sexta-feira, 29 de novembro de 2013

CRÔNICA

APANÁGIO DO BANHEIRO
DA JUS FACULTAS
Por Bráulio Ramalho*



Vivenciava-se a década de 70. Em convivência fraterna, descompromissada e divertida, alguns acadêmicos de Direito da Universidade Federal do Ceará frequentavam, após as aulas, os bares e restaurantes ao redor da Faculdade.

Nesses encontros, eram feitos poemas sobre os mais variados temas, a maioria dos quais jocosos e gracejadores. Comumente, os versos ironizavam a Faculdade e seu corpo docente, não obstante a Instituição possuir alguns dos melhores e mais renomeados mestres do País.

Certo dia em que se dirigia para um dos bares próximos, imbuído do espírito folgazão reinante, Márcio Catunda fez a primeira parte das sextilhas em homenagem ao banheiro da Faculdade:

        Márcio Catunda, na Espanha
"Nesse Montana esquisito,
onde senta o bacharel.
fazer força é um delito
sem recurso para o réu,
pois condena o douto aflito
Pela falta de papel".


De imediato, Vianney Mesquita completou o poema:

     Vianney Mesquita, em Portugal
"Em face desse dilema,
o bacharel passa mal.
Procura o "x" do problema
sem o dado principal,
montado todo o esquema,
quebra o galho com o jornal".

 
(RAMALHO, Bráulio E. P. Magistério Hilariante. Fortaleza, Expressão Gráfica, 2012, p. 69).
* Bráulio Eduardo Pessoa Ramalho é filósofo, advogado, Escritor e docente da UNIFOR e da UECE.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

CRÔNICA

Por Altino Farias* 



De camisa colorida com motivos tropicais, compareceu ao primeiro dia de trabalho naquele belo, porém, modesto hotel. Antes de iniciar o expediente, trocou a camisa com estampa floral por um discreto terno, que lhe caía muito bem aos ombros. Assim estava habituado.

Problemas com a água quente, jardins, garagem, roupas de cama e banho, restaurante, bar, suprimentos, instalações elétricas e hidráulicas, limpeza geral, reservas, manutenção de elevadores, freezers, fornos...

Folha de pagamento, recebíveis, impostos (argh, ele odiava os impostos), pagáveis, depósitos, retornáveis, saques, clientes, reclamações, estornos e transtornos.  

Seguranças, ascensoristas, recepcionistas, manobristas, garagistas camareiras, garçons, cozinheiros, jardineiros, serventes e técnicos diversos num vai e vem  infernal e sem fim.

Ao cair da tarde, enfim, ele se encolhe e se recolhe aos seus modestos aposentos. Do glamour e agitação do dia, para o despojamento e o sossego concentrados em poucos metros quadrados à noite, numa transformação radical. Quem diria ser ele tão simples assim.

Que pensamentos ocupariam sua mente nesses momentos de clausura? Que planos estaria traçando para seu futuro? Quem sabe...

Na manhã seguinte, seu segundo dia no hotel, já chegou ao trabalho de paletó e gravata. Delegou funções, fez algumas ligações pessoais, contatos. Reservou um apartamento em local discreto para si próprio. Tinha esse direito como gerente. Lá poderia tomar um bom banho com privacidade e descansaria da labuta nos raros e rápidos momentos em que fosse possível.

No terceiro dia, já com o responsável por cada tarefa devidamente designado, ficou mais livre para “administrar” seu tempo, e visitou seu discreto apartamento pela primeira vez. E pela primeira vez recebeu visitantes particulares. Tapinhas nas costas, saudações, sorrisos, telefonemas, e lá se vai ele, ao fim da tarde, para seu refúgio franciscano.

O quarto dia foi o primeiro de uma nova rotina: hotel aos cuidados dos comandados, livre para tratar de “outros assuntos” com os visitantes de seu discreto apartamento. E assim foram os outros tantos dias que se seguiram a esse.

“Mas, e o hotel, como fica?”, perguntariam vocês. “Ora bolas! O hotel que se dane!”, responderia ele, arrogante, sem lembrar que ao cair da noite, toda noite, voltaria a ser ninguém novamente.    


*Pedro Altino Farias, em 26/11/2013
Engenheiro Civil - Cronista - Blogueiro

Titular da Cadeira de nº 16 da ACLJ

terça-feira, 26 de novembro de 2013

CRÔNICA DE ADÍSIA SÁ


Bom dia Rainha,

Você sabe de uma coisa, Maria Luíza, eu nunca fui rainha de nada, não sei, portanto, o que é dormir, acordar, falar e pensar como soberana de qualquer coisa. Mas, não invejo o destino das majestades, nem mesmo das figurinhas de papel colorido. Porque o peso da vida já é cansativo, imagine acrescido de um título, seja real ou imaginário, temporário ou permanente.

Sempre me acostumei a vê-la, Maria Luíza, no alto de sua fleuma, sempre segura de si, impenetrável e altiva. O magistério não nos aproximou, a despeito de lecionarmos no mesmo colégio. Ficamos distantes uma da outra, muito embora as classes fossem vizinhas e as matérias presas pelo raciocínio e a lógica.

Assim mesmo eu acompanhava com simpatia o seu caminhar pelos corredores do Justiniano de Serpa e sentia prazer – nunca rancor ou despeito – em sabê-la estimada pelas meninas do primeiro ciclo. Você sempre figura na lista do professor mais querido do Colégio.

Havia razão para ser assim: você trás na estampa a linhagem de que descende, e a segurança que transborda de seu ser contagia, penetra até mesmo nos mais velhos. Como eu, talvez. Tudo isto que disse agora, com um pouquinho de orgulho – por senti-la mais minha do que dos companheiro de profissão – me veio ao pensamento quando soube que seu nome figurava como candidata à Rainha da Imprensa.

