domingo, 31 de julho de 2016

POEMA - Sobre os Contos de Gheh Jotta (DM)


POEMA-BILHETE SOBRE
OS CONTOS DE GHEH JOTTA*
Dimas Macedo

(Enviado por Vianney Mesquita)


Li seus contos e seus desenhos,
Os seus trecos, as suas letras
E os seus mamulengos.
Assim como se fossem abraços,
Sopro de bigorna ou rosas
Na vara de Jessé,
Seus contos nos levam à solidão
E ao silêncio,
Nos trazem de volta à reflexão,
Nos banham de luz em uma
Manhã resmungosa.
Li-os da maneira mais prazerosa possível,
Como se os vinhos e as vozes
Estivessem me inundando a alma.
Sim. Machado de Assis
Ditou esses contos para você.
Espero que cumpra a missão de publicá-los
E de deixá-los flutuando
Nas asas do vento.




*Texto de quarta capa do livro Brumas, do escritor, artista plástico e acadêmico Geraldo Jesuino. Fortaleza: IMPRECE, 2016. 112p.

CRÔNICA - Baião Africano (TL)


BAIÃO AFRICANO
Totonho Laprovitera*


O Cantinho do Frango reúne bons boêmios e grandes artistas de Fortaleza. O estabelecimento é o ambiente perfeito para o exercício da arte de fazer e conservar amigos. Orgulho-me de constar em seu painel artístico pintado pelo Kazane, porém, nunca entendi porque fui retratado de paletó.

Pois é, foi lá onde o Alex Holanda criou o Baião Africano, nada mais, nada menos, do que um baião-de-dois feito com feijão preto e ingredientes da tradicional feijoada brasileira. E inspirado no rico espaço etílico cultural, eu escrevi sobre o lugar, para depois o Chico Pio musicar e o Caio publicar no cardápio da casa.



Na mesa posta a cerveja,
No Cantim não há segredo,
Anuncia a boemia,
Bem gelada desde cedo
Com o ventilador no três,
Esqueço as contas do mês
E abuso do Figueiredo

Tem arroz e feijão preto,
Tem linguiça calabresa,
Toicim, charque, carne-de-sol
O prato é uma beleza,
Diz Alex a Sicrano:
Se o baião é africano,
Mato a fome e a tristeza!

Um gole, um tira-gosto,
Na vitrola o cantor chora
O Penna com uma canção nova,
O Pineo fazendo hora
E o Chico na viola
Tocando pra corriola,
Jogando conversa fora

A boemia no salão,
No sobrado o carteado
Em verso rimado fala
O poeta inspirado:
Tem retrato na parede,
Só não tem lugar pra rede
De repente, improvisado

No lugar se vive a vida,
Sendo dela um aprendiz
Se feliz ninguém for nela,
Deverá ser por um triz
Diante de tal excesso,
Eu agora me despeço,
Como faço e sempre fiz

Caio, manda a saideira,
Uma cana pra encerrar
Como sou um bom freguês,
Some as contas preu pagar
As outras tantas pendure –
Não há mal que não se cure –,
Que amanhã quero voltar!



sexta-feira, 29 de julho de 2016

NOVELA - Cães e Helicópteros (RV)

CÃES E HELICÓPTEROS

(NOVELA PSICOLOGISTA DE BASE REAL)
Reginaldo Vasconcelos

Capítulo II


Do seu carro para o outro foi como deslizar sobre trilhos, sem opção qualquer, sem gesto de vontade ou de protesto. E quando partiu o carro negro – que negro não fosse assim ele parecera – Lisberte sentiu romper-se estranhamente uma teia de vínculos da sua vida, coisas que ficavam de repente para trás, simbolicamente tão mal estacionadas quanto ficara o seu automóvel. Era como se nova fase de sua existência se estivesse iniciando, contida nela, talvez, a aventura de morrer, ali prenunciada.

Só então Lisberte viu as armas, como prolongamentos dos braços agressores, de quem não via os rostos, escondidos sob as máscaras. Que gentis aquelas máscaras! Seria pavoroso – ocorreu-lhe num átimo – confrontar aqueles monstros. Sim, para ela aquela incógnita parecia confortável, sem racionalizar que a sua sobrevida teria, doravante, estreita dependência daqueles capuzes. Descobrir quem escondiam lhe seria fatal.

