EUTIMIA
Vianney Mesquita*
Malgrado
nos tenhamos reformado, há alguns anos e por tempo de serviço formal (emprego),
vemo-nos de braços com mil quefazeres, na informalidade, no cuidado com as
leituras e outras res do espírito, de maneira que, após alguns anos de
publicado, somente agora tivemos o lance de nos deliciar com ler, sob vagar e
meditação desvelada, Eutimia – o Segredo da Felicidade Essencial.
Desta
feita, entretanto, ainda nos não impendeu comentar no que toca ao cerne
teorético do livro, o qual detém nos seus haveres o pormenor da disrupção,
porque interrompe o curso normal dos seus entendimentos, entrelaçando as
compreensões, razão por que, sendo, assim, afeito à contra intuição, não agrada
à pluralidade dos leitores, conforme atesta o autor.
Nosso
propósito, neste passo, resulta em fazer remissões ao Escritor, por quem
detemos admiração muito singular, deixando remansar para lance posterior os
comentários atinentes aos teores de Eutimia.
Convém,
todavia, de saída, atentar para a noção de que, no raciocínio do próprio R.V.,
a obra desagrada os agnósticos pelo fato de acatar o espiritualismo, enquanto
os espiritualistas não se aprazem com sua obliquidade cientificista, exempli
gratia, por não considerar a fé como algo místico, mas feita ocorrência
saudável e necessária. Seus entendimentos insertam as Escrituras configuradas
na elevada sabedoria, não expressas, porém, como simples revelação
extraterrena. Algumas outras razões subsistem, pois, para inserção, a
posteriori, em prováveis exegeses pelos meios para difusão maciça.
Decidimos
perfilhar como bordão, em tudo aquilo que nos é dado referir ou deixar de o
fazer, quando impraticável, o anexim de procedência helena – Sapateiro,
não passe do calçado! – correspondente na língua do Lacio à
dicção Ne, sutor, ultra crepidam!
Na
informação extraída do Lello Universal – Dicionário
Enciclopédico Luso-Brasileiro (Porto, 1983: 568), dita expressão, transposta
para o latim, tem assento na obra História Natural, 35-36, do
naturalista romano Caio Plínio Segundo, o Antigo (79 d. C), ao se reportar a um
evento ocorrido com Apeles, o mais renomeado dos pintores da Hélade.
Conforme
a letra basta da História, Apeles, nascido em Cólofão, Lídia, teve existência
no Séc. IV a. C, vivendo na casa de Alexandre Magno, de quem reproduziu
retrato. Consoante retromencionada fonte librária, o Pintor se diferençou dos
demais pelas cores brilhantes das figuras.
Apeles
era muito severo consigo. Aceitava sem se ofender qualquer crítica e até a
provocava. Dizem que expunha seus quadros ao público, escondido atrás da tela,
para ouvir as reflexões de cada qual. Certo dia, um sapateiro achou o que
criticar na sandália de uma das figuras, representadas no quadro, e logo Apeles
corrigiu o defeito. No dia seguinte, aquele chumeco audacioso entendeu que lhe
era dado criticar igualmente outras partes do quadro, mas Apeles saiu do seu
esconderijo e disse: – Não vá o sapateiro além da chinela. (IDEM,
IBIDEM).
Eis
que, então, acedemos de imediato ao aconselhamento do Artista, referido por
Plínio, o Antigo, pois não é cometido a quem não conhece enunciar opiniões em
ultrapassagem aos chinelos do sapateiro apelesano. Assim acontece porque
conceitos deste modo emitidos, sem substrato na verdade, recorrentemente,
conduzem o leitor a penetrar a falácia e reproduzi-la por via da imensa força
propagadora da comunicação massiva, exatamente em razão do despropósito do
comunicador na transferência de mensagens de cujo teor não guarda certeza.
Tal
não intenta exprimir, porém, a ideia de que não haja lido e compreendido o
conteúdo de Eutimia, absolutamente bem refletido pelo intelectual
coestaduano Reginaldo Vasconcelos, senhor da facilidade de arrumar as palavras
em todas as suas classes gramaticais e arranjos elocutórios e de quem somos
admirante, desde a primeira vista d’olhos sobre um texto seu.
Consoante,
muito apropriadamente, descreve o Dr. Arnaldo Santos, no antelóquio à Eutimia
(Fortaleza: RDS Editora, 2013), o sentido de circunstância feliz da pessoa como
destino da vida; a situação do ser humano e seus recontros; a realidade
transcendental, considerando-se a relação das compreensões da atividade
científica em seus decursos físico-químicos; bem assim a certeza da onipresença
do Criador, configurado na Trindade Santíssima – entre outros temas saudáveis –
constituem parte das abordagens do Autor de O passado não passa, agora também
sob intelecções filosóficas acertadas e consistentes, a julgar pela clareza
lógica com que explana suas certezas, postado (nós) na condição de imperito
temático.
De
acordo com o expresso nas obras lexicográficas de referência da língua
portuguesa – e conforme o livro do Dr. Reginaldo ensina – em leitura
livre, eutimia denota a exata tranquilidade espiritual, a
sereníssima felicidade, conquanto tenham curso as intercorrências naturais da
existência, como, num exemplo nosso, o advento inexorável da morte.
