quinta-feira, 24 de abril de 2025

ARTIGO - Nas prateleiras do Gênio (APMR)

 NAS PRATELEIRAS
DO GÊNIO
(Excursão em Reservas da minha Étagère, de Vianney Mesquita)

Ana Paula de Medeiros Ribeiro*

 

A verdadeira facilidade de escrever provém da arte e não do acaso. ALEXANDER POPE.

       

Ler Reservas da minha Étagère foi como ingressar em uma cápsula literária, ser arremessada para dentro de um caleidoscópio e orbitar entre múltiplos arranjos de erudição e de estilo.

A obra, publicada em 2024 pela Expressão Gráfica, apresenta-se como um relicário! São vinte e cinco peças exímias de apreciação crítica que revelam o pensamento vasto e a inteligência singular do autor. 

Vianney Mesquita, mestre de estirpe intelectual elevada, imortal da Academia Cearense da Língua Portuguesa, da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo e da Arcádia Nova Palmaciana (fundador) e cultor supremo da língua, finca sua pena nas 180 páginas da obra com a elegância de um espadachim clássico. 

Cada capítulo, ora ensaístico, ora dissertativo, por vezes laudatório, apresenta-se como uma obra repleta de refinamento vocabular e exatidão sintática que fazem da leitura um exercício de elevação intelectual. 

A diversidade temática presente no livro é sobremaneira notável: Filosofia, História, Direito, Educação, Medicina e Literatura. As obras apreciadas, de autores oriundos das mais prestigiadas universidades do Ceará e de fora dele, ganham, sob o crivo de Vianney, uma releitura que transcende o comentário acadêmico. Sob a visão de Vianney, tornam-se peças dialógicas e intertextuais que expandem o conhecimento que já traziam originalmente. 

O estilo de Vianney possui feição inconfundível! Suas escolhas léxicas e a orquestração da pontuação conduzem o leitor em trilhas sonoras, musicadas sintaticamente como o fazem os grandes escribas da língua portuguesa. 

Não bastasse a excelência das apreciações, o fecho do volume é coroado com oito textos laudatórios redigidos por distintos autores sobre obras do próprio Vianney, um epílogo que não apenas homenageia, mas ratifica o lugar de destaque que ocupa o autor nas letras brasileiras. 

A excursão pelas prateleiras do gênio fez-me rendida pelo encantamento do rigor, da erudição e da poesia de sua inteligência! 

Foi raro deleite! 

Fortaleza, 22 de abril de 2025.


sábado, 19 de abril de 2025

NOTA ACADÊMICA - 15ª Assembleia Geral Aniversária

ACLJ
TRÊS LUSTROS DE EXISTÊNCIA VIRTUAL
14º ANO DE SUA INSTALAÇÃO OFICIAL


A Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, a ACLJ, chega aos quinze anos de sua gestação, e quatorze da solenidade de sua instalação oficial. 


ANIVERSÁRIO 

Neste primeiro quarto de século a existência da ACLJ transcorreu brilhantemente, com grandes realizações no campo da literatura e da cultura cearense como um todo – acontecendo exatamente na transição entre o jornalismo exclusivo de imprensa física, radiofonia e televisão, para a comunicação cibernética direta e interativa pelas redes sociais da Internet. 

Essa confraria de letrados tornou-se a mais operosa e prestigiada do Ceará, que dentre as Unidades da Federação é pioneiro na criação de entidades desse gênero, e tem tradição de instituir congêneres, reunindo uma diversidade de vocações artísticas e de vertentes do intelecto, disseminadas por todas as regiões e maiores cidades do Estado.


SOLENIDADE – POSSES 


Na Assembleia Geral Aniversária da ACLJ deste ano, prevista para o dia 14 de maio, no auditório principal do Palácio da Luz, tomarão posse na dignidade de Membros Beneméritos o economista e professor Gonzaga Mota, Ex-Governador do Estado, e o engenheiro e megaempresário José Carlos Pontes, CEO do Grupo Marquise, nomes propostos pelo empresário Beto Studart, Membro Benemérito, e eleitos pela Decúria Diretiva.

