GUERRAS E GUERRA
Parte 2
UMA GUERRA
Leste do Mediterrâneo
Falar sobre uma guerra em sua singularidade encontra o primeiro
desafio na definição dos seu início e fim, depois para identifica as partes
envolvidas. Isto é: (i) Quem são os litigantes; (ii) quais condutas
devem são atos de guerra; além de (iii) quais os objetivos ou interesses
e paixões mais poderosos envolvidos devem ser considerados quando se queira
demarcar os limites de uma conflagração. A II Guerra Mundial começou em
setembro de 1939, com Alemanha versus França, Inglaterra e Polônia? Isso era
uma guerra mundial? Ou em junho de 1941, quando a Alemanha invadiu a URSS? Quando
o Japão atacou os EUA que assim entrou no conflito? Em julho de 1937 quando o
Japão atacou a China? Em julho de 1936, com a internacionalizada Guerra Civil
Espanhola? Todos estes conflitos se relacionam intimamente. Não podemos
separá-los. A conexão entre eles poderia ensejar um acalorado debate sobre a
definição do início da II Guerra Mundial. Prevaleceu, todavia, a invasão da
Polônia pela Alemanha, em setembro de 1939, como o começo do grande conflito.

Quando começou a guerra entre árabes e judeus? O sionismo começou
em 1896, com o livro O Estado Judeu, do jornalista áustro-húngaro
Theodor Hezl (1860 – 1904), como um movimento que pretendia viabilizar um
Estado. A imigração de judeus para a parte do Império Otomano, onde mais tarde
seria refundado o Estado de Israel, foi intensificada. Uns poucos judeus haviam
permanecido ali, refugiados nas montanhas, para onde fugiram seguindo conselho
dado por Jesus (Lucas 21; 21). As duas tentativas do Império Romano de
expulsá-los, nos 70 e 132 do séc. I, não haviam exterminado todos eles. Tal
imigração se intensificou a partir de fins do Século XIX.
Registre-se que: (i) imigrantes não são invasores; (ii)
o território era do Império Otomano e nunca houve um Estado palestino; (iii)
havia judeus no local, embora fossem minoritários, cuja cultura havia sido
preservada; (iv) alguns dos imigrantes judeus chegaram financiados pelos
sionistas, com dinheiro para comprar terras, fato que não se confundi com
tomá-las; (v) outros povos que habitavam na área e venderam para os
imigrantes judeus terras ruins por preços superiores ao que valiam,
subestimando os judeus por comprarem terras de má qualidade por alto preço; (vi)
o choque cultural causado pelos costumes do imigrantes judeus; a comparação dos
costumes árabes com os dos judeus ensejou conflitos entre os dois povos que até
então conviviam em paz. Kibutz era a organização social, política e econômica
dos imigrantes judeus. Tudo isso é relatado no romance histórico Exodus,
de Leon Uris (1924 – 2003).
A I Guerra Mundial ensejou a cooperação dos judeus com os
britânicos e franceses, que prometeram viabilizar a restauração do Estado de
Israel. A derrota dos impérios centrais causou o desmoronamento do Império
Otomano. O território onde hoje estão a Síria e o Líbano ficou sob controle da
França, por mandato da Liga das Nações. A parte onde se encontram a Cisjordânia,
Israel e a Faixa de Gaza ficou sob controle dos britânicos, que restauraram o
nome Palestina, dado pelos romanos quando devastaram a Judeia e mudaram o nome
como castigo aos judeus pela rebeldia deles. Britânicos e franceses não
honraram a promessa de restaurar o Estado de Israel. Começou então a luta pela
independência de Israel.
Os britânicos reprimiram os judeus. Chegaram a afundar a tiros
navios com imigrantes judeus. Veio a II Guerra Mundial e o holocausto. A
sensibilidade causada pelo extermínio de judeus e a promessa, reiterada durante
a II Guerra, de restaurar o Estado judeu, quando a ajuda dos hebreus era
oportuna e conveniente para os britânicos, mais uma vez foi descumprida. A
guerra de independência, porém, levou ao reconhecimento de Israel pela ONU, com
o voto favorável da URSS. Egito, Arábia Saudita, Jordânia, Síria Líbano e
Iraque atacaram Israel. Os judeus não tinham propriamente um exército, mas um
povo precariamente armado. Lutou e venceu, usando um equipamento em parte
fornecido pela socialista Tchecoslováquia. Desde então a guerra continua, de
modo intermitente, como uma longa guerra.
