segunda-feira, 28 de junho de 2021

CRÔNICA - O Tempo (ES)

 O TEMPO
Pierre Nadie*

  

O que não se desgasta no tempo de seu tempo, se é no tempo que o tempo se gasta? 

Criaturas se consomem, seres vivos deslizam pelo impermanente irreversível ciclo da vida. A “anima” (ânima) que anima a vida encontra-se com o espírito do ser humano, com o qual se integra, essencialmente. E o ciclo, que a “anima” perfaz, traz o sabor que o espírito inspira. Assim, meu caro Sofélio*, somos fecundação do encontro, prazer e alegria, no mundo dos homens. 

E os ciclos iniciam-se, a “anima” conduz, já antes do vagido, ao grito de liberdade, quando o espírito desperta para assumir o timão. Sorrisos, choros, escolhas e jornadas, deles apanhamos o cabresto. E um grande campo/seara abre-se para que o administremos, com serenidade, sabedoria e alegria. E começamos o plantio, realizado com a “anima”, porém, comandado pelo espírito. E vamos plantando com alegria, às vezes irreverentes, às vezes, até mesmo recalcitrantes, nossos sonhos, utopias. Conosco, as plantações vão crescendo, com os amanhos necessários em cada etapa: tempo de germinar, tempo de regar, tempo de florir, tempo de produzir, tempo de colher. 

E, quando os açoites do vento nos sussurrarem que a produção está próxima, talvez queiramos galgar as escarpas de um monte para admirar a vastidão da operosidade do trabalho de nossas vidas. Momento supimpa de valorizar o que plantamos e de nos alegrar com uma bela e opulenta colheita. Nossa “anima” esgarça merencório sorriso, nas nuances que seu tempo processou, mas o “espírito”, mais forte na luta, guerreiro indomável, segue o seu olhar, colhendo a mais exuberante produção de toda a sua vida. 

O carinho e o cuidado com as sementes, nascidas de seu viver e nele curtidas com amor, batem à porta do Patrão, a quem ofertam todas essas primícias. 

O tempo findou. A colheita terminou. A festa começa, aquela festa da qual ninguém quer nem ousa sair. O limite do ilimitado apresenta-se infinito da eternidade: não se desgasta no tempo do seu tempo, pois não é tempo. 

Nota do editor: “Sofélio” (sofia+hélius = sol da sabedoria) é personagem do autor, com quem ele mantém imaginária interlocução.



RESENHA - O Aeroporto e a Cidade (ES)

 RESENHA
Edmar Santos*

 

O Aeroporto e a Cidade: usos e significados do espaço urbano na Fortaleza turística.

Obra de Wellington Ricardo Nogueira Maciel – Fortaleza: EdUECE, 2010.

 

O livro procura aprofundar um olhar sociológico sobre a presença urbanística estrutural e operativa do aeroporto da cidade de Fortaleza, capital do Estado do Ceará, com escopo em demonstrar que os efeitos de sua presença vão além do projetado, e vislumbrado, seja pelos entes governamentais, seja pelos projetistas responsáveis por seu desenho arquitetônico, o qual acaba influenciando, desta feita, não apenas no impacto turístico – principal objeto do equipamento – mas, também, na vida da população de seu entorno, e/ou na população que o toma como referência de meio possível de garantia de sobrevivência. Entrementes, reflete sobre os tipos conceituais e reais dos deslocamentos ocorrentes no âmbito intra e extra-estrutura do aeroporto, como aspectos característicos do modelo social presentemente em curso. 

Destarte, a obra apresenta-se muito bem subdividida tematicamente por seus cinco capítulos, os quais estratificam o assunto mantendo, porém, a imprescindível e envolvente coesão sobre o tema abordado. Nesse ínterim, elabora sua argumentação, apresentando o arcabouço teórico que norteia sua pesquisa, ao mesmo tempo em que – como cabe a um pertinente pesquisador – ora conecta seu entendimento às teorias existentes quando essas pertinem, ora as refuta, quando se distanciam do que constata empiricamente. 

O assunto da obra, em primeiro momento a prefaciação – diga-se de passagem, muito bem construída – nos situa sobre o que a abordagem temática escolhida pelo autor vem a nos iluminar, pelo menos a maioria de nós, sobre um equipamento que nos passa ao largo em sua função e influência social. 

