domingo, 31 de maio de 2020

CRÔNICA - Altemar Dutra (JM)


ALTEMAR DUTRA
Jeovah Maciel*



Acompanhei as justas homenagens prestadas ao grande cearense Evaldo Gouveia, e lembrei-me de um acontecimento por nós presenciados, com o maior de todos os intérpretes da suas belas composições, Altemar Dutra.


Vínhamos retornando de Natal (RN), anos atrás, e paramos para almoçar na Churrascaria “O Laçador”, nas proximidades de Mossoró – churrasco gostoso aquele de lá! Ensarilhamos as armas, como diz o bom irmão Antonino Carvalho, e nos preparamos para a renhida luta!

Ao aguardarmos que o serviço fosse iniciado, estacionou uma Caravan da Chevrolet. Desceram três pessoas, e foi fácil distinguir o moço que trazia consigo um violão encapado; era, simplesmente, o famoso Altemar Dutra.

Sentaram a uma mesa um pouco distante da nossa e o Altemar puxou o violão da capa e começou a dedilhá-lo. Todos paramos curiosos, eu, minha mulher Inês, meu cunhado Sérgio e sua mulher Lise.

Repentinamente surge o maître da churrascaria e diz que não era permitido tocar ali. O celebre violonista guardou o violão no saco, e nos vimos no dever de chamar o maître e dizer-lhe:
– Você sabe quem é esse cidadão que você impediu de tocar? Meu amigo... esse é o Altemar Dutra, um dos maiores cachês do Brasil!

O “coitado” do maître olhou estupefato para eles. Aí, nos ouvindo falar, o Altemar veio até nossa mesa e nos disse:

– Vamos para uma churrascaria bem aqui próximo  ao que eu respondi:

– Diante do acontecido, se formos com os senhores esse maître vai morrer, pois perdeu o privilégio de ter vocês aqui, e terá o prejuízo da despesa que faremos.

Ele, Altemar, tirou então um cartão do bolso e me entregou, dizendo:

– Nós estaremos em Fortaleza, hospedados no Hotel Beira Mar (na época o mais moderno que havia). Procure-nos lá.

– Pedimos desculpas pelo ocorrido, nos despedimos, e não mais vimos o maravilhoso Altemar Dutra pessoalmente. Aborrece-me não ter tido o cuidado de guardar aquele cartão.

Viva Jesus!



sábado, 30 de maio de 2020

NOTA FÚNEBRE - Evaldo Gouveia (RV)


EVALDO GOUVEIA
Reginaldo Vasconcelos*



Evaldo Gouveia, que ontem, aos 90 anos, entrou para a imortalidade acadêmica da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, (ACLJ), é seu Membro Titular Fundador, depois promovido a Membro Benemérito, por ter composto para a Instituição  o “Cântico Cearense”, a dita “Canção da Academia”. 

Evaldo nasceu em Orós, afilhado de batismo de José Fares Haddad Lupus, pai do compositor Raimundo Fagner, vizinho e amigo de seu avô. Cresceu em  Iguatu, de onde veio para Fortaleza ainda menino. 

Aqui iniciou sua vida de cantor, e na juventude demandou ao Rio de Janeiro, onde se tornou um dos maiores compositores românticos do Brasil em todos os tempos.

Na maturidade voltou a morar em Fortaleza, com a sua consorte, a advogada cearense Liduina Lessa.



   



Na ACLJ Evaldo teve ativa atuação, frequentador assíduo de suas reuniões semanais na Tenda Árabe, comparecendo a todas as suas Assembleias Gerais. Enquanto teve saúde, prestigiando todos os grandes eventos que a Entidade promoveu. E foi biografado pelo Confrade Ulysses Gaspar, documentarista, pesquisador musical e apresentador de TV, obra lançada em agosto do ano passado (2019).

A ACLJ, impossibilitada, pelo atual regime de isolamento social, de realizar a tradicional “Sessão da Saudade”, em homenagem póstuma a Evaldo Gouveia, manifesta o sentimento coletivo de pêsames pelo passamento de ilustre Confrade, levando condolências à sua mulher, Liduina, e  aos dois filhos, bem como à sua grande legião de fãs.

