quinta-feira, 25 de julho de 2013

CRÔNICA

O MOLEIRO DE SAN-SOUCI


A sabedoria proverbial traduz a realidade do poder: “Se queres conhecer o vilão, mete-lhe a vara na mão”. Talvez, Montesquieu conhecesse esse adágio português; daí vem a advertência do autor de “Do Espírito das Leis”, nesta conhecida passagem: 

A experiência eterna mostra que todo homem que detém o poder é levado a dele abusar; vai até onde encontra limites. Quem o diria? A própria virtude precisa de limites. Para que não se abuse do poder, é necessário que pela disposição das coisas o poder limite o poder”.

Onde impera a hipocrisia e o cinismo, o exercício da ilicitude é visível e não perplexa. Contudo, afeta o bem-estar dos cidadãos ante a perversão da ética no poder e da ordem jurídica. Estaremos predestinados a aceitar que o vírus da corrupção é genético?

Ousa-se discordar, o povo ordeiro está nas ruas e adentra, sem temor, os corredores fétidos do poder. Parece cansado da demagogia e do fato de que não há solução mágica para extirpar a bandalheira difusa, por isso não mais se conforma em ser um país de sem-vergonha.

Por isso, em um Estado incapaz de manter atitudes de respeito, é ilusão falar em cidadania - credulidade tem limites. Há pouco, a mídia tornou conhecida a tentativa de o Supremo Tribunal Federal justificar gastos com passagens para as esposas de ministros, a fim de os acompanharem em viagens, fazendo-o com base em ato administrativo por falta de legislação pertinente.

Como uma resolução legitima o ilegitimável? Como autoriza o inautorizável? Ao erro estão sujeitos até mesmo os mais prudentes, mas há benesses inaceitáveis. Em especial, quando advindas do STF, do qual se espera o melhor exemplo, a plenitude do exercício da ordem jurídica.

A cidadania se aperfeiçoa por meio da justiça e de bons exemplos. O comportamento de cada cidadão influi na vida de uma sociedade. Não se legitimam atos imorais. O uso de aviões da FAB, v.g., não pode ter a missão desvirtuada como se fossem verdadeiros bens particulares. Será que os oportunistas não sabem a diferença entre servir ao público e dele tirar proveito?

Até quando conviveremos com sinecuras, mordomias e inumeráveis estripulias prodigalizadas de benefícios e liberalidades? Normas jurídicas existem para combater ilicitudes. Difícil não é exigir as normas, mas o seu cumprimento por parte daqueles que, pela disciplina dos poderes, deveriam ser paradigmas. 

Contudo, a consciência republicana parece despertar. A partir daí, poderá então se acreditar no episódio de “O Moleiro de Sans-Souci”, conto de François Andrieux: o Rei Frederico II açodava esse moleiro com o objetivo de desapropriar-lhe o moinho de vento, pois desfigurava a paisagem de seu castelo.

O humilde moleiro resistiu às ameaças do déspota esclarecido mansamente, dizendo-lhe: “Ainda há juízes em Berlim”. O rei recuou e a história permanecesse simbolizando a grandeza e a força da Justiça. Pelo que se vê, a saída caminha e ecoa por nossas ruas, avenidas e praças.

Por Paulo Maria de Aragão
Advogado e Professor
Membro do Conselho
Estadual da OAB-CE


sexta-feira, 12 de julho de 2013

NOTA ACADÊMICA

Há rumores de que alguém haja entendido que a ACLJ esteja se imiscuindo em assuntos políticos, seja pelos temas de artigos publicados no Blog, seja por haver promovido o bem sucedido fórum sobre a convulsão social que a sociedade brasileira defrontou neste último mês de junho.

De fato, o art. 15 do Estatuto da ACLJ proíbe a entidade de se envolver em questões religiosas e político-partidárias, pois isso dissentiria de seus objetivos sociais, que são promover a cultura da língua falada e escrita no Estado, conforme consta no art. 1º do seu referido Estatuto.

