quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

LÍNGUA DE CAMÕES


                             
OS MIL PECADOS QUE SE COMETEM CONTRA A LÍNGUA
Por Márcia Siqueira*

A nível de Brasil, o texto acadêmico anda um horror. Quem escreve, enquanto professor ou pesquisador universitário, não está sabendo colocar as questões segundo as boas regras do Português. Ao invés de trabalhar em cima do significado preciso das palavras, adota um neologismo. As incorreções perpassam todo o texto e, nas mal traçadas linhas, o resultado desvela que o autor não é tão erudito quanto quer fazer parecer.

***

Teste de atenção: encontre nas linhas acima pelo menos sete modismos que invadiram a escrita acadêmica nos últimos tempos.

Se o parágrafo passasse pela crítica do jornalista Vianney Mesquita, certamente seria reprovado. Professor [...] da Universidade Federal do Ceará, Mesquita trabalha há 20 anos na revisão de teses e trabalhos acadêmicos e se diz alarmado com a qualidade dos textos que lê.

Segundo ele, manias, chavões e toda sorte de impropriedades estão agredindo a norma culta da língua. E ainda podem dificultar as traduções, essenciais para a difusão da Ciência.

Na avaliação do Professor, não é só na literatura que os autores podem exercer o próprio estilo. [...]  o texto científico também permite que se escreva de modo particular e elegante – ensina. Isso significa respeitar cinco princípios básicos: correção, clareza, precisão, simplicidade e precisão. É justamente aí que começam os problemas. Em boa parte dos textos científicos, o pensamento dá voltas, sem comunicar. Palavras difíceis – e mal empregadas – dificultam ainda mais o trabalho do leitor.

CREDO !

Muitos autores simulam preciosismo na escrita para fingir uma erudição que não possuem – acusa Vianney Mesquita.

O resultado é nefasto para a Língua Portuguesa. Segundo o Professor, parte da responsabilidade por esses deslizes cabe aos tradutores que, na lei do menor esforço, preferem inventar palavras que acabam repetidas por docentes e alunos. Toda a universidade é afetada pela "doença”, mas os sintomas aparecem mais em áreas como Ciências Sociais e Educação.

Neologismos sem função, estrangeirismos, lógicas invertidas, frases feitas e  as chamadas “muletas” do discurso são as falhas mais encontradas por Vianney Mesquita.

Em parceria com o Prof. Dr. José Anchieta Esmeraldo Barreto, ex-reitor da U.F.C., ele lançou o livro A Escrita Acadêmica – acertos e desacertos, nas livrarias a partir do dia 15.

Além das dicas para a correção do texto acadêmico, o material é uma coletânea divertida das bobagens que os dois já corrigiram. São erros grosseiros, como o de um estudante de mestrado que confessou, na abertura da sua dissertação, ter entrado no assunto “como Judas entrou no Credo”. Na verdade, foi Pilatos, lembra Mesquita, lavando as mãos.


DESCULPE O VEXAME

Confira algumas recomendações para melhorar seu texto:

Mostre seu trabalho a um colega e aceite sugestões para melhorá-lo. Lembre-se: a vaidade é inimiga da clareza.

Confira se o texto transmite seu pensamento de modo correto e preciso. Evite exageros.

Tenha sempre à mão um bom dicionário. Consulte-o sempre que tiver dúvidas.

Tente ser fiel ao seu estilo. Seja criativo, mas respeite a língua.

Se preciso, recorra a um especialista. Com o tempo e tomando consciência dos próprios erros, será mais fácil livrar-se deles.
 

*Márcia Siqueira
Jornalista e escritora mineira.
(Matéria publicada no Estado de Minas,
Belo Horizonte, citando Vianney Mesquita,
Titular da Cadeira de nº 22 da ACLJ).

CRÔNICA

ESTÃO CHAMANDO NOSSA TURMA
Por Wilson Ibiapina*


Num domingo, pela manhã, o telefone tocou em minha casa. Era o Tozim, direto de Ubajara. Fiquei contente com a ligação. Era um amigo de infância que eu não via havia mais de 40 anos. Nos cumprimentamos, e ainda surpreso perguntei como foi lembrar de mim, depois de tanto tempo. 

– Foi o Florival que sugeriu ligar pra você. Estou precisando de um som para animar as festas que promovo na Serra, e o Florival disse que você pode mandar um.

Não só comprei o desejado som como saí de Brasília e fui até à Serra da Ibiapaba fazer a entrega pessoalmente. A viagem de Fortaleza até Ubajara foi feita na camioneta do Rubens Soares Costa. Cunha Júnior nos acompanhou.