Introdutoriamente, é levantada a questão da inafastável tomada do Aeroporto de Fortaleza, a exemplo dos demais, como sendo um espaço por onde fluem as conexões aceleradas tão características da sociedade hodierna. Segue por demonstrar o papel econômico e globalizante que o equipamento possui, como importante influenciador na economia da Cidade, além de promover expressivos impactos urbanos. 

Apresenta-nos, a cada item sequencialmente posto, por sua lupa de pesquisador, interessantes observações sobre usuários não previstos, espaço de passagem, a disputa pelo direito à Cidade por parte dos moradores, espaço de transição, aspectos regionais climáticos e geográficos influentes na demografia do entorno do aeroporto, todos tomados como pontos de reflexão, apesar de, por vezes, passarem ao largo de políticas públicas e do conhecimento de boa parte da sociedade, são de extremo impacto e produzem efeitos urbanísticos inesperados. Aduz ser admirável a inexpressiva abordagem científica das ciências sociais sobre tão importante equipamento urbanístico que possui tamanha influência socioeconômica. Talvez o seu mote, cremos. 

O empirismo da pesquisa vai conduzindo o autor a olhares diferenciados e confrontantes com as teorias que embasam sua dinâmica de pesquisa, os quais acabaram por lhes restar inequívoca a presença do uso, por alguns atores, de formatos diversificados e até fora do que se predispõe o equipamento. Colunado por teóricos como Guiddens, Simmel, Augé, Martins, dentre outros, segue por meio dessa observação direta que, ao fim e ao cabo, propiciou constatar variações importantes entre teorias sociológicas e realidades vivenciadas no cotidiano. 

Constatou, por exemplo, que as angústias e traumas de antigos moradores, existentes e perenes no consciente das pessoas, por conta dos deslocamentos forçosos, pelas desapropriações, são repercutidos nas gerações posteriores; esses abalos psicológicos, os quais em relação aos primeiros, em princípio, surgiu como um empecilho aos trabalhos, favoreceu uma abordagem mais propícia com a nova geração, favorecendo o aprofundamento na identificação dos efeitos da presença do aeroporto não apenas no espaço urbano, mas efetivamente na vida das pessoas, a destacar, os moradores do entorno. 

Restou uma observação pertinente e comum, pelo menos no Brasil, da característica de que esses equipamentos comumente são instalados em áreas urbanas carentes, que contrastam com os “aero-shoppings” de seus espaços internos. Por tal desenvolvimento da pesquisa, há, no autor, o vislumbre de poder agregar alguma contribuição nos aspectos dos planejamentos, seja para as estruturas atuais, suas ampliações ou novas construções, mormente às identificações das características identificadas quanto, nas palavras do autor, aos “usos’ e “significados” verificados nos aeroportos, não apenas de seu espaço interno, esse “não-lugar”, mas principalmente do ambiente de seu entorno. 

A obra aqui apresentada, seja pela importância sociológica do tema, seja como ela está vultosamente cheia de significados que fogem ao conhecimento, tanto dos usuários diretos dos aeroportos, quanto pelos usuários indiretos desse equipamento, seja pelas autoridades públicas, seja por instituições que as projetam e constroem, torna-a, antes de tudo, uma obra a ser apreciada com acurada atenção; inexoravelmente por trazer-nos à luz detalhes devidamente embasados na apreciação científica, que influenciam direta ou indiretamente na vida das pessoas, seja em seu desenvolvimento econômico e cultural, seja no que tange ao direito das populações ao espaço da Cidade. 

O autor em referência, Wellignton Ricardo Nogueira Maciel, possui bacharelado em ciências sociais, mestrado e doutorando. Presentemente é professor substituto junto à Universidade Estadual do Ceará (Uece).


COLUNA VICENTE ALENCAR

 VICENTE ALENCAR
SEGUNDA-FEIRA, 28 DE JUNHO DE 2021
 

FORTALEZA  – Aqui nasceu o Escritor Antônio de Albuquerque Sousa Filho.



O Escritor e Tribuno Neuzemar Gomes de Moraes, homenageado pela Prefeitura de Iracema, que lhe concedeu a Medalha Moura Brasil, a maior comenda daquele município, vem recebendo, de todo o Brasil, cumprimentos dos mais diversos dos seus conhecidos e amigos (Nota).

