quinta-feira, 30 de abril de 2020

ARTIGO - Epidemias e Economia no Mundo (AS)


EPIDEMIAS E
ECONOMIA
NO MUNDO
Arnaldo Santos*  



Em tempos pandêmicos causados pelo coronavírus o mundo enfrenta dois graves problemas. O primeiro, de saúde pública, com altos índices de infectados e mortos em todo o mundo, e o segundo, de ordem econômica, de consequências ainda impossíveis de se mensurar.

Ao contrário do que parte expressiva do setor produtivo brasileiro quer fazer parecer, bem como alguns políticos mal intencionados, ou incapazes de compreender a realidade (este parece ser o caso do Presidente Bolsonaro),  crises econômicas provocadas por epidemias têm precedentes na história, séculos antes da globalização.

Claro que não podemos ignorar que os contextos históricos e de desenvolvimento científico são muito diferentes. Essa realidade nos impossibilita fazer comparação direta, mas apesar da distância no tempo, todas são epidemias, e guardam características sociológicas e econômicas comuns, que também encontramos em outras graves crises de saúde, como a gripe de 1918 – conforme observa a professora de História Econômica da Universidade de Barcelona, Carmem Sarasúa.

Em respeito à História, também é imperioso reafirmar que, na sequência de todas as pandemias, ancorada nos fundamentos do capitalismo, a economia se refez, e sempre com resultados quantitativos e qualitativos ainda mais significativos.

Nessa perspectiva, os setores industriais, comerciais e de serviços tiveram que rever seus modelos de produção, as relações de trabalho, (ainda que com perdas para os trabalhadores); e, do lado da sociedade como um todo, foi necessária a incorporação de novos hábitos e padrões de consumo.

Na segunda metade do Século XIV, por exemplo, quando nem existiam os aviões, a economia medieval na Europa experimentava um ambiente de ascensão, pelo aumento da produção agrícola, o desenvolvimento das cidades e a expansão das atividades comerciais.

Nesse ambiente, o mundo assistiu à peste negra interromper esse processo expansionista, matando milhões de pessoas, do Leste da Ásia à Europa Ocidental (estudos demográficos indicam que houve a diminuição de um terço da população da Europa), o que dá uma dimensão do tamanho da retração das atividades produtivas; nem por isso a economia perdeu a capacidade de se reinventar. Agora não será diferente, nem no Brasil e nem no resto do mundo.

Os rebatimentos da peste negra provocaram uma vertical redução das atividades comerciais, bem como a desestruturação dos processos produtivos pelas propriedades feudais, forçando a redefinição dos seus métodos, dos hábitos de higiene, e da cultura política vigente, sob os quais se assentavam as instituições que davam sustentação à ordem feudal.

O que se vivenciou a seguir foi uma Europa em transformação, se preparando para compreender o mundo moderno que ainda estava vindo.

Quando olhamos para o Século XX, nos deparamos com as duas maiores crises da História, que são a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, (1914/1918 e 1939/1945), em que os impactos econômicos em escala mundial foram infinitamente maiores do que os esperados para o pós-coronavírus.

Nesses tempos de coronavírus o Brasil deve revisitar a História (há muitas lições a aprender, para entender o presente), se capacitar para absorver os impactos que serão legados pela Covid-19, para o surgimento de uma economia ainda mais desenvolvida e moderna, assentada em novos modelos de produção, comércio e serviços, que surgirão a partir do aprendizado que vamos acumular, com experiência vivenciada, além de criar uma infraestrutura de ação e combate a eventuais epidemias que o Brasil possa vir a enfrentar no futuro.

Ninguém desconhece que os rebatimentos dessa pandemia, especialmente sobre as economias das unidades subnacionais, serão ainda mais agudas. No curto prazo teremos a diminuição da produção, e o encolhimento do comércio, combinado com aumento do desemprego, e da subutilização da força de trabalho, provocando o crescimento da informalidade.

Essas consequências serão tanto menores, quanto maiores forem as ações políticas e econômicas do Governo Federal, em uma ação articulada com os governadores.

A julgar pelo que estamos vivenciando, as perspectivas não são das melhores.


COMENTÁRIO
    
Uma breve e excelente aula de história e sociologia, com pauta para os aspectos políticos e econômicos, em um posicionamento óptico de crítica cidadã. Parabéns, Dr. Arnaldo Santos.

