sábado, 26 de novembro de 2022

ARTIGO - A Interdição dos Cidadãos (RMR)

 A INTERDIÇÃO 
DOS CIDADÃOS
Rui Martinho Rodrigues*

 

A pós-modernidade abalou conceitos que haviam adquirido clareza. Teorias articulavam, segundo a lógica aristotélica, conceitos bem delimitados. A sociedade líquida (Zygmunt Bauman, 1926 – 2017, em obras como Modernidade Líquida, Amor Líquido e Tempos Líquidos), porém, abandonou o rigor epistemológico. 

Cidadania e a capacidade civil sofrem erosão semântica e consequentemente política e jurídica, típica do descompromisso e da instabilidade ressaltadas pelo autor citado. A presunção de capacidade para os atos da vida civil é um requisito indispensável à cidadania. Incapazes não estão aptos a escolher entre programas de governo ou concepções políticas, tampouco têm capacidade para o exercício de funções públicas. 

Interdição, “...exprime (...) toda proibição relativa à prática ou execução de certos atos, ou a privação de certas faculdades (...) torna defeso a prática de um ato ou o exercício de um direito. (...) em face de fatos que a lei considera como geradores de uma capitis deminutio, tais como demência, e a prodigalidade. (...). Decorre de uma condenação penal, por crime infamante ou (...) como pena acessória (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico). 

A interdição por incapacidade exige cuidados de alguém. A lei determina que alguém preste apoio ao incapaz (um curador). A interdição penal tem a proteção do Ministério Público, comparável a um curador na interdição civil. 

A proteção dos cidadãos tem sido centro de preocupações políticas. O uso de capacete pelos motociclistas e o cinto de segurança pelos passageiros de veículos é uma medida de proteção efetiva, conforme dados estatísticos incontestáveis. Tais equipamentos de proteção individual devem ser usados. Eles protegem unicamente o usuário. Deixar de usá-los não afeta diretamente o interesse de terceiros. O uso compulsório de tais equipamentos significa que a liberdade de alguém, que deveria ser limitada apenas pelos direitos de outrem, está sendo abalada sem que terceiros sejam prejudicados. 

O casamento após os sessenta anos só pode ser sob o regime de separação total de bens. Proibir motoristas e motociclistas de andar sem cinto de segurança ou sem capacete e maiores de sessenta anos de casar em comunhão de bens são formas de interdição. Têm o significado de declarar a incapacidade das pessoas. Ao fiscalizar tais condutas o Estado assume o papel de curador e reduz o cidadão à condição de curatelado ou condenado penalmente. 

O Direito Penal como ultima ratio é uma concepção minimalista que está sendo abandonada. Um limite imposto pelo minimalismo penal é a não criminalização de situações que configurem perigo abstrato. Está sendo contestado, a exemplo da restrição do direito de acesso a um meio de defesa. Perigo abstrato é aquele que só se configura quando se imagina alguma hipótese adicional. Automóvel é perigo abstrato se agregarmos a hipótese do motorista embriagado. Bicicletas, piscinas, remédios e quase tudo pode ser um perigo abstrato. Criminalizar tal forma de perigo tornaria quase tudo crime. 

Cidadania exige capacidade. Incapaz não vota (capacidade eleitoral ativa), nem pode ser votado (capacidade eleitoral passiva), nem pode exercer função pública. Não há democracia sem o reconhecimento da capacidade dos cidadãos. Tal reconhecimento não pode conviver com a institucionalização de restrições. Quem é capaz de decidir se deve usar capacete quando anda de motocicleta, cinto de segurança quando anda em carro, o regime de bens do casamento, possuir um meio de defesa, reagir ou não ao ataque de um ladrão, tal pessoa não tem aptidão para a cidadania, do contrário não deveria ser proibido ou obrigado em relação a essas e outras coisas. Decisões políticas são muito mais complexas. Invertendo o brocardo forense segundo o qual quem pode o mais, pode o menos (a maiori, ad minus), podemos afirmar que quem não pode o menos, não pode o mais. 

O Estado curador, somado aos ex-cidadãos curatelados (reconhecidos como incapazes) é uma forte tendência atual. Mas assinala um caminho da servidão distinto daquele que foi objeto da advertência de Friedrich August von Hayek (1899 – 1992) na obra O caminho da servidão.

sábado, 19 de novembro de 2022

ARTIGO - Metamorfoses da Consciência (RMR)

 METAMORFOSES 
DA 
CONSCIÊNCIA
Rui Martinho Rodrigues*


As consciências, tanto individuais como coletivas, passam por transformações significativas. A política e o Direito têm se mostrado extremamente vulneráveis a tais mudanças. A complexidade crescente da vida em sociedade deixou fora do alcance do homem comum – e até de especialistas – coisas como matriz energética, reforma tributária, política monetária, sanitária, criminal e muitas outras áreas da administração pública e do conhecimento humano. Mas a má política foi primeiro a arte de impedir as pessoas de se intrometerem no que lhes concerne. Em época posterior, acrescentaram-lhe a arte de forçar as pessoas a decidir sobre o que não entendem (Paul Valéry, 1871 – 1945). 