Artur Eduardo  Benevides, saudoso ocupante da Cadeira 5 da Academia Cearense de Letras (ACL), falecido em 21 de setembro de 2014 em Fortaleza, faria 98 anos no próximo mês de Julho, precisamente no dia 25, pois nasceu em 1923, na Cidade de Pacatuba. 

Presidiu com  brilhantismo a Academia Cearense de Letras, além de ser membro da Academia Cearense da Língua Portuguesa e da Academia de Letras e Artes do Nordeste. 

Esse ex-Presidente da ACL foi um dos mais expressivos tribunos da nossa Academia Cearense de Retórica, graças a força da sua Cultura e potência de voz. 

Artur Eduardo Benevides exerceu ainda numerosos cargos em nossa vida pública, tendo sido Diretor do Arquivo Público, do Departamento Regional do Senac, do Departamento de Cultura da Reitoria, da Legião Brasileira de Assistência (LBA), e do Centro de Estudos Brasileiros em Rosário, na Argentina. 

Dirigiu a Faculdade Católica de Filosofia, e foi professor de Literatura Brasileira na Faculdade de Letras (depois Curso de Letras) da Universidade Federal do Ceará (UFC). 

Integrou o Conselho Universitário da UFC e foi Diretor do Centro de Humanidades dessa Universidade, da qual era Professor Emérito, como também o era da Universidade Estadual do Ceará (Uece). 

Integrou também o Grupo Clã, e foi o quarto detentor vitalício sucessivo do título de Príncipe dos Poetas Cearenses. 

Seu primeiro livro foi publicado em 1944, com o título Navio da Noite. 

 

NOTA BENE

 

MEDALHA  MOURA BRASIL  HOMENAGEIA
TRIBUNO NEUZEMAR GOMES DE MORAES

O grande Tribuno Cearense Neuzemar Gomes de Moraes, ex-Presidente da Academia Cearense de Retórica, e Membro Titular do Instituto do Ceará – Histórico, Geográfico e Antropológico, vem de conquistar mais uma grande vitória em sua brilhante carreira de advogado atuante. 

A Prefeitura de Iracema, na Região Jaguaribana, vem de homenageá-lo, outorgando-lhe a Medalha Moura Brasil, a maior Comenda do Município, face ao seu multiplicado e destemido trabalho em prol da Cultura ali desenvolvida. 

Moura Brasil, o grande cearense conhecido em todo o território nacional teve seu nome imortalizado na medalha, com a qual somente se distinguem os grandes nomes do Estado.

 

sexta-feira, 25 de junho de 2021

RESENHA - Reunião Virtual da ACLJ (24.06.2021)

 REUNIÃO VIRTUAL DA ACLJ
(24.06.2021)

   


PARTICIPANTES

Estiveram reunidos na conferência virtual desta quinta-feira, que teve duração de uma hora e meia, nove acadêmicos. Compareceram ao grupo o Jornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos, o Agrônomo e Pesquisador Luiz Rego Filho, o Poeta e Agrônomo Paulo Ximenes. 

Estiveram presentes também o Especialista em Comércio Exterior Stênio Pimentel, o Físico e Professor Wagner Coelho, o Jornalista e Sociólogo Arnaldo Santos, o Advogado e Sionista Adriano Vasconcelos, o Juiz de Direito Aluísio Gurgel do Amaral Júnior, e o Bibliófilo José Augusto Bezerra. 


 TEMA DE ABERTURA

O Presidente Reginaldo Vasconcelos abriu os trabalhos dando boas vindas ao Bibliófilo José Augusto Bezerra, que voltava ao convívio virtual da ACLJ, depois de longa convalescença, sendo o Presidente seguido por todo o grupo, que aplaudiu o confrade efusivamente.  

Em seguida, Arnaldo Santos comentou o convite formulado por seu intermédio ao Presidente da ACLJ, pelo Presidente da Associação dos Advogados do Ceará, Xavier Torres, para um almoço na sede da instituição, onde também está sediado o veterano Clube dos Advogados do Ceará, sob a presidência do advogado e perito criminalístico Jarbas de Almeida Botelho.


ASSUNTOS ABORDADOS

O grupo virtualmente reunido abordou as dificuldades da administração das entidades culturais, razão pela qual muitas delas duram pouco – a propósito do que José Augusto Bezerra relatou os esforços que empreendeu à frente do Instituto do Ceará e da Academia Cearense de Letras, ambos já presididos por ele, as mais longevas casas de letras do Estado.