Edmar Oliveira


CRÔNICA - Mulher Alfa (ES)


MULHER ALFA
Edmar Santos*


MUSICA TEMÁTICA: Future Nostalgia é o segundo álbum de estúdio da cantora inglesa Dua Lipa. Foi lançado em 27 de março de 2020, através da gravadora Warner Records.





Elas se insurgiram contra o tempo, as sociedades e suas culturas, que as subjugam às vontades masculinas. Afloraram seus arquétipos, expuseram suas sensualidades, afirmaram a propriedade de seus corpos.  O rosa choque não tolera mais provocação, não sem luta!

É um novo século, e na música de Dua Lipa (viva, 2020), Future Nostalgia, constata-se a permanência de um paradigma feminino:

 

I know you're dying trying to figure me out/

Eu sei que você está morrendo de vontade de me entender

 

A letra aponta essa nova característica do ser mulher; uma “nostalgia futura”, uma projeção do passado para o amanhã da antiga vontade de entendimento do ser feminino. Em vão labuta a mente dos sapiens nessa busca sem fim.

 

A troca de ordem nas relações homem-mulher avexa os dogmas morais das sociedades tradicionalistas, atualmente solapadas pela constituição de um mundo sem fronteiras, desenhado pela internet. Atormentado, o ser masculino estremece sobre o eco das vozes que dizem:

I know you ain't used/To a female alpha (No way, no way)
“Eu sei que você não está acostumado com uma mulher alfa” “(Não mesmo, não mesmo)

As vozes soam em tom agudo, suave e penetrante, reverberando uma máxima contundente que faz a mulher assumir a voga, o lugar alfa, a diretriz de sua própria história e projetos. Segue o som!

You want the recipe, but can't handle my sound/
My sound, my sound/
“Você quer a receita, mas não aguenta o meu som”
“Meu som, meu som”

Ondas sonoras se propagam, agudas, agudas... toctoc... salto alto. Escutem, elas estão na ponta. Ainda gostam de homens. Ainda bem!





COMENTÁRIOS

E viva as conquistas femininas. Evoluir sempre. Parabéns pelo texto.
Rosângela Santos

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E a fogueira dos sutiãs continua acesa!!!rsrsrsrs!
“Mulheres gostam de flores
Mulheres gostam de shampoo
Mulheres gostam de espelho
Mulheres gostam de corpo nú...

Mulheres gostam de homens
Mulheres gostam de gastar
Mulheres gastam o tempo
Não gostam de ver o tempo passar...

Algumas gostam de mulheres
Algumas choram demais
Mulheres amam os filhos
Mulheres amam os pais...

Mulheres gostam de batom
Mulheres gostam de homens
Que não perguntam se foi bom...”
(Mulheres Gostam –Marina Elali).
Franco Neto

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Lindo texto e parabéns.
Gildásio




A SEGUNDA MELHOR POSTAGEM DO DIA - Esse Ano Eu Não Morro (AA)




Alana Alencar*

Esta é a segunda melhor postagem desta quarta-feira no Grupo de Whatsapp da ACLJ, encaminhada pela confreira Alana. É um simpático vídeo clipe cearense, realizado por Leandro Kemps, com a técnica de animação cinematográfica stop motion, datado de abril de 2020, intitulado "Esse Ano eu Não Morro", título da canção de autoria de Belchior que é tema musical do trabalho, no qual se faz citações a outros artistas cearenses, como Espedito Seleiro, Patativa do Assaré e Sérvulo Esmeraldo.    


quarta-feira, 29 de abril de 2020

A MELHOR POSTAGEM DO DIA - Hospital Espanhol (AC) - Bailarinos (TL)


Nesta quarta-feira empataram duas postagens no Grupo de Whatsapp da ACLJ  na primeira colocação para o Oscar do melhor clipe do dia, encaminhadas pelos confrades Antonino Carvalho e Totonho Laprovitera. 



Antonino Carvalho*

A primeira delas é um vídeo anônimo registrando a saída do último paciente de Covid-19, após receber alta de um hospital de campanha na Espanha, e a comemoração dos profissionais de saúde que nele trabalhavam. Comovente. Uma cena que em alguns meses estaremos vendo no Brasil.       