Logo em seguida a noite desceu sobre os seus pensamentos pânicos, já que a vendaram inteiramente, para que não percebesse a trajetória do veículo. E a escuridão pareceu acalma-la, pareceu conter o medo à sua verdadeira continência, ao inespecífico, ao inescrutável. Ela conhecia o cheiro dos cavalos, o odor característico dos cães, até já notara o dos golfinhos, quando visitara um aquaparque. Mas jamais observara o cheio da índole. Voando às cegas no pensamento, percebeu perfeitamente a emanação do suor humano; era o cheiro de homens nervosos.
 
De repetente foi a audição que se lhe aguçou, quando notou que não havia mais ruídos urbanos, apenas o vento pelas janelas do veículos. A velocidade era franca, sem desvios e sem solavancos: estavam na estrada. Comprida estrada. Talvez lhe tenha ocorrido um curto desmaio, ou vários passamentos de sentidos, interrompidos pela voz forçada dos homens, que se diziam coisas rápidas e cifradas.  Nas grandes angústias os relógios param e o tempo não flui, de modo que viver não é mais descer um rio, mas escalar um paredão – cada milímetro são quilômetros. 

São imprecisos a distância e o tempo consumidos, até que o carro parasse e ela fosse conduzida ao seu cativeiro. Pronunciou-se-lhe aí o tato, quando ela sentiu de um lado as mãos que a detinham com firmeza pelo braço, e do outro as que se quase desculpavam, segurando-a com uma secreta meiguice.

Durante o percurso, o primeiro impulso de fazer indagações, de perguntar os “quês” e “porquês” de tudo aquilo, a encontrara sem voz. Então considerou que, afinal, sabia muito bem o que se passava. Duas ou três vezes essa possibilidade já lhe perpassara os pesadelos: estava sendo sequestrada.

Quando achou que a voz já se lhe desprendera da garganta, era o coração que disparava como um louco, ante a ideia de falar. Então Lisberte calou. Considerou mesmo que uma palavra qualquer pudesse despertar naqueles homens insensatos alguma violência maior. Mas, talvez encorajada pelo toque cuidadoso de um de seus condutores, ao sentir que abriam a porta do cárcere privado, fez a pergunta essencial: “Vocês sabem o telefone do meu pai?”. 

Como não estivessem autorizados pelo líder, os homens, surpreendidos pela pergunta, nada responderam. Lisberte satisfez-se com o silêncio, que lhe soava com certa reverência e continha uma resposta positiva. Importante mesmo para ela foi lembrar-se do pai, como quem ergue a vista e constata que há uma luz no fim do túnel.

O líder, sargento do Exército reformado, tinha a alcunha de “Tenente”. Participara de ação militar sigilosa contra terroristas na floresta da Amazônia, tornando-se depois meio maníaco por assuntos bélicos em geral. 

Acumpliciados com ele naquela empreitada criminosa a sua própria amante, a Sheila; Leôncio, o cérebro da operação, ex-bancário, empregado demitido de uma das empresas do pai de Lisberte; Onofre, sujeito simplório e corpulento, sem qualquer traço criminógeno no caráter, metido naquilo por influência de Leôncio, seu irmão mais novo, que lhe garantira fortuna sem violência maior: o milionário pagaria o resgate e a moça seria devolvida sã e salva. 

(Continua na próxima sexta-feira)   

segunda-feira, 25 de julho de 2016

RESENHA - Reservas da Minha Étagàre (ER)


RESERVAS DA MINHA ÉTAGÈRE
Aproximações Literocientíficas (1)

Edmar Ribeiro (2)


Nestas Reservas da minha étagère – Aproximações literocientíficas (2015), despontam contares literários e científicos, formando uma estante venturosa, à moda de uma horta forte de mudas, plantas de frutos, arbustos e ervas.

Sombreia-se a estante na teia tecida por dedos finos do sol (fulgor do beletrismo), aprumada com humo para o viço-mor da escolha cuidadosa em harmonia com o signo-ferrete do plantador, sentinela, semeador e podador das mudas e das já viçosas.

O Autor, em um bom contar neste livro, veleja por mares de vários humores e cores. Ora exalta, ora nivela prumos e arestas, quando seu tino aplaina o que é, deverá ser ou poderia ser afinado. Arou com esmero e competência tantos escritos com “acontecências” especiais, desvelada a faina para nosso gáudio e fruição.