Durante a viagem fui lembrando da figura do Tozim. Ainda adolescente, de férias em Ubajara, gostava de ouvir o som do bumbo da banda  do município. Bum!!... Bum!!!  Era o Tozim chamando os músicos para o ensaio da banda. O som ecoava por toda a pequena cidade. Tozim tocava tarol. 

No dia de uma dessas convocações, o Expedito, membro da banda, jogava sinuca no bar do Pedro. Como ele fez que não ouvia a chamada, perguntei se ele não iria ao ensaio.  E ele, sem soltar o taco nem olhar para mim, disse que estava doente, com os lábios inchados de picada de abelha, e que não iria. Até hoje não entendo a desculpa. Expedito tocava pratos na banda.

Tozim, exímio baterista, era irmão do João Benício, saxofonista, filhos de seu Valentim. Ele jogava no time da cidade formado pelo Florival Miranda, o dono da bola e das camisas. Quando não era escalado, Tozim chorava feito criança. 

Nesse tempo,  um  outro programa que fazíamos era invadir os sítios que ficavam na periferia da cidade para roubar mangas, jacas, goiabas, e chupar cana, quebrada no pé, para desgosto dos proprietários. Geralmente éramos perseguidos pelos empregados dos sítios, que usavam espingardas com tiro de sal. Barriga cheia, e depois dessa carreira, fugíamos para o banho de rio. Água gelada, que só a coragem e a audácia da idade nos faziam enfrentar com a maior naturalidade. Da turma, restam poucos. 

Já se foram o Gregório Aragão, o Dário Cunha, o Dário Macedo, o George e o Lincoln Vasconcelos; o Versiani e o Pedro Chico; Toinho do seu Chico Pinto e Salustiano, que diziam que era ladrão em outras cidades, e se refugiava em Ubajara.

Agora, o Rubens liga para informar que o Tozim também se foi. O Florival conta que ultimamente ele trabalhava como empresário de bandas. Uma delas, a banda Ases do Planalto, do Zequinha do seu Gabriel. Usava o som que lhe dei para movimentar as festas.


Ia tudo bem até que um dia levou um tombo, quebrou uma perna, e ficou meses numa cama, e depois andando de muletas. Fez promessa para São Francisco. Estava com 73 anos de idade quando viajou a Canindé. A emoção foi grande. Foi traído pelo coração logo que saiu da igreja. Florival garante que ele morreu sem dever nada a ninguém. Até a promessa ele pagou.

     *Wilson Ibiapina
             Jornalista
     Sucursal de Brasília
 do Sistema Verdes Mares
     Titular da Cadeira
      de nº 39 da ACLJ







quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

DISCURSO

AGRADECIMENTO DO TÍTULO DE CIDADÃO FORTALEZENSE CONCEDIDO PELA CÂMARA MUNICIPAL DE FORTALEZA A CÁSSIO BORGES
(Em 13 de novembro e 2013)


EXMO. SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE FORTALEZA VEREADOR, WALTER CAVALCANTE, QUE PRESIDE ESTA SESSÃO, EM NOME DO QUAL SAÚDO OS DEMAIS VEREADORES AQUI PRESENTES;

 EXMO. SENHOR  PREFEITO DA CIDADE DE FORTALEZA, DR. ROBERTO CLÁUDIO RODRIGUES BEZERRA, EM NOME DE QUEM SAÚDO TODOS OS INTEGRANTES DO EXECUTIVO MUNICIPAL AQUI PRESENTE;

EXMO. DR. REGINALDO VASCONCELOS, AQUI REPRESENTANDO A ACADEMIA CEARENSE DE LITERATURA E JORNALISMO, NA QUAL, COM MUITA HONRA, SOU SÓCIO HONORÁRIO;


EXMO. SR. ENGENHEIRO VICTOR FROTA PINTO, MUI DIGNO PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA;

SENHORA MARIINHA BORGES, MINHA ESPOSA, EM NOME DA QUAL CUMPRIMENTO TODO O SEGMENTO FEMININO AQUI PRESENTE;

JORNALISTA MARCOS ANDRÉ BORGES, MEU FILHO, UM DESTACADO NOME DA NOBRE PROFISSÃO DE JORNALISTA NO NOSSO ESTADO; MINHA GRATIDÃO AO ATUANTE VEREADOR E MÉDICO IRAGUASSU TEIXEIRA, A QUEM FAÇO UMA SAUDAÇÃO ESPECIAL, SENDO ELE O AUTOR DA PROPOSTA APROVADA PELOS DIGNOS PARLAMENTARES DESTA CASA, ATRAVÉS DO QUAL SAÚDO OS DEMAIS REPRESENTANTES DO SEGMENTO MASCULINO PRESENTES A ESTA SESSÃO.