 Totonho Laprovitera*

A segunda é um clipe da BBC One, denominado Strictly Come Dancing, em que o casal de bailarinos faz uma encenação teatral, ele tenta cortejá-la no banco de uma praça com a oferta de bombons, ela a princípio resiste, mais termina dançando com ele e ao final parece ceder ao seus encantos.   


CRÔNICA - Diz-se do Tempo (ES)



Diz-se do Tempo
Edmar Santos*


MUSICA TEMÁTICA: TEMPO PERDIDO – Inclusa no álbum “Dois” que é o segundo álbum de estúdio da banda de rock brasileira Legião Urbana, lançado em julho de 1986.




O tempo, depois da sabedoria, foi o outro ente que, no início de tudo, andou com Deus. Participou da criação, e, por ser eficiente, se eternizou.


O homem, ao perceber a existência do tempo, se admirou vendo-o passar: ora dia, ora noite. E assim começou nossa história em querer dominá-lo, contando-o. Sono e vigília.

Todos os dias quando acordo/Não tenho mais o tempo que passou/Mas tenho muito tempo/Temos todo o tempo do mundo

Entretanto, o mundo lá de fora se defronta com o mundo de dentro do crânio. A cronologia não explica o descompasso. Lembrar-se do que se quer esquecer, esquecer o que quer ser lembrado. Viver pensado quando dia, sonhando quando noite. Que vida! Vigília e sono.

Todos os dias antes de dormir/Lembro e esqueço como foi o dia/Sempre em frente/Não temos tempo a perder

Perder o que se ganhou para viver é não viver. O tempo é de ninguém e está para todos, para o mundo; seja o de dentro, seja o de fora. Interno selvagem, externo humano, vice-versa. Somos.

O ócio divertido é tão produtivo quanto. Produz dopamina, adrenalina... e o sorrir é produto do tempo interno visualizado pela admiração do que é de fora. Diversão suada. Seriamente brincante.

Nosso suor sagrado/É bem mais belo que esse sangue amargo/E tão sério

A seriedade de viver contrasta com o viver pra ser feliz. Não se vive felicidade, apenas se experimenta. No tempo infantil esperamos que nos peguem nos braços; jovens queremos que nos soltem, quase ninguém merece nos abraçar; quando velhos esperamos que alguém nos sustente de pé. Em que tempo estamos?

Então me abraça forte/Me diz mais uma vez que já estamos/
Distantes de tudo/Temos nosso próprio tempo

Em cada fase da vida é nossa própria; o aprendizado por vezes é pela dor. E quando se percebe que finalmente sabemos de algo, toda a certeza some por não haver resposta para tudo; sempre há algo oculto abaixo do sol, menos a vaidade. Tudo perdido?

O que foi escondido/É o que se escondeu/E o que foi prometido/
Ninguém prometeu/Nem foi tempo perdido

Somenos importa a fase vivida, cada uma deixou ou deixará seu legado. É dentro do crânio que a vida flui, e no corpo que se experimenta. Em que tempo estamos?

/Somos tão jovens/ Tão jovens/
Tão jovens.

A juventude intracraniana é superior ao tempo, é espiritual. O tempo não é para ser contado, mas para ser usufruído.








COMENTÁRIO

Excelente texto.       
Daniele Queiroz
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Que texto mais maravilhoso!
òtimas reflexões.
parabéns.:)
Cal Cavalcante
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Renato Russo acabou de ter sua música dissecada pelas brilhantes palavras atemporais de Edmar.
Belém
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É um prazer lê o texto desse, parabéns
Gildásio
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Olha, o grande poeta Renato Russo de quem eu sou muito fã, deve estar até agora aplaudido do andar de cima, esse, cá embaixo, que é nosso poeta Edmar Santos que com grande maestria tramou a poesia de Renato com a tessitura de suas palavras. Aplausos!!!!
Franco Neto


terça-feira, 28 de abril de 2020

A MELHOR POSTAGEM DO DIA - Amor Animal (AA) - Pasodoble (LM)


Nesta terça-feira empataram duas postagens no Grupo de Whatsapp da ACLJ  na primeira colocação para o Oscar do melhor clipe do dia, encaminhadas pelos confrades Alana Alencar e Luciano Maia. 