 

SOLENIDADE – DOCUMENTÁRIO

A pauta do cerimonial deste ano não terá a tradicional retrospectiva vídeo-fotográfica. A Decúria Diretiva resolveu, em vez disso, dedicar a sessão natalícia ao teatro cearense, tendo em vista que, no ano do advento da instituição, ocorreu a última temporada da opereta A Valsa Proibida. 

A única peça do teatro clássico produzida no Estado, que estreou em 1941, a opereta foi um fenômeno de público e de crítica a cada uma das suas várias montagens, recorde de lotação do Teatro José de Alencar – até a primeira década deste século. Dois de seus coautores são Patronos Perpétuos de cadeiras da ACLJ, cujos acadêmicos titulares são respectivos filhos deles.

 

A peça teve todos os seus diálogos escritos pelo dramaturgo Silvano Serra (pseudônimo de Joaquim Gomes Filho [1904-1982]), pai do Stênio Gomes, de atuais 82 anos; a letra da música-tema é do intelectual Otacílio de Azevedo [1892-1978], pai do Nirez (pseudônimo de Miguel Ângelo de Azevedo), hoje com idade de 91 anos, todos pertencentes à quadraginta numerati da ACLJ.  O autor das músicas da opereta, por seu turno, foi o artista sônico Paurilo Barroso [1894-1968]. 

O Grupo Empresarial M. Dias Branco patrocinou a elaboração de um interessante documentário sobre A Valsa Proibida, e a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec) prestou apoio cultural, trabalho videográfico primoroso, elaborado e dirigido pelo jornalista e pesquisador Roberto Bomfim, e produzido pela Zoom Digital, do videomaker Eduardo Barros Pinheiro. 

Ao final da solenidade será exibido o documentário referido, um verdadeiro show de cultura e memória histórica do Estado Alencarino.

 

ARCÁDIA ALENCARINA

Abrindo a semana de aniversário da ACLJ, no dia 03 de maio a Arcádia Alencarina, composta pelos acadêmicos acelejanos fardonados que subvencionam a entidade, promoverão uma reunião especial para dar posse a duas novas acadêmicas, a jornalista Gabriela de Palhano, que sucederá à avó, Wanda Palhano, na Cadeira nº 7, e a Procuradora da Fazenda Nacional Liana Ximenes Lessa, que, por seu turno, será sucessora do pai, o poeta Paulo Ximenes, na Cadeira nº 12.





sexta-feira, 18 de abril de 2025

CRÔNICA - Ecce Lignum Crucis, In Quo Pependit Salus Mundi (PN)

 Ecce lignum crucis,
in quo pependit salus mundi
Pierre Nadie*

 

Diante do lenho da cruz, a Nova Aliança foi selada com a morte do Cordeiro, na presença dolorosa de Sua santíssima Mãe, que O trouxe no ventre e que O amamentou no colo e que lhe ensinou os primeiros passos e as primeiras palavras.

 

Ante este sacrossanto lenho, eu Vos adoro com todas as minhas energias, com todo o meu ser, molhado pela água do Batismo e resgatado pelo Sangue eucarístico, jorrado de Vosso peito, ainda no alto da cruz. 

“Eis-me aqui, ó Bom e Dulcíssimo Jesus. De joelhos, prostro-me em Vossa Presença. Diante de Vossas cinco chagas, contemplo Vossa terrível dor e, com reconhecimento pelo seu infinito amor, Vos peço e suplico, com todo fervor de minha alma, que Vos digneis gravar, no meu coração e na minha mente, os mais vivos sentimentos de fé, esperança e caridade. Dai-me um verdadeiro arrependimento de meus pecados e o firme propósito de emenda, mesmo nas minhas fragilidades e limitações.” (esta oração cfe. editorasantacruz.com.br e com adaptação). 

