vinculado à arma de Engenharia, em especial, na área de telefonia, mormente após a deposição do presidente João Belchior Marques Goulart e acontecimentos subsequentes.

Ao deixar a caserna, Torres de Melo retornou à vida civil em Fortaleza, onde, de cepos familiais de prestígio no Ceará, desenvolveu atividades altamente produtivas no campo da indústria e dos serviços de Engenharia, tendo sido pessoa por demais estimada e aceita nos círculos sociais da Capital, apreciado por sua posição inatacável de moral e decência.

Tempo e espaço, porém, me mandam já exprimir que a produção do engenheiro Torres de Melo, mais do que um relato minudente de sua vida militar, com evidentes vinculações históricas, além do valor que representa para a busca da Ciência de Tácito – é muito bem escrito do ponto de visão da Língua e apreciável no seu estilo maneiro de narrar.

Torres de Melo, que foi superintendente da TV Educativa do Ceará (hoje TVC), de onde fui jornalista, não se encontra mais na dimensão terrena, pois se finou há poucos anos, deixando, porém, história bem contada e exemplo a ser encalçado por aqueles que tiveram o lance de ser circunstantes seus.


 *Vianney Mesquita 
 Docente da UFC 
Acadêmico Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa  
Acadêmico Emérito-titular da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo 
Escritor e Jornalista.

ARTIGO (RV)

O ÓPIO DO POVO
Reginaldo Vasconcelos*

Adaptando premissa dos pensadores iconoclastas alemães, no sentido de que a religião seria o ópio do povo, os marxistas brasileiros do século XX atribuíram o mesmo efeito inebriante ao futebol.

Quando essa assertiva foi timbrada, como forma de criticar a alienação política das massas, o ópio era tido como um balsamo, consumido como eficiente calmante e analgésico, e não como um tóxico viciante.

 
Bendita seja uma religião, que derrama no amargo cálice da humanidade sofredora algumas doces e soporíferas gotas de ópio espiritual, algumas gotas de amor, fé e esperança. (Heinrich Heine – 1840)

Com efeito, tanto a religião como o futebol podem mesmo servir como lenitivo opiáceo, quando de fato ajudam o homem a suportar a sua rotina, a superar as provações da vida, a  aceitar o seu destino – e isso não é nada censurável, a menos para o pensamento comunista, que elege a ideologia política como solução absoluta e universal.

Acontece que tanto a religião quanto o futebol se tornam realmente maléficos como os alucinógenos, quando o torcedor ou o fiel se transforma em adepto imoderado, perdendo a noção real sobre a verdadeira finalidade dos jogos e das preces, dos cultos e dos campeonatos.

Futebol não é coisa séria para os seus espectadores: é apenas uma brincadeira, com a função única de abstrair do mundo, de distrair, de alegrar. Futebol só é coisa séria para os seus profissionais, como os jogadores, os treinadores, os árbitros, os repórteres desportivos. Mas adquiriu o poder de representar o ilusório ideal de vida de contingentes numerosos.   


O CRAQUE DO POVO


Assim, foi-se o tempo em que o futebol era o ópio do povo – sendo o ópio aquele extrato natural da papoula de vocação medicinal. Hoje o futebol se tornou um vício perverso, que leva ao crime e à violência legiões de jovens torcedores, os quais colocam a paixão pelo time acima do estudo e do trabalho, da lei e da religião, da política e da família.

Então, a melhor analogia que se poderia fazer no presente com o futebol exclui o ópio e inclui o craque, essa droga moderna, artificialmente desenvolvida, exclusivamente para corromper e prejudicar, enriquecendo os que a fornecem e enlouquecendo quem consome.

Acompanhando campeonatos em ciclo contínuo, que se sucedem como parafusos de rosca sem fim, os torcedores  defendem bandeiras de caráter meramente visual – já que os times não têm mais identidade própria, pois os técnicos e jogadores de hoje são profissionais volúveis, autêntica mercadoria em contínua rotação.

Enfim, fazendo a fortuna dos que correm atrás da bola e daqueles que os administram, o futebol vem se tornando a pátria onírica de grupos sociais numerosos, que em vez de estarem servindo à Nação com trabalho profícuo e produtivo, estão destinando  preciosa energia a inócua paixão futebolística, em nome da qual matam e morrem.
                                    
*Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

quarta-feira, 23 de abril de 2014

CRÔNICA (RG)


ANIVERSÁRIO DE GUILHERME NETO*
Ricardo Guilherme*

Hoje, 23 de abril de 2014, faz 89 anos Guilherme Neto, cronista e cantor, poeta, radialista, jornalista, mestre de gerações, G de N, Velho Guiba, santo profano, padroeiro das prostitutas, meu tio João. São dele os primeiros capítulos da Ceará Rádio Clube, da TV Ceará Canal 2, da Rádio Verdes Mares, da TVE e também da Rádio Universitária. E, como se tanto não bastasse, ele ainda é esse ser humano que aglutina em torno de si uma unanimidade em bem-querer.
Ah, se eu pudesse 
eternizar Guilherme Neto,
hibernar sua lucidez. 
Ah, se eu pudesse
me apossar de sua velhice
para rejuvenescer,
remoçar a vida
e nela acreditar
quando eu já não pudesse.
Ah, se eu pudesse
tê-lo sempre, irremediavelmente meu,
para eu discordar de mim.
Ah, se eu pudesse
afugentar a morte,
irmã da vida,
e imortalizar esse meu irmão de alma,
irmandade de olhos, de memória e prenúncio.
Se eu pudesse,
ah, eu poderia, então,
me apoderar do mundo
sem medo de viver
como eu às vezes não posso.
Eu poderia, assim,
ter o poder de não ter o poder,
mesmo que eu pudesse.


                     *Guilherme Neto           *Ricardo Guilherme
                            Poeta, Cronista, Cantor              Ator, Poeta, Jornalista
                            Radialista e Jornalista                 Dramaturgo e Escritor 
                            Patrono Perpétuo da                  Apresentador de TV
                            Cadeira de nº 25 da ACLJ           Membro Honorário da ACLJ
                           Fundada por Freitas Júnior

segunda-feira, 21 de abril de 2014

ENSAIO (RMR)

HEGEMONIA, HOMOGENEIDADE
E IDENTIDADE IDEOLÓGICA
Rui Martinho Rodrigues*

Os pensadores modernos redescobriram Gramsci. Perceberam a hegemonia do mal definida como “esquerda”. Apontam o pensador italiano como responsável pelo fato.

Analisar tal percepção exige que se considere o que sejam comunismo e esquerdismo; identidades; a importância de Gramsci; o papel da Igreja, da tradição libertária dos pensadores clássicos; além de considerar o significado e o alcance da tal hegemonia.

Em resumo, a hegemonia comunista enfrenta uma dificuldade: poucos se dizem adeptos de tal linha política. Menos ainda concordam entre si sobre o que seja tal coisa. Muitos, porém, se dizem esquerdistas. As polifonias da pós-modernidade problematizam as identidades. A vagueza do rótulo, porém, serve de abrigo para um amplo espectro político, assim associado e hegemônico.

A linguagem alegórica é mais rica. Michael Oakeshott aproxima o esquerdismo à Torre de Babel: desfrutar do céu sem precisar morrer. O paraíso, a espera de conquistadores, exige o esforço da construção da Torre ou a desconstrução do mundo subcelestial. Mas sucede a confusão de línguas, a diversidade complicadora das identidades.

Em suma, o esquerdismo reúne teses divergentes. Pode-se falar, todavia, em hegemonia de um pensamento centrado no desfrute e nos direitos, não no esforço da semeadura e nas obrigações – e na emancipação humana. Gramsci não é o pai desta criança.

Popper aponta Platão, Hegel e Max como os inimigos da sociedade aberta. Platão, ansioso por ser rei na República dos filósofos, inventou o mito da caverna, desqualificando o senso comum, reivindicando para os “esclarecidos” o monopólio do saber e das virtudes cívicas, supostamente derivadas da Filosofia. Hegel, lacaio do autoritário rei da Prússia, reforçou a tese segundo a qual “o Estado é o agente da História” (sic), para aperfeiçoar o homem e a sociedade.





