REUNIÃO VIRTUAL DA ACLJ
(26.02.2022)
A MESA DO CAFÉ
Menino só sabe que é feio, no colégio, quando o padre escolhe os que vão ajudar à missa, os que vão sair de anjo, na procissão, e os que vão constituir a diretoria do Grêmio Mariano.
Eu soube que não era bonito em 1928, no Colégio Marista de Recife. Nunca fui escolhido. Mas sem a menor tristeza, sem concordar até. Aquele julgamento era precipitado, pois (estava convencido) ainda não havia nada de definitivo sobre o bonito e o feio, a beleza e a fealdade. Quais seriam as demarcações? A exata limítrofe, quem seria capaz de determinar? Se não existia a explicação lógica do feio e do bonito, a notícia da minha feiura não me causava mal nenhum. Ao contrário, livrava-me dos tributos que teria que pagar se fosse bonito, ajudando missa e saindo de anjo, à frente das procissões.
Na mesa do café, éramos cinco irmãos. Havia bolo de mandioca, requeijão, bananas fritas, pão torrado e bolacha d’água. Éramos cinco irmãos e, dos cinco, quatro eram bonitos. Vá lá, eu era o feio. Então, por que minha mãe gostava mais de mim? Ela, que nos zelava a todos, que nos conhecia pelo avesso e pelo direito, por que gostava mais de mim? De pena não era, porque pena é uma coisa e amor é outra. Menino conhece. O gesto complacente, por mais carinhoso, é sempre vacilante e triste. O gesto de amor chega a ser bruto, de tão livre, alegre e descuidado.
Minha mãe gostava mais de mim. Eu sabia, e ela sabia que eu sabia. Em tudo a nossa cumplicidade. Na fatia do bolo, na talhada de requeijão e no sobejo do seu copo d’água. Nossa cumplicidade até hoje existe, quando de raro em raro nos encontramos.
Da mesa do café víamos pela vidraça os canteiros de terra negra e as rosas de maio. Vinha o cheiro úmido da terra molhada, mais que o das pálidas rosas da minha infância.
Minha mãe e eu. Nossos olhos tão parecidos.
Minha mãe só tem um defeito. Não ser minha filha. Sempre foi metida a saber mais que eu.
Só soube que era feio quando amei pela primeira vez. Vi-me, então, corajosamente… e não era como gostaria de ser. No coração, um amor tão bonito. Ninguém iria acreditar, mesmo dizendo, mesmo eu explicando, mesmo eu jurando.
Apaguei a luz, tocava o concerto n. 3 de Beethoven e, no final, apesar do tom ser menor, o lirismo era tão ardente que tudo ficou entendido, entre mim e a minha feiura: eu a amava e não a abandonaria até a morte.
(Antônio Maria, in “Crônicas”, 26/09/1961)
ACÁCIA
AMARELA
Célia Oliveira
Uma Acácia Amarela
nasceu no meu jardim
floresce em julho e dezembro
também dentro de mim.
Eu tenho uma acácia!
De flores amarelas
qual bolas de ouro
fico embevecida diante delas.
Minha acácia é primordial
simboliza acato e amizade
É árvore de porte imperial
Suas flores frágeis e belas
não só ataviam minh'alma
enfloram os beirais
de minhas janelas.
O INVERNO
E O CARNAVAL
O carnaval e o inverno coincidem, coexistem, misturam-se e molham um ao outro de alegria. O inverno é o carnaval da Natureza, que se fantasia de verde a festejá-lo, numa alegria gigantesca. Úmidos corpos molham fantasias coloridas, brotam amores, chovem sorrisos e abraços são colhidos.
Cheiro de terra, grama molhada e poças d’água nas calçadas. Antes de tudo, o inverno e o carnaval são perfumes e cores, que, portanto, podem descolorir e evaporar durante a vida e os anos sobrepostos.
Milhares de crianças vestem penas, pintam o rosto, colocam máscaras, usam panos de sede e calçam botas: são índios, super-homens e piratas. Os adultos tornam-se palhaços, viram tuaregues, ou transformam-se em havaianas e odaliscas.
No meio da folia, no epicentro da algazarra, no momento da fervura cai a chuva. Rostos suados, gotas brilhando entre lantejoulas e confetes. Plumas e paetês apanham chuva nos cordões, bumbos e cornetas salpicam som, sopram chuviscos.
Pelo asfalto, nos estandartes os símbolos místicos do baralho, desce o maracatu titubeando ao “chimbum” afro dos tambores, e ao tinir dos guizos, triângulos e chocalhos. Índios e negros, vestindo os trajes da Corte, trazem à tona as raízes da raça e da cultura, de onde se eleva o éter envolvente da história.
Sob os véus das fantasias veem-se os corpos mornos da folia, molhados de suor. Entre apitos, passos de dança e evoluções uma euforia, um incêndio íntimo. Sorrisos franqueados, empurrões e abraços se permitem, suor e cerveja para a chuva temperar. O carnaval não é loucura. É remédio, é antídoto, alivia a todos da vida insana pela vida, evitando a demência da dor e da solidão.
No
terceiro dia o folião já canta rouco, o bêbado cai de porre na calçada, as
fantasias já rasgaram mas ainda resta alegria. E na quarta-feira a chuva chora
e lava o asfalto, num chuá sentido de saudade. Nos salões as serpentinas fazem
engodos, que simbolizam mil paixões, namoros mominos, recordações mil de outros
carnavais.
...............................................................................
By Reginaldo Vasconcelos – In Jornal Tribuna do Ceará – 1980, e Livro Traços da Memória - Laços da Província – 1993.
A reunião virtual deste sábado, dia 26 de fevereiro de 2022, foi dedicada ao empresário Beto Studart, nosso Membro Benemérito, que nesta semana foi instado a suceder ao poeta Pio Rodrigues na distinção de “Representante da Comunidade”, no quadro honorífico da Academia Cearense de Letras, a convite de seu Presidente, Dr. Lúcio Gonçalo de Alcântara.
Além disso, Beto Studart foi comunicado, pelo Magnífico Reitor Cândido Albuquerque, de que o Conselho Universitário da Universidade Federal do Ceará decidiu lhe conceder o título de Doutor Honoris Causa, subida honraria a que ele faz jus pela sua profícua atuação pela cultura no Estado, seja como mecenas da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, seja como instituidor e mantenedor da Fundação Beto Studart de Incentivo à Cultura.