“Quem invocar a Virgem Maria por suas dores e prantos terá a ventura de fazer verdadeira penitência de seus pecados, antes de morrer. E quem, por memória das dores e prantos de Nossa Senhora, incluir, em seu entendimento, também as da Paixão, receberá no Céu um prêmio especial”. (São João Evangelista, em visão a Santa Isabel da Hungria).

Eis o lenho da Cruz, no qual dependeu a salvação do mundo.

Venite, adoremus.

CRÔNICA - Reflexões Sobre o Período Pascal (GM)

REFLEXÕES SOBRE
O PERÍODO PASCAL
Gonzaga Mota*  

O período da Semana Santa representa o mais significativo para reflexões, vez que é a vitória da vida sobre a morte – ressureição de Cristo – ou seja, do bem sobre o mal.

 

Dentro desta linha de pensamento, é básico reconhecermos a importância dos valores espirituais sobre os materiais. Aqueles que são duradouros e nos conduzirão, sem dúvida, à vida eterna. Estes são efêmeros e nem sempre nos proporcionam, apesar do aparente conforto, a alegria permanente. 

Por sua vez, os sentimentos de solidariedade e amor objetivando alcançar a felicidade e o propósito da vida são fundamentais. O ódio, a falsidade, a inveja, a ambição, o orgulho, dentre outros, são comportamentos incompatíveis com uma existência saudável.

Já o ecumenismo, o perdão, a tolerância, a humildade e outros nos conduzem ao sentimento da generosidade. Ademais, é mediante a oração e a meditação que encontramos, os estados mentais positivos e nos afastamos dos negativos. 

O que somos é consequência do que pensamos. O que alcançamos decorre da busca das virtudes teologais (fé, esperança e caridade), consequentemente da nossa crença em Deus. 

Por outro lado, a violência em todas as suas formas – desemprego, fome, corrupção, analfabetismo, etc. – leva a sociedade a um clima de perplexidade e apatia, motivando mais violência e mais injustiça.

 

A análise destas reflexões nos faz lembrar dois grandes teólogos. Santo Agostinho: “O supérfluo dos ricos é o necessário dos pobres” e Santo Tomás de Aquino: “Há homens cuja fraqueza de inteligência não lhes permitiu ir além das coisas corpóreas”. Cristo sofreu para nos salvar. 

P.S. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. (João, 14.6)


ARTIGO - Morte e Ressurreição na Teologia Cristã (BA)

 Morte e Ressurreição
na Teologia Cristã
Barros Alves*

 

O apóstolo Paulo, na Primeira Epístola aos Coríntios, cap.15, vers. 14, empreende uma discussão sobre a ressurreição de Jesus e sua importância para a fé cristã. Trata-se de uma crença central no Cristianismo, cujo ensinamento e importância se impunham naquele momento inicial da pregação apostólica. O Apóstolo dos Gentios argumenta que se Jesus não ressuscitou, então a fé cristã é sem fundamento e os cristãos são os mais miseráveis de todos os homens. 

Porém, talvez pela força da tragédia no imaginário popular, o simbolismo que assomou ao longo da História da Igreja, em especial no Catolicismo foi o da cruz, ou seja, o objeto de opróbrio relacionado com a morte. É necessário morrer para ressuscitar, mas penso que a Teologia da Ressurreição deveria ser prevalecente na Igreja cristã. A sexta-feira, dia em que Jesus foi assassinado e em que se rememora a Paixão de Nosso Senhor, é o mais guardado da Semana Santa, pela piedade dos cristãos. 

Os primeiros escritores da Cristandade já se debruçavam sobre a cruz em êxtase e no período Medieval esse sentimento chegou às raias do fanatismo insano. A Teologia da Cruz é tema de profundos debates e grandes tratados dogmáticos. Na Teologia de Santo Agostinho encontramos a cruz como símbolo da salvação. Ele argumentou que a cruz é um lembrete do amor de Deus e da salvação que Ele oferece. O Bispo de Hipona acreditava que a morte de Jesus libertou a humanidade do pecado e da morte eterna. Ao morrer na cruz, pagou o preço do pecado humano e permitiu que a humanidade fosse libertada da escravidão do pecado. Isto é central no pensamento cristão.