Lavivá, Grande Evaldo!


quinta-feira, 28 de maio de 2020

POEMA - Sessão 2505 (AA)


Sessão 2505
Alana Alencar*

 Ilustração: 
Madame Zborowska, de Modigliani


Da lembrança ida, a última gota...
translúcida, amarga, a lágrima toca a boca que balbucia... e, atrevida, fala.

A voz ressente... e, trêmula, paralisa... retorna à insuficiência da palavra.

Ao instante, insiste a pergunta e teima... a memória, à tona, narra... deflagra o osso, o que dorme ao ócio, o que flagra arder no peito... 
o âmago escondido no detalhe aceso.

A hora passa... açoita a dúvida... o íntimo sofrer dispara.  À chegada finda. Disperso e raro, o lábio ri. 
Da garganta, a gargalhada. 

O fim.




COMENTÁRIOS


Você é realmente muito boa, talentosa demais. É uma das melhores poetisas de sua geração. Sou apaixonado pela sua arte. Seja na literatura, seja nas composições. Agradeço muito a Deus por ele ter te trazido para a minha vida como filha. Te amo de todo o meu destino.

Mano Alencar

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Uma bela afirmação do eu interior.

Luciara de Aragão




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Excelente. Grande poetisa. Sua reflexões são expressões máximas daquilo que vive e sente. 

Anônimo


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Excelente. Grande poetisa. Sua reflexões são expressões máximas daquilo que vive e sente.

Anônimo

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Sempre profunda e apaixonada ao extremo!...sua poesia salta ao coração!

Anônimo

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Sempre belíssimas obras!

Mattheus de Moraes Menezes

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Admiração muito grande pelos seus poemas minha amiga. Tenho orgulho ser seu amigo e parceiro em algumas de suas composições. Com um violão perto de suas composição, o resultado são belíssimas canções que irão surgir. Parabéns pelo poema. Perfeito. Forte abraço

Marcelo Melo

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Sempre sempre sempre, profunda e necessária!

Aluísio Vieira

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Lindo poema. Alana tem o dom, o talento de colocar as palavras no lugar exato e, com elas, exprimir os mais profundos sentimentos. Bjs, amiga.


Anônimo

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Alana, sempre tão sensível e apaixonada em suas palavras, as quais nos tocam no fundo do coração e da alma!

Bruna Moura

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A sensibilidade aflorada de uma mulher Fortaleza me remete a reflexão do quão é grandioso o seu interior e o seu querer! Parabéns! Mto orgulho de vc!


Edna Noronha


quarta-feira, 27 de maio de 2020

CRÔNICA -Plantar e Colher (JM)


Plantar e Colher

Jeovah Maciel

Enviado por Antonino Carvalho*



Sou entusiasta de um radinho de pilhas, que grande lenitivo ele é (isso não significa que eu seja notívago)! Muito sintonizei a Rádio Nacional de Brasília, e numa madrugada escutei o locutor pedindo aos ouvintes que o escutavam, naturalmente testando sua audiência, onde se encontravam e qual a sua sonoridade! Fui impulsionado a ligar para ele. E, dali em diante, ele me colocou entre seus ouvintes cativos.

Aí, recebi uma ligação, lá de Morada Nova, do saudoso e inesquecível Ayrton Vasconcelos: “Jeovazinho, o Fulano (?), da Rádio Nacional, está pedindo que você se comunique com ele”. Assim fiz. É que havia um médico lá de Brasília, também seu ouvinte cativo, desejando participar de um congresso de medicina que aconteceria em Fortaleza, mas não estava encontrando reserva em hotel nenhum, para ele e a esposa.

Contatei com o Ezequiel Xenofonte, indagando se ele conhecia um Xenofonte, gerente do Ponta Mar Hotel, e de pronto ele respondeu: Meu primo e grande amigo! Por conta disso conseguiu-se a reserva pretendida. Peguei o casal no Aeroporto, acomodei-o no Hotel e toquei a vida. O locutor da Rádio Nacional, de público, até enalteceu o meu simples gesto! Meninos, fiquei mais cativo ainda daquele programa radiofônico.