Escultor de duas dezenas de belas e densas lavras, produtor de finos e cultos frutos (tantos, tantos), respeitado hermeneuta de escritos e incensado cultor das coisas do intelecto, agora nos enleva, conferindo a esta Étagère cheiro de bons eflúvios de sabedoria, o fluir da ciência, os ternos eventos e notas à moda de lavrador e também espia dos bons frutos. Cioso guardador do normativo e preciso no uso da régua das boas letras, mantém a fé no prumo da produção: crítico literário de respeito, verve, amor e humor. O espírito paira, via mão autoral e plana, na análise dos textos de toda monta: vela a anima e derrama sentido ao saber.

Neste (décimo nono) fruto de sua lav(ou)ra, salta-se-nos à vista um mundo de proseio, de produtos literocientíficos, des(a)fiando; e, instigante, vai-se indo, vai-se indo, topam-se fatos e lembranças volantes, umas de uma simplicidade comovente (parece que aconteceu com a gente...), notas tanto de nascimento de uma Arcádia, como de uma notícia singela, tais e tais, vindas de convivência, de ciência, da consciência, de vivência (em rima e harmonia), constituídas por um intelectual de porte e norte, que tem o cinzel na mão para produzir sua lavra, a lixa para polir as de outrem e a sensibilidade de registrar lembranças.

O leitor, com certeza, vai sacar da étagère de Vianney Mesquita (encantada neste livro) um ou outro. Sentirá os olores do tempo, da tinta, e, correndo os olhos no texto, confirmará que a estante, enfileirada com zelo, boa rega e erudição, não descuida do carinho teimoso e diligente: belas e frondosas são as plantas, expressas neste insinuante objeto caçula dos pujantes filhos plantados por Vianney Mesquita.

Seja louvada esta étagère pelo tom leve e acolhedor do acervo que, por isso, encanta e canta as coisas do espírito e da matéria, entrelaçados e pinçados pela bússola do Autor de ... E o Verbo se fez Carne. Em cada um exemplar aqui contado em vernáculo, sombreia, pairando, seu bem-querer aos leitores.

Assim, venturosos somos, ao termos no alcance o tanto e tudo disposto nas Reservas da Minha Étagère –Aproximações Literocientíficas e pelo deleite resultante de  quantos cantos cardeais velejaremos e desfrutaremos.

Vamos lá, vamos lá, cultores bom-saber e caçadores de proseio e prazeres maiores do tino: gostei. Gostarão vocês!


1 Orelhas do livro (2015), ainda nas oficinas da Expressão Gráfica Editora – 398 páginas.



2 José Edmar da Silva Ribeiro é advogado, professor do Ensino Superior, 
Procurador da Universidade Federal do Ceará. Escritor.


ARTIGO - A Revolta das Massas (RMR)


A REVOLTA DAS MASSAS
Rui Martinho Rodrigues*



O plebiscito sobre a permanência ou saída do Reino Unido da União Europeia (EU) contrariou o parecer dos especialistas. Foi um não ao livre comércio, velha bandeira britânica. Não à globalização. Nos EUA surge um azarão surpreendendo nas pesquisas, se impondo contra a vontade dos líderes do próprio partido, negando acordos de livre comércio, ameaçando retirar o Tio Sam da OTAN, com um isolacionismo como não se via desde a I Guerra Mundial.

Os críticos da globalização, porém, não estão satisfeitos. Queixavam-se da destruição das culturas nacionais e de suas identidades. O diferencialismo, oposto ao cosmopolitismo globalizante, esgrimia o nacionalismo contra a globalização. À semelhança da parábola de feiticeiros que invocam demônios e depois são surrados por eles, os críticos da globalização agora estão chocados com o nacionalismo que ameaça a União Europeia; os acordos comerciais dos EUA; o fluxo de imigrantes. O Brexit economicamente é irracional. Causará grandes perdas ao Reino Unido; prejudicará o rejuvenescimento da população, que os imigrantes proporcionam. É passional.

A passionalidade é irracional. Nacionalismo é paixão. Quem acicatou o nacionalismo contra o livre comércio queria explorá-lo politicamente. Agora, temendo os seus efeitos não programados, profliga aquilo que até ontem exaltava, fazendo-o sem nenhum rubor na face, sem fazer a autocrítica.

Ortega y Gasset, na obra A Rebelião das Massas, juntada de artigos de jornal, contesta a superioridade moral e o discernimento supostamente superior das elites. Argumentava, sob a influência discreta da tradição indiana, vendo nas massas e nas elites uma mistura imprevisível de espíritos superiores em razão da doutrina do Dharma e do Karma.