Não vou negar: surpreendi-me com o fato. Tinha você tão trancada no seu mundo interior, tão isolada dos demais, que nunca pensei em vê-la um dia compartilhando de uma ansiedade comum a jovens de sua idade: “Vitoriosa ou não?
  
Você ganhou. O cetro é seu. A felicidade é nossa. Tenho confiança em você, Maria Luíza, e sei que o nome da minha entidade – a ACI, está em mãos equilibradas e serenas. Você não pode sofrer oscilações, não pode passar por indecisões, não será alvo de inquietações e dúvidas. Você é perene demais, Maria Luíza, para deixar de ser uma grande Rainha.

E disto nós precisamos. Há tanto que fazer, menina, tanto, que só vendo. Palavra de honra: cheguei a acordar várias vezes pensando: “Quem será a nova rainha? Será que as coisas não serão adiadas? Existirá um agora na vida da futura soberana da Imprensa?”

Sabe por que eu me fazia estas perguntas? Porque amo a ACI, como amo a Gazeta, como amo a Imprensa. Será mal de solteirona? Mas eu fui mais jovem e foi na mocidade que esse amor nasceu.

Por amar tanto a ACI, o meu jornal, a Imprensa, é que eu espero e confio em você, Maria Luíza. Não penso em decepções. Não acredito em belas iniciativas, grandes movimentos, monumentais campanhas. Você é perene, moça, e é capaz disto. Não me decepcionarei e comigo toda a classe.


Publicado por Adísia Sá na coluna Canto de Página, no jornal Gazeta, em 1962   quando a jovem professora Maria Luíza Chaves, neta do Barão de Camocim, foi eleita Rainha da Imprensa, na ACI. 

A futura Dra. Maria Luíza viria a fazer parte do Secretariado do Governo Ciro Gomes.


domingo, 24 de novembro de 2013

NOTA ACADÊMICA

IVENS DIAS BRANCO NA ACLJ

No próximo dia 12 de dezembro, às 19:00h, no auditório da Associação Cearense de Imprensa (ACI), a Academia Cearense de Literatura e Jornalismo (ACLJ) promoverá a sua 2ª Assembleia Geral Ordinária Anual.

Durante a solenidade, tomará posse na dignidade de Membro Benemérito da entidade o empresário Ivens Dias Branco. O título de benemerência é o mais elevado laurel da ACLJ, destinado às maiores personalidades do Ceará contemporâneo.

Após a solenidade, o novo acadêmico receberá os seus confrades e os seus convidados para um coquetel no terraço do Edifício Perboyre e Silva, em que funciona a ACI.


Durante o coquetel, a empresa M. Dias Branco, que comemora 60 anos de existência sob o comando do homenageado, brindará os convivas com um show do cantor e compositor romântico cearense Evaldo Gouveia, que é membro titular da entidade – dentre outras atrações musicais.
  
Os organizadores do evento farão alugar um estacionamento coberto próximo ao local da solenidade, embora haja muitas vagas nas ruas do Centro no horário noturno, que terão seguranças particulares contratados. 

sábado, 23 de novembro de 2013

ARTIGO

DILEMA JORNALÍSTICO 
Por Reginaldo Vasconcelos*

Antigamente, jornalista era quem produzia notícias, artigos e crônicas de cunho autoral para serem publicadas nos jornais, alguns dos quais passavam a divulgar suas matérias pelo rádio, em caráter editorial, ou então assinados com nome ou pseudônimo oficial do redator.


Os donos e os gráficos dos periódicos, e os operadores de som das emissoras, a princípio não alcançavam o status de jornalista, que comportava apenas os repórteres, geralmente jovens “focas” que cumpriam as pautas, cobrindo política, polícia ou futebol, às vezes figurando como enviados especiais ou correspondentes de guerra – e articulistas de mais prestígio que pautavam a si mesmos, frequentando certos meios e divulgando sociedade ou exprimindo opiniões políticas pessoais.


Deste último extrato surgiram os primeiros assessores de imprensa e jornalistas “chapa-branca”, todos assalariados por entidades não jornalísticas, os quais, mais do que transmitir notícias, passavam a porta-vozes de instituições e autoridades, difundindo notas oficiais, bem como oferecendo versões e desmentidos sobre informações adversas ao seu empregador, tornadas públicas pelas empresas jornalísticas. 

Todas essas pessoas que ingressavam ainda jovens no jornalismo eram a princípio naturalmente selecionadas entre os melhores estudantes, gente oriunda das boas escolas públicas, dos melhores colégios de padres, às vezes dos seminários católicos, que portanto escreviam bem, haviam estudado latim e conheciam o idioma. No âmbito local, esse era o caso de um Perboyre e Silva, de um Jader de Carvalho, de um Cid Carvalho, de uma Adísia Sá, de um Blanchard Girão, de um Ciro Saraiva, dentre tantos.
Destes todos, somente iam para o rádio os oradores mais fluentes, de timbre agradável e perfeita dicção, voz bem impostada e califásica. 

Uma vez fixados na profissão, isso equivalia a ter curso superior, embora uma boa parte tivesse realmente formação universitária, geralmente em filosofia ou em direito.

Nesse tempo se entendia que a função da mídia, a par de difundir verdades fáticas, era promover a cultura e a virtude, de modo a influenciar o público no sentido de valorizar o humanismo, difundir conhecimentos gerais, a boa conduta social e a melhor ética  pública.

Claro que já havia também a chamada “imprensa marrom”, composta por jornais e jornalistas que, para garantir audiência, praticam a mentira e o sensacionalismo, e que dedicam sua “pena” eloquente a políticos desonestos e a causas menos nobres, ou vendem seu silêncio a autoridades que queiram barrar especulações e ataques à sua reputação política ou administrativa duvidosa – e são por eles achacadas.