Alana Alencar*

A primeira delas é um clipe anônimo que apresenta uma sequência de comoventes demonstrações de carinho entre animais irracionais e seres humanos. O vídeo apresenta um belo exemplo de harmonia entre a pessoa humana e os demais componentes da fauna, contudo traz à tona um dilema irresolvível. Entre os espécimes afetuosos que participam da gravação, há alguns que são herbívoros, e há outros, carnívoros e onívoros, que estão instintiva, orgânica e psiquicamente destinados a consumir proteína animal, de modo que precisam devorar os outros para a sua sobrevivência.       






 Luciano Maia*

A segunda é um vídeo doméstico em que um jovem toca magistralmente um violino, da janela do seu apartamento, na linha dos lives que vem caracterizando o isolamento social,  executando um lindo pasodoble, estilo musical espanhol que evoca o clima e embala o ambiente das touradas.  



segunda-feira, 27 de abril de 2020

ARTIGO - O Labirinto da Ciência (RMR)


O LABIRINTO
DA CIÊNCIA
Rui Martinho Rodrigues*


A instituição universitária tem origem medieval. Tem os genes do corporativismo de suas origens. Sobreviveu às transformações históricas, demonstrou versatilidade e resistência. Entre os séculos XV e XIX, porém, limitou-se a defender saberes estabelecidos com posturas dogmáticas. Posteriormente a riqueza e o poder sentiram agudamente a instrumentalidade do conhecimento válido. Letrados, peritos e escribas ganharam importância, conforme descreve Carl Wright Mills (1916 – 1962), na obra ‘A elite do poder”. 

Os três tipos citados são variações do intelectual, ou mais precisamente, seus precursores, conforme Raymond Arond (1905 – 1983), na obra “O ópio dos intelectuais”. Os feitos da Revolução Científica do séc. XVII, no campo das ciências da natureza, trouxeram prestígio para a ciência. As distinções entre diferentes ciências, porém, escapam ao grande público. Nem toda ciência “proíbe” resultados diversos de suas previsões, escapando ao teste de validação, que é a falseabilidade proposta por Karl Raymond Popper (1902 – 1994), na obra “Conjecturas e refutações”.

A validação percorre caminhos tortuosos. A ciência é o conhecimento mais confiável no campo fenomênico. Usufruir do prestígio que ela proporciona rende farta colheita. O adjetivo “científico” adquiriu status de vaca sagrada. A história do conhecimento científico, todavia, é um cemitério de erros. Quatro modelos de átomo se sucederam em aproximadamente duzentos anos. A queda de cada um deles é o enterro de um erro da ciência. O conhecimento avança corrigindo erros. Não por ser infalível. Nem sempre a validação do conhecimento é monolítica. A divergência é muito frequente na comunidade científica. A validação por ela nem sempre é cristalina.

O número de publicações sofre distorção do paradigma dominante, como assinala Thomas Samuel Kuhn (1922 – 1996), em “A estrutura das revoluções científicas” e pode atender a interesses de grupos. Artigos científicos podem ser devolvidos com a sugestão de que o autor cite fulano e sicrano, promovendo-os. Existe, ainda, o despreparo de alguns doutores. Eles nem sempre são doutos.

A orientação acadêmica, já o dissemos no livro “Pesquisa Acadêmica” (está esgotado, não é propaganda), chega a recomendar um número mínimo e máximo de páginas para trabalhos científicos, ignorando a complexidade do objeto, a natureza do estudo, o estilo do autor e outros aspectos. C. W. Mills afirmou: o sociólogo que não for capaz de se expressar em até cento e cinquenta páginas não sabe o que quer dizer. Depois escreveu “A elite do poder”, com cerca de quatrocentas páginas. Consultores ad hoc avaliam bibliografias pelo ano da edição das obras citadas e recomendam a escolhas de objetos que estejam na moda. Livro sobre norma técnica já foi publicado com o título de metodologia científica por ignorar o que seja tal coisa.