Sem as influências místicas, podemos observar o efeito manada na elite intelectual, que erra invariavelmente ao engajar-se em movimentos políticos e ideológicos. Seguiu as doutrinas racistas do século XIX; o pensamento lombrosiano; entusiasmou-se, particularmente no Brasil, pelo positivismo comteano, sem embargo das evidentes fragilidades teóricas e da falta de base empírica destas e de outras doutrinas de grande prestígio.

Mudar de rumo ao sabor das conveniências é outro traço das elites intelectuais. O povo simples, que forma a maioria silenciosa, porém, não está tão exposto aos sofismas das elaboradas doutrinas dos grandes pensadores. Até repete o que eles dizem.  Chega a ser iludido pelo adjetivo “científico” que os sofistas do nosso tempo invocam. Aceita, em tese, a desqualificação do senso comum, com o que tentam deixá-lo a mercê das doutrinas incompreensíveis para os simples, e até muitos intelectuais.

Mas quando se sente incomodado não se deixa guiar e reage. Não sendo preparado para enfrentar desafios de alta complexidade, pode meter os pés pelas mãos e eleger um populista que cante uma música diferente daquela que já está desacreditada.
O mundo está sem lideres, sem partidos e sem projetos sérios.


ARTIGO - "Porraloucura" (RV)


“PORRALOUCURA”
Reginaldo Vasconcelos*



O mundo está balançando fortemente, sacudido pela violência no Oriente Médio, onde fanáticos trucidam cidadãos estrangeiros e explodem monumentos históricos, e provocam um tsunami de emigrantes fugitivos, com malucos diluídos entre eles, ou por eles produzidos em seus guetos.

Convencidos de que seria espiritualmente vantajoso sacrificar a vida de inocentes dos países que os acolhem, ou que acolheram seus pais, esses jovens barbarizam o mundo todo por uma causa imaginária – eles mesmos se incluindo entre as suas próprias vítimas.

E este é o maior problema: não há de como reprimir seus atos com ameaças penais, já que, como se fossem zumbis, estando sob intensa hipnose mística anulam o instituto de autopreservação, e nem mesmo a morte eles temem. Ao contrário, explodem-se a si mesmos, ou cometem chacinas tenebrosas e dentro delas se imolam.

O Brasil, enquanto isso, de tanto balançar, foi emborcado. Está de pernas para o ar no que tange à economia, quanto à moral pública, em relação à segurança, de tal sorte que não se consegue vislumbrar um só político que mereça confiança. Alguns presos, muitos processados, todos suspeitos e investigados pelos delitos mais diversos, enquanto mutuamente se acusam.


A floresta amazônica sofre desmatamento recorde neste ano, índios e fazendeiros digladiam-se em sangrenta luta campal e grupos de invasores de terras, estimulados pelos últimos governos, esbulham impunemente a propriedade alheia e atacam fazendas produtivas por todo o território nacional, sem que o Estado atue com energia e eficiência. 

Nas grandes cidades pulsa um estado paralelo, com zonas urbanas onde a lei não vigora e onde a polícia não penetra; onde grassam o contrabando de armamentos e o tráfico de drogas e a degradação psicossocial absoluta se instala pelo império das armas ilícitas e da barbárie absoluta.

Nos cidades dos sertões, grupos organizados atacam e acuam as guarnições policiais, com grande superioridade bélica, para explodir agências bancárias com frequência regular. Enquanto isso, a Nação discute as manhas de Eduardo Cunha, duvida que Presidentes da República sejam responsáveis por seus atos, resolve se troca ou não o obviamente pior pelo aparentemente menos ruim.

E em meio à desordem e ao regresso social que desmentem o dístico da Bandeira Nacional organizam-se no País certames esportivos mundiais, mesmo que se tenha que mobilizar todas as polícias e as três Forças Armadas para garantir segurança mínima. Isso importa ainda em obras faraônicas desnecessárias, enquanto o povo se torna mais pobre, mais confuso, mais atordoado pelo ópio desportivo, que já aliena as torcidas de futebol organizadas, foco de banditismo e violência.

Os competidores aquáticos estrangeiros vêm ao Brasil enfrentar rios e mares poluídos por esgoto e lixo, sujeira que de última hora se tenta varrer para debaixo do tapete, enquanto americanos, ingleses e australianos se recusam a entrar na vila olímpica, com seus prédios mal projetados, inconclusos, imundos. E o prefeito engraçadinho do Rio de Janeiro, entre outras aleivosias, faz piada de mau gosto dizendo que, se necessário, coloca até um canguru saltando na frente da delegação da Austrália. Uma molecagem! 

Nesse contexto, em preparativos de Olimpíadas abre-se uma exceção no acordo tácito entre o Governo e o crime organizado: transferem-se para outros presídios, até que passe o campeonato, os grandes chefes do tráfico  que sabidamente comandam de dentro das penitenciárias as suas poderosas facções. Retornarão certamente aos seus “escritórios delitivos, quando tudo “voltar ao normal”.

Então, o serviço secreto americano, de lá mesmo nos dá conta de que há no Brasil pelo menos doze sujeitos se preparando via internet para perpetrar atentados olímpicos, já devidamente “batizados” pelo chamado Estado Islâmico. Dez são imediatamente presos, o décimo primeiro se entrega e o último é capturado em seguida. Seriam os únicos? Obvio que não.

Incontinenti vêm Suas Excelências o Ministro da Defesa, Raul Jungmann, e da Justiça, Alexandre de Moraes, tranquilizar a Nação informando que não há perigo, porque se trata de “amadores”, uns verdadeiros “porraloucas” – expressão chula que não deveria se ouvir na equipe de um Presidente erudito, que se comunica com mesóclises.   

Toda sorte, deduz-se de suas falas oficiais que os homens presos não são terroristas “profissionais”, nem “experientes suicidas” – como se para se autoexplodir em público, metralhar pessoas avulso e dirigir um caminhão contra o povo fosse preciso ser lúcido e sensato, ajuizado e coerente, e ter um longo passado de crimes – tudo o que não eram e não tinham os mais recentes homens-bomba e “lobos solitários” que atuaram mundo afora.

Assim, as autoridades brasileira quase que se desculpam com a Nação por terem preso os suspeitos de planejar ações terroristas, já que a nossa legislação é leniente com bandidos e severa demais com a polícia, cujos agentes são recriminados pela imprensa se usarem de maior energia em confronto com bandidos, e, se morrem criminosos nessas ações, os autos de resistência são questionados pelos arautos dos "direitos humanos", sempre em favor do banditismo.  

Por conta  disso, no célebre caso do ônibus 174, ocorrido no ano 2000 no Rio de janeiro, atiradores posicionados não receberam ordem de abater o sequestrador, que somente foi morto depois de trucidar a sua refém – e o mesmo aconteceu com a jovem Eloá, sequestrada e morta pelo ex-namorado, em 2008, em São Paulo. Em qualquer país do mundo a segurança das vítimas têm prioridade sobre a vida de seus agressores. No Brasil dá-se o contrário.    

Valha-nos Deus! Que Ele se apiade de nossas almas!



domingo, 24 de julho de 2016

CRÔNICA - Vendedor Ambulante (TL)


VENDEDOR AMBULANTE
Totonho Laprovitera*


Ambulante é aquele vendedor que anda pelas ruas da cidade anunciando a sua mercadoria.

Quando a Governador Sampaio era a rua chique de Fortaleza, o ambulante Otelino alimentava um certo fascínio por Maria de Jesus, uma jovem senhora que tornara-se viúva antes do tempo. 

Sendo de boa e tradicional família fortalezense, De Jesus era bem guardada que só. Portanto, tornava-se bastante difícil qualquer marmanjo furar o cerco composto pelo seu mal-encarado pai e corpulentos irmãos. Falar com ela, só de longe e olhe lá!

Daí, cheio de gracejos, Otelino pegava o seu tabuleiro de bem talhada madeira, assentava no quengo protegido por uma encardida rodilha e, espalhando simpatia, saía para o exercício da sua rotineira labuta. Descia a ladeira da Visconde de Saboya, caía pela Praça dos Leões, virava a direita mais à frente, na Governador Sampaio, e abria o seu reclame pelas portas das faustosas casas. Quando chegava na da mirada viuvinha, ele lampejava os olhos e assim propagava: “Ovo e uva boa! É da melhor qualidade!” 

Aí, os guardiões da viúva surgiam nas janelas e Otelino, com um anêmico sorriso, levantava o pano que cobria a mercadoria no tabuleiro, continuava: “Vai querer, freguês?!”.




COMENTÁRIO:

As magnificas croniquetas de Totonho Laprovitera sobre a nossa Fortaleza, a “loura desposada do sol” do poeta Paula Ney, evocam em todos nós da geração "baby boomers" as mais gentis recordações, de quando éramos meninos e a cidade adolescente.

Em peça anterior ele referiu à lanchonete de seu avô e à barbearia em que cortava o cabelo, tão próximas da “merendeira” Miscelânea e do Salão Torres, que eu mesmo frequentava, pela mão do genitor, naquela época. Aliás, tive a oportunidade de levar meu neto para o primeiro corte de cabelos, pelas mãos do Luizinho, hoje falecido, como meu pai fizera comigo.