 

Santo Tomás de Aquino, o Teólogo por excelência, ensinou que Jesus, como o Filho de Deus, tinha o poder de dar sua vida e que sua morte foi um ato de amor e obediência ao Pai. Aquino desenvolveu a Teoria da Satisfação Vicária, segundo a qual Jesus, como inocente, sofreu e morreu em lugar dos pecadores, satisfazendo a justiça divina e permitindo que a humanidade seja salva. Para o inexcedivel teólogo, a paixão de Cristo foi tão valiosa que superou a dívida do pecado humano e permitiu que a humanidade fosse reconciliada com Deus. Sem a morte de Jesus, a humanidade não poderia ser salva do pecado e da morte eterna. 

Enfim, todos os grandes mestres da Teologia cristã enfatizaram a paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo como ponto fulcral sem a qual não haveria a redenção da humanidade. Com tanta gente de bom quilate falando sobre a importância da morte salvífica de Jesus, pouco sobrou para a ressurreição na foto da Teologia cristã.

Artigo publicado no Jornal O Estado, edição de 18.04.25

CRÔNICA - Semana Santa Prolongada e Pagã (GT)

 SEMANA SANTA
PROLONGADA E PAGÃ
George Tabatinga*

 

Na primeira metade da década de 80, já casado, pai de dois filhos, bancário numa cidade no interior do Ceará, distante de Batalha, Piauí, minha terra natal, cerca de 700 quilômetros, estava feliz da vida com o tão esperado feriado da Semana Santa. 

Oportunidade de uma viagem com a família para visitar meus entes queridos, rever amigos de infância – a maioria deles já como pais de família – comer milho assado no fogão à lenha e me banhar nos diversos locais como Barragem, Bela Vista e os riachos da redondeza. Mas de todos esses locais, o Olho d’Água d’Areia era o mais frequentado, pois pertencia à nossa família e era ideal para a criançada. 

Naquele tempo a Quinta-feira Santa ainda era feriado bancário, então tínhamos quatro dias de folga para aproveitar ao máximo. E se fosse o ano de 2025, em que o feriado de Tiradentes é na segunda-feira, após o Domingo de Páscoa? Seriam cinco dias... 

Mas, calma. Além de ser rara a coincidência do calendário litúrgico com o gregoriano, desde o ano 2000 que a “Quinta Santa” não é mais feriado oficial. A última vez em que o Dia da Páscoa aconteceu em 20 de abril foi no ano de 1851, e vai ser este ano também. Nem queiramos saber quando haverá a repetição. 

Naquele ano um surto de conjuntivite – inflamação da membrana fina e transparente do globo ocular, causada por vírus, bactérias e outros – alastrava-se pelo Nordeste.

Na manhã do sábado daquele “feriadão”, reunidos debaixo de frondosas mangueiras, piscina transparente e natural daquele banho maravilhoso, entre um mergulho e um gole de cerveja, e muita animação, me veio a “brilhante ideia” de contaminar meus olhos a partir do olho de um dos primos acometido da doença, na tentativa quase perfeita de adquirir aquela virose e obter justa causa para alongar o feriado. 

Ledo engano, pois o capeta não me ajudou nessa empreitada. Após o farto almoço com toda a família no Domingo de Páscoa, ainda de ressaca, estava eu arrumando as malas dentro do meu Fusca, cor “Ocre Marajó”, para enfrentar a viagem de volta ao Ceará. 

