quarta-feira, 30 de novembro de 2016

ARTIGO - Abuso (DP)


ABUSO
Djalma Pinto*

O texto do Projeto de lei aprovado pela Câmara, tipificando crime de abuso de autoridade na atuação de promotores e juízes, é inconstitucional, pelo chocante desvio de finalidade e ostensiva falta de decoro parlamentar que exibe. É incompatível com o decoro parlamentar retaliar juízes e promotores porque apuram crimes de agentes políticos (art.55,CF).

Essa audácia dos legisladores decorre, porém, de outra violação da Constituição, cujo art. 14, parágrafo 9, consagra o princípio da exigência da vida pregressa compatível com a representação popular.

Um delinquente com várias denúncias recebidas em órgão judicial colegiado pela prática de diferentes crimes NÃO PODE se tornar legislador! Vai usar o poder para impedir o julgamento dos processos em que figura como acusado ou intimidar os seus julgadores.

Catolé do Rocha, em que um detento preso por diversos delitos foi registrado pela Justiça Eleitoral e eleito vereador, explica a retaliação àqueles que buscam aplicar a lei penal para todos!!!


ARTIGO - Muita Fumaça (RV)


POUCO FOGO
E
MUITA FUMAÇA
Reginaldo Vasconcelos*


Em todo esse episódio envolvendo o IPHAN e os dois ministros demissionários, o Presidente Temer teve dois erros de origem. E, politicamente, ele está pagando caro.

Primeiro, errou ao compor o seu Ministério com um tipo como Geddel Vieira Lima, ex-ministro petista, um político que procura estar sempre junto ao poder, não importando que o cetro esteja com Anás, com Caifás, com ferrabrás, com satanás.

Segundo, errou Michel Temer quando convidou para o Ministério um tipinho como esse Calero, o qual montou uma arapuca para prejudicar o Governo, que o acolhera em sua equipe. Um sujeito com status de Ministro de Estado que se comportou como um escoteirinho. Gravou conversas com seus pares, e com o Presidente da República, e disse que foi orientado a fazê-lo por amigos da Polícia.

O problema é que o Brasil continua funcionando com o “presidencialismo de coalizão”, de modo que o presidente precisa conviver com as raposas velhas da política, para garantir a governabilidade.

Por isso Geddel Vieira Lima no Governo; por isso Romero Jucá no Governo; por isso Henrique Alves no Governo, gente envolvida em escândalos, mas que, administrada de perto, se acredita não poderia fazer um grande estrago. O que não se sabe é o que esse Calero estava fazendo no Planalto.

Sim, Geddel teve força política na Bahia para desembaraçar o seu empreendimento, que, no entanto, foi vetado no nível federal – e ele, sendo do Governo Federal, imaginou que também nessa seara iria conseguir ter influência. Não teve. E não deveria ter.

Não estamos falando em desvio de verba pública, nem em fraude a licitação, nem em prática análoga a escravidão, nem em crime ambiental irreversível, nem em aprovação de projeto de prédio com areia da praia na argamassa. Não. Apenas se tinha um cidadão inconformado, exercendo o jus esperniandi. Teve enorme prejuízo em empreendimento imobiliário, em virtude da conveniência estética de uma região de importância histórica, o que autorizou o IPHAN a embargar a obra, com base na lei.  

Por acaso, o prejudicado era um ministro, que adotou um comportamento impróprio, ao dar “carteirada” em um colega de Ministério. A pretensão foi negada, a conduta foi denunciada à instância superior, que recomendou ao ministro pressionado se desincompatibilizasse, passando o pleito para a área jurídica do Governo, que certamente não transigiria com a lei. Pronto. Nada de mais. Fogo apagado.

Mas o Calero, feito um bebê chorão, pediu para sair do Governo, e saiu produzindo uma coluna de fumaça, fazendo crer que desde o princípio ele fosse um oposicionista infiltrado. Ora bolas! O País luta para superar uma crise enorme, para vencer um momento gravíssimo, e não pode estar se detendo com questiúnculas banais. Mas o episódio todo teve como saldo positivo a saída dos dois ministros trapalhões. Toca adiante, Brasil!