Quando eu ia deixar a vida de adolescente cabeludo para ingressar em emprego público fui ao salão do Luizinho e pedi que reservasse uma das madeixas, por recomendação da então namorada, que, por nostalgia, a queria ter consigo.

O Luiz, ante o meu pedido, colocou a cabeça entre mim e o espelho, pente e tesoura nas mãos, e disparou: “Pode falar com a sua mãe que ela tem um cacho de cabelos do seu primeiro corte. Ela me pediu um, e guardou num envelopinho”.

Quanto ao expediente do vendedor de uvas e ovos, deu-se comigo parecido. A namorada recente, uma bela tapuia de quem ainda sou cativo, me denunciou um “doceiro” ambulante que vendia picolés, o qual, ao passar em frente à sua casa, na Av. Rui Barbosa, soltava a voz: “Vai moreninha boa!!!”.

Esperei o vendilhão no dia seguinte, num assomo de testosterona, para lhe pedir satisfações pela ousadia. Ele, então, humildemente, abril a tampa do carrinho e me mostrou um picolé, coberto de chocolate, denominado “moreninha”. 

Ainda não era advogado, mas tive de admitir que a tese de defesa era perfeita, e em nome da paz social relevei a sua malícia. E muitas vezes, para esbanjar confiança, da minha casa, que era próxima, paguei-lhe picolés moreninha e mandei que fosse entregar na casa dela.

Reginaldo Vasconcelos  
  

ARTIGO - O Primeiro Código de Ética Odontológica (JDVM)

O Primeiro Código de
Ética Odontológica
José Dilson Vasconcelos de Menezes (*)



Até os anos de 1950, a Odontologia era lecionada e exercida com tendência predominantemente artesanal.

À época, um acontecimento da maior relevância foi, sem dúvida, a criação da Associação Brasileira de Ensino Odontológico - ABENO, instalada em 2 de agosto de 1956, em Poços de Caldas.

Atuando, simultaneamente, na promoção de cursos destinados a docentes e na concessão de bolsas de estudos, em centros de excelência, visando ao aperfeiçoamento de integrantes do magistério, a ABENO promoveu considerável melhoria no ensino odontológico.

Em decorrência dessas medidas, constatou-se natural crescimento do padrão de desempenho dos cirurgiões-dentistas e, paralelamente, se observou maior conscientização de princípios éticos. Conquanto grande número de profissionais, àquela época, ainda concentrasse maior engajamento com vistas à erradicação das ações odontológicas exercidas por pessoas que não possuíam habilitação profissional, líderes da categoria já haviam superado essa fase e concentravam maior interesse na valorização dos aspectos éticos no desempenho profissional.

Muitos já entendiam que não bastava ser um bom técnico, porquanto se impunha, ao lado desse fato, a ideia de que o cirurgião-dentista atuasse observando princípios éticos quando do relacionamento com  pacientes, colegas e outros profissionais de saúde.

Os eventos científicos de âmbito nacional, nos anos de 1950, eram promovidos pela União Odontológica Brasileira, precursora da Associação Brasileira de Odontologia.

O VI Congresso Odontológico Brasileiro foi promovido pela União Odontológica Brasileira, tendo se realizado em Fortaleza, de 27 de janeiro a 2 de fevereiro de 1957, sob a direção do presidente do Centro Odontológico Cearense, Dr. José Mário Mendes Mamede.

Nessa oportunidade, dirigiam a União Odontológica Brasileira, Edmundo Nejm e Marcelo Augusto Galante, dois grandes nomes da Odontologia, que ocupando,  respectivamente,  a presidência e a secretaria da Entidade, muito realizaram em prol do desenvolvimento Odontologia.

Durante esse evento, esteve reunido o colendo Conselho Deliberativo Nacional da União Odontológica Brasileira, em cuja sessão, dentre as resoluções apreciadas, merece destaque a aprovação do Código de Ética Profissional da União Odontológica Brasileira.

Não existindo, então, um órgão legalmente constituído para fiscalizar a atuação dos cirurgiões-dentistas, dirigentes da Entidade maior da nossa profissão procuraram suprir essa necessidade sentida, aprovando um documento que norteava o trabalho dos profissionais dedicados ao exercício da Odontologia.

Orientando o cirurgião-dentista, referida peça prestou significativa colaboração, por despertar para a necessidade de, ao lado da adoção de princípios técnicos, fossem observadas atitudes ética e deontologicamente corretas.

