JUSTIÇA INTERNACIONAL
E OS EXEMPLOS DE NABUCO
E RUI BARBOSA
Luciara Aragão*
O Brasil é um dos países sul-americanos
vinculados à Convenção de San José, obrigando-se à garantia dos direitos
humanos, porém, sem submissão ao tribunal fiscalizador do cumprimento do
compromisso voluntariamente assumido. O tribunal de San José engloba, com a
própria convenção regional, a defesa dos direitos mais elementares da pessoa
humana, mandando que o Estado os proteja. Alegamos riscos à soberania como a
submissão do Estado a uma jurisdição internacional permanente como o Tribunal
de San José, podendo implicar em constrangimentos e mesmo em alguns riscos para
o tesouro nacional.
Quando se pensa em Corte de Haia, ou Tribunal
de Haia, instituído pelo artigo 92 da Carta das Nações Unidas, dá-se, quase
automaticamente, uma associação ao nome de Rui Barbosa, que ali nos representou algo do tipo: “Mais uma vez a Europa curvou-se ante o Brasil". A Conferência de
1907 (Governo Afonso Pena) contou com Rui Barbosa como representante
brasileiro, quando sua tese da igualdade entre as nações, pronunciando-se vigorosamente
como defensor dos direitos dos países menores, imortalizou-o como a “Águia de
Haia”.
Rui Barbosa foi o primeiro magistrado
brasileiro, eleito para o mandato inicial da Corte Permanente de Justiça
(1921-1930), mas faleceu (1923) sem participar de nenhuma sessão da Corte.
Curiosamente, quando da Segunda Conferência de Haia, (15 de junho-18 de outubro),
para Rio Branco o chefe da Delegação Brasileira seria Joaquim Nabuco, mas a imprensa
do Rio liderou um movimento em favor de Rui e Nabuco, renunciando o apoiou.
A
inegável reputação que Rui alcançou na Conferência foi do agrado de Nabuco,
apesar das divergências da delegação brasileira e a dos Estados Unidos “não serem
de molde a deixá-lo tranquilo no seu papel de embaixador brasileiro em
Washington”. (Rui & Nabuco, de Luis Viana Filho, Col. Documentos Brasileiros
p. 80, RJ. José Olímpio, 1949).
O pan-americanismo era um dos ideais de Nabuco
e, como hábil diplomata, a ele dedicou tempo e esforço. As posições irônicas dos
norte-americanos Browne Scott e Joseph Choate, o chefe da delegação dos Estados
Unidos, poderiam pôr em risco o próprio trabalho de Nabuco, a quem o princípio
da igualdade das nações, pilar da ação de Rui, não seduzira, apesar de em carta
a Rio Branco declarar não ser seu desejo que “para a Justiça fossem as nações
divididas em grandes e pequenas” (Carta de Nabuco ao Barão do Rio Branco, 17 de
agosto, Arquivo do Itamaraty).
Tanto Nabuco como Rio Branco tentaram uma
reaproximação de Rui com os Estados Unidos, mas ele se recusou a proferir
conferencias em Yale e a discursar como orador do banquete em homenagem à
oficialidade da esquadra americana que aportou no Rio em 1908. Considerou não
poder louvar “este rasgo de prepotência marcial em plena paz”, constrangendo
seus sentimentos e mesmo a “contradizer
o meu correto papel em Haia” (Carta de Rui a Rio Branco, 16 de janeiro de
1908- Arq. Casa de Rui Barbosa). Sem dúvida, a Conferência foi um ponto alto na
estreia internacional do Brasil e não destruiu a camaradagem, amizade leal e
admiração recíproca entre Nabuco e Rui, homens de retidão e caráter ímpar. Quando
da elaboração do Código Civil, Rui sempre recorria a Nabuco para o envio de
obras estrangeiras, como o Código de Virginia e o do Alabama. A amizade, tecida
com gentilezas, uniu-os por quarenta anos, desde a queda do gabinete Zacarias (1868), e só é interrompida com o falecimento de Nabuco, longe do Brasil, enquanto Rui
agitava o País com a campanha civilista.
Historicamente, coube ao czar da Rússia,
Nicolau II, convocar 26 países para uma conferência em Haia. Por sua sugestão,
a criação de uma corte arbitral, para ajudar na solução dos conflitos
internacionais, passou a ser uma ideia adotada pelos participantes. Uma corte
permanente (1902) principiou os trabalhos, mas sua ação não pareceu suficiente.
Só em 1907 criou-se a Corte de Haia (5 de junho), e na II Conferência da Paz de
Haia instaurou-se uma corte permanente.
Gostamos de nos vangloriar dos nossos bons
momentos de inserção internacional, mas, ao mesmo tempo, precisamos elevar a
frequência do desejo da sociedade, via nossas ONGs e outros movimentos
cidadãos, para a formação dos tribunais internacionais e cumprimento das leis.
ONGs que devem ser supervisionadas quanto a suas reais intenções, diga-se de
passagem. Essa força de opinião internacional fortaleceria não só os direitos
humanos, mas a disseminação do Direito Comunitário, sem o qual o sucesso de
projetos unificadores como o Mercosul e mesmo os de âmbito interno, ficarão
comprometidos. Seguimos distantes de cortes poderosas como Haia — a que resolve conflitos entre países — e Luxemburgo, o Tribunal de Justiça da União Europeia,
oferecendo salvaguardas aos direitos fundamentais dos indivíduos.
Relativo à Justiça Internacional, Haia não está
autorizada a decisão de atentados aos direitos humanos. Os tribunais existentes
são permanentes, mas não têm um caráter universal como o de Estrasburgo (1950)
e a Corte Interamericana de Direitos Humanos de San José (22 de maio de 1979),
posto a funcionar por proposta interamericana para aplicar e interpretar a
Convenção Americana de Direitos Humanos, dentro do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos.
A Carta Constitucional de 1998 afirma em seu
início que o Brasil “lutará pela criação de um tribunal internacional de
direitos humanos”. Concorde Francisco Rezek (juiz da Corte de Haia e
ex-ministro de Collor), “o constituinte parecia desatento ao fato de já existir
algo assim”. Não seria, pois o caso de lutar pela criação de um foro, mas, o de
“reconhecer-lhe a competência”. Partilhamos da preocupação do ex-ministro,
quanto se pensa naquelas “passagens cuja redação imperfeita revela um contraste
entre as melhores intenções do constituinte e a insuficiência de suas leituras”,
o que permite a alguns — triste ironia de nossos dias — que a Constituição não
deva “ser respeitada e nem levada a sério”.