José Augusto relembrou do apoio financeiro que essas instituições, sob sua gestão, receberam de grandes empresários cearenses – notadamente Seu Ivens Dias Branco e Chanceler Airton Queiroz, saudosos mecenas das letras cearenses, ambos Membros Beneméritos da ACLJ.

Comentou-se depois e se lamentou a redução drásticas dos clubes sociais de Fortaleza, dos quais, antes dezenas, restam o Náutico Atlético Cearense, o Ideal Clube e o Iate Clube – tidos desde sempre como os mais "elegantes" da Cidade.

Também se comentou com tristeza não mais existir em Fortaleza nenhuma das suas tradicionais "Peixadas", que eram situadas na Av. Beira Mar, e que eram um grande atrativo turístico e gastronômico da Cidade – a última delas a mais antiga, a Peixada do Alfredo, que fechou recentemente, sucumbindo à pandemia.  

Eram restaurantes especializados em frutos do mar, da velha culinária dos pescadores do Mucuripe, tendo como carro chefe as caldeiradas de postas de peixe e opcionalmente camarões, acompanhadas de arroz e pirão, prato que no Ceará adquiriu o nome de "peixada", palavra que também deu nome aos restaurantes.

PERFORMANCES LITERÁRIAS

A propósito do tema das Peixadas da Av. Beira Mar, Reginaldo Vasconcelos leu uma pequena crônica de sua autoria, intitulada "Rebentação", que fez publicar em seu livro "O Passado Não Passa", em 2005, abaixo reproduzida.     


REBENTAÇÃO

Outro dia, fim de tarde, vou ao restaurante à Beira Mar e tomo um caldo fumegante, identificando em cada nota de sabor uma cor marinha, um trecho de praia virgem, um bloco de coral das profundezas, uma abrolho de arrecifes. Nos olhos da mulher que me acompanha, amor eterno.

Da sopa evola-se quente maresia, a cada colherada, marulhando a colher por sobre ondas de sabor, entre sargaços de temperos, rebentação deliciosa e salgadia. 

Tudo contrasta com o leve dulçor de um chope bock: sutil linha de doçura entre amargores, acre buquê, textura negra, morena espuma. Brindamos ao peixe que foi imolado para aquele ritual. Depois, um bom charuto, para incensar a lua que desponta. 

Que vida dura!



Depois disso, Aluísio Gurgel apresentou a leitura de um crônica do confrade Paulo Ximenes, intitulada "Obviedades", que trata com bom humor das expressões retóricas tantas vezes aplicadas pelos usuários do idioma, clichês da linguagem que examinadas com atenção afiguram-se absurdas. 

Após a leitura alguém lembrou, comparativamente, o livro "Festival de Besteiras Que Assola o País", do jornalista e escritor satírico carioca Sérgio Porto, de pseudônimo Stanislaw Ponte Preta (1923-1968) – como também foi lembrado o anedótico bodegueiro do Cariri conhecido como "Seu Lunga", famoso por sua intolerância a perguntas tolas. 
   
Na sequência, Luiz Rego declamou o poema "Chuva nos Cabelos",  do carioca Augusto Frederico Schmidt (1906-1965), abaixo transcrito de postagem da Internet. A postagem expõe a dubiedade que os versos transportam, quando,  após toda a sensualidade sugestiva de uma mulher, a musa molhada se transfigura em vegetal. 



Por fim, José Augusto Bezerra apresentou duas relíquias de sua vasta e valiosa coleção. Primeiramente a medalha de outro outorgada pela Coroa Brasileira ao químico alemão Theodoro Peckolt, agraciado com o título de Oficial da Imperial Ordem da Rosa, em 1864, pelos seus trabalhos em farmacognosia e química orgânica.

Apresentou também José Augusto  o belo colar com que ele mesmo foi distinguido pela Academia Portuguesa da História, cuja sede fica no Palácio dos Lilases, Alameda das Linhas de Torres, em Lisboa. Essa honraria lhe foi prestada em reconhecimento de sua grande importância nas letras do idioma luso, como fundador e presidente da Associação Brasileira de Bibliófilos. 