Marx reduziu a História ao conflito, satisfazendo as personalidades querelantes; centrou o conflito na luta pela mais valia (reduzindo o valor ao trabalho); reduziu ainda o conflito às classes. Tanto reducionismo é sedutor. Não é preciso estudar para explicar o mundo, indicar a alguém a quem odiar e oferecer a deliciosa oportunidade de se sentir sábio e virtuoso, além de ter em quem jogar todas as culpas. Nem Cervantes serviria melhor banquete aos quixotes do nosso tempo. Isso não se deve a Gramsci.


Nos anos 70 do século XX Gramsci ensejou, no Brasil, a oportunidade dos nossos intelectuais servirem à ditadura, assumindo cargos de confiança gratificados, sem perder a pose libertária: estavam “conquistando posições” na “guerra de trincheiras” da “conquista da hegemonia”. Gramsci é o pai desta criança. A paternidade, todavia, é coletiva. Lukács também tem parte nela, pois foi dele a frase: “O nosso objetivo é a conquista da cultura” (não do “Palácio de Verão”, diria Gramsci).

A hegemonia ideológica se relaciona com a tradição libertária; pensadores clássicos; e a Igreja.

O pensamento libertário é sedutor. Promete emancipação. Declara a nossa racionalidade. Lisonjeia. Promete superar o freudiano mal-estar na civilização. Infelicidade é culpa dos limites opressivos. É o mundo em preto e branco. Tem mocinho e bandido, vítima e algoz, identidades bem definidas, certezas, verdadeira consciência e a promessa messiânica: emancipação. É bom ser mocinho, combater vilões, ser “esclarecido”. 

Quando oportuno, nega-se a existência da verdade (não a “verdadeira consciência”), e da identidade (não a de “esclarecido”). É a dialética, “senhora de costumes cognoscitivos fáceis”. Pulsão de vida e de morte, passionalidade e outras coisinhas são desconsideradas. Alega-se que “o homem é um animal político”. Não importa que a nossa sociabilidade seja forçada pela necessidade.

Pensadores clássicos muito citados, pouco lidos e menos compreendidos, ensejam pose de sábio. Basta aludir a um renomado autor, alguns chavões e se obtém aplausos. Não é Gramsci. Já havia sofistas entre os gregos, reduzindo tudo à retórica relativista. Os helenos sucumbiram aos romanos. Aqueles viviam de retórica, estes da solução de problemas. A conquista da hegemonia pelos libertários é a vitória da deusa Bem-aventurança (Preguiça, para os desafetos), que prometia colher sem plantar. É a derrota da deusa Virtude, que dizia: “você só vai colher o que plantar”.

O Vaticano e o clero influenciavam o Brasil. A maioria dos cardeais da cúria metropolitana era italiana e francesa. Nestes países o partido comunista crescia a cada eleição. A América Latina parecia a beira da revolução. A corrida espacial favorecia a URSS. O Vaticano II veio para aderir aos vencedores. O clero, anticomunista, tinha tendência fascista, celebrara um acordo com Mussolini, apoiara a Ação Integralista Brasileira.



Comunofascistas acham que o homem não se pertence, formam partidos orgânicos, adotam o culto à personalidade dos líderes, são messiânicos, representam o bem contra o mal, são disciplinados, têm um inimigo a quem odiar, são irmandades, fazem pose de superioridade moral e intelectual, tratam o homem como animal de rebanho, dizem que os fins justificam os meios (abrindo a caixa de Pandora), negam a escolha livre e consciente. São iguais. A Igreja adota tudo isso. A conversão dos integralistas ao “esquerdismo” confirma a unidade comunofascista. O Vaticano II foi a passagem de uma coisa para o que parece ser outra.

O cristianismo é teocêntrico. O marxismo é antropocêntrico e cosmocêntrico. A dialética concilia. Confundiram fazer o bem com a luta por um mundo melhor (isso é outra reflexão).

Gramsci é obscuro. Burlava a censura dos carcereiros e do PCI. Pregava a “guerra de trincheira” (reformismo?), sem repudiar a revolução. Ambiguidade dos astrólogos é receita de sucesso. Todos podem se ver na obscuridade do texto.

Gramsci e a hegemonia por ele pregada se beneficiaram disso.


*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Historicista e Cientista Político
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10