CRÔNICA - Salvo por Um Suicídio (AM)


SALVO POR UM SUICÍDIO
Assis Martins*


[...] mas, diante de tantas lembranças, me ponho a chorar [...]
LUIZ ANTÔNIO, compositor musical brasileiro).


Os mecanismos da memória são prodigiosos, não sei por quais processos físico-químicos, em selecionar alguns episódios da nossa infância e apagar a maioria. Um ano do qual ainda guardo algumas lembranças é 1954.

Pesquisando os acontecimentos desse período na Fortaleza de quase 300 mil habitantes, anotei alguns, aleatoriamente: a instalação do Banco do Nordeste; a inauguração do Instituto de Previdência do Município (IPM) pelo prefeito Paulo Cabral de Araújo na sua terceira administração; a fundação do Lions Clube de Fortaleza. 

A criação do Serviluz (Serviço de Luz e Força do Município de Fortaleza); a primeira exibição pública da televisão, realizada pela Ceará Rádio Clube na Praça dos Voluntários e no térreo do Edifício Pajeú, e o acontecimento principal que movimentou e comoveu a opinião pública: o suicídio do presidente Getúlio Vargas, no dia 24 de agosto.

É claro que esses fatos não eram do meu conhecimento, haja vista que o pensamento era ocupado com as coisas atinentes à minha idade: as peladas na Rua do Imperador, no quarteirão do Patronato N. S. Auxiliadora, as investidas aos quintais para tirar carrapateiras (pés de mamona – Ricinus communis) que serviriam de munição na caça aos calangos, e os intermináveis duelos de arraias (hoje são pipas), guerrinhas onde, reconheço, sempre fui um fracasso!

Dentre tantos eventos da infância, as circunstâncias daquele 24 de agosto de 1954 a mim não o deixaram esquecer. Logo de manhã cedo, minha mãe me levou, um tanto à força, para o primeiro dia de aula na Escola Pinto Machado, que funcionava nas dependências do Centro Artístico Cearense, localizado na esquina da Av. Duque de Caxias com a Rua (nesse tempo) Tristão Gonçalves, onde atualmente funciona uma loja de material de construção.

Em todos os meus escritos sobre minha infância, sempre aparece alguma coisa sobre o Centro, referência de uma época em que nossas tradições e cultura tinham valor. O Centro Artístico Cearense foi fundado no dia 8 de fevereiro de 1904, funcionando na Rua Major Facundo, 141, mudando-se em 1912 para a sua sede definitiva no endereço citado. Os intelectuais naquela época eram mais engajados na vida política da cidade e o Centro lançou, na sua inauguração, um manifesto contra o governo Acioli.

O Cine Centro foi inaugurado um pouco antes do decênio de 1930 e se tornou o máximo em divertimento da nossa juventude nos anos 1960-70. As sessões vesperais dos domingos exibiam séries imperdíveis: Nioka, a Rainha das Selvas, Flash Gordon no Planeta Mongo, O Império Submarino. Para uma meninada que ainda não tinha televisão nem aparelho celular e não podia se alienar no maravilhoso mundo virtual das redes sociais, aquele divertimento era o máximo!

A Escola Pinto Machado, surgida tempos depois, foi um marco na minha vida. Não sei bem como fui conduzido até lá, mas me recordo de que travei logo na entrada, pois estava apavorado com a figura temível da diretora que estava esperando no fim do corredor. Eu ouvira falar que ela era muito severa e castigava os malcomportados com uma palmatória de sola. A cena congelou por uns segundos: na porta, eu, vacilante, um sentenciado ao encontro do carrasco. No lado oposto, a terrível diretora, aos meus olhos, um gigante ameaçador que iria receber um indefeso Davi, sem uma funda, cujas armas disponíveis eram apenas um lápis e um caderno Avante!

Fui salvo “em cima das buchas” por um rebuliço repentino que tomou conta do ambiente. Era um corre-corre danado, gente entrando e saindo e eu, sem entender nada, inopinadamente, já estava sendo levado de volta para casa. Só me lembro de que o comentário era um só: o presidente Getúlio se matou!