De todo modo,  do início do século passado até os anos 60, o jornalismo era uma atividade edificante e distinta, e os jornalistas compunham uma classe profissional diferenciada, sem fortuna financeira, mas de enorme prestígio social.  


Eram recebidos e festejados por grandes políticos e empresários, tinham acesso franqueado a eventos públicos e privados, eram agraciados com “permanentes” para frequentar clubes sociais muito fechados, e eram especialmente temidos pelos poderosos que tivessem qualquer “rabo de palha”.  


Foi o tempo áureo em que entidades de classe como a Associação Brasileira de Imprensa e a nossa ACI foram fundadas e reinaram no Brasil. Mas, com o advento da televisão, o jornalismo impresso foi perdendo força e a atividade radiofônica foi se banalizando e perdendo qualidade, enquanto concessões públicas para a instalação de emissoras de rádio e TV se tornaram moeda de troca na grande politicagem nacional. Os programas da radiodifusão foram sendo entregues a apedeutas e a tatibitates, microfones e colunas de jornal abertos a quem não sabia falar nem escrever.


Houve então uma absoluta inversão da função da mídia, em relação à sociedade, cujo fito, até então, era informar a realidade ao grande público, procurando elevar o padrão cultural do povo por meio de um entretenimento mais erudito e refinado.

Entretanto, ao invés, o jornal, o rádio e a televisão passaram a descer ao nível das massas incultas (mesmo processo sofrido pela música popular), numa guerra insana por leitorado e audiência a qualquer custo, às vezes em busca de consumidores de varejo, de fieis ou de eleitores – à medida que a evolução econômica do País ia elevando o poder aquisitivo das pessoas, muito antes de lhes propiciar melhorias de intelecto e educação.

Instalado esse quadro sombrio, o sindicato da classe resolveu trabalhar pela regulamentação oficial da profissão, e com a criação dos cursos superiores de jornalismo se pretendeu que o diploma universitário específico passasse a ser requisito indispensável para o registro profissional no Ministério do Trabalho, e, consequentemente, para o efetivo exercício da profissão – tudo numa tentativa de recuperar a boa qualidade da imprensa nacional.

A intenção era boa, mas o resultado foi funesto. Durante uma longa batalha jurídica, por força de liminares,   muitos jornalistas vocacionados foram impedidos de trabalhar, e muitos bons redatores, à míngua do diploma de jornalista, foram proibidos de publicar sua produção.

Finalmente o Supremo Tribunal Federal entendeu que, em nome da liberdade de expressão, o “canudo” universitário, e  mesmo o registro profissional de jornalista, não poderão ser exigidos a quem pretenda militar na profissão.


Hoje a DRT ainda concede o registro de jornalista a quem comprove ter cumprido meramente o ensino médio, e o sindicato da profissão ainda exige o diploma de jornalista para fazer a inscrição de afiliados – muitos dos quais não têm vocação nem absorveram, de fato, os conteúdos do curso superior que concluíram. 


Então, afinal, o que é um jornalista atualmente? Quem tem um diploma na gaveta, ainda que sem interesse, e sem vocação ou capacidade intelectual para produzir textos, ou para obter e transmitir informação? Ou jornalista é aquele que adquire espaço na mídia, através de igrejas ou de produtoras independentes de conteúdos, somente para mistificar e ganhar dinheiro? Ou jornalista é quem obtém um contrato de trabalho com uma empresa jornalística? Ou seriam somente os que se institucionalizam e exibem uma carteira sindical?  


Não importa mais. Hoje, por meio da Internet, da sala de casa, pessoas de quaisquer ofícios podem obter mais audiência para seus blogs, em âmbito mundial, que um festejado jornalista das revista Época ou Veja, ou do Sistema Globo de Jornal, Rádio e TV – grupos empresariais nacionais que ainda representam polos de excelência em comunicação neste País. 


Para a ACLJ, jornalistas são – além dos consagrados luminares do  jornalismo tradicional cearense – os notórios formadores de opinião em geral, e os intelectuais que produzem a chamada "literatura ligeira", em qualquer de seus suportes e linguagens, desde que em bom português: a crônica, o conto, a resenha, o ensaio, a sátira, o documentário, a charge, a reportagem, etc. 
      
*Reginaldo Vasconcelos
Jornalista e Advogado
Titular da Cadeira de nº 20 da
ACLJ  

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

CRÔNICA

CARREGADOR DE MELANCIAS
Por Vianney Mesquita* 


Em enunciado interessante, Rui Esteves RIBEIRO de Almeida COUTO (Santos, 12.03.1898; Paris, 30.05.1963) expressou este pensamento: “Todas as viagens são lindas, mesmo as que fizeres nas ruas do teu bairro. O encanto dependerá do teu estado d’alma”.

Carregadores de Melancias, do piauiense e admirável escritor de Sagandina, Augusto Rocha, encerra, permutatis, permutandis, essa ideia do jornalista e diplomata santista, pois perseverante no seu continuamente alevantado estado de espírito. Não somente pelas jornadas nas vias do seu bairro, mas também pelo Brasil afora – e até pelo Polo Norte – o autor realiza maravilhosos périplos na sua montaria de “aço” (acompanhado de um pugilo de amigos de naipe igual ao seu), dos quais aufere para a literatura deliciosas passagens, contadas com a sedução e o encantamento de quem é senhor da habilidade de narrar.

Com recorrência, expresso a ideia de que não me afiz, de estudo, adiantar lances acerca do que comento para quem ainda não experimentou a ventura de deparar uma obra de qualidade, ou mesmo experienciou o infortúnio de se haver com um escrito medíocre, insosso e desenxabido, a fim de lhe não suprimir o ânimo da leitura.