A MINHA HOMENAGEM PÓSTUMA AO VALOROSO E DESTEMIDO JORNALISTA MESSIAS PONTES, FALECIDO, PREMATURAMENTE, SÁBADO ÚLTIMO, QUE TEVE A IDEIA E A INICIATIVA DESTA HOMENAGEM, REITERANDO OS MEUS MAIS PROFUNDOS PESAMES E AGRADECIMENTOS AO SEU FILHO, JORNALISTA CARLOS PONTES, AQUI PRESENTE. MINHA SUDAÇÃO TAMBÉM AOS QUE PRESTIGIAM ESTA SESSÃO SOLENE TRANSMITIDA PELA TV FORTALEZA. 

                                    JOHN KENNEDY, EM SEU “PERFIL DE CORAGEM”, DISSE:
“UM HOMEM FAZ O QUE DEVE A DESPEITO DAS CONSEQUÊNCIAS PESSOAIS, A DESPEITO DOS OBSTÁCULOS, PERIGOS E PRESSÕES. É ESTA A BASE DE TODA MORALIDADE HUMANA”.

É COM ESTA FILOSOFIA DE VIDA QUE TENHO PAUTADO A MINHA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL, SEM NENHUM OUTRO PROPÓSITO SENÃO O DE SERVIR, COM  HONESTIDADE DE PROPÓSITOS, A SOCIEDADE NORDESTINA E BRASILEIRA ATRAVÉS DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS-DNOCS, ONDE INGRESSEI NO ANO DE 1958 E A CUJO ORGANISMO TRANSFIRO TODA AS HONRAS E GLÓRIAS DESTA GRATIFICANTE HOMENAGEM QUE, HOJE, RECEBO DA CÂMARA MUNICIPAL DE FORTALEZA. ESTA MESMA CÂMARA DESTE MUNICÍPIO FORTALEZA QUE, HÁ 18 ANOS, OUTORGOU-ME A CONFIANÇA E A RESPONSABILIDADE  DE SER, AO LADO DO SAUDOSO PROFESSOR THEÓPHILO OTTONI NETTO, PERITO DA CHAMADA CPI DA ÀGUA PARA APURAR AS CAUSAS E AS RESPONSABILIDADES NO EPISÓDIO DO ROMPIMENTO DO  SANGRADOURO DO AÇUDE GAVIÃO, “QUE PROVOCOU INUNDAÇÕES SÚBITAS EM AMPLA ÁREA DESTA CIDADE DE FORTALEZA, LEVANDO RISCOS DE VIDA À POPULAÇÃO, ALÉM, DE PREJUÍZOS MATERIAIS (CONFORME NARROU O JORNAL O POVO, EM 29 DE JUNHO DE 1995)”. NO AMPLO E CIRCUNSTANCIADO RELATÓRIO QUE PRODUZIMOS, APONTAMOS A “NEGLIGÊNCIA E A IMPERÍCIA”, ALÉM DE IRREGULARIDADES TÉCNICAS E ADMINISTRATIVAS DOS SETORES RESPONSÁVEIS PELA OPERAÇÃO E MANUENÇÃO DAQUELA OBRA.  UM  FATO

QUE NÃO PODE SER ESQUECIDO PARA QUE OUTROS ERROS DE ENGENHARIA, DA MESMA NATUREZA, NÃO  VENHAM A SER  COMETIDOS.  ESTA FOI A GRANDE LIÇÃO QUE APRENDEMOS DA MÁ GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS  DAQUELE TRISTE EPISÓDIO. NÃO É POSSÍVEL QUE UM TRABALHO DESTA NATUREZA, DO MAIS ELEVADO NÍVEL TÉCNICO-CIENTÍFICO, VENHA CAIR NA VALA DO ESQUECIMENTO, COMO SE NADA TIVESSE ACONTECIDO. PARA OS QUE DESEJAREM, PODEREI FORNECER CÓPIA DO MENCIONADO DOCUMENTO.

SENHORES, O QUE EU PODERIA DIZER AQUI A MEU RESPEITO JÁ FOI DITO PELO DISTINTO CERIMONIALISTA EM LEITURA NO INÍCIO DESTA SESSÃO. NA REALIDADE, ELE LEU APENAS A MINHA BIOGRAFIA PESSOAL ELABORADA PELO O DISTINTO JORNALISTA DANIEL RIOS, QUE A DENOMINOU DE “IDAS E VINDAS DE UM CEARENSE”, POIS SERIA MUITO ENFADONHO PARA ESTA SOLENIDADE, SE ELE TIVESSE LIDO TAMBÉM O MEU CURRÍCULO PROFISSIONAL, POR SINAL, MUITO EXTENSO, DIGA-SE DE PASSAGEM.

