terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

CRÔNICA CARNAVALESCA (RV)

VIVA O ZÉ PEREIRA!
Reginaldo Vasconcelos*



São dez horas, o samba tá quente, deixe a morena contente, deixe a menina sambar em paz. (......) E se vai continuar enrustido, com essa cara de marido, a moça é capaz de se aborrecer. (Deixe a Menina –  Chico Buarque) 



Vou ao carnaval da Mocinha, no outeiro da Praia de Iracema, tocado pela orquestra O Som da Lira, que anima o bloco “Num Ispaia Sinão Ienche”, do carnavalesco Dilson Pinheiro, grande agitador cultural, imortal da Academia.

Levo comigo o grupo afetivo feminino, além de um amigo russo que visita Fortaleza, um poeta, dois radialistas, e um músico e compositor do meu círculo pessoal.

Instalamo-nos na subida da ladeira, tomando as primeiras doses, eu já saboreando o gim com tônica que tradicionalmente degusto ao ouvir o primeiro clarim do carnaval.

Dizia Temístocles de Castro e Silva que, nos carnavais do seu tempo, ao toque da marchinha “Jardineira” até as cadeiras do clube saiam dançando no salão. Exageros à parte, quando os músicos do Som da Lira atacaram com esse velho hino, naquela primeira noite da Mocinha, as mulheres do meu grupo fizeram um trenzinho humano, saíram furando a multidão e despareceram no meio da turba, para ir “pular” no gargarejo, bem defronte aos vocalistas da orquestra. As cadeiras ficaram.  

Mas o mulheril se demorava no meio da folia, até que as conversas masculinas ao pé do ouvido começaram a perder volume para mim, ante a crescente preocupação com as minhas odaliscas  imiscuídas naquele mar de caubóis, xeiques árabes e piratas. Uma filosofada aqui, uma piada acolá, o comentário sobre uma bela colombina que passava, tudo gritado dentro do pavilhão da orelha por um dos companheiros – esses temas todos foram perdendo a importância, quando o pensamento cuidava das mulheres extraviadas na fuzarca.

Finalmente sinalizei para o macharal que me aguardasse na ladeira e fui pessoalmente convocar de volta as minhas demorosas folionas, “metendo o cotovelo e abrindo caminho”, para encontrar a de maior estatura fazendo rodopios de samba enquanto um bêbado corpulento que nos superava em altura, peito nu suado, a camisa transformada em turbante, copo na mão, apreciava muito interessado a sua performance de passista.

Logo ali a mais baixinha já sambava com um palhaço, muito bem caracterizado em corpo e alma, que certamente imaginava poder rasgar a fantasia no final, pois o show continua pelo menos até quarta-feira quando no primeiro dia de carnaval se obtém uma animada companhia. “Bandeira branca, amor...”   susto gigante quando entrei na roda e lhe apresentei a minha melhor cara de domador ou trapezista, a quadro dedos da sua. Ele virou-se para ela e apontou timidamente para mim com o polegar, por cima do ombro.

Meu primeiro impulso foi puxar o nariz vermelho de plástico que compunha a fantasia do palhaço, esticando a liga até o limite, para depois soltar, fazendo a resiliência do elástico devolver-lhe o adereço, com violência, no meio da cara.

Mas antes disso ele olhou para mim com aquela irresistível expressão chapliniana de coitado, que me fez explodir numa risada momesca. Já ali se estabeleceu uma amizade nova, e logo o jovem clown estava conosco na ladeira conversando e bebendo – já agora ciente de que deveria armar o seu circo de conquistador carnavalesco em outro lugar.

Ao Luiz Regadas 
Cearense residente em Portugal, 
carnavalizando em Fortaleza. 

  *Reginaldo Vasconcelos
Advogado e Jornalista
     Titular da Cadeira de nº 20 da ACLJ

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Caro novo amigo carnavalesco Reginaldo, belo texto, belas palavras, obrigado pelo carinho do início de nossa amizade. Meu "circo" foi armado nos dias que aqui passei, pois busco e busquei dar carinho, atenção, sinceridade e muito amor a todos. Busco acima de tudo fazer as pessoas rirem, baterem fotos, divertirem-se, pois este mundo individualista tem pregado muitas pragas e brigas e desfeitos muitas amizade. E, no espirito de palhaço, busco e busquei nesses dias levar a alegria, o sorriso a todos apesar de todos os ruins momentos que a vida nos prega. O meu circo arma-se quando posso fazer amizades e vejo as pessoas sorrirem, pois eu só e somente só busco ver a pessoas sorrindo como eu voltei sorrir novamente após anos de tristeza, seja por amor que não era amor ou pela morte de meu mestre e amado pai. Neste carnaval já estou muito feliz em ter vindo de surpresa em casa após cinco meses distante de casa e ter feito uma surpresa a minha amada mãe, avó que completando 94 anos, aos irmãos, por poder brincar um excelente carnaval sem a maldade do mundo que vivemos com a leveza da alegria de um palhaço e na benção de um cardeal sem segundas intenções. Agora posso afirmar que poderei voltar à Portugal para continuar o mestrado em Ciências Políticas na certeza de que podemos nos divertir sem ser "gavião", que podemos nos divertir amando ao próximo e armando o nosso circo para alegrar a todos e a todas, pois o palhaço como todo o palhaço alegra-se ao ver o sorriso do respeitável publico, ao e sentir que o carinho é verdadeiro.
    Um abraço e obrigado pelo carinho.

    Luiz Regadas

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