Repisadamente, em situações vexatórias, estas fazem balançar o edifício
eutímico, i. é, o endereço da pessoa feliz, embora, passada a borrasca, se
retorne – após o lapso do nojo, o decurso penoso do
luto – à circunstância de experimentação do bem-estar e da ventura.
O
étimo desse vocábulo é do grego euthumia/as = coragem,
alegria, de eu = bom, bem + thumós/oú =
sopro, princípio vital, alma, vida, ânimo. Seu inaugural registro em livro de
referência sucedeu em 1836, com a grafia euthimia, conforme
demarcam os lexicólogos Antônio Houaiss e Mauro de Sales Villar, no Dicionário
Houaiss de Língua Portuguesa (2001).
Consoante se depreende da doutrina de Reginaldo Vasconcelos,
quando cuida, entre outras ideias e com distintas palavras, de fé, paz, morte e
condição ideal, a noção científica de eutimia está inserta na
ciência psicológica e na psiquiatria médica, como limite de equilíbrio entre
a distimia (humor perenemente baixo e sua feição mais intensa,
a depressão maior), como da hipotonia, a qual denota a
disposição de espírito constantemente elevada, com seu perfil mais intensivo –
a mania.
Constitui,
por conseguinte, noutra interpretação conotativa, o objetivo da terapia das
desordens de humor, como ciclotimia (ou psicose maníaco-depressiva) e transtorno
bipolar, psicopatologias de cuidado da psiquiatria médica e da psicologia
clínica, cujos limites – onde termina um destes saberes e começa o
outro – não é simples estabelecer e até mesmo resta inviável precisar.
Aportadas
às sandálias do Pintor, estamos dispensado de prosperar com escólios mais
demorados, em decorrência das razões há pouco manifestas, muito embora se
expresse clara a ideia de que qualquer bom decodificador de escritos deste
mérito está habilitado a adentrar com sucesso o assunto, louvado nos argumentos
consentâneos do Autor e dos ensinamentos por este expendidos, porém fora dos domínios
de seus consulentes, em especial, dos jejunos (como nós) em relação à matéria,
sendo-lhes interdito deitar cátedra, até que se aprontem convenientemente para
tal.
Desta
maneira – mesmo para não subtrair dos leitores o tempero da novidade trazida
por Eutimia – eximimo-nos de prosseguir com notas relativas à
nossa descodificação do teor do volume, porém devemos esposar o fato de que
somos admirador do escritor Reginaldo Vasconcelos, pela facilidade de
muito bem se expressar, quer em língua prosa ou noutros expedientes artísticos
– como a poesia e a pintura, por exemplo – porquanto, para isso, se
prontificou nos desvãos da procura do saber, de custosíssima apreensão – e
disto só têm certeza aqueles que sabem.
Efetivamente,
o consideramos pessoa eclética, haja vista a variedade argumentativa coberta
por suas apreciadíssimas crônicas, os poemas, artigos, ensaios, pinturas e
outros gêneros de expressão literária e artística, onde se demonstra o analista
percuciente, o cronista romântico, o pintor ideativo, o poeta eutímico, o
epistológrafo atilado, interessante e alegre. Tal sucede até mesmo nos correios
eletrônicos, os conhecidos e-mails, endereçados aos seus pares, quando
sugerimos, quase sempre, transformá-los em escritos para socialização pelos meios
de propagação coletiva, de alteada axiologia no modo como resultam, ao ponto de
não deverem ir para a sarjeta e posterior recolha, feitos ciscos indignos,
descartes desprezíveis, rejeitos inservíveis, pois, no nosso sentir,
aproveitáveis são como material literário de prima essência e deleite de quem
aprecia composições de significados tão singulares e estésicos.
Tomamos
tento, ainda, em deixar de ir avante, não apenas em obediência à parêmia romana
de que cuidamos no começo destas notas, mas, também, como revelado há pouco,
para não subtrair do público ledor em potencial o hors d’oeuvre,
o prato de entrada, precedente do repasto principal, configurado no exame do
recheio de Eutimia, mesmo ao esposar juízos de pessoa laica nesse
sub-ramo do saber ordenado.
Impõem-nos,
por conseguinte, a responsabilidade e a ética de comunicador de que devamos
transmitir o sentimento veraz de que o autor do volume sob relação é um
escrevinhador fecundo e facundo, conhecedor dos recursos estilísticos da língua
portuguesa e de sua gramática, com larguíssimos haveres morais e faculdades
intelectivas, habilidades a lhe permitirem versar, exempli gratia, sobre
matéria de sublime elevação, como ocorre ser esta repassada em Eutimia
– o Segredo da Felicidade Essencial.
Isto
porque foi transitado por excelentes escolas formais, bem assim pelas
ensinanças dos exercícios prescritos na vida diária, do que se aproveita para
conceder aos seus bens artísticos os requisitos da certeza e da estesia
composicionais, que sequestram o consultante do início ao termo das suas
produções.
Conforma,
sem dúvida, para nós, um regozijo ter a ensancha de expressar contentamento por
privar do comparecimento, em cátedra de sodalício, de pessoa de tal modo
agraciada pelo Alto, que, ao jeito de Camões, cantando, espalha por toda
parte, se a tanto o ajudam engenho e arte.