ASSIM, COM O TÍTULO DE CIDADÃO FORTALEZENSE, UMA OUTORGA ÀS PESSOAS QUE SÃO ESCOLHIDAS PELOS DIGNOS PARLAMENTARES DESTA CASA, SÓ ME RESTA DIZER QUE CONTINUAREI EMPENHADO EM AJUDAR E PROMOVER O BEM ESTAR DA POPULAÇÃO CEARENSE NAQUILO QUE O MEU MODESTO CONHECIMENTO DE ENGENHARIA E DA CIÊNCIA HIDROLÓGICA POSSA SER UTILIZADA E, EM PARTICULAR, EM BENEFÍCIO DOS HABITANTES DESTA HERÁLDICA CIDADE DE FORTALEZA. O TÍTULO QUE, HOJE, RECEBO, AUMENTA A MINHA RESPONSABILIDADE COMO ENGENHEIRO E CIDADÃO, MESMO AOS 80 ANOS DE IDADE, E FAZ COM QUE EU SINTA PROFUNDA GRATIDÃO AOS PARLAMENTARES QUE APROVARAM MEU NOME, ENTRETANTO, COMO DISSE ACIMA, TRANSFIRO PARA O DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS-DNOCS, TODO O MÉRITO E TODA A HONTRA DESTA HOMENAGEM E A DIVIDO COM TODOS OS MEUS COLEGAS QUE COMPÕEM O QUADRO DA ATIVA E APOSENTADOS DAQUELE GLORIOSO DEPARTAMENTO FEDERAL QUE DÃO E JÁ DERAM A SUA VALIOSA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DE NOSSA REGIÃO.

QUERO, AINDA, NESTA OPORTUNIDADE, PRESTAR UMA HOMENAGEM PÓSTUMA AO MEU PAI, ARTHUR DA SILVEIRA BORGES, A QUEM DEVO ALÉM DA MINHA EXISTÊNCIA, A ÁRDUA TAREFA DE CRIAR-ME E EDUCAR-ME.  ELE QUE FOI PREFEITO DE SOBRAL, NA DÉCADA DE 30, UM DOS INTELECTUAIS DAQUELA CIDADE DE SUA ÉPOCA, EDUCOU-ME DENTRO DOS MAIS RÍGIDOS PRINCÍPIOS DA HONESTIDADE E DA MORALIDADE.  VIRTUDES ESTAS QUE TENHO TRANSFERIDO PARA OS MEUS DOIS FILHOS, MARCOS ANDRÉ DE LUCENA BORGES, JORNALISTA, COMO FOI MEU PAI, E SANDRA BORGES DEMART, ENGENHEIRA, ATUALMENTE RESIDINDO EM WASHINGTON D.C., ESTADOS UNIDOS.

PERMITAM-ME MAIS ALGUMAS PALAVRAS AO RELEMBRÁ-LO  NESTA SOLENIDADE PARA DIZER QUE NUNCA VI EM SUA PESSOA QUALQUER SENTIMENTO DE AMBIÇÃO, DE ORGULHO, HIPOCRISIA QUE, INFELIZMENTE, GANHAM CADA VEZ MAIS ESPAÇO NOS DIAS ATUAIS.   PORTANTO, TODAS AS MANIFESTAÇÕES DE ESTÍMULO E HONRARIA QUE TENHO RECEBIDO AO LONGO DE MINHA VIDA TENHO ATRIBUÍDO AO NOME DE MEU PAI, UM HONRADO SOBRALENSE, MUITO QUERIDO PELOS CONCIDADÃOS DE SUA TERRA NATAL DE SUA ÉPOCA, POIS QUE NA ETERNIDADE, ONDE SE ENCONTRA, QUERO QUE RECEBA O PREITO DE SAUDADES E O RESPEITO QUE DEDICO A SUA MEMÓRIA.
 
AGRADEÇO A TODOS VOCÊS PELAS HONROSAS PRESENÇAS.  AO TÉRMINO DESTA CERIMÔNIA, QUERO DIZER-LHES QUE SEMPRE ME SENTI UM CIDADÃO COM DUPLA CIDADANIA: SOBRALENSE E FORTALEZENSE. AGORA TENHO A SATISFAÇÃO E O ORGULHO DE DIZER QUE, DE FATO E DE DIREITO, SOU CIDADÃO FORTALEZENSE. MUITO OBRIGADO A TODOS.