O conflito global e o antissemitismo
Na competição entre grandes potências todos os meios são usados. Os
líderes sionistas, em sua maioria, eram comunistas ou socialistas, como os
líderes socialistas e comunistas, no Século XIX e na primeira metade do século
XX, eram majoritariamente judeus, contrariamente a tese segundo a qual Israel é
uma cunha do capitalismo no Oriente Próximo. Até a guerra do Yom kipur (1973)
Israel era governado pelo partido socialista. A URSS votou favoravelmente a
criação do Estado de Israel. A Tchecoslováquia forneceu armas ao Estado judeu
quando os EUA se negavam a fornecê-las. Tudo mudou quando a Guerra Fria e a
riqueza do petróleo tornou conveniente, para os soviéticos, apoiar os árabes.
Kibutz era uma fazenda coletiva, a comunidade mais completamente
comunista que já existiu. Nele tudo era coletivo: dormitórios, armários, roupas,
talheres, tudo. Tudo era usado por todos. Isso foi tolerado pela geração dos
sobreviventes do holocausto. Durante algum tempo Claude Lévi-Strauss (1908 –
2009) e Spiro Melford (1920 – 2014) chegaram a pensar que a família acabaria no
kibutz, conforme a obra Família: Origem e Evolução. Hoje propagam que
Israel é uma cunha do capitalismo no Oriente Próximo. O antissemitismo
multissecular ajuda a propaganda contra Israel. Examinemos algumas falácias
antissemitas desta propaganda.
As falácias da guerra midiática
Acusam os judeus de invadir a palestina, embora (i) nunca
tenha havido tal Estado; (ii) imigrantes não sejam invasores; (iii)
judeus tenham fortes laços históricos com aquelas terras; (iv) e sempre
tenha havido judeus na região. (v) A falácia da opressão ignora que
árabes residentes em Israel têm cidadania, frequentam escolas junto com judeus
e exercem direitos políticos, votam, são votados e têm representantes no
Parlamento. Os que moram na Cisjordânia ou em Gaza podem trabalhar em Israel e
milhares o fazem, com salários muito mais altos do que nos territórios
palestinos. Podem entrar e sair da Faixa de Gaza. Evidentemente que são
submetidos a algum controle para evitar a entrada de meios potencialmente
ofensivos.
As falácias da guerra midiática
Acusam os judeus de invadir a palestina, embora (i) nunca
tenha havido tal Estado; (ii) imigrantes não sejam invasores; (iii)
judeus tenham fortes laços históricos com aquelas terras; (iv) e sempre
tenha havido judeus na região. (v) A falácia da opressão ignora que
árabes residentes em Israel têm cidadania, frequentam escolas junto com judeus
e exercem direitos políticos, votam, são votados e têm representantes no
Parlamento. Os que moram na Cisjordânia ou em Gaza podem trabalhar em Israel e
milhares o fazem, com salários muito mais altos do que nos territórios
palestinos. Podem entrar e sair da Faixa de Gaza. Evidentemente que são
submetidos a algum controle para evitar a entrada de meios potencialmente
ofensivos.
É falácia, do tipo falsa equivalência, confundir mortes que são
objetivo de uma ação terrorista, atingindo civis, semeando o terror ou
provocando reação que enseje discurso de vitimização, com mortes causadas
involuntariamente por ações cujos objetivos eram atingir combatentes, mas involuntariamente
atingem civis, como perdas colaterais. Combate em zona urbana, inevitavelmente
atinge civis, principalmente quando não há distinção aparente de combatentes.
Usar civis como escudo é crime. Indiferenciar perdas colaterais e mortes
propositais é falácia.