De efeito, sem dizer do entrecho maquinado, antecipo, entretanto, o fato de que a excursão empreendida por Augusto Rocha, Sáris Pinto e seus companheiros foi daquelas cujos protagonistas, antes de a terem efetivado, poderiam haver concedido audiência ao grandioso Johann Wolfgang Goethe (Frankfurt-Meno, 28.08.1749; Weimar, 22.03.1832), na ideia de que, para se entender que o céu é azul em toda parte, não é preciso percorrer o Mundo.

Vai ter ciência o leitor das jornadas de um quase padecimento dos excursores motociclistas, ao arrostarem dificuldades de muitas sortes, com raros ou nenhum momento de aprazimento e júbilo, circunstâncias demarcatórias do status de uma boa viagem de férias.

A desventura, porém, costuma representar o trampolim para o gênio, repositório para o homem destro, com estado d’alma alevantado, consoante sugeriu Ribeiro Couto, no início mencionado.

E eis, pois, este escrito narrativo do passeio – longo e remoto – de um grupo em sofrimento de férias, expresso na fecundidade de um Português bem tratado por quem lhe conhece as regras de compor com graça e vigor, da parte de um narrador ilustrado acerca das técnicas e ambages desta língua onde estão contidos “o trom e o silvo da procela”, bem como “o arrolo da saudade e da ternura”. (Bilac).

Augusto Rocha – o qual se acompanhou de Sáris Pinto e demais corajosos viajores – é um “carregador de melancias” de alto padrão comunicacional e literário, no mesmo grau de quem domina a motocicleta e sabe consumir de bom grado o cansaço físico e absorver o abatimento anímico, para depois, uma vez digeridos, trazer esta peça lítero-narrativa de valor inquestionável, quer sob o espectro da contagem da história ou no referente a tornear com exatidão e minudente grau de detalhamento.

Mais um livro de qualidade aufere a historiografia motociclística brasileira, com o sinete de um produtor sazonado na constância de suas viagens e no exercício de sua pena, transmudada, por enquanto, no teclado do computador.

Isto significa regozijo no Ceará culto e gáudio para o Brasil ilustrado.

Fortaleza, 25 de outubro de 2013.

*Vianney Mesquita
(Docente da UFC, jornalista e escritor.
Titular da Academia Cearense da Língua Portuguesa e da
Academia Cearense de Literatura e Jornalismo).


NOITE DE AUTÓGRAFOS

OS INTELECTUAIS

O Professor Rui Martinho Rodrigues, Presidente da ACLJ, lançou mais um livro neste dia 20 de novembro, no Espaço O Povo de Cultura & Arte. O livro tem um título instigante – Os Intelectuais – tema que ele disseca na obra com inusitada perspicácia. 

Rui Martinho Rodrigues, que é lente da Universidade Federal do Ceará, se graduou em Odontologia na juventude, formando-se depois em Administração e em Direito, com mestrado em Sociologia e doutorado em História. Tem uma extensa produção acadêmica, e muitos livros publicados.

Ainda assim, o Presidente da ACLJ costuma rejeitar o rótulo de “intelectual” – talvez fugindo do estereótipo modernoso segundo o qual, para se adequar a esse perfil, o indivíduo precisa ser militante de esquerda, canabista diletante e sexualmente alternativo.

Brincadeiras à parte, o Prof. Rui analisa no seu livro, com percuciência e seriedade, essa classe dos detentores do saber – os escribas, os letrados, os peritos.

Talvez se possa dizer que os intelectuais sejam aqueles que processam todas as informações recebidas para chegar a conclusões originais, e que, além disso, têm pleno domínio da palavra.

Reginaldo Vasconcelos 

domingo, 17 de novembro de 2013

ARTIGO

PRESOS POLÍTICOS
Por Reginaldo Vasconcelos*



Ao se apresentar à prisão na Polícia Federal na data de ontem, José Genoíno levantou o punho fechado, em épica atitude de resistência ideológica, e disse se considerar “preso político”. Alguns mais açodados se apressaram a desmenti-lo.

Claro que ele quis dar ao termo a conotação tradicional de injustiçado, tentando se confundir com os militantes que são reprimidos pelas ditaduras por meros “delitos de opinião”.

Mas, para mim, em certo sentido Genuíno tem razão: ele, como os demais petistas envolvidos no escândalo do chamado “mensalão”, uma vez condenados, se tornaram presos políticos, stricto sensu.

Toda a ala de políticos do partido do governo, corruptores de banqueiros e de parlamentares do Congresso Nacional, delinquiu politicamente, pois tudo o que pretendiam era obter dinheiro com aqueles para comprar o apoio destes a tudo que fosse do interesse do Palácio do Planalto.

Se é assim, assiste razão a José Genuíno ao se declarar preso político, condição que, neste caso, não o torna um inocente pensador que contrapusesse ideias revolucionárias ao poder constituído. Não. Ele e os demais petistas se encontravam no governo quando foram pilhados desviando dinheiro público para o seu projeto de poder. Ação política, mas absolutamente criminosa.


Os componentes dos núcleos publicitário e bancário da quadrilha, estes estavam agindo por interesses econômicos, em prol de seu próprio enriquecimento, sob o pálio protetor da Presidência da República, por meio do então super ministro Zé Dirceu. Sequer eles se sentiam desonestos, porque tudo era ungido de legitimidade pela expressão “questão de Estado”, utilizada para convencer um “laranja” a confirmar a mentira oficial, no caso dos dólares na cueca.       