Isso significa principalmente que não pode haver de parte da Academia ações institucionais positivas ou negativas de cunho político-ideológico, como seja enaltecer e privilegiar pessoas naturais ou morais em função de convicções que nutram ou que professem, ou, por outra, discriminar indivíduos ou estamentos pelas ideias que concebam ou pelas bandeiras que defendam.

Com efeito, há entre os confrades pessoas de todas as tendências políticas e orientações ideológicas, os quais, individualmente, não estão proibidos de manifestar seu pensamento com matérias assinadas no órgão de comunicação social e relações públicas da ACLJ, que é o nosso Blog Oficial.

A nossa instituição prima pela democracia e pela liberdade de expressão, de modo que não poderia praticar censura ideológica sobre os textos dos seus membros – desde que estes preservem a elegância acadêmica e não tenham pretensões proselitistas, nem recorram a ignomínias que visem a incitar ilicitudes.

Ademais, sendo a ACLJ uma confraria de intelectuais e pensadores, de cientistas sociais e de formadores de opinião, não pode ela se furtar de analisar profundamente, inclusive concitando a sociedade, para tirar conclusões objetivas e para publicar pareceres, o desempenho da administração pública nacional.

Por outro lado, não pode uma instituição de escritores e jornalistas se abster de escrutinar fenômenos políticos, culturais, éticos e morais que envolvam a coletividade, desde que sem inflexão eleitoreira, como as manifestações sociais que eclodiram de repente no País, em junho passado.

De resto, a literatura ligeira e a imprensa jornalística não podem ser infensas nem estar alheias aos processos sociais ao longo da história – e mesmo a prosa e a poesia clássicas marcam os fatos de época com que se identificam, constituindo registros valiosos dos períodos em que se inspiram e em que são produzidas, ainda mesmo em tramas ficcionais e em peças com conotação de cunho lírico ou histriônico.
Reginaldo Vasconcelos
Secretário-Geral    

quinta-feira, 11 de julho de 2013

CONVITE

A atriz e poetisa Karla Karenina, titular da Cadeira de nº 24 da ACLJ, convida os confrades e o público em geral para o show que apresentará no Ideal Clube de Fortaleza, a convite do médico e poeta José Teles, da Academia Cearense de Letras, Diretor de Cultura e Arte daquela tradicional associação recreativa cearense.

CRÔNICA

OS ABUTRES




Déspotas disfarçam-se e sempre se disfarçaram de estadistas, respondendo em todas as épocas pelas tragédias e desatinos da história. Dinheiro e poder, irmãos siameses, nas suas operações ofensivas, marcham de flanco em qualquer terreno e oprimem os que se lhe façam frente.


Adejam em círculos como abutres esfaimados, crocitando à cata de tudo que lhes dê proveito, bicando certeiramente na mosca dos orçamentos públicos e deteriorando estruturas do Estado. Distinguem-se das espécies detritívoras, extremamente úteis à sociedade, “garis da natureza”, fundamentais no equilíbrio do ecossistema. Voam em direções opostas.

Tenha-se que o dinheiro e o poder não são um mal em si. Mas enoja o lucro fácil e espúrio, obtido com o infortúnio de alguém, desviando verbas da saúde e da educação, além dos que recebem robustas comissões sem trabalhar. Fazer uso dessas afirmativas será demasiado?

A felicidade não está no linde entre o dinheiro e o poder, mas na satisfação de ações criadoras. Por isso, o povo está nas ruas, acreditando que porá termo à pilhagem do erário. Alentadoras são as manifestações, mas os abutres, já estão ensaiando voo e, se não enxotados, emudecerão vozes não mais condescendentes com o atual estado de coisas.

A corrupção, delineada num catálogo de amplitude enciclopédica, estimulada pelo público do panis et circenses, afigura-se indomável. Debalde, partidos políticos só a combatem na mídia, muitas siglas de aluguel, reduzem-se a inócuas etiquetas. O governo não tem compromisso social – entes e servidores públicos jamais deveriam ser nossos senhores e sim, sempre, servos nossos e para isso lhos pagamos.