E assim, naquele dia, não houve aula e eu fiquei muito alegre. Só que as surpresas viriam depois no decorrer do ano letivo, quando pude perceber que a professora não era a fera que diziam; até comecei a gostar dela, apesar dos seus métodos rígidos na disciplina. Hoje reconheço o bom aproveitamento que fiz do curso primário, confirmando o vaticínio de minha mãe: – Esse menino vai “desarnar” na escola Pinto Machado!

Os meninos daquela geração eram levados a desenvolver um senso de cidadania, a respeitar os valores éticos e também morais, acima de tudo. Os símbolos nacionais eram respeitados, principalmente os hinos. Cantavam-se, diariamente, o Hino Nacional, algumas vezes o do Estado e os das datas significativas, como o Dia da Árvore (“Protejam as florestas do Brasil, lhes pede o Serviço Florestal...”) e outros. Alguns métodos empregados hoje nos fazem rir. Por exemplo, aos sábados tínhamos de escrever em várias folhas do caderno o nosso nome com a mão esquerda, para o caso de alguma impossibilidade.

O Centro Artístico Cearense foi tombado pela Lei Municipal nº 63, de 18 de junho de 1988 e demolido em 2000.

Hoje, quando passo naquela esquina – e o faço com frequência – o meu olhar não é só de saudade, mas também de pena em ver o menoscabo que os governantes têm com o nosso patrimônio arquitetônico, ocupados que estão em construir viadutos e areninhas em troca de votos.


ARTIGO - A Pós-Verdade (RMR)


A PÓS-VERDADE
Rui Martinho Rodrigues*


Andam falando em pós-verdade como um fenômeno recente e de natureza popular, de gente simples, situada abaixo dos “esclarecidos”. Mas o relativismo cognitivo, como o axiológico, não é recente nem de origem popular, é coisa de intelectual. Seus primeiros mestres foram os sofistas, integrantes da fina flor da intelectualidade grega.

Contemporaneamente, os pós-estruturalistas e filósofos da linguagem em geral são os arautos do relativismo cognitivo e axiológico. A impostura intelectual em invocar a física quântica para fundamentar o relativismo cognitivo extremado, a exemplo do homem que falava javanês, da nossa literatura.

Subitamente a negação da verdade trocou de nome: passou a ser pós-verdade. A verdade foi renegada pelos seus relativistas mais ardorosos. Deixou de ser “do bem”, virou “do mal”, e passou de expressão da sabedoria a sinônimo de ignorância.

A mudança abrupta coincide com o Brexit  a saída do Reino Unido da União Europeia, com o surgimento de uma tendência contraia à globalização, impulsionada pelo nacionalismo e pelo protecionismo, coincidindo agora com a eleição de Donald Trump.

O protecionismo descende do mercantilismo, praticado do século XV ao XVIII, tendo ganho respaldo doutrinário no século XVII. O mercantilismo industrial francês, ou colbertismo, do ministro Jean-Baptiste Colbert, de Luís XIV, era protecionista e estimulava as exportações em busca de saldos comerciais positivos, com base na intervenção do Estado absolutista na economia. A vertente espanhola visava a acumulação de metais preciosos. Os britânicos buscavam, no livre comércio, o caminho para o crescimento econômico.

A globalização tem parentesco com o livre comércio do mercantilismo inglês. O protecionismo oposto ao globalismo tem alguma semelhança com o colbertismo, invocando o Estado intervencionista. Os “esclarecidos” eram críticos acerbos da globalização, eram nacionalistas, protecionistas e adeptos do Estado dirigente. Quem se opunha a estas teses tinha que ser “do mal” ou um idiota manipulado pela “grande mídia”. Semearam vento e estão colhendo tempestade.

Eis que de repente os “esclarecidos” condenam o nacionalismo, defendem a União Europeia e a globalização, repudiam o protecionismo alfandegário; se colocam do mesmo lado da “grande mídia” e do “famigerado grande capital”; e até abandonam o relativismo cognitivo execrando a “pós-verdade”.