Segundo Genuíno, que assinou contratos fraudulentos para forjar empréstimos bancários e mascarar triangulações financeiras, ele teria sido injustamente condenando pelas elites nacionais.

Ora, faz dez anos que   
as elites nacionais se integraram às hostes do governo a que ele pertencia – e não há maior representante da elite política que o Senador José Sarney, nem maior representante da elite econômica que o empresário Eike Batista, ambos absolutamente alinhados com a política situacionista. Então, a que elites Genuíno se refere?

Ao contrário, os algozes dos “mensaleiros” foram um membro da quadrilha, o então Deputado Roberto Jefferson, frustrado na partilha do butim, depois dois procuradores federais cearenses, nenhum deles comprometido com forças políticas locais ou nacionais, e por fim o Ministro Joaquim Barbosa, um negro de origem modesta, “sem parentes importantes e vindo do interior”, nomeado para o Supremo Tribunal Federal pelo petista Presidente Lula.


Sim, José Genuíno é um preso político. Bravo militante da situação que tropeçou nas manivelas da maquina pública. Foi esmagado pelas engrenagens criminosas do governo petista, que ele mesmo ajudou a eleger. É uma irônica fatalidade.

*Reginaldo Vasconcelos
              Jornalista e Advogado
         Cadeira nº 20 da ACLJ    

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

POEMA DE NATAL

A ALMA DA ALDEIA
Por Luciano Maia*
Em  Fortaleza, 13 de novembro de 2013  




                      
      Eu creio que a Eternidade nasceu na aldeia.
                                                               Lucian Blaga

Enquanto o céu de noite se vestia
a lamparina, dentro da cabana
tentava prolongar o fim do dia
por trás da porta tosca de umburana.
A lua é outra mágica alegria
ao despontar soberba e não engana:
a noite na colina se anuncia
e sobre a aldeia paira, soberana.
Chegou o Natal; da pobre manjedoura
sem ornamentos, pois que de verdade
sob o luar, que a envolve e doura
se escuta um choro, quase alacridade...
A alma da aldeia em prece, qual se fora
dela nascida a própria Eternidade!

 *Luciano Maia
Professor - Poeta - Cônsul da Romênia em Fortaleza
Titular da Cadeira de nº 8 da ACLJ

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

NOTA





ARTIGO

SEMANA DA REPÚBLICA
A Proclamação em Síntese
Por Vianney Mesquita (*)


1 Introdução

Mesmo antes do Primeiro Reinado, os ideais republicanos acompanhavam os brasileiros, descontentes, de ordinário, com os desmandos das autoridades reinóis, especialmente no que respeita aos exageros tributários.

Prova disso está na eclosão de movimentos como a Guerra dos Mascates, as Revoltas Federalistas da Bahia, a Insurreição Pernambucana e a Confederação do Equador.

Esse idealismo acompanhou todo o Segundo Império, durante o qual se verificaram, também, diversos movimentos de bandeira republicana, como a Guerra dos Farrapos (1835-1845), a Revolução Liberal (1842) e a Revolução Praieira (1848-1849), a despeito de ter Dom Pedro de Alcântara desenvolvido um intenso trabalho de pacificação política, promovendo e incrementando reformas administrativas, de enorme significado para o País, mas que não encontravam ressonância entre os grupos de poder.

Com raízes nacionalistas aprofundadas em todo o passado brasileiro, os militares recém-saídos do conflito com as forças de Francisco Solano López (1862-1870) tinham tomado contato com povos da República Oriental do Uruguay, e da Argentina - de governos republicanos.

Na América, somente o Brasil ainda não era república, pois os outros, logo depois da independência, tomaram para si tal forma de governo.

Centrado no ideário republicano, partindo da publicação do Manifesto de 1870 até a Proclamação, intentamos fazer, aqui, rápido escorço histórico daquele momento, com o objetivo primordial de oferecer um roteiro para a efetivação de pesquisas e análises mais consistentes, de causa e efeito, àquele que pretender fazer incursões mais demoradas pelo nosso passado histórico.

Este pequeno artigo é dirigido, de modo especial, às pessoas do povo que não tiveram a oportunidade de manter contato mais estreito com o estudo da História da República, pois que, no decorrer dos seus cursos secundários - especialmente de currículo mais recentes - não arrostaram com suficiência este item de enorme significado para auxiliar na explicação do instante político-social ora experimentado.

Impende registar, por oportuno, o fato de que a base bibliográfica do assunto cuidado neste escrito configura a lista de obras expressa na bibliografia - e muitas outras básicas de história do ensino médio - sem aludir a elas especificamente, salvante quando indicado. Isto porque nomes, datas, e eventos históricos restam de domínio público, ao passo que seus detalhes estão nas obras de referência, como, por exemplo, no Lello Universal.

Há de notar, pois, o leitor mais avisado que não fazemos qualquer ilação teórico-metodológica, porquanto a matéria é meramente informativa e se utiliza do que guardamos de lições recepcionadas ao longo da nossa vida de curioso e diletante das delícias da Ciência Histórica.

2  O Manifesto de 1870

Em 1870, no Rio de Janeiro, foi fundado o Clube Republicano, de onde saiu o Mani/esto Republicano, redigido por Quintino Bocaiúva (1836-1912), Saldanha Marinho (1816-1895) e Salvador Mendonça, e assinado, dentre outros, pelos redatores, Rangel Pestana (1839-1903) e Lopes Trovão (18484930), marcando o reinicio, então bastante alentado, da campanha republicana. (1)

Em 1873, em São Paulo, na Convenção de Itu, estiveram reunidos republicanos paulista influentes, como Francisco Glicério (1852-1916), Prudente de Morais (1841-1902) e Campos Salles (1841-1913), oportunidade em que fundaram o Partido Republicano Paulista. A esta força nova vieram ajuntar-se outros partidários, da medida de um Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1833-1891), o maior propagandista da Campanha, evolucionista e professor da Escola Militar do Rio de Janeiro.

