Tenda
Árabe
Wilson Ibiapina*
Estava olhando aqui no blog da Academia Cearense de Literatura e
Jornalismo, uma reunião na Tenda Árabe. Trata-se de um espaço criado pelo
advogado e jornalista Reginaldo Vasconcelos para reunir os amigos, principalmente,
os que são membros da ACLJ. A Tenda fica no quintal de sua casa, entre a
Embaixada da Cachaça e a cozinha de sua residencia.
São as fontes da bebida e da comida que abastecem os frequentadores
da Tenda. Na Embaixada, o Altino Farias disponibiliza qualquer marca de
qualquer lugar do Brasil, ali na Rua João Brígido, 1245. “Cachaça é momento”,
diz Altino.
Da cozinha do Reginaldo saem as peças de resistência.
Esse local de encontro saudável só me faz lembrar o professor
Filgueira Sampaio, autodidata que durante anos lecionou em vários
ginásios, colégios e academias da capital cearense.
Foi jornalista, membro da Associação Cearense da Imprensa e trabalhou
no diário católico “O Nordeste”. Dirigiu em Fortaleza, o Instituto
Valdemar Falcão, onde procurou sempre imprimir a seus alunos uma educação
dentro dos mais rígidos princípios de fidelidade á Pátria.
Um dia, no inicio da década de 60, eu e o Narcélio Limaverde fomos
convidados pelo jornalista Teixeira Cruz para conhecer o grande poeta popular,
que vinha do Cariri. O encontro foi na residência do professor Filgueira Sampaio, fundador da Associação Cearense de Folclore, que teve como seu
primeiro sócio honorário o historiador, folclorista e poeta Luis Câmara
Cascudo.
A associação, assim como a Tenda Árabe, recebia os convidados no
quintal da casa do professor, debaixo de uma árvore frondosa, que até
hoje nem eu nem o Narcélio lembramos se era oiti ou pé de jaca. Não
pergunte que árvore é aquela que nos abriga na Tenda Árabe. O professor
Filgueira mandou servir um vinho de nome Velho Capitão. Dizia que era
uma homenagem a Assis Chateaubriad, na época nosso patrão nos Diários e
Emissoras Associados.
Quando ainda estávamos no segundo gole, o professor começa a
apresentar o homenageado da noite, um poeta simples, mas dos mais competentes.
Antônio Gonçalves da Silva, que fazia versos como quem sabe ler e
escrever. E foi logo se apresentando:
“Eu sou de uma terra em que o
povo padece
Mas não esmorece e procura
vencer.
Da terra querida, que a
linda cabocla
De riso na boca zomba do
sofrer
Não nego meu sangue, não
nego meu nome
Olho para a fome, pergunto
o que há?
Eu sou brasileiro, filho do
Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do
Ceará”
Era o Patativa do Assaré sendo lançado pelo professor Filgueira Sampaio. Um autodidata que honrou o Ceará e enobreceu a profissão. Um exemplo
de vida dedicado á Educação. O Narcélio e eu viramos frequentadores da
Associação, por suas atrações e pelo Velho Capitão.
Hoje, temos o Reginaldo, que reúne intelectuais em sua Tenda.
Expande cultura, congrega, agrega, diverte e incentiva. Reginaldo é hoje o que
o Claudio Pereira foi no passado: um animador cultural, como foi o professor
Filgueira Sampaio. Nas suas reuniões, além do folclore e da poesia popular,
discute-se assuntos da Academia, como o título “Homem do Ano no Ceará em
2018”, que será entregue ao engenheiro Ângelo Guerra, o melhor diretor do
Dnocs. Entram temas como disco voador, passando pela economia,
literatura, esporte, religião, mulher – e vão até ao papo furado,
aquele que quando se olha o relógio já acabou o dia. Uma tenda das mil e uma
noites, uma tenda dos milagres.
COMENTÁRIO
O querido confrade Wilson Ibiapina escapa de se tornar um
frequentador inveterado na nossa Tenda Árabe, porque mora longe, radicado em
Brasília há tantos anos. Então, torna-se um frequentador eventual da Tenda e da
Embaixada, como nos dois registros fotográficos.
Mas de lá ele saúda a cearensidade nessa crônica preciosa, lembrando gente
tão grada como o nosso Narcélio Limaverde e o pranteado Patativa do Assaré – aquele recendente ao
praiano murici, que medra nas dunas fortalezenses, este último
trescalando o olorinho da sertaneja carnaúba.
E Ibiapina perpetra o exagero de me comparar a outros grandes, como
o já antigo Filgueira Sampaio e o ainda recente Cláudio Pereira, entre os maiores catalisadores das pessoas de letras e das artes cearenses, perigando me fazer,
imodestamente, acreditar ter esse mérito.
Resta-me acrescentar que a árvore que ainda enfeita a Tenda Árabe é
um Cedro-do-Líbano, com exatamente a minha idade, ainda hirto como o cadáver de
El Cid em seu cavalo, servindo de nicho ao ícone mariano na sua feição vinda a
Iria, que, segundo a crença da minha saudosa mãe, vela por mim.
Quero anotar ainda que o espaço tido como o lounge da ACLJ na Embaixada da Cachaça que chamamos “Tenda Árabe”
ganhou esse nome por influência do Senador Artur da Távola, o grande jornalista,
político e musicófilo carioca, que costumava conversar comigo pela Internet a
partir de um cômodo especial de sua casa, no Rio de Janeiro, que ele assim
denominava, pois ele era neto de árabe pela sua linha materna.
Reginaldo Vasconcelos