Karl Emil Weber (1864 – 1920) discorreu sobre ciência como vocação, distinguindo ciência de política. Hoje prevalece o entendimento de que tudo é política. Certamente o é. Impende, todavia, discernir entre diferentes significados de política. Politizar problemas técnicos é um grave erro, como invocar em vão o nome da ciência pode ser uma farsa. Louis Althusser (1918 – 1990), após sair da prisão, negou que tivesse interesse em voltar ao meio universitário. Justificou desqualificando o ambiente acadêmico onde viveu e foi prestigiado. Não é um meio pior que a sociedade em geral, mas está longe de ser melhor. Isso vale para a política. Misturar as duas coisas é reunir os defeitos de ambas.


CRÔNICA (A QUATRO MÃOS) - Lembranças Gentis de Excêntricas Senhoras (RV-AA)


LEMBRANÇAS GENTIS
DE
EXCÊNTRICAS
SENHORAS
Reginaldo Vasconcelos*
Alana Alencar**


Minha avó Jurema era prima e grande amiga da Maria Juracy, mãe de uma prole ilustre de médicos, intelectuais, um militar de alto coturno, o mais conhecido dos filhos o jornalista Armando Vasconcelos, hoje falecido.

Uma das filhas dessa prole, a Salésia, foi quem me alfabetizou, e, consequentemente, uma das minhas primeiras paixões. Eu me arrepiava todo quando ela pegava na minha mão para desenhar as letras do alfabeto com um “pincel atômico” sobre uma cartolina – método de ensino trazido do Estrangeiro, que substituía o “bê-á-bá”.

Em 2017 a Salésia, já octogenária, a meu convite, compareceu a evento da ACLJ no Iate Clube de Fortaleza. Abraçamo-nos, e nunca mais nos vimos.

Gerardo, um dos médicos daquela irmandade, musicófilo, na juventude trocava figurinhas com meu tio Luciano, advogado, também grande apreciador de livros e de músicas.



E ambos os primos tinham a canção italiana “Volare”, de Domenico Modugno, sucesso no início dos 60, como o hino daquela época, tema sentimental de seus namoros juvenis. Então, a música tocava diuturnamente nas radiolas das casas de Dona Jurema e de Dona Juracy.

Um dia uma telefonou para a outra, e esta última, que era muito espirituosa, confessou: "Jurema, eu não aguento mais um 'pinto de blusa' que se instalou aqui em casa".

Ela fazia uma paródia com um trecho refrão da letra da música de Modugno, cantada em italiano: Nel Blu, Dipinto Di Blu – “no azul, pintado de azul”.

Maria Juracy gostava de dizer obscenidades, entre as amigas e as mulheres da família, naquele tempo em que as mulheres tinham que ser muito recatadas.

Dona Jurema, por seu turno, não articulava qualquer palavra feia, fazia de contas que sexo não existia, e repreendia severamente qualquer referência a atos libidinosos que se fizesse perto dela.

Mas, a prima Juracy tinha salvo-conduto para dizer o que quisesse. Quando ela vinha de lá com um bem-humorado disparate, Dona Jurema sorria, e justificava: “Maria Juracy parece que é doida!”. E continuaram muito amigas, pela vida toda.


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Que linda... a Dona Jurema!

Eu conheci alguém como a “Maria Juracy”. Inclusive, dediquei a ela o meu primeiro livro de poemas – “Trago do Verbo”. Didi (apelido), ou Eliz Deire (pseudônimo), ou Zuíla (seu nome mesmo) era uma velhinha delicada... mas sem qualquer pudor.

Era linda. Ficou solteira a vida toda e morava com o irmão, Milton, e a esposa dele, Maria. Ele criava pombos, e me ensinava a fazer bichos de sombra com as mãos. Ensinou-me também a jogar purrinha.

Eles eram amigos do meu pai... tinham sido vizinhos. E eram primos da minha avó Cléa, que na verdade, em linha sucessória, era minha tia-bisavó.

Assim como a Dona Jurema, minha avó também tinha lá suas reservas quanto às palavras e ao sexo em geral. Costumava repetir em voz alta "não casei porque não quis, pois tive muitos pretendentes". 

Retrucava da Didi algo muito próximo do que a Dona Jurema dizia da Maria Juracy. "Zuíla é muito irreverente". 

Didi achava que todo mundo deveria andar nu, pois os corpos eram obras de arte! Eu adorava ir passar a tarde lá. Com Eliz Deire eu podia conversar sobre muitas coisas! Terminava de lanchar e dizia: “Estou cheia!”. Ela me olhava e repreendia: “Não! Você está satisfeita!”.