Primeiro, os 80 quilômetros de piçarra e trepidação, até pegar o asfalto, sendo 350 para Fortaleza e mais 180 até a cidade de Jaguaruana, à beira do Rio Jaguaribe. Um merecido castigo por não respeitar os preceitos que me regem como Cristão!


terça-feira, 8 de abril de 2025

LIVRO - Passeio Onírico (RV)

PASSEIO ONÍRICO
Reginaldo Vasconcelos* 


Visitas guiadas a museus e passeios ilustrados por guias profissionais competentes são práticas corriqueiras em excursões pedagógicas e em viagens de cunho cultural aos sítios históricos pelo mundo. 

Também se tem disponíveis hoje em dia interessantes reportagens em vídeo, de cunho geográfico e tutorial, perlustrando e dissecando pontos turístico do planeta, de modo que até se torna despiciendo sair de casa para percorrer e conhecer esses roteiros.

Porém um livro em que o escritor de prosa rica e saborosa vai caminhando por calçadas da Itália e descrevendo, não somente o que vê de beleza na colossal arquitetura histórica que defronta, mas também a ambiência lírica dos espaços que percorre, e a emoção anímica que lhe assoma ao intelecto de humanista refinado, é de fato uma relíquia literária.

Foi essa a obra profundamente sinestésica que o poeta diplomata Márcio Catunda acaba de lançar – “Sinfonia Italiana – Uma História da Arte na Itália” – e dela enviou um precioso exemplar à Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, da qual ele faz parte, com carinhosa dedicatória ao presidente. 

Editado pela Ventura Editora do Rio de Janeiro, em volume de 302 páginas, a capa em verniz e altos-relevos – criada por Ernani Cortat, montada por Tchello d’Barros e realçada por Lucília Dowslley, o livro é uma verdadeira obra de arte em sua primorosa feição gráfica.
 

Nem precisava de abonações tão abalizadas, mas “Sinfonia Italiana” ainda recebe chancelas do poeta Luciano Maia e do Professor Vianney Mesquita, mais dois grandes paredros literários da ACLJ, que o recomendam nas abas da capa e na sua contracapa.  

Resta parabenizar o nosso confrade Márcio Catunda pelo trabalho magnífico, e agradecer pela gentileza do envio, exemplar que terá espaço de honra na estante quando e se, exaurido o conteúdo, me sair da cabeceira.

      

segunda-feira, 7 de abril de 2025

SONETO EM RIMAS E LÍNGUA-PROSA - Bateu Saudade! (VM)

 BATEU SAUDADE!
Vianney Mesquita*
(Jovem Krhónos)

 

(Para os árcades novos Virgínia Tétis, Otávio Zeus e Iolanda Athena – Maria Virgínia Pinheiro Campos, José Hermínio Muniz e Iolanda Campelo de Andrade Sampaio).

 

É sombria a saudade na velhice, porque as esperanças já são muito débeis para lhe darem luz.

 

[JÚLIO DINIS, pseudônimo de Joaquim Guilherme Nunes Coelho, médico, escritor e professor português]. (Porto, 14.11.1839; 12.12.1871). 

A História em Língua-Prosa

O extraordinário - e quase menino - poeta Júlio Dinis, o qual viveu apenas 32 anos, mesmo assim, reporta-se à saudade na velhice, como se a houvesse experimentado, e, com insofismável verdade, vincula as recordações na qualidade de precárias a fim de que tenham sentido.

Aqui, bem que eu seria propício a conceder razão ao poeta satírico e religioso irlandês Jonathan Swift (1667-1745), para quem, [...] sendo mentirosos profissionais, os poetas devem ter excelente memória. Assim não procedo, haja vista o fato de que ele, também, era poeta. E, de minha vez, não me arvoro de tal atributo, conquanto já tenha contabilizado quase duas vezes e meia a quadra temporal experimentada pelo Vate Portuense.       

Neste passo, no fazimento deste soneto decassílabo português, evidentemente, são passíveis de revelação, por ser curta a dimensão de produtos literários dessa natureza, somente algumas passagens, as mais importantes acumuladas na minha retentiva, em tempo já tão pretérito – os anos mil e novecentos e cinquenta.       