    DEDICATÓRIA

A sessão virtual da ACLJ realizada nesta quinta-feira, dia 24 de junho, foi dedicada a Irapuan Augusto Borges, falecido neste último dia 22,  aos 89 anos, veterano homem de imprensa cearense, um dos últimos de sua geração de jornalistas, radialista que foi desde a mais tenra juventude, um dos pioneiros apresentadores da televisão cearense.
 
Augusto Borges, Membro Titular Fundador da Cadeira de nº 5 da ACLJ, patroneada por Paulo Cabral, lançou em seu programa Show do Mercantil, na antiga TV Ceará, aqueles que seriam grandes nomes da música cearense, como Raimundo Fagner, Ednardo e Belchior, que despontaram para a fama nacional como "Pessoal do Ceará".


O mais longevo comunicador cearense, Augusto Borges esteve no ar com um programa semanal de variedades, pela atual TV Ceará, intitulado "Ontem, Hoje e Sempre"  até sofrer um acidente vascular cerebral, no começo de 2020, que o fez perder a mobilidade.  


À memória do nosso estimado e saudoso confrade Augusto Borges, a sentida homenagem póstuma dos que fazemos a ACLJ.


    

 A ERA DAS DISTOPIAS II
Rui Martinho Rodrigues*
 

A política é um processo decisório. Na Grécia abrangia uma cidade, conforme a etimologia da palavra. Nos Impérios alcançaram grandes territórios e diferentes povos. O controle estatal cresceu também quanto ao objeto regulado. Reuniões na ágora deliberavam basicamente sobre guerra ou epidemias. Hoje o Estado delibera até sobre condutas que não transcendem a pessoa do agente, como o uso do cinto de segurança.

Norberto Bobbio (1909 – 2004) nos lembra que a primeira geração de direitos dizia “não faça”, direitos negativos. Era o poder central e dirigindo-se aos súditos. Não mate, não roube, não tome a mulher do outro são normas da primeira geração do Direito, formas de contrapoder. É o mais forte que tem mais possibilidade de matar (ainda que a maior força venha de uma arma), roubar, tomar a mulher do outro. 

A segunda geração de direitos foi ditada pelos cidadãos ao Estado. Não condene sem o devido processo legal, não cobre tributo sem lei que o autorize. Normas negativas dizem: não faça. Originavam as liberdades negativas, facultando condutas. Trata-se novamente de contrapoder. Limitam prerrogativas do Estado. O direito de outrem é o limite. 

A terceira geração estatuiu obrigações de fazer. O cidadão mandou o Estado promover o bem-estar social, obrigação destinada a concretizar liberdades positivas (direito de ser). O bem público, porém, limita até condutas que não atingem a alteridade, como uso do capacete por motociclistas. O cumprimento de obrigação de fazer requer poder. O interesse ligado ao uso de leitos hospitalares, no caso, é alegado para legitimar restrição de conduta que não atinge terceiros. O lícito (não proibido nem obrigatório) fica restrito. 

Luiz Felipe de C. e S. Pondé (1959 – vivo) adverte: a expansão do conceito de bem público amplia a tutela sobre o cidadão. Faltou dizer: a publicização do Direito Privado inverte a lógica em que tudo é permitido, exceto o que é expressamente proibido, pela racionalidade do Direito Público, no qual tudo é proibido, exceto o que é expressamente permitido. 

Elites, historicamente, são compostas pelos poderes político, econômico, militar, sacerdotal, intelectual (Gaetano Mosca, 1858 – 1941, na obra “História das doutrinas políticas”). O último tipo, situado logo abaixo dos homens públicos de peso (C. Wright Mills, 1916 – 1962, “A elite do poder”). O que Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) nomeia como vontade potência, sonho dos intelectuais desde Platão (428 a.C. – 348 a. C.) em “A República”, é uma sofocracia e é o que propõe o Collegium Internacional. 

Catástrofes são o melhor argumento de legitimação do poder. O Collegium Internacional, de intelectuais e líderes, em nome da ciência vaticina catástrofes. Sugere a proteção do todo (humanidade) com o sacrifício das partes (pessoas e soberania dos estados nacionais); nova moral; nova ciência; novos poderes, entre os quais o dos intelectuais. A ciência é apresentada como unívoca, com certeza terminal (ver “O mundo não pode mais esperar”, coord. Sacha Goldman). A biologia é invocada para restringir direitos dos “órgãos” (pessoas e estados nacionais) em face do organismo (humanidade) a ser protegido pelos sábios. Salvar a humanidade é uma narrativa mais elabora que a do poema “O fardo do homem branco” (Rudyard Kipling, 1865 – 1936), do colonialismo “salvador” dos povos primitivos. 