Os republicanos configuravam duas alas, a primeira das quais constituída pelos históricos ou evolucionistas, a cuja frente estava Benjamin Constant, evolucionista que procurava instilar o ideário positivista oriundo de Comte-Littré e adeptos no final do segundo quartel do séc. XIX, em França, adequando-os ao escopo da República. Reunia personalidades como Campos Salles, Prudente de Moraes, Francisco Glicério, Rangel Pestana, Aristides Lobo, Saldanha Marinho e Rui Barbosa.

Defendendo a luta armada para derrubada da monarquia estavam Silva Jardim (1860-1891) - líder do grupo dos revolucionários ou idealistas -com a adesão, dentre outros, de Lopes Trovão e José do Patrocínio, que não lograram exercer cargos dentro do PR, neutralizados pelos evolucionistas.

Os clubes republicanos, que proliferaram em diversos pontos do País, faziam a publicidade do movimento em muitos jornais simpatizantes da causa, o que garantia excelente cobertura e fazia, a cada dia, mais adeptos. O jornal O Estado de São Paulo, aliás, surgiu em 1875 exatamente para propalar o ideário republicano.

Enquanto isso, o Imperador sentia enfraquecer-se a monarquia e adotava uma política de aparente desinteresse pela questão, porém é fato que essa apatia ante o desenrolar dos acontecimentos, adida ao insucesso do Monarca no trato com importantes assuntos políticos que faziam periclitar o Trono, deveu-se, em parte, ao seu estado de saúde, pois contraíra diabetes, moléstia que, pouco tempo depois, em 5 de dezembro de 1891, ajudou a tirar-lhe a vida.

O Reinado estava sustentado pela grande estima que o povo nutria por Dom Pedro II, principalmente pela sua qualidade de mecenas das artes e das letras.

Dom Pedro Alcântara era de tal modo estimado, que muitos partidários republicanos admitiam a mudança da forma de Governo somente após ouvido o Imperador. Tão estimado era, que o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca (1827-1892), o chefe da Revolta que o derrubou, já senhor do Gabinete do Visconde de Ouro Preto (1837-1912), disse ao próprio Ouro Preto e aos seus pares que iria consultar o Monarca sobre a formação de novo gabinete.

Por outro lado, era nítida a inviabilidade do terceiro império, pois o povo jamais aceitaria que Luís Felipe Gastão de Orleans, o Conde d’Eu (1842-1922), francês e marido imperial da Princesa Dona Isabel (1846-1921), viesse a ter atuação nos destinos do Brasil, o que fatalmente aconteceria se Isabel Cristina assumisse o Trono.

3  As Questões Militares e dos Bispos

Além das manifestações dos estudantes de Direito e dos demais componentes dos clubes republicanos, alunos da Escola Militar da Praia Vermelha declararam-se flagrantemente contrários à continuidade do Regime Monárquico.

As sementes da República estavam, pois, também sendo plantadas pelas Forças Armadas e a ideia tomou maior dimensão com os constantes atritos entre a Corte e os oficiais, o que a História convencionou denominar Questão Militar.

O primeiro segmento da Questão foi provocado em 1884 por um projeto do Marquês de Paranaguá (João Lustosa da Cunha - 1821/1912) sobre a reforma do Montepio Militar.

Na Escola da Praia Vermelha, encabeçado por Sena Madureíra, formou-se um diretório para protestar, através da imprensa, contra o projeto de Paranaguá. Por conta de uma publicação do Tenente-Coronel Sena Madureira, o Ministro proíbe os militares de usarem a imprensa para discussão de assuntos relacionados com as Forças Armadas.

Outro momento da Questão, este ligado ao Ceará (1884), originou-se de uma recepção ao jangadeiro Francisco José do Nascimento - o Dragão do Mar - que conseguira, em 25 de março de 1884, impedir o embarque de escravos, do Ceará para as províncias do Sul. Sena Madureira, comandante da Escola de Tiro de Campo Grande, onde se realizara a homenagem, ao receber um pedido de informações sobre a solenidade, respondeu asperamente aos seus superiores, o que lhe valeu a demissão do Comando do Estabelecimento.

Esses incidentes irritaram os oficiais superiores e, em 14 de maio de 1887, o Marechal Manuel Deodoro da Fonseca assinou um manifesto, da lavra de Rui Barbosa (1849-1923), em defesa da honra militar, ameaçada por atos do Governo, o que cada vez mais incompatibilizou os militares com a Coroa, apressando a queda do Regime então vigente.

Talvez o evento mais sério das Questões Militares tenha sido a prisão do coronel Ernesto Augusto da Cunha Matos, que, segundo Nunes &. Matos (1994), [...denunciou publicamente o desvio de material militar e foi punido com prisão], acusação esta que se teria originado de pronunciamento de um deputado do Piauí. Esses fatos repercutiram intensamente nas casernas e terminaram por afastar do Império os militares, ajudando a enfraquecer e tornando insustentável a preservação da Monarquia.

O Padroado, velha instituição trazida de Portugal,(2) dava ao Governo Imperial prerrogativas para indicar os sacerdotes que seriam nomeados para os principais cargos eclesiásticos e era o que regulava as ações da Igreja com o Estado, pois o Governo havia assinado acordo nesse sentido com a Cúria Romana. Assim, as determinações pontificais necessitavam, para sua materialização, de vênia do Governo Imperial. Lembram Matos &. Nunes (1994) que o clero era empregado público e recebia até salário do Governo.