Um dia precisei ajudar a um amigo muito próximo, que necessitava de um exemplar do Diário Oficial da União, daquela dia, pois o seu concurso caducaria caso não tomasse posse naquele data!  Liguei para o locutor da Rádio Nacional, narrei o fato e recebi dele apenas um “me aguarde!”, até me aborreci com a resposta.

Dia seguinte recebi uma ligação daquele médico da reserva do Hotel, dizendo-me ter entregue ao Comandante do Voo 304 (ou 305?) da Transbrasil a encomenda de que precisava! Agradeci e corri ao Aeroporto, onde recebi do obsequioso Comandante, o exemplar do Diário Oficial da União.

E, graças a essa avalanche de ajuda ao próximo, o meu amigo tomou posse. Esse fato servirá para lembrarmos sempre a abençoada parábola: Bem plantar para bem colher

Benza Deus!


ARTIGO - República Bolsonarista! (AS)


REPÚBLICA
BOLSONARISTA!
Arnaldo Santos*


Com fulcro no melhor direito, especialmente na ação de julgar e decidir, a que os magistrados em todas as instâncias do seu Poder são instados a fazer diariamente, também na política, os governantes, nos três níveis do Executivo, são chamados a tomar decisões complexas, com repercussão direta na vida de milhões de pessoas.

Assim também ocorre, ou deveria suceder, no Poder Legislativo – União, Estados e Municípios – quando os parlamentares são acionados para formular, debater e aprovar as leis, que terão rebatimentos econômicos, políticos, sociais e jurídicos, para toda a população.

Numa sociedade de desenvolvimento tardio como a do Brasil, que acumula défice primário também na área do saber, convivendo com altos índices de pobreza e desigualdades, nem uma decisão de ordem política, levada a efeito por aquele que esteja no exercício da Presidência da República, pode prescindir de fundamentação nas Ciências Políticas e Jurídicas, na Psicologia e na Sociologia, para que os efeitos produzidos venham ao encontro das expectativas da sociedade.

Nas democracias modernas com sociedades em movimento, guiadas pelos valores e costumes do Século XXI, respeitadas as competências específicas, inerentes a cada um dos tomadores de decisão no âmbito dos três poderes, visando à preservação e à tutela dos melhores interesses coletivos, todos, sem exceção, devem fazê-lo tendo como fim a paz social, razão por que é esperado que o façam ancorados nas teorias da interpretação e da decisão, além de motivadas e justificada sua fundamentação.

Na senda jurídica, Aristóteles preconizou a noção de que o juiz, para decidir adequadamente, necessita da combinação de capacidades intelectuais, bem assim de sólida formação moral para entender as consequências dos seus julgados.

Na política contemporânea, hajam vistas as complexidades próprias de cada regime, os legisladores e os governantes, além das capacidades referidas pelo Sábio de Estágira, prerrequisitos para que sejam capazes de compreender e avaliar o largo espectro de valores e interesses que envolvem as decisões de um chefe de Estado, devem ainda expressar a soberania do povo, o que exige total impessoalidade.

Examinando o governo do Presidente Bolsonaro, constata-se que as decisões de maior repercussão para o País se fundam, tão-somente, em seus valores, vontades e preferências pessoais, na sua ideologia e visão de mundo negacionista em relação às ciências. No âmbito da sua ideação de República, reedita o patrimonialismo e tenta situar as instituições do Estado a serviço dos seus familiares e amigos, como sobrou demonstrado nas denúncias de interferência e tráfego de influência na Polícia Federal. Isto evidencia de modo maiúsculo a existência de uma cisão entre o governante e os governados.
 
Ainda analisando as políticas efetivadas no governo, a sociedade assiste, estupefata, a uma série de decisões “intuicionistas”, deliberadas pelo Presidente Bolsonaro, tanto em relação ao enfrentamento à Covid-19, como na relação com seus ministros (os ex-ministros Mandetta e Teich, da Saúde, e Moro, na Justiça, são emblemáticos). 