Herdeiros dos sofistas, só reconhecem conveniência e retórica convincente, aludida como “narrativa”, os que paradoxalmente se apresentavam ao mesmo tempo como “esclarecidos” e como relativistas extremados, agora defendem dogmaticamente a globalização, combatem o nacionalismo e repudiam o protecionismo invocado pelos críticos do globalismo. Tudo sem nenhum rubor na face.É a prevalência de alguns interesses sobre a razão, em ambos os lados, em ambos os momentos.

Caiu, todavia, o argumento de que os “alienados” fossem levados pela “grande mídia”. Esta se colocou do outro lado dos resultados das votações surpreendentes na Inglaterra e EUA.

Duro é reconhecer que a globalização beneficiou mais as massas dos países periféricos do que as dos países centrais. Os “esclarecidos” não confessam, nem diante da forca, que o próprio discurso nunca foi verdadeiro, mas instrumento de conquista do poder.


NOTA JORNALÍSTICA - Louvor a PC Norões


MENÇÃO DE LOUVOR A
PAULO CÉSAR NORÕES

A Assembleia Legislativa do Estado do Ceará aprovou voto de congratulações ao jornalista Paulo César Norões pelo seu ingresso nesta Academia Cearense de Literatura e Jornalismo.

Paulo César tomou posse na titularidade da Cadeira de nº 3 do silogeu, fundada por seu pai, o saudoso Edilmar Norões, tendo como Patrono Perpétuo o Chanceler Edson Queiroz.



A investidura de Paulo César na ACLJ, sucedendo ao seu genitor, ocorreu no dia 15 de outubro passado, em concorrida solenidade no Palácio da Luz, sede da Academia Cearense de Letras.





O Deputado Fernando Hugo foi o autor da propositura dos votos de parabéns ao jornalista, requerendo inserção nos anais da Casa Legislativa de “mais este capítulo vitorioso na carreira jornalística de quem tem brilho próprio e luminosa capacidade (…). Um neófito acadêmico que sem dúvida dará lustrosos passos dentro da instituição, plena de notáveis da vida lítero-jornalística cearense”.   


terça-feira, 29 de novembro de 2016

ARTIGO RESPOSTA - Cegueira Ideológica (RMR)


CEGUEIRA IDEOLÓGICA, 
OU DA DESINFORMAÇÃO, 
OU DA CONVENIÊNCIA POLÍTICA
Rui Martinho Rodrigues*


O artigo de Reginaldo Vasconcelos sobre o comandante Fidel Castro reflete o espírito multifacetado do autor. Poeta inspirado, causídico combativo, homem de negócios e DNA de jornalista. A morte do líder revolucionário não poderia passar sem uma nota do periodista.

O diálogo profícuo entre percepções distintas é um fenômeno raro. O pronunciamento do autor, e a nossa amizade, oferecem ocasião para tanto. O seu talento de jornalista e literato narra um encontro de ideias entre Fidel e o seu pai: o combate à corrupção. 

Mas a “moral burguesa”, preocupada com a ética, passa bem longe da visão marxista. Esta dirige as suas preocupações para o “modo de produção”, reconhecido como a “infraestrutura” de todas as manifestações culturais, políticas, jurídicas ou morais. Adota a análise estrutural. Existem, todavia, marxistas com preocupações morais, sem atentar para o fato de que, para a doutrina em comento, moral é mero “reflexo” da infraestrutura constituída pela organização das forças produtivas (modo de produção). 

Os que assim pensam são os convertidos, que não entenderam o marxismo. Não é o caso de Fidel Castro. O paredão não pretendia fazer “faxina moral”. Revolucionários leninistas consideram tal coisa uma ingenuidade. O hibridismo do marxismo com o estruturalismo e o pós-estruturalismo ficou ainda mais distante das preocupações morais. A moral deles é “situacional” ou finalista (teleológica). O relativismo cognitivo e axiológico é a tônica, principalmente nas novas formas hibridas referidas. A finalidade do paredão era eliminar e intimidar resistências.

O propalado embargo aconteceu. Foi um bloqueio naval seletivo durante a crise dos foguetes, em outubro de 1962; e um embargo por parte da OEA, durante o período em que os EUA exerceram domínio sobre esta organização, fechando as portas apenas dos países da América Latina e dos EUA. 