A imigração fez crescer a população de Judeus na Palestina,
surgiram conflitos entre judeus e árabes. Quem começou é uma pergunta
semelhante à questão sobre quem surgiu primeiro, se o ovo ou a galinha. Ambos
os lados praticaram violência, inclusive terrorismo. A ONU reconheceu Israel e
dividiu o território até então sob mandato britânico. Quem se recusou a aceitar
a divisão, recusando-se a admitir a existência de Israel e iniciando uma guerra
foram os Estados árabes contíguos ao ressurreto Estado Judeu. Não há dúvida
quanto a quem é o agressor a partir de então.
Assentamentos judaicos na Cisjordânia não são etapas de anexação de
território. São comunidades de imigrantes que poderiam conviver pacificamente
com os árabes em um futuro Estado palestino, como árabes convivem com judeus no
Estado de Israel, se os palestinos aceitassem a existência de Israel. Os
assentamentos judeus que existiam em Gaza foram retirados e Gaza foi desocupada
sem nenhuma exigência de reciprocidade. O outro lado “agradeceu” construindo
túneis, sacrificando o próprio povo ao desviar recursos vultosos para preparar
as agressões contra Israel. Não houve um só gesto, por parte dos inimigos de
Israel, com algum sentido de conciliação.
A situação perigosa
As partes na etapa atual da guerra dificilmente encontrarão solução
pacífica. Um acordo com o inimigo satanizado durante tanto tempo destruiria
lideranças árabes. Anwar Al Sadat (1918 – 1981), líder egípcio, foi assassinado
por militares do seu próprio país por ter feito a paz com Israel. Deixar de
esmagar o Hamas, na atual circunstância, destruiria todas as lideranças da
coalisão que governa o Estado judeu. Yitzhak Rabin (1922 – 1995),
primeiro-ministro de Israel, foi morto por um judeu radical pelo mesmo motivo
que Sadat foi assassinado.
As grandes potências vivem o momento da armadilha de Tucídides. A
China desafia a hegemonia americana. A vergonhosa retirada dos EUA do
Afeganistão exige, agora, da Casa Branca, atitude afirmativa. Os avanços de
Pequim no Mar do Sul da China exigem a mesma atitude. O avanço russo enviando
tropas para a Moldávia objetivando separar a região da Transnistria (1994),
proclamando que onde houver russos étnicos a Rússia os protegerá; o avanço
sobre a Geórgia, tomando a Ossétia do Sul (2008), roubando a Crimeia Ucrânia (2014)
alarmaram os europeus. A invasão da Ucrânia pela Rússia (2022) despertou o
Ocidente para a necessidade de resistir à agressividade Russa.
Tão grande foi o temor, em razão do expansionismo russo, que os
países do extinto Pacto de Varsóvia correram para se abrigar na OTAN. As
ameaças da Coreia do Norte, por sua vez, são graves. Ela afundou uma corveta da
Coreia do Sul (2010) e ficou impune. O Irã atacou navios americanos com lanchas
suicidas (2020) e ficou impune. O Ocidente teme fazer concessões. As eleições
americanas pressionam o presidente Joe Biden. Os EUA têm pouco espaço para
fazer concessões em uma negociação.
A Rússia perdeu prestígio por não conseguir derrotar a Ucrânia em
duas semanas, como proclamava. Não pode fazer concessões. A China sofre grave
crise na construção civil e no setor bancário; tolerou inerte a visita da
presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, a Taiwan, depois
de declarar que não permitiria tal coisa. Não pode ser concessiva. O povo
chinês ferve de ódio nacionalista com a memória das humilhações sofridas pela
China como as guerras do ópio, dos boxers e agressões japonesas. A situação é
difícil de contornar.
A guerra global cada vez fica mais complicada na Ucrânia, no
Oriente Próximo, na África subsaariana, no estreito de Taiwan e na Coreia, seja
a guerra de tiros, ou, como no Ocidente em geral, guerra de palavras, de
favorecimento do tráfico de drogas, de catequese ideológica ou no aparelhamento
e desmoralização das instituições. Tudo isso é guerra e há rumores de guerras.
Israel não pode recuar sem renunciar à própria existência. Os soldados judeus
juram que Massada não voltará a cair e Israel é uma potência nuclear.