Assim também acontece em relação à imprensa, bem como aos outros dois poderes da República, observando-se atitudes intensivamente influenciadas por suas subjetividades – e convicções não justificadas – desprovidas de quaisquer dos fundamentos teóricos das Ciências Sociais, que devem orientar o ato de decidir para bem governar, buscando o bem-estar coletivo desta Nação.

A explicação para esse comportamento errático do Presidente em seus processos decisórios repousa na literatura que cuida das várias teorias da Psicologia da Justificação da Decisão, e da Psicologia Cognitiva Social, que oferecem vários estudos sobre “cognição dissonante”, “conforto cognitivo”, “heurísticas”, “vieses”, dentre outros. O exame dessa literatura permite compreender os fatores de suas ações dissonantes.

Daniel Kahneman (Israel) Nobel de Ciências Econômicas em 2002 (dividido com Vemon L. Smith – EUA), pelo estudo que desenvolveu em Economia Comportamental, no livro Rápido e Devagar, cuidando das “heurísticas” e dos “vieses”, também explica os dois sistemas que conduzem e estruturam o pensamento, assinalando a ideia de que um é rápido, intuitivo e emocional, e o segundo é mais lento, mais deliberativo e mais lógico, mediante os quais as pessoas orientam e estabelecem julgamento, avaliação e decisão. Nesse sentido, é válido acentuar que o primeiro sistema é o que motiva e orienta as escolhas e definições das políticas pelo Presidente Bolsonaro.

Ainda ancorado no pensamento de Kanheman, com amparo em suas pesquisas sobre decisão comportamental, constata-se que, na limitação da racionalidade, pessoas com escassos recursos mentais rejeitam os processos complexos que envolvem uma decisão racional, a ser sempre precedida de minuciosa avaliação das repercussões resultantes daquele ato, especialmente quando o tomador dessa ou daquela decisão é o chefe de uma Nação.

Seguindo essa linha teórica, sabe-se que o raciocínio é suscetível ao que se conhece como “atalhos cognitivos”, e “desvios sistemáticos”, levando muita vez o tomador de decisão a agir premido pelo tempo e baseado em informações incompletas, deixando-se influenciar por palpites dos poucos íntimos que o cercam, mas que confirmam sua intuição e convicções já consolidadas, ainda que sabedor de que todos esses ignoram a necessária engenharia mental que articula os interesses e valores que envolvem o ato em decurso de deliberação.

Esse conjunto de influências impede que a decisão seja tomada objetivamente, respeitando a impessoalidade e a neutralidade exigidas nos processos de definição das políticas de governo – livres dos chamados “vieses”.  O exemplo mais contundente foi a recomendação editada pelo Ministério da Saúde para o uso da cloroquina, um fármaco sem comprovação científica de eficácia para tratamento da Covid-19, a despeito de todas as opiniões em contrário da comunidade médica e científica, do Brasil e do Mundo, submetendo a risco a saúde e o bem-estar da população! Na “nova política bolsonarista”, o Presidente – que não é médico – prescreve a medicação que deve ser usada.

A propósito de bem-estar coletivo, remontando a história ao início dos anos de 1980, a Nação Brasileira, duas vezes por mês, tinha um encontro marcado com a emoção e a alegria, proporcionada por Ayrton Sena, seu último ídolo!

Nos dias atuais, a emoção é diária, mas de outra natureza, pois não tem vitória, tampouco alegria. Muito pelo contrário, a Nação vive a tristeza pelos milhares de cadáveres enterrados diariamente em covas coletivas por todo o País, vítimas do coronavírus, bem como pelos solavancos que abalam a República, resultantes das decisões do Presidente Bolsonaro, que não obedecem a qualquer regramento jurídico-político, menos, ainda, ao conjunto de sistemas das Ciências Sociais, que devem orientar os tomadores de decisões, especialmente quando se trata de um chefe de Estado.

Os brasileiros comuns, e alguns milhões de bolsomínios, termo cunhado para rotular os apoiadores do Presidente Bolsonaro – defensores do “mito” da cloroquina – o qual, como um Messias, disse que levaria a Nação à “terra prometida”, edificada sobre o que chamou de “nova política”, livre da corrupção e da velha política (representada pelo “centrão”, um consórcio de partidos que representam as mais repudiadas práticas políticas malsãs brasileiras), hoje são recepcionados nas amplas salas do Palácio do Planalto, nomeados para altos cargos do governo.