Outro instituto a vigorar na época foi o Beneplácito, pela letra do qual o Papa escolhia os bispos, mas as indicações deveriam receber a chancela do Imperador. Até mesmo os decretos pontifícios eram regulamentados verbalmente pelo Imperador, o que não mais ocorreu com o Syllalus, contido na Bula de Pio IX.

Embora a Santa Sé condenasse a maçonaria, no Brasil esta sociedade era tolerada em virtude das suas características especiais, (até sacerdotes eram maçons), porquanto não hostilizavam o Catolicismo, embora tenham permanecido - até hoje - as divergências.

Um fato, porém, veio agravar a situação de recíproco consentimento tácito, com a atuação do Bispo de Olinda, Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira (1844-1878), que resolveu seguir à risca as determinações de Roma, especialmente da bula Quanta cura, de Pio IX (Giovanni Maria Mastai Ferreti) contra os erros modernos e que condenava também as sociedades secretas. O jovem prelado ordenou, então, que todas as associações pias desligassem dos seus quadros os maçons, tendo, inclusive, proibido a celebração de Ofício Gratulatório pelo aniversário de uma das lojas com sede no Recife.

As sociedades religiosas que não obedeceram foram interditadas por ordem de Dom Vital, posição ratificada por D. Antônio de Macedo Costa (1830-1891), Bispo de Belém.

Essas irmandades atingidas pelo interdito ajuizaram o apelo contra as intervenções canônicas e venceram a ação, tendo D. Pedro de Alcântara e Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (1819-1910) - Presidente e Relator do Conselho de Estado - sido favoráveis aos apelantes. Os dois bispos negaram-se a reconsiderar os interditos e foram acusados criminalmente, em causa junto ao Supremo Tribunal de Justiça, cuja sentença apenou-os com quatro anos de reclusão com trabalhos forçados, pena posteriormente comutada em prisão simples, graças à intervenção de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco (1845-1912), que, embora maçom, compreendeu o quanto a Questão dos Bispos impopularizava seu gabinete.

Somente em 1875, atendendo às ponderações do Duque de Caxias (Luís Alves de Lima e Silva, 1803-1880), que presidia o Gabinete, Dom Pedro de Alcântara assinou a anistia dos dois sacerdotes graduados.

Essas ocorrências ocasionaram mais desprestígio para o decrépito regime, fortalecendo ainda mais o movimento republicano, então engrossado pela maioria católico-romana do Segundo Império.

4  Cai a Monarquia

Novo Gabinete foi formado em junho de 1889. Na presidência, o Visconde de Ouro Preto (Afonso Celso de Assis Figueiredo, 1837-1912), estando ciente do enfraquecimento do Governo que ajudava a representar, tentou conquistar as Forças Armadas, convidando militares para as pastas da Guerra e da Marinha, sempre ocupadas por civis. Com imensa dificuldade, Ouro Preto - ... um homem, no dizer de João Pandiá Calógeras (1870-1934) - atravessou os cinco meses de Governo sem realizar os planos concebidos, apenas cuidando dos afazeres de rotina administrativa.

O Governo Imperial oferecia um banquete aos oficiais do navio chileno Almirante Cochrane, aportado na Ilha Fiscal, no dia 9 de novembro de 1889, enquanto, no Clube Militar, os militares conspiravam contra o Regime. A frente estava Benjamin Constant, um professor da Escola Militar que instilara o ideário republicano no oficialato, de modo especial nos capitães e tenentes. O desfecho tinha sido combinado para a noite do dia 20 de novembro, contando com a adesão do Marechal Floriano Peixoto, Ajudante-General do Exército (1839-1895).

No dia 14, entretanto, o Major Sólon Sampaio Ribeiro espalhou o boato de que o Marechal Deodoro e o Tenente-Coronel Benjamin Constant haviam sido detidos, deixando as tropas em polvorosa. Os dois, sob o comando do Marechal Deodoro, levaram as tropas para o campo da Aclamação (Praça da República, Rio de Janeiro), onde se localizava o Quartel-General. Lá estava o Ministério reunido. Ouro Preto, sentindo a revolta, ordenou a Floriano que respondesse ao ataque, no que não foi obedecido, pois o Ajudante-General de há muito aderira ao movimento.

O Ministro da Marinha, José da Costa Azevedo, Barão de Ladário (1823-1904), que chegara atrasado à reunião, quis reagir à ordem de prisão dada por Deodoro da Fonseca e foi levemente atingido por um tiro de um tenente que compunha um dos piquetes revoltosos. A partir daquele instante, o Almirante Azevedo deixou a ativa: pediu reforma.

Os dois mil soldados legalistas postados em frente ao Quartel nada puderam fazer, a não ser prestar continências ao Marechal Deodoro e dar-lhe vivas. As tropas, então penetraram o QG e depuseram todo o Gabinete. Em seguida, então com o apoio da Marinha, desfilaram pelas ruas. Já no dia seguinte, 15 de novembro, Lopes Trovão e José do Patrocínio (1853-1905) fazem constar na Ata que a República estava proclamada.

No mesmo dia, voltando de Petrópolis, Dom Pedro aceitou a demissão de Ouro Preto e tentou organizar novo Ministério, presidido por José Antônio Saraiva (1823-1925). Era sem tempo, porém, pois o Diário Oficial já publicava que a República fora proclamada e que se estava organizando um Governo Provisório sob a presidência do Marechal Manuel Deodoro da Fonseca. Este, assim que depôs o antigo presidente do Conselho, declarou que iria procurar o Imperador para lhe propor a lista dos novos ministros. Suas preferências, porém, tinham sido vencidas pelos argumentos dos associados republicanos.