Mas no auge da influência dos EUA sobre a OEA, o México nunca seguiu o Bloqueio, nem o resto do mundo. Canadá, países europeus – inclusive o Reino Unido – nunca aderiram ao embargo, juntamente com o bloco soviético. O açúcar era o principal produto de exportação de Cuba. O embargo teria como efeito principal boicotar este produto. Mas a URSS passou a comprar todo o açúcar do Comandante e a ajuda soviética, por décadas, foi de grande amplitude. 

Qual a importância do embargo, nestas circunstâncias? Os países situados abaixo do Rio Grande foram se aproximando de Cuba, esvaziando o embargo, desde os anos oitenta. Quando a URSS faliu, a revolução cubana se revelou incapaz de alimentar o seu povo. Aí o comandante restabeleceu o turismo sexual, acrescido de prostituição homossexual, para o que até libertou os gays, que até então eram internados em campos de concentração.

Depois, a Venezuela “bolivariana”, durante a alta do petróleo, passou a sustentar a ilha, até se autodestruir. Aí o Brasil passou a ajudar comprando serviços médicos e com pesados investimentos, como o Porto de Mariel, destinado a escoar produtos que concorrem com as nossas exportações, como açúcar, tabaco e níquel. 

O naufrágio da economia brasileira levou o comandante a se aproximar dos americanos. O que restava do “bloqueio” era apenas a suspensão das relações comerciais com os EUA. O comércio com o imperialismo era o que faltava para o êxito da revolução: libertar-se de tal exploração prejudicou! Eis a queixa: os imperialistas não queriam explorar a ilha, recusando-se a comercializar com ela.

Falar no legado do líder revolucionário é citar uma “pobreza digna”, a superação da miséria. A fuga em massa do país, décadas depois da revolução, é atribuída apenas à falta de liberdade. Mas o povo simples não se importa com liberdades políticas. O Ditador era querido pelo povo. Meio século de censura, com todas as dificuldades atribuídas ao “embargo” e a imagem do pequeno Davi contra o Gigante Golias não permitiriam que houvesse insatisfação política entre o povo.

A fuga em massa do país, inclusive em câmaras de ar precárias, resulta é da miséria material. O legado da revolução é uma Cuba que, como há quatrocentos anos, produz açúcar, tabaco e rum. O turismo sexual voltou. 

Saúde e educação são os grandes argumentos. Aceitando-se os dados do governo revolucionário, indaga-se: ao preço de tanta miséria, censura e prisões políticas, mortes e exílio seria o legado apreciável? Pode haver saúde com tanta miséria? Educação como catequese ideológica é do interesse do regime, mas é uma boa educação? Não há caminho melhor? Comparemos com o Chile.

Fidel foi grande naquilo que decidiu ser. Mostrou coragem e determinação. Tornou-se o ditador mais longevo do seu tempo e conquistou os corações e mentes de milhões em todo o mundo, com a ajuda do ópio dos intelectuais. O juízo de valor a respeito do significado destas vitórias, porém, não é nada favorável, quando visto sem as viseiras da cegueira ideológica, da desinformação ou da conveniência política.


  

COMENTÁRIO:

Quando Fidel se insurgiu contra Fulgêncio Batista, pelo menos no Brasil as pessoas não relacionavam esse fato com o marxismo. Seria a justa revolta de um povo contra um governo notoriamente corrompido. E a corrupção já era um dos problemas brasileiros.

No primeiro momento, sequer se afigurava que a revolução cubana se contrapusesse ao governo norte-americano, o que somente ocorreu no momento seguinte, em face do confisco de bens e empresas ianques – e as informações naquele tempo fluíam muito lentamente. Mas Fidel negava expressamente que instalaria uma ditadura, e tentou aproximação com os americanos antes de adotar a doutrina marxista e de se alinhar definitivamente com a Rússia, após sofrer o embargo econômico. 

Meu pai entendia na época que o “paredon” fazia uma “faxina moral” – e, por toda a sua vida, ante os escândalos políticos brasileiros, nós o ouvimos lamentar a falta de um bom paredão moralizador – solução que lhe parecia viável, até porque ele era pragmático e agnóstico. Mas jamais foi marxista, e, como descendente de inglês e amante das liberdades civis, nutria admiração pela nação estadunidense.  