O lema trivial de que os fins justificam os meios retrata a atual reação coletiva contra os insensatos gestores públicos indiferentes ao planejamento, à transparência, ao controle e à responsabilidade. Manipulados por parlamentares movimentam, abusivamente, bilhões do dinheiro público, indignos de respeito e dos postos que ocupam.

Às exceções de praxe, o sistema político decompõe-se, falsos líderes estão acuados, enquanto a Justiça faz-se desacreditada pela morosidade. A história exige da Corte Constitucional empenho, presteza, diligência, independência e soberania nos seus julgamentos.

Será que vivemos uma nova disposição de ânimo cívico, de anúncios de intenções ou de falsas esperanças? Catarse? De qualquer maneira, já não há muito a esconder quanto à promiscuidade pública. A essa altura, é de se fiar no poder do povo, revoltado e indignado, capaz de mobilizar a nação através das revolucionárias redes sociais, havendo de ter como senha a ininterruptividade.

Por Paulo Maria de Aragão
Advogado e Professor
Membro do Conselho
Estadual da OAB-CE.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

ENSAIO

O POVO “TEM SEDE DE QUE”...?

Nas ultimas duas décadas, o Brasil experimentou transformações significativas na sua infraestrutura física, e finalmente deu inicio à construção de sua infraestrutura humana. 

Significa dizer que passou a cuidar das pessoas, especialmente das mais pobres, com a implantação de vários programas sociais, notadamente na área da educação, seja em nível médio profissionalizante seja no terceiro grau com a expansão das universidades públicas e com os vários programas de financiamento destinados a instituições privadas, além do programa Ciências sem Fronteiras.

Se olharmos na perspectiva econômica, a grande conquista foi o controle da inflação (ora ameaçado), o crescimento do emprego com carteira assinada, o aumento da renda oriunda do trabalho, a diminuição dos índices de pobreza e a quase erradicação da miséria absoluta com os vários programas de transferência de renda. Credito fácil e barato para comprar o carro e a casa própria, sonho de consumo de todos os brasileiros também não faltou (ver a expansão da construção civil).

Então, qual a gênese dos movimentos sociais que estão deixando os governos e os congressistas sem saber o que fazer e correndo contra o tempo perdido? Logo eles que sempre impuseram à sociedade suas vontades confiando na histórica letargia do povo!


Se, de alguma forma, a fome foi saciada, a sede continua desidratando os sonhos e as perspectivas de que se construa no Brasil uma Democracia horizontalizada onde os cidadãos tenham acesso a todos os serviços a que têm direito, com a qualidade exigida pela Cidadania.

As conquistas referidas deram a falsa sensação à elite dirigente de que tudo ia bem, e que o povo, que, historicamente, se conformou em receber o que conhecemos em economia como ganhos trickle-down (migalhas), assim ia permanecer.

Lêdo engano. Como nos ensina David Landes em A Riqueza e a Pobreza das Nações, “uma moeda estável não é a cura para tudo”. Os Titãs também nos ensinaram outra bela lição: “A gente não quer só dinheiro, A gente quer dinheiro e felicidade, A gente quer inteiro e não pela metade”.

Os movimentos que estão nas ruas - e espero que continuem -  são a materialização de uma mobilização silenciosa que vem sendo construída no interior da sociedade brasileira, cuja essência se funda na substituição imediata da escala de valores da elite dirigente pelos valores daqueles que representam o que há de melhor nesse país, o seu povo.

Ao contrário do que alguns podem pensar, esses movimentos começaram a ser construídos no inicio dos anos oitenta e noventa, quando os que hoje estão nas ruas estavam nascendo e, em função dessas mudanças porque passou o país nesse período, chegaram às universidades e formaram uma consciência político-cidadã fundada numa escala de valores que evidencia uma assimetria com os valores daqueles que dirigem a nação.

Daí porque não aceitam os oportunistas partidários, sejam da esquerda, do centro ou da direita, numa clara posição apartidária. E é bom que seja assim, pois os partidos que aí estão não mais representam as expectativas e não têm mais a confiança que lhes foi depositada. Perderam a legitimidade.