*Cássio Borges
Engenheiro Civil
Membro Honorário da ACLJ

                                                                               

CONTO

O BANAL E O TRÁGICO
Por Rui Martinho Rodrigues*
  
Houve um tempo em que atitudes trágicas eram legitimadas pelo costume. É como se prevalecesse a crença de que uma desgraça, em determinadas circunstâncias, devidamente prescritas pela tradição, servia para evitar a vulgarização do mal. 
O horror previsível deveria ser um antídoto contra o horror imprevisível, porque informal, não regulamentado por lei ou pelos usos e banalizado pela falta de referências. Assim, os costumes eram sagrados. Violá-los exigia muita discrição. A tragédia espreitava.
Foi nesse tempo e ambiente que Dona Lícia foi morar ao lado das três Marias. Eram três irmãs, Maria Vilma, Maria Celestina e Maria Ester, da mais nova para a mais velha. As três Marias eram filhas de uma senhora viúva, Dona Mariinha. As únicas casas conjugadas do quarteirão eram as da Dona Lícia e a das três Marias. 
Dona Lícia era uma senhora do lar, conforme os costumes da época. Dedicada ao marido, à casa e – principalmente – aos três filhos. Era uma dona de casa comum. Maria do Carmo, a filha mais velha, andava aí por volta dos dez ou onze anos. Caio, o do meio, tinha uns nove ou dez anos. Jairo, o mais novo, aparentava ter de sete a oito anos.
O marido de Lícia era caminhoneiro. Ausentava-se frequentemente. O sujeito aparentava ter maus bofes. Até o nome era estranho: Procênio. As três Marias, morando na casa ao lado, descobriram assustadas que o Procênio vociferava, de arma em punho, que arrancaria os olhos de Dona Lícia na ponta da faca se ela o traísse. Aquilo chocava as moças da casa ao lado.
Um dia, porém, as irmãs descobriram estarrecidas que Dona Lícia, na ausência do marido, altas horas da noite, recebia uma visita masculina. As três irmãs eram muito bem relacionadas com as outras jovens da rua. Comentaram o fato com as amigas, sob a promessa de guardarem segredo. Afinal, tratava-se de um fato que bem poderia originar uma tragédia. 
Duas outras moças recatadas arranjaram um pretexto e obtiveram dos pais permissão para dormir na casa das três Marias. Era preciso que alguém testemunhasse o fato, além das filhas da Dona Mariinha. Era só para testemunhar, ou para satisfazer a curiosidade das amigas? O fato deveria permanecer em segredo absoluto.
Aí pelas nove horas da noite a rua se recolhia. Ainda não havia televisão e as famílias de bons costumes dormiam e acordavam cedo. O fornecimento de energia era precário, chegava mesmo a ser intermitente. Mas naquela noite não aconteceu o que hoje se chamaria “apagão”. 
Depois que todos se recolheram apareceu um homem, usando chapéu de feltro, com a aba abaixada sobre os olhos. As três irmãs e mais as duas amigas se acotovelavam nas venezianas, tentando reconhecer o visitante. O homem deu rápidas pancadinhas na porta, que logo se abriu. Ele entrou.
As cinco jovens desentenderam-se, a princípio, quanto à identidade do visitante. Duas delas juravam que era o Seu Farias, morador da mesma rua, na outra quadra. Resolveram esperar a saída para espantar a dúvida. Demorou, mas o visitante saiu. Não havia mais dúvidas. Era mesmo o Farias. Todas o conheciam bem. 
Ele trabalhava no armazém de tecidos e costumava atendê-las muito gentilmente. Era inacreditável. Afinal, Seu Farias era casado com uma mulher muito mais bonita e muito mais jovem do que Dona Lícia. As mulheres de certa idade são sempre de idade incerta. Mas Dona Lícia já tinha filha grandinha e não era propriamente atraente.
As cinco jovens indignavam-se com o Farias e com a Dona Lícia. Solidarizavam-se, revoltadas, com a jovem esposa do Farias, tão bonitinho, mas tão pilantra. Era mesmo um biltre, como se dizia. Sim, isso foi no tempo em que as moças de bons costumes não usavam expressões como “filho da puta”. Dizia-se biltre, sacripanta ou algo assemelhado. Até o Seu Procênio, aquele grosso, era agora objeto da solidariedade das moçoilas pudicas, embora um pouco curiosas...
A princípio elas só queriam se certificar dos fatos. Agora não podiam permanecer indiferentes a tanto descaramento. Mas era perigoso. O Seu Procênio vivia ameaçando arrancar os olhos da mulher na ponta da faca, sem saber de nada. Imagine se ele sabe de uma coisa dessas. Mas a pobre mulher do Farias não podia permanecer enganada. E ela não iria provocar nenhuma tragédia. Era uma jovem mãe que só vivia para o lar. Mas, como fazer? Uma carta anônima resolveu o problema. A esposa traída, com certeza, não iria provocar tragédia alguma.
Assim foi feito.
Um belo dia, logo no começo da tarde, a tranquilidade da rua foi interrompida pelos gritos de uma mulher:
– Sem vergonha! Destruidora de lares! Descarada! Deixe meu marido em paz! Vá cuidar de seus filhos! Respeite o seu marido!
Estas e outras coisas não muito amenas foram gritadas a plenos pulmões, na porta de Dona Lícia, por Célia, mulher do Farias, trazendo uma criança nos braços.
A vizinhança toda saiu de porta a fora, para ver o espetáculo.
O temível Procênio estava ausente, viajando. Ficou no ar a pergunta: o que irá acontecer quando o Seu Procênio voltar? Talvez ele nunca saiba, diziam algumas das jovens curiosas: quem vai falar sobre essas coisas para ele?
Não demorou muito, desencadeou-se uma tragédia. Mas não por iniciativa de Procênio. Célia, a esposa enganada, mulher de temperamento nervoso, derramou querosene nas vestes e ateou fogo. Havia esta prática. Depois passou. As roupas sumária de hoje não se prestam para isso. E as paixões já não são tão fortes. A desgraça adquiriu cores ainda mais dramáticas, porque a morte da Célia foi lenta. Dias e dias no hospital, sofrendo, arrependida, preocupada com o destino dos filhos, pedindo que não a deixassem morrer.