Liberdade positiva (direito de ser) leva ao sacrifício das liberdades negativas (direito de agir e fazer). Milton Friedman (1912 – 2006) adverte: quem troca a liberdade pelo bem-estar fica sem ambas as coisas.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

RESENHA - Reunião Virtual da ACLJ (17.06.2021)

REUNIÃO VIRTUAL DA ACLJ
(17.06.2021)

   


PARTICIPANTES

Estiveram reunidos na conferência virtual desta quinta-feira, que teve duração de uma hora e meia, 10 acadêmicos. Compareceram ao grupo o Jornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos, o Agrônomo e Pesquisador Luiz Rego Filho, o Poeta e Agrônomo Paulo Ximenes.

Compareceram ainda o Especialista em Comércio Exterior Stênio Pimentel, o Especialista em Direito Penal Edmar Santos, o Médico, Teólogo, filósofo e Latinista Pedro Araújo, o Procurador Federal Edmar Ribeiro.

Estiveram presentes também o Físico e Professor Wagner Coelho, Agente Comercial Dennis Vasconcelos e o Marchand Sávio Queiroz Costa – que apareceu incialmente na tela com sua imagem invertida, propositadamente, conforme registramos no mosaico fotográfico, para pontuar que, para ele, no momento, "o mundo está de cabeça para baixo".


 
TEMA DE ABERTURA

O Presidente Reginaldo Vasconcelos abriu os trabalhos deflagrando o debate sobre quem serão os candidatos ao título de Destaque Cearense 2021, a ser outorgado pela ACLJ em dezembro vindouro, bem como a eleição da Palavra do Ano  aquele termo mais marcante dentre os mais repetidos pelos brasileiros e pelas mídias nacionais no período. Apresentou as suas sugestões pessoais, que submeteu aos demais participantes da reunião. 


ASSUNTOS ABORDADOS

Paulo Ximenes especulou sobre a questão dos critérios do bom-gosto, e a sua relatividade, diante da premissa de que o gosto pessoal não se discute.

A propósito do tema, Reginaldo referiu a trecho de seu livro "Eutimia", que em seu capitulo "A Estética e a Diferença" aborda o assunto do bom-gosto, abaixo citado:


 "Dizer assim parece significar que o bom-gosto seja um mito. Não. O bom-gosto existe, sim, devendo ser perseguido e cultuado. As expressões do bom-gosto são aquelas que nascem da espontânea expansão da natureza – genuínas, originais, honestas, frutos do melhor estro e da elaboração mais apurada.

A criação bem inspirada, a tradição verdadeira, a límpida efusão do espírito humano, a paciente depuração da arte, o desiderato honesto e persistente de aproximar a perfeição, essas são as virtudes que produzem e marcam todas as coisas de bom-gosto. O cancioneiro de raiz e a música erudita são exemplos de bom-gosto, abrangendo os extremos – do muito singelo ao muito complexo. É de bom gosto o que é nobre e raro, o que é original e puro, o que é criativo e autêntico.

O bom vinho, a boa música, a boa mesa, o bom figurino, os bons hábitos, tudo isso nasce do interesse humano de se aprimorar e de bem servir à obra humana. São elementos do bom-gosto. A grosseria, a bestialidade, a cupidez, a imitação fraudulenta, o intuito de produzir em massa com o objetivo maior de corromper a  cultura e mercantilizar falsos valores, esses são os grandes móveis do mau-gosto".



Em seguida, por provocação de Pedro Araújo, se abordou o tema da maturidade, cada idade nova representando um aprendizado, trazendo a necessidade de uma atitude especial diante da sociedade e da família. 

Que, embora a legislação atual imponha tratamento especial à pessoa idosa, o preconceito contra ela subsiste no mundo civilizado, enquanto para os povos primitivos os velhos eram tratados como a grande reserva de sabedoria, objeto de respeito e detentores de grande autoridade, compondo conselhos de anciãos.    

PERFORMANCES LITERÁRIAS

Edmar Ribeiro contou um episódio de sua infância no Acre, onde nasceu, e a propósito, declamou um poema  de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.