É claro, hoje sabemos que os fuzilamentos em Cuba não se restringiram aos corruptos, mas principalmente aos inimigos da revolução e aos críticos de Fidel – seguindo a linha intolerante e desumana dos regimes comunistas.

A análise da História tem essa dificuldade de se ter que perceber os fatos pretéritos, e os personagens de então, de forma coerente com a conjuntura da época em que eles ocorreram, pois os olhos da atualidade têm dificuldade de perceber as realidades superadas.

O médico humanitário Joseph-Ignace Guillotin, por exemplo, que era contra a pena de morte, não podendo eliminá-la, sugeriu ao governo francês o uso de uma máquina eficiente que evitasse a agonia da forca e os golpes incerteiros e torturantes dos machados dos carrascos. Mas ficou tão relacionado com um instrumento de morte que a família mudou de nome. 

Monteiro Lobato, por seu turno, para combater o preconceito racial da época criou uma personagem negra que era limpa, proba e sábia, tratada pela patroa com grande fraternidade, tratada como “tia” pelas crianças brancas da casa, o que era então revolucionário. Hoje, contraditoriamente, se tenta proibir o livro porque um outro personagem, de evidente mau-caráter, lhe faz insultos racistas.

A própria solução escravagista é tida hoje como uma tragédia étnica, quando na verdade foi apenas uma fatalidade histórica, de ótimo desdobramento antropológico. A melhor leitura sobre o nosso processo de colonização é a seguinte: três povos foram convocados pela história para formar uma nova nação, cada um partindo de sua condição sociopolítica na época. 

Sim, porque os europeus já adquiriam pessoas escravizadas por tribos inimigas, numa África até hoje tão agreste. Os atuais brasileiros pobres, de índio ou afrodescendência evidente, devem protestar contra as políticas sociais, e não raciais, enquanto os de melhor condição socieconômica nada têm a reclamar de suas origens – sem prejuízo de que qualquer forma de racismo no Brasil deva ser severamente reprimida.   

Reginaldo Vasconcelos 
   
    

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

ARTIGO - SOBRE LIVRO DE SOCORRO MESQUITA (RH)


São Francisco de Assis e Dona Pobreza
na Crônica Maior de
Socorro Lima Mesquita
Révia Herculano*


Achamos um livro de devoção e comovemo-nos; achamos outro galante e impressionamo-nos. Não será o coração o único habilitado a conciliar coisas contrárias e admitir incompatibilidades?

(JEAN DE LA BRUYÉRE,moralista francês. Paris, 16 de agosto de 1645; 10 de maio de 1696).

                                                                                              

Escrito com clareza e inovador sob vários aspectos, este livro Francisco de Assis – Alegria e Santidade na Pobreza – Abordagem Teológica Franciscana, de Socorro Lima Mesquita, responde a um projeto ousado: percorrer e investigar o caminho do SantAssisense, uma demanda que parte da fé professada,questiona a força motivadora e participa de todos os desafios de Francisco, um jovem burguês,inculto e “devasso” dos séculos XII e XIII,sua conversão e a impulsiva necessidade de conhecer e imitar o Cristo.

Com a certeza de que Teologia requer experiência de vida e nela a reflexão rigorosa se une espontaneamente à espiritualidade, a autora nos chama a penetrar o universo do Homem Santo de Assis, fundamentada numa teoria com dimensões filosóficas, religiosas, históricas e também morais.

Desse modo, compreende conhecimentos, enquanto aponta para o fascínio de seguir as pegadas do Santo ora meditado, o que faz, venturosamente, referenciando plurais hagiógrafos e comentaristas de vertentes franciscenses, bem como, e especialmente, louvando-se nos escritos dos evangelistas do Novo Testamento.

Primeiramente, adentra o contexto medieval, identificando usos e costumes de uma sociedade dualista, fincada em pilares cristãos, mas encardida pelos prazeres humanos, constatando ser praticamente obrigatório que moços abastados apreciem e disputem modalidades vis de exercer maldades.