O bairro inteiro não falava noutra coisa. O Procênio ia ter que saber disso, não havia como evitar. Dona Lícia, que não era besta, juntou os filhos e foi para a casa do pai, a algumas quadras de distância. Procênio chegou. Não encontrou a mulher. Fez-se o maior suspense. O maridão foi à casa do sogro, Seu Lineo Monteiro. 
Nenhuma notícia chegava. Todo o bairro estava com a respiração suspensa. Afinal chegou a informação. Procênio alugara uma casa, não distante dali, para consolar Dona Lícia, muito abalada com os acontecimentos. Também comprou mobília nova para a dedicada esposa. Nada de facas ou olhos arrancados.
*Rui Martinho Rodrigues
Professor e Advogado
Presidente da ACLJ
Titular de sua Cadeira de nº 10




sábado, 21 de dezembro de 2013

DISCURSO DE AGRADECIMENTO DE IVENS DIAS BRANCO

"Senhores,

Inicialmente eu quero agradecer ao meu amigo Arnaldo Santos a deferência da indicação.

Sinto-me profundamente honrado com a homenagem que hoje me presta a Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, ao me distinguir com o título acadêmico de Membro Benemérito desta respeitável associação de homens e mulheres comprometidos com a procura de valores.

Na pessoa do presidente da Academia, o Dr. Martinho Rodrigues, saúdo e ao mesmo tempo agradeço a todos os acadêmicos pela escolha de meu nome para tão significativa  honraria. Em particular, agradeço ao acadêmico Reginaldo Vasconcelos, Secretário-Geral desta Academia, pela gentileza das palavras a mim dirigidas na sua belíssima saudação.

Mesmo não estando ela presente, quero fazer uma referência especial à jornalista Adísia Sá, pelo trabalho que desenvolve à frente da Associação Cearense de Imprensa, em cujas instalações se realiza essa solenidade. Em nome dela, saúdo a todos os jornalistas aqui presentes. Ser admitido como Membro Benemérito desta nova Academia é para mim um privilégio e motivo de muita honra.

Sinto-me, na realidade, envaidecido, por poder integrar como confrade esse grupo seleto de pessoas cultas e letradas que em 2010 iniciou um movimento para criar uma nova academia literária no Ceará. Uma academia que pudesse servir de defesa às letras, às artes e à mídia cearenses, e, ao mesmo tempo, que pudesse se constituir em um fórum permanente de debates sobre a literatura e a mídia nacionais.

Esse movimento, que culminou com a criação de uma nova academia, com toda a sua essência, com figuras ilustres da nossa sociedade, como Dr. Lúcio Alcântara, Cid Carvalho, Edilmar Norões, Roberto Martins Rodrigues, Rui Martinho Rodrigues e Reginaldo Vasconcelos.