Dennis, por seu turno, leu um texto seu, com uma interessante reflexão sobre o amor sereno, a paixão romântica, o furor erótico.



Finalmente, Pedro Araújo disse esse poema telúrico, do grande Padre Antônio Tomás.

  



    DEDICATÓRIA

A sessão virtual da ACLJ realizada nesta quinta-feira, dia 17 de junho, foi dedicada ao dramaturgo cearense Haroldo Serra, do qual neste dia 16 de junho se registrou o aniversário de dois anos de sua morte . Ele faleceu aos 84 anos, em 16 de junho de 2019, deixando como seu continuador nas artes cênicas o filho Hiroldo Serra.


 

Haroldo, ao lado de sua mulher Hiramisa, foi o maior nome contemporâneo do teatro local, movimentando a nossa dramaturgia à frente da "Comédia Cearense", grupo que criou e que durante muitas décadas montou a opereta "A Valsa Proibida", obra musical de Paurillo Barroso, com diálogos de Silvano Serra, pai do confrade Stênio Pimentel – peça que a cada ano lotava o Teatro José de Alencar. 

 

   

terça-feira, 15 de junho de 2021

ARTIGO - Teorias Estranhas (RMR)

 TEORIAS
ESTRANHAS
Rui Martinho Rodrigues*

 

 

A escola antropológica do evolucionismo social, teve em Edward Burnett Tylor (1832 – 1917) um grande autor. Ele estudou culturas primitivas. Enfatizou o desenvolvimento da mitologia e religião. Entendeu que os povos primitivos imaginaram a existência da alma. Ainda se falava em povos primitivos. Claude Lévi-Strauss (1908 – 2009) ainda não adotara o nome “ágrafos”, substituindo o primitivismo pela falta de escrita.


Depois, para Tylor, teria havido desenvolvimento das religiões. O politeísmo e a hierarquia entre os deuses teriam sido induzidos pela estratificação social. O monoteísmo seria uma evolução do politeísmo, por influência do advento da monarquia. 

Tylor propunha quatro pontos: negava o sobrenatural e o mistério. Tudo estava explicado cientificamente. O monoteísmo era o ponto final da evolução do fenômeno religioso. Só restava ao processo evolutivo o abandono do sobrenatural, a secularização. Por último, sugeria a verificação de sua teoria procurando povos cuja cultura e crenças confirmariam sua teoria. 

A evolução do animismo ao monoteísmo, passando pelo politeísmo e desembocando na secularização, guardam semelhança com a “lei dos três estados”, de Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798 – 1857). Atribuo a semelhança ao cientificismo, ao eurocentrismo e ao evolucionismo historicista, influenciado pelo evolucionismo biológico. 

A transcendência contraposta ao incômodo da finitude; a busca da totalidade e radicalidade preenchendo lacunas, mais tarde apontadas por Thomas O’Dea em “Sociologia da Religião”, não ocorreram a Tylor. Nem os arquétipos. O Erudito britânico teve o apoio da comunidade científica. Wilhelm Schmidt (1868 – 1954), da Universidade de Viena, etnólogo e clérigo, por exemplo, considerou a teoria de Tylor incontestável. 

Andrew Lang (1844 – 1912), discípulo de Tylor, seguiu a orientação do mestre. Chegou ao quarto ponto. Estudou relatórios sobre culturas de povos primitivos da Austrália, África, América do Norte, Terra do Fogo, feitos por observadores dos primeiros contatos com os citados povos. Havia, sim, a ideia de um Deus criador, tradição muito antiga e difundida. A comunidade universitária, porém, os descartava como influenciados pelo cristianismo. Don Richardson (1935 – vivo), em “O Fator Melquisedeque”, manifesta perplexidade diante do desprezo dos eruditos pelas evidências. 

Ciência e comunidade científica perfeitas são ilusões. Gaston Bachelard (1884 – 1962), em “O Novo Espírito Científico”, mostra que o conhecimento pode ser obstáculo epistemológico. Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1996), em “A Estrutura das Revoluções Científicas”, mostra a cegueira e a incomunicabilidade dos paradigmas e que a comunidade científica nunca aceitou uma inovação contrária ao conhecimento estabelecido. 