Impende ser destacado o fato de que esse Código difundido pela União Odontológica Brasileira se antecipou catorze anos ao 1º Código de Ética Odontológica aprovado pelo Conselho Federal de Odontologia.
       
Sete anos após seu surgimento, a Lei nº 4.324, de 14 de abril de 1964 que “Institui o Conselho Federal e os Conselhos Estaduais de Odontologia e dá outras providências”, reconhecendo a importância desse Código elaborado em 1957, pela U.O.B, dispôs no seu artigo 28:

“Enquanto não for elaborado e aprovado pelo Conselho Federal de Odontologia ouvidos os Conselhos Regionais, o Código de Deontologia Odontológica, vigorará o aprovado pelo Conselho Deliberativo Nacional da União Odontológica Brasileira no VI Congresso Odontológico Brasileiro.”

Assim, por sete anos, do período de 14 de abril de 1964, data da instituição do Conselho Federal e dos colegiados regionais de Odontologia, até 14 de abril de 1971, quando, pela Resolução 59/71, o Conselho Federal de Odontologia aprovou o 1º Código de Ética Odontológica, o Código que, quando da sua aprovação, representava um “acordo de cavalheiros”, teve sua validade legalmente reconhecida.

O primeiro Código de Ética Odontológica, aprovado pelo Conselho Federal de Odontologia, coincidentemente, teve seu anteprojeto elaborado em Fortaleza, mercê do trabalho realizado por uma Comissão designada pelo Conselho Federal de Odontologia, integrada pelos professores João Nunes Pinheiro (então Conselheiro Federal); Ailton Gondim Lóssio e José Dilson Vasconcelos de Menezes.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

NOVELA - Cães e Helicópteros (RV)

CÃES E HELICÓPTEROS
(NOVELA PSICOLOGISTA DE BASE REAL)
Reginaldo Vasconcelos


Capítulo I

Em Lucas o sol mergulha entre montanhas pelas cinco da tarde, banhando o casario em leve sombra, esbatida pelo espelho convexo do céu, de um azul turvado em cinza, invadido por reflexos de topázio.

Lisberte tinha pressa naquela tarde, pois marcara com os amigos no Clube Luquence, para combinar passeio longo que fariam no domingo. Pressa não era comum àquele seu jeito fleumático de menina rica, bem conformada de beleza e contida de hábitos, a quem tudo vinha à mão a cada pensamento, ao menor desejo; principalmente estando em férias na província, a meiga cidade nordestina onde brotara a família, que vive agora sob as frondes das empresas de seu pai.

Era mesmo muito calma no agir e no falar, de tal sorte que já virara gozação na roda íntima, entre os colegas da faculdade, o seu hábito de ser impontual, atribuído quase sempre à vaidade com os cabelos ruivos, os olhos de mel, a pele alvíssima, que a deteria ante o espelho.

Naquela sexta-feira Lisberte queria antecipar-se à hora marcada, pois na noite anterior conhecera figurinha interessante, um rapaz convidado de seus primos, que ela não queria deixar exposto aos encantos de Fernanda, a mais volumosa e atirada das amigas, que também estava em férias na cidade. Dormira toda a tarde e agora dirigia o automóvel pela Rua Grande, saindo do calçamento da cidade em direção ao campo de pouso, para atingir o clube, que lhe fica um pouco além. Ao passar pelo bueiro do riacho, sentiu o cheiro úmido do córrego, do pasto ribeirinho, ligeiramente almiscarado pelo limo e pelo humo marginais.

De súbito, defronte ao prédio abandonado das oficinas velhas, um carro escuro surgiu na estrada, interceptando os seu esportivo, fazendo-a despistar pelo acostamento e pelo matagal. O seu primeiro sentimento foi de altiva indignação, que logo se desfez, ao divisar ela três rostos que avultaram do outro veículo, visivelmente envoltos num jogo de morte. Aflorou de seu inconsciente a imagem de corsários, trazida dos filmes, dos livros de aventuras, em que a chusma invade uma caravela no meio do oceano, saltando-lhe pelos mastros e cordames.

(Continua na próxima sexta-feira)

ARTIGO - Terroristas e Ressentimento (JPC)

Biografia dos terroristas
sempre revela vidas de ressentimento
João Pereira Coutinho*
(Enviado por Rui Martinho Rodrigues)


Acontece um atentado terrorista na Europa, mais um, agora em Nice, e as perguntas dos dias seguintes são sempre as mesmas. Por quê? Como explicar o horror? Quais são as causas? Que fizemos nós para merecer isso? A ambição subjacente é óbvia: se soubermos as causas podemos evitar os efeitos.