Em reuniões preparatórias visualizavam uma associação acadêmica, dinâmica e de espírito vivo, que pudesse, através da literatura ligeira, como crônicas e contos, se aproximar de nossa sociedade, para assim cultuar a nossa língua pátria, a nossa literatura e o bom jornalismo no nosso estado.

Uma academia que pudesse mesclar,  entre seus quarenta literatos cuidadosamente escolhidos, nomes ilustres e talentos a lapidar, resgatando o princípio da academia antiga onde mestres conviviam com discípulos e aprendizes, no dizer do acadêmico Rui Martinho Rodrigues, em crônica sobre a fundação da Academia.

Assim, em 04 de maio de 2011, nasce a Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, em marcante solenidade na Associação Cearense de Imprensa. Já nasce adulta e madura, cultuando e valorizando os principais ícones da cultura no Ceará, através de suas nomeações para patronos perpétuos de cada uma de suas quarenta cadeiras.

Nomes como Perboyre e Silva, Clóvis Beviláqua, Patativa do Assaré  e Rachel de Queiroz, para citar somente alguns – foram selecionados como Patronos Perpétuos.

Meus caros amigos e amigas. Está de parabéns o Ceará por contar com esse importante instrumento de fortalecimento da nossa cultura, que é a Academia Cearense de Literatura e Jornalismo. Rogamos ao bom Deus, para que continue a iluminar a cada um de seus acadêmicos, agraciando-os com o necessário saber,  para que assim se imortalizarem através de suas obras. Finalizando, que mais uma vez agradecer à Academia Cearense de Literatura e Jornalismo pela homenagem que me prestou.

Muito obrigado, e que Deus abençoe a todos."

Ivens Dias Branco

CRÔNICA


AMOR ÉTNICO 
Por Thiena Vasconcelos*


“Três povos foram convocados pela História para formar uma nova nação. Esta é a melhor leitura que se pode fazer da etnia brasileira”.       
(Reginaldo Vasconcelos)




Na festa à fantasia, perguntaram qual era a minha... Eu respondi: “cara-metade da minha irmã". Mas, diariamente, eu sou metade dela.

Eu vi a entrada do ano de 1987 com os olhos dela. Eu conheci os "Menudos" na história dela. Ouvia Taiguara, Pablo Milanês, Oswaldo Montenegro e Cindy Lauper porque era o gosto musical dela. Eu me viciei na Olivia Newton John em "Grease – Nos Tempos da Brilhantina", quanto eu tive que assistir deitada com ela na cama (ainda existia o Intercine) – e eu só tinha oito anos.

Eu aprendi a me maquiar, e a fazer trança no cabelo, e a me vestir copiando o que ela fazia. Ela me ensinou a andar a cavalo, a jogar vôlei, a esmurrar quem quisesse brigar comigo. Ela fazia comidas deliciosas e nós duas quase entramos juntas em depressão quando ela casou e saiu de casa.

A gente ri uma da outra, e uma com a outra também. Ela se desesperou quando eu levei um choque na geladeira, e quando eu fui arrastada por um carro num atropelamento. Ela me ensinou a andar jogando o cabelo pro lado, e que devo dançar forró nas pontas dos pés, porque assim é mais feminino e delicado.

Mas já brigamos, já nos odiamos varias vezes antes de tomar café da manhã juntas, mangando da cara inchada da mamãe quando acorda.

Nós inventamos o dia do "Natal Secreto" que é sempre só a gente. Acontece entre o Natal e o Ano Novo na casa dela, e pedimos sempre do mesmo restaurante, especial para esse dia.

A gente esconde coisas dos outros, nunca uma da outra. Ela me mostrou que temos que fazer sacrifícios pelos outros, nos entregar mesmo, de cabeça, que com certeza a gente se ferra, mas tudo bem, porque no fim temos uma a outra. Somos inseparáveis... Minha metade "negona" é a maior parte de mim.

 *Thiena Vasconcelos
          Universitária
   Paracadêmica da ACLJ

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

RECOMENDAÇÃO ACADÊMICA

KARLA DE NOVO NO CINEMA

A Globo exibe, em HD, no Supercine deste sábado, dia 21, o inédito "Cine Holliúdy" (2013).

 A comédia retrata de forma hilária as exibições mambembes de cinema no interior do Ceará, na década de 70, no período em que a popularização da televisão ameaçava a sobrevivência das salas de exibição nas pequenas cidades.

Faz parte do elenco a atriz e comediante Karla Karenina, titular da Cadeira de nº 24 da ACLJ, inspirada poetisa. No filme, ela faz o papel de uma torcedora fanática do Fortaleza, que vai ao cinema e leva o rádio portátil para ouvir o jogo de futebol. Na foto do elenco, com o prato de pipocas.  
O filme vai ao ar a partir de 1:23h, horário de Brasília, madrugada de sábado para domingo.  