O Brasil já teve a República das Alagoas, e agora vive a República da Cloroquina...

Sobreviveremos?





COMENTÁRIO

Se sobrevivemos a 15 anos de PT (a Petrobrás quase não sobreviveu), sobreviveremos também a esse momento de perseguições e preconceitos (sem que a Petrobrás vá à falência), de uso político de uma pandemia por pré-candidatos à Presidência da República  e a grande imprensa se importa menos em informar, e mais em formar opinião, para influir nos destinos da Nação, ao seu bel prazer – ou ao sabor do desespero das empresas de comunicação desmamadas de polpudas verbas públicas.

Arnaldo Santos é um grande sociólogo e muito hábil analista político, e portanto sabe exatamente o que está dizendo. Certamente sabe que o Presidente apenas falou em um fármaco barato, utilizado no Brasil há mais de 80 anos, vendido nas farmácias sem obrigatoriedade de prescrição médica, que uma corrente da medicina brasileira abona como possível auxiliar no combate à Covide-19 – e, como se diz no sertão, “afogado não escolhe barranco”. Bolsonaro não obrigou médicos a prescrever, e não obrigou ninguém a tomar.

O que Bolsonaro defende é que a Cloroquina, em coquetel com outros medicamentos, seja utilizada em dose modesta desde os primeiros sintomas, e até preventivamente, como ele mesmo tem feito, assim como o Presidente Trump – e como muitas autoridades mundiais e locais fizeram com sucesso, e por razões políticas não revelam – mas que pessoas muito credenciadas têm dado o seu testemunho pessoal de uso e êxito.

A soldadesca do Exército Brasileiro, por exemplo, que presta serviços pelas selvas, toma meia pílula de Cloroquina todo dia, de forma preventiva à malária, e a nenhum dos soldados ela faz mal. Doentes crônicos de lúpus, ou de doenças reumáticas graves, fazem uso de cloroquinas durante anos, sem sofrerem nenhuma consequência negativa.        

Mas a Cloroquina é combatida agora porque, em algum lugar do mundo, tentaram usar uma dose três vezes maior do que o recomendado, em pacientes graves, o que provocou efeitos adversos, como era mesmo de se esperar. 

Ora, todo remédio – todo ele – tem algum efeito colateral, de maior ou menor gravidade, a depender da dose e da suscetibilidade de quem toma – e eu tenho certeza de que o Arnaldo Santos sabe disso muito bem, de modo que não precisava jogar um caminhão de argumentos científicos sobre uma simples bicicleta, com fatos apodíticos e evidencias claras na garupa. 

Se formos ler a bula de um analgésico qualquer ficaremos cabreiros com os efeitos ruins que seu uso já provocou em alguém alhures, e os laboratórios são obrigados a informar. No caso da Cloroquina, ela deve ser evitada por doentes cardíacos, porque, no caso deles, a depender da dose, pode causar arritmia, e por isso mesmo só deve ser administrada por prescrição e com acompanhamento médico.

Reginaldo Vasconcelos



terça-feira, 26 de maio de 2020

POEMA - Ante o Novo Coronavírus (LF)


Ante o Novo Coronavírus
Linhares Filho*

Tento ouvir-vos, Senhor, a alta mensagem
através dessa absurda pandemia.
Transparece nos casos vossa imagem
como a pregar ao mundo a Parusia.

De vós forças fecundas manam e agem
contra a surdez de toda alma fria.
Pressinto que aos que agora não se engajem
no eterno Amor, clamais com energia.

Senhor, sinal dos tempos entrevejo
e voltardes Juiz em meio à crise,
ante a qual nos convém sentir o ensejo

da urgente conversão à santa grei.
E cada ser humano conscientize
precisar de cumprir a vossa lei.




Ante este escatológico momento
imbuído de crueldade, que se eleja
a união entre todos como intento
de resistência ao mal; luz na peleja.