Existem duas formas de responder a um tal cortejo de ansiedades. O primeiro é denegrir tais dúvidas, caracterizando os seus autores como ingênuos ou coisa pior. O terrorismo deseja o terror. E, quando vem embalado por qualquer caução islamita, deseja a morte dos infiéis. Será assim tão difícil de entender?

Na verdade, é difícil sim. E aqui está a segunda forma de responder às perguntas: o nosso pensamento progressista (e racionalista) impede uma compreensão genuína do horror.

Somos filhos do Iluminismo. Acreditamos que a razão, corretamente exercida, permite sempre uma melhoria moral e material da sociedade: a derrota do fanatismo; a defesa da tolerância; a partilha de um espaço público comum; e etc. etc. Os atos dos terroristas são "irracionais", dizemos nós, porque não se ajustam aos nossos critérios de racionalidade.

Essa "dissonância cognitiva" é inevitável. O Iluminismo teve consequências positivas na história dos homens: o reforço da separação entre o Estado e a Igreja, inexistente no Islã, foi um deles.

Também teve consequências desastrosas: se, como dizia Voltaire, o paraíso é onde estamos, então nada impede os seres humanos de procurarem esse paraíso na Terra. Dizer que as consequências dessa busca foram trágicas no século 20 é, obviamente, um eufemismo.

Só que o "projeto iluminista", na sua ânsia de defender e aplicar a soberania da razão humana esqueceu-se de dois viajantes que sempre fizeram parte da história.

O primeiro é a "contingência", ou seja, a noção de que não é possível controlar tudo por mera ação humana. Pior ainda: a noção de que podem existir fatores imponderáveis que subvertem, ou até destroem, as melhores intenções. Essa ideia, que era pacífica para nossos antepassados, deixou de o ser com a arrogância racionalista moderna.

O segundo viajante se dá pelo nome de "ressentimento". A política das boas intenções esqueceu-se do "homem ressentido", para usar a expressão de Max Scheler (1874""1928): o sujeito que procura "lá fora" a justificação para o seu ódio interior. Como escrevia Edmund Burke (1729""1797) em crítica direta ao otimismo dos "philosophes": "O poder dos homens viciosos não é algo de negligente". Esse poder está à vista: leio a biografia dos terroristas e, sem exceção, encontro sempre vidas de ressentimento. Podem ser ressentimentos familiares. Econômicos. Sentimentais. Sexuais. Ou, na era narcisística em que vivemos, um desprezo pelo exato mundo que não os reconhece na sua importância ou singularidade.

Idealmente, os homens ressentidos deveriam ter o anonimato que merecem, condenados a tragar o veneno que produzem para terceiros. Mas os ressentidos profissionais encontram sempre uma "filosofia do ressentimento" que os redime. Exatamente como comunistas e nazistas encontraram no passado.

Essa "filosofia" é também ela um produto do ressentimento: o radicalismo islâmico propaga uma mensagem de ódio ao Ocidente, não apenas porque o Ocidente e os seus valores "liberais" (democracia, pluralismo, liberdade individual etc.) são odiosos, mas porque, na lógica do ressentido, o Ocidente é o culpado por todas as falhas de um povo, ou de uma cultura, ou de uma civilização. Lênin e Hitler poderiam tranquilamente subscrever essa visão.

Deixo as questões securitárias para os especialistas. Mas duas conclusões filosóficas parecem-me fatais. Para começar, a Europa terá que conviver com a contingência que tanto se esforçou por ignorar. Por melhores que sejam os sistemas policiais, nem todo o progresso tecnológico poderá eliminar o horror do imponderável. O paraíso, definitivamente, não é deste mundo.

Por último, os inimigos das sociedades livres sempre estiveram dentro delas: falo dos homens ressentidos que usarão sempre uma desculpa qualquer, o Partido, a Raça, o Profeta,para cometerem as suas atrocidades.

"Se soubermos as causas podemos evitar os efeitos?" Lamento. O ressentimento não funciona assim. A sua vontade de destruição é uma história longa. E será, como sempre foi, uma luta sem fim.




*João Pereira Coutinho
Escritor português
Doutor em ciência política
Colunista do “Correio da Manhã”,
o maior diário português.
Escreve às terças-feiras na versão
impressa, e a cada duas semanas no site.