ARTIGO

VIOLÊNCIA CONTRA ADVOGADOS
Por Paulo Maria de Aragão*


Mesmo ao longo de 25 anos de vigência da Carta Política de 88, ainda se vivenciam as aspirações voltadas para o aprimoramento das instituições e do estado de direito. A violência arraigada às nossas tradições baseadas no caudilhismo, em seus aspectos multiformes, coloca-se como obstáculo à instauração de uma ordem social, econômica e política, fundada no respeito à dignidade humana.

Agora, a violência ocorre contra advogados, em particular contra os que atuam no interior dos estados, ao levar os senhores de terras a resolver pendências por meio do confronto direto. Homicídios multiplicam-se. Em função disso, o Conselho Pleno da OAB manifestou apoio aos profissionais do Pará, onde sete advogados foram assassinados desde 2011 e mais de 15 receberam ameaças de morte.

Órgãos seccionais da classe devem convergir forças para o resguardo das prerrogativas do exercício profissional. O preceito estatutário não é letra fictícia. Prerrogativa não é privilégio, porém tutela de uma atividade essencial à sociedade livre – a proteção ao “dever de estado” do advogado, ao seu múnus público. 

A inviolabilidade é norma constitucional consagrada no art. 133.  Ofendido em seu direito de igualdade, deve o advogado dar ciência à OAB para a defesa de suas prerrogativas. Sabe-se não ser incomum, nas delegacias, ser intimidado por agentes arbitrários (salvo as honrosas exceções daqueles que dignificam a função), apesar de dotados da mesma formação técnica e humanística. Nessa mesma linha, não são poucos os juízes que, além de cercearem a defesa, se ensoberbecem com “o mando prender por desacato”.

O Direito, mais que uma ciência de lógica pura, é uma lógica viva, originária de “substâncias” complexas e de transformações. É a mais universal das aspirações humanas. Sem ele não há organização comunitária. O advogado é seu primeiro intérprete. Desse modo, que as vozes da OAB não emudeçam em defesa da categoria, evitando o triunfo da impunidade dos mandantes de crimes e dos sicários sempre respaldados pelo beneplácito político.

O Presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas, Leonardo Accioly, acerca da situação dramática do Pará, é a favor de que o governo do estado responda por crimes de responsabilidade e que haja deslocamento de competência para a apuração de tais crimes da Justiça Federal para a Estadual.

Urgentemente, é preciso que todas as seccionais da OAB ajam, com inflexibilidade, no combate a esses crimes, inclusive a arbítrios e insolências em prerrogativas indeclináveis da profissão, preservando-se a inteireza dos direitos daqueles que nos patrocinam.

Na última reunião do Conselho Seccional, instou-se o levantamento estatístico de assassinatos em nosso estado e, se realizado em todas as seccionais da federação, como se infere da mídia nacional, esse levantamento apontará um número de homicídios de advogados mais alarmante do que se presume.

*Paulo Maria de Aragão
Advogado e professor
Membro do Conselho Estadual da OAB-CE.

Titular da Cadeira nº37 da ACLJ

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

HONRA AO MÉRITO



Este blog da ACLJ presta uma homenagem especial ao acadêmico Fernando Dantas, Titular da Cadeira de nº 19, patroneada pelo saudoso Demócrito Dummar, pelo magnífico desempenho na função de mestre de cerimônia durante a nossa última Assembleia Geral Ordinária, em que o empresário Ivens Dias Branco foi empossado como Membro Benemérito.


Trata-se de alguém de quem não se pode falar sem aplicar seguidas vezes a conjunção aditiva: de profissão, advogado e jornalista; maçom e mágico, na vida pessoal; católico de nascimento e praticante de religião oriental, por transcendência mística; versado em português, e em inglês, e em japonês.



Dantas consagrou-se como mestre de cerimônia oficial da ACLJ desde a segunda Assembleia Geral, isso porque na primeira reunião oficial, exatamente a solenidade de instalação, funcionou como MC o competentíssimo radialista e publicitário Jason Stone, que naquela oportunidade fez questão de brindar a nossa entidade com a sua cortesia.






Todavia, desta vez Fernando Dantas se superou na condução da solenidade, e depois na apresentação do show que se seguiu. A ACLJ manifesta a sua gratidão pela presteza do confrade. 
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Fernando Dantas é de fato esta pessoa admiravel. Honesto, íntegro e que se entrega de corpo e alma naquilo a que se propõe a fazer. A ACLJ está de parabéns por ter tão nobre integrante em seus quadros.