Quando examinamos essas manifestações pela percepção política, recorremos a  Zygmund Bauman que, na obra EM BUSCA DA POLITICA,  afirma: “os legisladores fazem suas escolhas antes dos indivíduos e lhes reduzem o leque de opções”. 

Isso é tão verdadeiro que agora mesmo, quando a Presidenta propôs o plebiscito ao Congresso, as opções a serem apresentadas ao povo já estão pré-selecionadas. Seriam essas opções aquelas sobre as quais a sociedade gostaria de se manifestar? É possível que não!

Foram as escolhas feitas pelos legisladores e pelos governos nas ultimas três décadas, excluindo os indivíduos do direito de construir sua própria agenda, que nos legaram como resultado a “crise de valores” e tantas outras que estamos vivenciando.

O que se está colhendo agora é consequência da assimetria existente entre agenda definida pela política ao longo da nossa história, onde a maioria dos indivíduos foi totalmente excluída, e a natureza do sentimento coletivo que pulsa nas ruas dizendo: “A gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte...”.

Por Arnaldo Santos
Jornalista e doutor
em ciências políticas

FÓRUM SOBRE MANIFESTAÇÕES FOI UM SUCESSO

Foi muito proveitoso o 1º Fórum Sobre a Convulsão Social de 2013, no auditório da Federação das Indústrias do Estado do Ceará, evento promovido pela Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, cujo objetivo era analisar as causas e consequências das manifestações populares que tomaram as ruas do Brasil neste último mês de junho.

Iniciou a solenidade o Presidente da ACLJ, Rui Martinho Rodrigues, jurista e professor de história política na Universidade Federal do Ceará, que abriu os trabalhos com um amplo painel analítico das motivações tradicionais de greves e protestos, até então promovidos por minorias sociais, em defesa de seus interesses corporativos, enquanto que desta vez se observou uma mobilização da sociedade como um todo.

Também falaram o acadêmico decano da ACLJ, o Prof. Roberto Martins Rodrigues, um dos grandes constitucionalistas cearenses, o advogado e jornalista Alfredo Marques Sobrinho, o Deputado Heitor Ferrer e o Vereador Wagner Sousa, o Capitão Wagner, líder da grande mobilização da Polícia Militar do Ceará, que se amotinou em dezembro do ano passado, protestando por melhores salários, entre outras reivindicações profissionais.

Digna de nota a participação da jornalista Raquel Scarano, repórter da TV Diário incumbida de cobrir o fórum, e que se quis manifestar para apresentar o seu depoimento pessoal sobre as manifestações em Fortaleza, as quais acompanhou pessoalmente, fazendo a cobertura jornalística. 

Ela discordou da fala dos que a antecederam, desmistificando o entendimento de que os manifestantes de junho tivessem qualquer consciência política, pois os que ela entrevistou sequer sabiam a que se referia a PEC 37, contra a qual protestavam em suas palavras de ordem e em seus cartazes.



Raquel chamou o movimento de “Revolta dos Ipods”, pois lhe pareceu que os jovens estavam mais interessados em se fotografar e fazer postagens nas redes sociais que em conseguir qualquer mudança na política do País, em qualquer esfera de poder. Tudo oba-oba, por conseguinte.

Contou ainda a repórter que, durante a cobertura de uma das mobilizações, um manifestante lhe atirou uma pedrada, que atingiu um cinegrafista da equipe, e penetrou na multidão, não sem antes ter tido a fisionomia observada.

No final do dia ela foi chamada a uma delegacia para registrar um episódio de abuso policial. Um inocente professor de história teria sido preso de forma arbitrária, quando se encontrava numa parada de ônibus, próxima à manifestação. Pois o professor preso era o mesmo manifestante que a apedrejara horas atrás.


Alexandre
Pereira
Arnaldo Santos
Inscritos para o próximo fórum da ACLJ sobre o tema, todos presentes à primeira edição, o jurista Djalma Pinto, o jornalista e sociólogo Arnaldo Santos, o jovem ambientalista João Pedro Gurgel, o Secretário de Governo Alexandre Pereira, do Conselho Estadual do Desenvolvimento Econômico,  dentre outros.