quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

DISCURSO (RV)

SAUDAÇÃO PÓSTUMA A JORGE LEANDRO

Diz um provérbio árabe, na perspectiva dos beduínos do deserto, que duas coisas não se podem esconder: o amor, e um homem montado em seu camelo. Um jangadeiro da antiga Praia do Peixe diria a mesma coisa, trocando o camelo do exemplo por uma jangada de piúba, aquela rústica embarcação de troncos que não tinha gávea, nem porão.

Pois o grande problema do Coronel Jorge Leandro, a vida toda, foi tentar esconder o seu imenso e amoroso coração, atrás daquela filosofia pragmática que marca os homens da caserna, daqueles modos bruscos, daquele tom autoritário, daquela falsa demência que de quanto em vez botava em prática, daquele aparente rigor com o qual pensava poder melhorar o mundo, sem sentimentalismo.

Claro que não conseguiu. Todos aqui que o conhecemos de perto sabemos que o Coronel Leandro era essencialmente um homem bom, um marido apaixonado, um pai amoroso, um irmão preocupado com o bem-estar de cada um, sempre tramando nas sombras para que cada um fosse feliz – mesmo quanto parecia está contra tudo e contra todos.

Nos anos de chumbo, sem trair a sua missão  profissional, confidenciou-me a preocupação que tinha com os nossos amigos e conhecidos, os quais ele sabia envolvidos na militância de esquerda, e que temia viessem a sofrer com a repressão do sistema, que prendia e torturava. Era um guerreiro filósofo.

Teve inclusive diferenças graves com colegas de farda que se portavam de forma cruel com os delinquentes, o mais notório deles vindo a contar com os seus espontâneos préstimos no futuro, na fase espiritual da vida, quando então reconheceu a sua grandeza de caráter.

Era assim o homem que cresceu nessas areias de Iracema, que saltava perigosamente entre as longarinas desta ponte, que nadava sozinho do antigo Titan até aqui, que era chamado às vezes a bracejar mar adentro para resgatar um corpo que aparecia boiando no horizonte.

E que na maturidade se cercava de amigos para brindar a vida – tomar drinques, ouvir música, fazer ágapes – transformando a própria casa no templo da alegria. 

Era assim o jovem ídolo deste bairro, cuja fama eu conheci quanto vim morar aqui, ainda menino, e que depois seria guia do meu grupo de escoteiros, depois meu mestre de judô, meu sócio na primeira academia de artes marciais da família Leandro – Sakoi! Era o grito de guerra que ele instituiu para a Gautama. Por fim, viria a ser  meu “irmão na lei” – forma adequada como em inglês se designa o cunhadio. Um dia nos fizemos compadres, ao batizarmos uma das minhas filhas. Era assim o policial de elite cujas cinzas, neste ato solene, viemos devolver à natureza.

Agora o nosso problema é suportar a sua ausência, é conviver com a saudade, é manter viva a sua memória. Ele, estou certo, está feliz e em paz, no abraço do seu pai Gervásio, de quem herdou toda a doçura. Como tenho dito, os guerreiros não morrem, mas somente concluem a missão, enquanto os filósofos também são imortais, porque quando fazem a passagem etérea, na verdade eles apenas evoluem. Salve Jorge! 

Tenho Dito.

Reginaldo Vasconcelos

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