QUEM DÁ CONTA DA HERMA?!
Vianney Mesquita*
A saudade é um parafuso/Que, quando sua rosca cai,/Só
entra se for torcendo/Porque batendo não vai/Depois que enferruja dentro/Nem
destorcendo não sai!
(JOSÉ EURÍCLEDES FORMIGA. YS.
João do Rio do Peixe, 19.06.1924 – †São Paulo, 09.06.1983. Trabalhou na Gazeta de Notícias, de Fortaleza-CE).
No
recuado 1968, desfrutei a sorte de haver sido escolar do Colégio Municipal
Filgueiras Lima, malgrado a velada repressão no ano do malfadado AI-5,
matriculado no terceiro ano colegial, como se chamava então. O prédio fica aos
fundos do Colégio Paulo Sexto, da rede estadual, no que se transformou o antigo
Matadouro Modelo, localizado no centro
nervoso do Jardim América, Bar
Uirapuru numa esquina e, na outra, a Casa
Dois Apóstolos, de material de construção, propriedade dos irmãos Pedro e
Paulo. Quem passava por ali o fazia ligeiro, espantado com o fartum de tecido
orgânico vacum apodrecido, mau cheiro
só desaparecido totalmente após alguns verões pesados.
E
eis que o progresso decepcionou a Natureza mais uma vez (como o faz amiúde), em
proveito do movimento antropocêntrico e detrimento do moto biocêntrico, hoje em
curso nos estudos de sustentabilidade da vida humana, animal e vegetal, em
franco desenvolvimento em todo o Mundo, objeto temático de cimeiras
internacionais a respeito de meio ambiente.
Contíguo
ao prédio novo, no qual se instalara em 1966 o Municipal – pois este
houvera deixado o edifício onde hoje é a sede do Instituto do Ceará –
Histórico, Geográfico e Antropológico – o Colégio Paulo
VI tinha instalações descansando sobre terras impregnadas de gordura animal
e tecidos orgânicos decompostos.
Uma vez, por volta das nove da noite, no intervalo imediatamente anterior à última aula, eu e alguns colegas divisamos no quintal do antigo abatedouro, de cima de uma arquibancada erigida para exibição de tourada, uma fonte do chamado igni fatuus – fogo fátuo – chama azulada, em geral, ocorrente em pântanos, cemitérios e locais onde há grande quantidade de glicerídeos de ácidos graxos – que deixou a turma em rebuliço.
Uma vez, por volta das nove da noite, no intervalo imediatamente anterior à última aula, eu e alguns colegas divisamos no quintal do antigo abatedouro, de cima de uma arquibancada erigida para exibição de tourada, uma fonte do chamado igni fatuus – fogo fátuo – chama azulada, em geral, ocorrente em pântanos, cemitérios e locais onde há grande quantidade de glicerídeos de ácidos graxos – que deixou a turma em rebuliço.
A
despeito de haver demorado bem pouco tempo no Colégio, pois nem cheguei ali a
terminar o Científico, sou pessoa
testemunha da existência de excepcionais professores – André Pinheiro (filho do
Dr. Edmilson), Jeovah Lima, Dona Marieta, Pedro Augusto Timbó Camelo, entre
outros – bastante assíduos e competentes, sem improvisação didática,
cumpridores dos horários e, sobretudo, amigos dos estudantes, pois também sob a
mira dos alcaguetes da gloriosa, que,
sem ninguém saber, se infiltravam nas conversas com o fito de dedurar alguém à Direção.
Punctum Saliens do Colégio Municipal
Filgueiras Lima é, sem nenhuma dúvida, o imprescindível busto do educador e poeta
Filgueiras Lima (Lavras da YMangabeira,
21.05.1909 – †Fortaleza, 28.09.1965), na
entrada do Estabelecimento, onde está gravada uma divisa a expressar o
pensamento desse extraordinário mestre e emérito fundador de escolas (350),
relativamente à conduta em sala de aula e fora dela, tendo ele como o próprio
cânone: Ensino como quem reza:
com a alma genuflexa.
De
quando em vez, em especial quando trato de meu período de escolar secundarista,
memorizo, saudoso, o pouco e precioso tempo em que transitei por essa modelar
Casa de ensino, fundada em 1949, por João Ramos de Vasconcelos César, e
instalada em 2 de maio de 1951.
Há
uns poucos dias, por solicitação do pai de um aluno, meu amigo, fui apanhar o
rapaz no Municipal, onde experimentei
desagradável surpresa, ao adentrar o Colégio: o busto de Filgueiras Lima foi
dali removido, sem tir-te nem guar-te, e ninguém me soube informar, naquele
ensejo, a razão ou desrazão desse ato insólito.
Quero
crer, prefiro acreditar – realço –
que alguém tenha realmente mandado providenciar uma reforma, proceder a uma
limpeza, operar qualquer coisa, a fim de depois fazer retornar a herma ao seu
lugar, pois essa peça é fundamental para o enredo histórico do Estabelecimento
e, acima de tudo, se trata de uma obra artística que é recheio dos equipamentos
da cultura imaterial, próprios de instituições do seu jaez.
Impõe-se
repô-la, imediatamente, ou impende a Diretoria oferecer uma explicação
plausível para o fato, estando longe de mim apelar para o pensamento de que
haja sido furtada, como fizeram várias vezes com a estátua do General Sampaio
aqui em Fortaleza, com a Taça do Mundo ganha pelo Brasil em 1958 e tantas
outros delitos culturais ocorrentes em terra onde não há dirigentes.
O
povo de Fortaleza apela, pois, para a Direção do Colégio, a Secretaria de
Educação do Município de Fortaleza e outras instâncias de poder, para que a
herma seja devolvida ao seu lugar, onde estava há 49 anos
e de onde jamais poderia ter saído!
Assiste
razão ao romancista e dramaturgo de França, Alain-René Le Sage, para quem todos
gostam das coisas alheias. Este é um sentimento geral, mas a única diferença é
a maneira de o fazer. Se assim o fizeram, ainda é tempo de se arrepender.
De
tal modo, a população intenta imediatamente saber: QUE FIM LEVOU A HERMA DE
FILGUEIRAS LIMA?!
*Vianney Mesquita
Escritor e Jornalista.
Professor adjunto IV da Universidade Federal do Ceará.
Árcade titular e fundador da Arcádia Nova Palmaciana;
acadêmico titular das Academias Cearense da Língua Portuguesa e
Cearense de Literatura e Jornalismo.
Membro do Conselho Curador
da Fundação Cearense de Pesquisa e Cultura, da U.F.C.