Poupe-nos Deus ainda e nos proteja.
Com a esperança da massa qual fermento,
o Senhor por piedade ações reveja
e torne o mundo do vexame isento.

Este instante nos sirva de mudança
da alma, até vermos que não mais avança
o mal pelos lugares investidos.

E aconteça na Terra, sobretudo,
para criação de um  grandioso escudo,
uma aliança dos povos desunidos.


Fortaleza, 21/03/2020


ARTIGO - Uma Perda Essencial (RMR)


UMA PERDA ESSENCIAL
Rui Martinho Rodrigues*


A gênese da democracia guarda relação com a substituição da força pelo diálogo. O reconhecimento da existência de impasses insuperáveis pela razão exige algo mais. A incomunicabilidade dos paradigmas (Thomas S. Kuhn, 1922 – 1996) decorre dos diferentes pressupostos e valores subjacentes ao discurso, divergência de significados e de conhecimentos prévios. Gaston Bachelard (1884 – 1962) viu o conhecimento como obstáculo ao conhecimento novo.

Leon Festinger (1919 – 1989) viu a contradição entre o que pensamos e o que fazemos, designando-a como dissonância cognitiva. Diferentes fatores conscientes ou inconscientes estariam envolvidas em tais situações. Os gregos adotaram o voto da maioria como solução para os impasses gerados pela incomunicabilidade aludida. Os sábios de Mileto contribuíram para o desenvolvimento do pensamento racional com a dessacralização do conhecimento que embasou tudo isso, mas não foi suficiente.

Por volta do século VI a. C. Dracon (? – 621 a.C.) e Solon (640 a.C – 560 a.C.) enunciaram princípios ordenadores das relações sociais para atenuar os conflitos. As leis escritas buscam esse fim. A validade do conhecimento, sem o privilégio da sacralidade, sem satanizar o pensamento divergente, acatando a decisão da maioria no que concerne ao campo valorativo, respeitando a reserva do possível, sem confundir juízo de valor com juízo de realidade, estão na gênese da democracia.


A Idade Média ressacralizou a política, afastando o livre debate e a decisão pelo voto, depois dos desvios de caminho democrático havidos já na Antiguidade. A convicção sacralizada sataniza o outro. As cartas do livro "Cartas Sobre a Tolerância", de John Locke (1632 – 1704), discorrem sobre os conflitos decorrentes da convicção. Transigir com o que considera erro é grave omissão para o convicto. Confundimos tolerância com silêncio da crítica.

O falibilismo recomenda a coexistência pacífica, não a perda do direito de expressão do pensamento, inclusive da crítica. Estamos confundindo respeito a pessoa com intocabilidade das ideias e condutas. Respeite-se a pessoa de todos, até dos criminosos. Não temos, porém, a obrigação de respeitar ideias nem condutas criminosas. Razão e referências para contornar os obstáculos epistemológicos, paixões e interesses são essenciais à democracia.

A pós-modernidade tende para o que Karl Raymond Popper (1902 – 1994) qualifica como relativismo laxista, tanto no plano cognitivo como no axiológico. A redução de tudo ao uso da linguagem se assemelha ao pensamento dos sofistas como Protágoras de Abdera (490 a. C – 421 a. C) ou de Górgias de Leontinos (487 a. C. – 380 a. C.) na Grécia decadente.

Perdemos o fundamento maior da democracia. Confundimos tolerância com censura; coexistência pacífica com respeito; sacralizamos convicções no tradicional modelo eclesiástico ou das religiões políticas pseudo laicas. Um fato que horroriza uma parcela da sociedade é motivo de euforia de outra parte dos brasileiros.

A satanização do outro, a ética teleológica justificando os meios pelos fins, a cegueira para as razões do outro, com lado invocando em vão o “santo” nome da ciência, como se as ciências fossem dogmáticas e unívocas, exagerando efeitos de ideias e atitudes havidas como erradas, vaticinando genocídios ou estabelecendo comparações ou qualificativos com o que há de mais horrendo na história, tudo é um trágico sinal de que perdemos o essencial da democracia: o falibilismo que admite a possibilidade do outro ter razão e a tolerância que não renuncia ao exercício da crítica.