Depois, relata, com maestria, a transformação de João Pedro Bernardone, a um só tempo, surpreendente e libertadora. Aí antecipa a conclusão de que o homem de nossos dias, em sua tendência cumulativa, difere pouco dos antepassados medievais.

Neste momento, também se inscreve como leitora e se espanta com o processo de conversão do Santo, radicalmente simples e exaustivamente desafiador.

“Vai e vende tudo o que tens e distribui aos pobres, e terás então um tesouro no céu. Depois vem e segue-me.” (Mt,19-21).

No assombro deste convite, a libertação!

Libertar-se, agora, é seguir apenas vestígios, mergulhar no invisível, sofrer angústias lancinantes.

São Francisco guarda o drama da alma que se redime cuja missão é proclamar Jesus Cristo em sua opção pelos pobres; não aqueles marginais da religião ou da moralidade, mas do ponto de vista sociológico e seja expresso rápida e circunstancialmente numa região onde excediam mendigos, doentes, aleijados e leprosos, todos pessoas desprezadas por grande  parte da sociedade.

João Pedro Bernadone ou Francisco de Assis dinamiza e consolida o Reino de Deus ao longo da história, seguindo a máxima de nada desejar e coisa alguma possuir.

Há, na espiritualidade franciscana, a divulgação de um Reino que não se implanta por imposição, mas por intermédio de um coração convertido, escolha que ilumina o cotidiano,sobrepondo-se atemporal.

Para retratar esse cotidiano, Socorro Lima Mesquita dispõe de estilo simples, incisivo. Recorre a algum paralelismo entre o objetivo de Francisco e versículos neotestamentários, reproduzidos, principalmente, por Mateus, percebidos claramente não apenas no Sermão da Bem-Aventurança, quando Jesus exaltou os “pobres de coração”, mas também em outras expressões evangélicas referentes à pobreza.

Existe, ainda, na parceria com tais versos, certa abstração destinada a fazer eco ou a pontuar a mais difícil tarefa cristã:despojar-se dos bens materiais.

Com efeito, nossa autora aponta para uma Metafísica da Virtude, quando observa a fidelidade de São Francisco de Assis a Deus, na oportunidade em que mostra a transcendência do temporal para o divino neste projeto iniciado nesta cidade da Umbria-Itália, incompreendido no princípio, mas depois iluminado pela ação submissa à vontade do Pai Celeste.

Ela também reconhece no Santo aliado de Dona Pobreza, conforme ele próprio chamava, um artesão no estabelecimento de comunidades afeitas ao amor, à misericórdia, e encarregadas de edificá-lo mundo afora, na lida diária com famintos, despojados, prisioneiros e sedentos.

Este ensaio de Socorro Lima Mesquita, assim denominado pelo fato de abranger, também, teor acadêmico, constitui, pois,uma análise axiológica perfeita do ponto de vista cristão. Seu escrito, entretanto, é estudadamente vazado na simplicidade, livre do denso jargão teológico a que o leitor de textos religiosos comuns não é afeito.

Por tais razões, portanto, as compreensões aqui esposadas podem ser lidas e descodificadas de imediato, alcançando incontinenti os seus propósitos de achegar aos consultantes os alteados exemplos de São Francisco de Assis, aqui generosamente imprimindo substância, em não avultada edição física, e com clareza e cobertura sintética meridiana, uma trilha de 835 anos de literatura são-franciscana, desde o nascimento do Santo de Assis, ocorrido no ano de 1.181.

Seus capítulos, ordenados sob a influência da missão misericordiosa de São Francisco de Assis, tem início no Medievo, mas esta remanesce como renovada a cada dia.

Evoque-se, pois, a atitude franciscana do atual Santo Padre, o Papa Francisco, que adotou o nome do Santo de Assis, como bem referiu a árcade nova Célia Molinari (Cleonice Danae, na Arcádia), no seu excelso escrito de acesso a este estudo.

Texto restaurador, este volume destina-se a nos fazer refletir sobre a reconstituição do Reino. E a Novel Teóloga o reveste de tal tessitura, que se percebem, a cada palavra, a leveza e a bondade de que é capaz.




NOTA DO EDITOR:

*Révia Herculano é escritora cearense consagrada e imortal-titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa.