O sentido da Ordem
na Escola Inglesa
de Relações Internacionais
Luciara de Aragão*
A atração pelas
Relações Internacionais cresce sob vários aspectos e prospera entre as mais
diversas áreas. Além de ser uma ciência nova, tem muito próximo os seus pais
fundadores: Raymond Aron, Kenneth Waltz, Hans Morgenthau, Edward Carr, Martin
Wight, Hedley Bull, conhecidos filósofos, escritores e historiadores, todos
eles, nomes reconhecidos em todo o mundo.
A Escola Inglesa de
teoria das Relações Internacionais, ou realismo liberal, Escola da Sociedade Internacional,
os institucionalistas britânicos tem raízes na teoria política, na história
mundial e no direito internacional. Ela é uma das escolas para interpretação
das relações internacionais. Considerada eminentemente uma escola de cunho histórico,
há ênfase na adoção desta característica como seu locus standi no
cenário interpretativo das Relações Internacionais.
O debate em torno
da Escola Inglesa é alimentado por um viés crítico em relação à pretensa falta
de coerência metodológica de sua corrente interpretativa. Concorde a argumentação
behaviorista, os constantes vínculos da Escola aos autores clássicos do seu campo
de referência e seus métodos mais difusos, a tornariam de menor valor.
No
entanto, a Escola Inglesa se fundamenta em função do relacionamento e oposição
de três tradições de pensamento dicotômico de H. Carr, Martin Wight, que juntamente
com Herbert Butterfield, historiador e filósofo britânico, é apontado como um
dos pais da escola (Dunne, Thomas. 1989). O campo das relações internacionais historicamente
se manifesta vinculado a uma dessas três tradições. (Canesin, CH. in Rev. Bras.
Polit Int. 51 (1). 123-136 2008).
No tocante as suas
conexões, o ensino das Relações Internacionais, principalmente com a Ciência
Política e a Economia, pode ser verificada pela incorporação de métodos
quantitativos derivados da economia, tal como a teoria dos jogos, e por outras
formulações teóricas como o estruturalismo e o construtivismo, este, com a
premissa básica de que o mundo está sempre em transformação por ser socialmente
construído.
Existe uma mutação
no conceito de ciência gestado durante o decorrer do Século XIX nas áreas de
ciências exatas, chegando pouco depois as ciências humanas e sociais no Século
XX. Desenvolvido após a Segunda Grande Guerra leva paulatinamente as ciências
humanas e sociais a buscar uma formalização crescente de seus corpos teóricos
adaptando métodos quantitativos utilizados nas ciências exatas – com ampla
utilização de métodos estatísticos, experiência que frutificou no Brasil, nos
anos 1960-70, na USP (Universidade de São Paulo) com o professor Frederic
Moreau na área de História, com a História Quantitativa.
A discussão em
torno da coerência metodológica da Escola Inglesa tem assim, em grande medida, recaído
sobre as mesmas bases das críticas dirigidas às ciências humanas e sociais em geral,
durante o Século XX continuadas mesmo após o movimento pós-modernista e o
início deste Século XXI.
A grande maioria das críticas feitas por
parte de pesquisadores norte-americanos, à Escola Inglesa parece pecar por uma
distorção de foco. A discussão parte da não concordância entre os vínculos
buscados pela tradição inglesa a uma produção científica mais clássica e menos
compartimentada, diante de uma nova concepção, esta considerada ideal e
absolutamente normativa de ciência pós Francis Bacon e o seu método de indução.
A proposta baconiana de uma reforma total de conhecimento busca de modo
fundamental estabelecer uma história onde o conhecimento, tal como uma pirâmide,
tem a história como sua base; a história natural seria a base da filosofia
natural.
Esta concepção
permite um maior desenvolvimento da ciência, podendo chegar a um domínio da
natureza, a partir da experiência. O ato de experimentar encontrou campo fértil
em vários estudos de Relações Internacionais. Com a convicção das ideias se
superporem às capacidades materiais define-se a conduta da política internacional,
merecendo a análise e o correspondente processo crítico.
Temos no
estabelecimento de um mecanismo de interpretação de uma das dimensões mais
fundamentais das teorizações da Escola Inglesa, o local e as inclinações da
ordem, por meio do aparato metodológico trabalhado por uma consolidada e reconhecida
escola da Historiografia das Relações Internacionais, a tradição francesa, que
tem bases consolidadas principalmente nos trabalhos de Pierre Renouvin e
Jean-Baptiste Duroselle (Tout Empire Périra, Ed. Armand Colin 1967; 1994;
2002).
Apoiando a clara
distinção que se observa na historiografia inglesa de relações internacionais
entre os conhecidos conceitos de “sistema internacional” e “sociedade
internacional”, alicerçando-os, está a interpretação histórica e o conceito de
ordem, o qual, compreende uma finalidade, organizando uma série de objetivos
específicos.
Seja ela imediata e
hierárquica como nos sistemas imperiais ou mesmo anárquica, sem a especificidade
de um centro de poder, como no sistema europeu emergente depois da paz de Westfália,
a ordem é uma característica imprescindível aos sistemas internacionais históricos.
A sociedade de Estados caracteriza-se pela ideia da existência de um fio de
interesses comuns ligados entre si. Os próprios Estados têm todo interesse na
manutenção desta ordem internacional.
A tendência ao
ordenamento, que emana da construção e expansão da sociedade internacional no
tempo, nos vem desde a obra inspiradora de Hedley Bull em 1977 (A Sociedade Anárquica
FUNAG, 2002), encontra eco nos esforços de Adam Watson nos anos 1980, e a
incorporação de visões como as de Barry Buzan (A Evolução dos Estudos de
Segurança Internacional SP: Ed UNESP 2012) e Richard Little e John Williams (The
Anachical Society in a Globalized World 2006 sublinhando, nas entrelinhas, a
sua ontologia histórica.