Daí por que confesso as mal aparatadas linhas, insertas no íntimo do coração, como graças, mercês e provimento no âmbito da boa história, quando eu era miúdo na também minguada Palmácia do mencionado e recuado período – porção a englobar o primeiro quarteto. 

Na quadra sequente, faço menção aos leilões da Festa de São Francisco, cujo termo era o dia 4 de outubro, dia do Santo Assisense, contando com muitas prendas, sendo, porém, as mais destacadas as cervejas – nesse tempo, esfriadas nos pés dos potes, raramente em geladeiras – e as galinhas assadas, recolhidas como doações por pessoas em comissão em toda a comunidade palmaciana. 

Havia as “pescarias”, com anzóis sacadores de ganchos enterrados com o papelzinho onde estava escrito o mimo a ser recebido pelo “pescador”. 

Pertinho, ficava a ola do “Zé Bia”, onde se rolava, cadeira acima e abaixo, o que assegurava a fixação de assaduras, intertrigens que doíam por semanas, até descascarem por completo, na retaguarda dos meninos e meninas. Aliás, estas pouco rodavam de ola..., mas frequentavam a banca da Dona Rita Pinheiro, servidas pelo Dezinho. Quem se lembra? 

Era satisfação imensa, muito amanho, verdadeira arrumação... 

Reminiscência viva, nítida, vem da entrega do almoço dos trabalhadores do roçado. Nalgumas ocasiões, fui deixar essa refeição, num só recipiente para dois, três, até cinco operários, dentro de um alguidar, composto por feijão, arroz (ou baião-de-dois), farinha e jerimum. A chamada “mistura”, quase sempre, descansava no torresmo, decerto, o mais valioso! ... Não tinha carne. A sobremesa – esta, sim, era vasta, composta de rapadura. 

Aqui fica fechado o primeiro terço do poema. 

Quando menino, eu acompanhava os padres da Paróquia de Palmácia, montado em burros choutões (o cavalo bralhador era para o sacerdote – é claro!). Era andar muito devagar, galope ou chouto, a fim de acompanhar o vigário e seu guia, até a capela (Gado dos Ferros, Canadá, Tanques e Jubaia). Isto significava a hospedagem de chagas purulentas, por nós chamadas “tapiocas”, as quais, depois de secas, mais doíam e chamavam febres elevadas dignas de atenção dos pais, que, muitas vezes, por terem muitos filhos de quem cuidar, nem tomavam conhecimento do caso... Lá em casa eram (aliás, ainda são) somente doze...      

Em adição às assaduras, ocorriam os chamados tenesmos, espasmos esfinctéricos, com vontade de expelir fez ou urina. Quando se conseguia fazer qualquer dessas manobras, era uma circunstância dolorosíssima.

Eis, pois, o fecho dessa medida em Arte Maior agora levada a efeito: eu parava a fim de evacuar, depositava o pesado bacio no chão e, empós a lastimosa operação, embora sem muita fome (pois cortava e chupava cana de quem quer que fosse, no caminho), desamarrava os panos do alguidar e subtraía alguns componentes da “mistura” – os torresmos – como se fosse uma paga justa pelos serviços prestados. 

Eximia mnemosyne!

Ótima recordação!


Bateu Saudade!

Movem-se aí desengonçadas linhas,
No imo cardial onde as apanho,
Gratas recordações das graças minhas
Quando menino, em meu lugar de antanho.
 
Os leilões, com cervejas e galinhas,
Das franciscanas festas, feliz ganho,
Palmacianas “pescarias”, bem vizinhas
Da ola do Zé Bias... Quanto amanho!
 
Lembro-me bem do almoço, dos manjares
Que no roçado ia deixar – eu mesmo –
Levando na cabeça os alguidares.
 
Muita vez, sob fome e com tenesmo,
Parava em razão dos mal-estares
E da bacia roubava torresmo.