Por isso os erros de Aristóteles retardaram o avanço da ciência. Max Karl Ludwig Planck (1858 – 1947) teria dito que a Física só avança quando morre uma geração de Físicos. Sigmund Schlomo Freud Freiberg (1856 – 1939) foi expulso do Conselho de Medicina. Os micróbios, de Louis Pasteur (1822 – 1995), não foram aceitos pela comunidade científica da época. 

Tylor retratou-se muito depois. Mas as ideias têm vida própria. Seguidores dos seus erros continuaram errando. Eruditos sábios, como Lang, fazem a “digestão” das leituras. Meros acumuladores não “digerem” as tramas epistemológica e teórica. Limitam-se ao argumento de autoridade: fulano disse. A ciência é invocada a toda hora, seguida de “está provado”. Acumuladores escutam e repetem.


ARTIGO - Segredo de Polichinelo (RV)

 SEGREDOS
DE POLICHINELO
Reginaldo Vasconcelos*


 

É possível enganar alguns durante todo o tempo e enganar todos durante algum tempo. Mas não se pode enganar todos, durante todo o tempo”. (Frase timbrada pelo pensador evangélico francês Jacques Abbadie – 1654-1727, popularizada pelo Presidente norte-americano Abraham Lincoln – 1809-1865).


Mundo afora não se sabe exatamente o que se passa no Brasil – até entre os que pensam que sabem – mas dentro das nossas fronteiras geográficas ninguém mais está enganado sobre a realidade nacional. 

Todos conhecemos hoje o caráter dos personagens da vida pública brasileira, seu passado, sua sanha, suas taras, porque as “redes sociais” eletrônicas rasgaram os véus ilusionistas. Nada escapa às gambiarras da Internet – câmaras e microfones por toda parte, escancarando a veracidade dos fatos e detonando as ficções facciosas.


A imprensa profissional ainda se agarra ao velho mito de que seja “formadora de opinião”, e os institutos de pesquisa seguem tentando manipular as estatísticas – melancolicamente – porque as evidências se impõem e as desmentem inteiramente. 

Aliás, caíram por terra aquela tese nazista de que a mentira repetida toma foros de verdade, e os métodos gramiscianos que adotam a prestidigitação psicológica. A mistificação não cola mais.      

Assim, tanto os da esquerda quanto os da direita, e mesmo os ditos “isentões”, todos sabemos de tudo, temos plena sabença dos fatos – os falsos juízes, os desmoralizados paladinos da moral, os concupiscentes políticos, os ladravazes da República. Porém, cada ala constrói ou elege a “narrativa” que prefere defender e propalar. 

Sim, o Presidente é disruptivo: conservador, militarista, falastrão, aloprado – e todo bolsonarista sabe disso. Abre o flanco, não engana. Fala o que vem à cabeça, faz aposta bíblica na verdade nua e crua. 

Lembra aquele personagem cômico do ator Luiz Fernando Guimarães, o qual vivia metido em conflitos pela compulsão de ser sincero, por não conseguir praticar a mentira delicada, elegante, caridosa, utilitária.

Mas Bolsonaro não é corrupto, não é ladrão, não é fascista, nem misógino, nem autoritário, muito menos racista, nem mesmo homofóbico – e todo esquerdista sabe disso, embora se mantenha propalando o contrário. Às favas com a verdade!

Ora, o homem foi vítima de um atentado tenebroso, e, eleito Presidente da República, não moveu uma palha para alcançar os covardes mandantes (que todos sabem quem são), ou trucidar o tresloucado executor.

O problema é que a verdade é invencível, inexpugnável, irresistível, inconfundível, soberana. Ela vem a furo, vem à tona, prevalece ao fim e ao cabo – principalmente nestes tempos devassados pelas mídias cibernéticas. Tudo está exposto nas vidraças do mundo. É ocioso mentir. É impossível enganar.



COMENTÁRIO

Aquela famosa afirmação de e Nietzsche, em um fragmento de 1887, de que “não existem fatos, apenas interpretações”, foi mote de releituras de “tanto faz” ou de “liberou geral” dos dias de hoje. No fim, é uma estratégia de desvalorização dos fatos em prol de interesses pessoais e por isso devemos nos perguntar criticamente quem são e como o fazem, estes que assumiram para si a tarefa de controlar a veracidade dos discursos dos outros, lembrando de Arendt, Derrida e Miles.

 Codorno