5   Conclusão

Viu-se que a República, a igual do que ocorreu com quase todos os movimentos brasileiros, armados ou não, consolidou-se no seu geral como resultado de uma revolução incruenta. A Proclamação se verificou sem que os seus adeptos tivessem que tomar medidas de forças e sem a necessidade de os monarquistas exercitarem qualquer reação mais séria.

O Imperador, inteligente e comedido, com certeza já esperava o desfecho, a si desfavorável, da série de crises que atravessaram o Segundo Reinado desde a publicação do Manifesto Republicano de 1870.

Conquanto Dom Pedro de Alcântara tivesse a certeza da sua deposição, não era isso o que desejava, em especial da maneira como se efetivou. Isto porque o Brasil estava para ele sobre todas as coisas, nunca tendo distinguido diferenças partidárias, acima das quais sempre dispôs o interesse exclusivamente nacional.

Era improrrogável, contudo,  a queda da Monarquia, em razão das modificações radicais, alheias ao Imperador, verificadas na contextura econômico-social do País.

Como verificamos, a extinção da Monarquia brasileira tomou maiores proporções com a existência, no Governo, de forças resistentes a essas mudanças - como os escravocratas, por exemplo. Outros fatores que contribuíram para a derrocada do Império foram, sem nenhuma dúvida, as divergências da corte com os militares e com a Igreja, além da insuficiente habilidade política do próprio Pedro II para lidar com dificuldades próprias daquele momento crítico.

O que mais contou, entretanto, para acelerar o processo como melhor estimulante para os ideais republicanos foi a Abolição(3), a 13 de maio de 1888, assinada pela Regente Isabel Cristina, na ausência do pai e depois de ceder às pressões dos liberais.

A Lei Áurea provocou um caos econômico que serviu para agravar o descrédito popular com relação à Monarquia e, por via de consequência, robustecer as pretensões dos republicanos, satisfeitas, afinal, no 15 de Novembro, tendo como mentor intelectual Benjamin Constant Botelho de Magalhães.

O curso que a República tomou desde então - em duas fases - constitui-se na parte mais relevante da História do Brasil Moderno, que os estudiosos devassam a cada dia à procura de fatos novos que venham enriquecer nossa memória, e que os meios de propagação coletiva registram na certeza de embasar os estudos dos que hão de vir.

*Vianney Mesquita
Professor da UFC
Escritor e Jornalista
Membro da Academia Cearense 
da Língua Portuguesa
Titular da Cadeira de nº 22 da ACLJ


1 Ana Luíza Martins anota que o Manifesto contém 53 assinaturas, de vários profissionais: advogados (14), jornalistas (10), médicos (9), negociantes (8), engenheiros (5), professores (2), funcionários públicos (3), fazendeiro (1), capitalista (1). Cf. República - outro olhar, 1993. p.44.

2 Era o direito que Portugal tinha de nomear bispos e padres para um grande número de dioceses e igrejas do Oriente, tanto em território Colonial português como em territórios estranhos, direito esse que lhe foi conferido pela Santa Sé, em atenção aos grandes favores prestados pelos portugueses à cristandade, na propagação da fé cristã. (Cf Lello Universal, Porto, Lello & Irmão, 1983, v. 2, p. 431).

3 Além do matraquear propagandístico, altamente persuasivo, das instituições de flâmula republicana, como os jornais, os clubes e o próprio PR.


Bibliografia

BOEHRER, George C.A.. Da Monarquia à República; história do Partido Republicano do Brasil (1870-1889). Rio de Janeiro: MEC/ Sç. Doe. s/d. (!)

JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco. Os Subversivos da República. São Paulo: Brasiliense, 1986.
LELLO UNIVERSAL. 2 V. Porto: Lello & Irmão, 1988.

MARTINS, Ana Luíza. República - um outro olhar. 3 ed. São Paulo: Contexto, 1993, (Col. Repensando a História).

MATOS, Clarence José, NUNES, César A. História do Brasil; São Paulo: Novo Manual. Nova Cultural, 1994.
MESQUITA, Vianney. “Brasil - 90 anos de República”. Fortaleza: O Povo, 15.11.79.

MESQUITA, Vianney. Do Manifesto de Bocaiúva à Proclamação de Deodoro. Fortaleza: Rev. Soc. Cearense Geog. Hist. (2a fase), v. X, n°l,dez°/1984, p. 215-222.

OLIVEIRA, Tácito Theophilo G. de. Tempos e homens que passaram à história. Fortaleza: Casa de José de Alencar - U.F.C. (Col. Alagadiço Novo), 1994.

SOUTO MAIOR, Armando. História do Brasil. São Paulo: Nacional, 1970.



Comentário,

Na semana em que comemoramos a proclamação da República, data, aliás, pouco valorizada pelos brasileiros em geral, pelo desconhecimento de sua importância para o que somos enquanto organização social e política, o colega de Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, Professor Vianney Mesquita, nos brinda a todos com um artigo sobre a República, que, sem favor, é a mais completa e abrangente aula de história sobre os 124 anos do nosso republicanismo.

Para além de um texto muito bem estruturado em sua forma clara, objetiva e erudita, sem o pedantismo dos pseudointelectuais, a narrativa consubstancia história com articulação política, e traz a lume, com riqueza de detalhes, somente possível àqueles que valorizam e conhecem a história, o mais completo relato da trama que antecedeu a proclamação da República, com seus personagens, suas motivações  e paixões, envolvendo políticos, intelectuais, militares e imprensa, quando o império dava sinais de decadência.

O artigo em referência narra cronologicamente todos os fatos em toda sua trajetória, ancorado em uma substancial referência bibliográfica à historiografia brasileira, sendo a sua leitura um privilégio e uma rara oportunidade para conhecer outras vertentes da nossa história. Parabéns professor Veanney, viva a nossa rica história brasileira!

Arnaldo Santos