O voto continua sendo uma permissão indispensável à legitimidade dos governos, como queria John Locke (1632 – 1704). Trata-se de um consentimento baseado mais na confiança ou na paixão do que no conhecimento concernente ao conteúdo da outorga dada pelo eleitor. O núcleo do ordenamento jurídico e político havido como democracia passou a ser um conjunto de garantias individuais, nos termos das declarações de direitos do século XVIII. A modernidade proclamou a liberdade de todos os homens, oferecendo diversas garantias individuais. 

As citadas garantias individuais são a expressão da desconfiança democrática que incide sobre as autoridades. A limitação dos mandatos eletivos no tempo, o princípio da publicidade dos atos administrativos e judiciais, do duplo grau de jurisdição e o sistema de freios e contrapesos são exemplo da desconfiança aludida. Desconfiar das autoridades é um dever de cidadania e não se confunde com ataque às instituições democráticas, sendo antes uma forma de protege-las. 

A reserva legal, que impede a criminalização de condutas sem lei anterior que a defina e pena sem prévia cominação legal (CF/88, art. 5º, inc. XXXIX) é outra das garantias aludidas. Não é possível criar tipos penais por analogia ou por outro meio que não seja a lei. O princípio do juiz natural (CF/88, art. 5º, inc. LIII) é destinado a garantir o cumprimento das normas de competência e a imparcialidade do órgão julgador. Juiz competente deve ser o da instância competente, cabendo aos tribunais o julgamento dos réus que tenham foro especial por prerrogativa de função e o juiz de primeiro grau deverá julgar réus sem tal prerrogativa. 

A imparcialidade do magistrado é protegida ainda nas hipóteses de suspeição (art. 145 do CPC) e de impedimento (art. 252 do CPC). Um magistrado emocionalmente envolvido, que chora em face das agruras impostas pelo processo a uma das partes não tem isenção para julgar. A distribuição aleatória dos processos visa impedir que seja escolha do juiz. Assim se evitam as motivações de interesses pessoal. E mais uma garantia de imparcialidade do órgão julgador. O mesmo sentido tem a inércia da magistratura, que só pode agir quando provocada. 

A persecução penal foi afastada da função judicante, ficando como prerrogativa do Ministério Público (CPP, art. 28 – A) para que o acúmulo de atribuições não transforme a magistratura em um poder absoluto. Um juiz ou tribunal que assuma a iniciativa da persecução penal, mormente quando contrariando parecer do MP está infringindo a normatividade processual. 

A transição da modernidade para a sociedade líquida (Zygmunt Bauman, 1925 – 2017) ou pós-modernidade, fragilizou a ideia de universalidades. Os direitos individuais comuns a todos os homens foram ultrapassados pela prioridade dada aos grupos identitários típicos da fragmentação pós-moderna. Embora a crítica ao caráter abstrato dos direitos individuais universais tenha se fortalecido, conceitos indeterminados e igualmente abstratos, como justiça, ainda que adjetivada como social, também foram fortalecidos.

 

A contradição ínsita na dialética de Georg W. F. Hegel (1770 – 1831), apropriada pelos progressistas, viabilizou a permissividade epistemológica desempenhando o papel de senhora de costumes cognoscitivos fáceis, nas palavras de Lucio Colletti (1924 – 2001). 

Assim, podemos dizer que a censura não é admitida em hipótese alguma, mas pode ser adotada excepcional e temporariamente como inexistente, mas juridicamente válida, síntese perfeita da logomaquia denunciada por Karl R. Popper (1902 – 1994) no discurso da síntese dos contrários. Condenar abstração para legitimar a justiça concebida pelo órgão julgador, sem representatividade política, social e cultural, alegando a singularidade do caso concreto tropeça na inexistência de fenômeno social inédito, parecendo mais um vanilóquio. 

A metamorfose dos significados confere grande liberdade à subjetividade do órgão julgador. As constituições analíticas, dirigentes e totais, protegidas ainda pela positivação de princípios de larga abrangência limitada apenas pelo entendimento pessoal da autoridade e pela obrigação de fundamentar o entendimento expresso na decisão, levou ao ativismo judicial, diverso do decisionismo político amparado na representação popular. 

O controle concentrado de constitucionalidade e a Nova Hermenêutica constitucional ampliaram o poder dos tribunais constitucionais, ainda que não exerçam apenas esta função. O advento da inconstitucionalidade por omissão ensejou a oportunidade dos tribunais mencionados se transformarem em casa legislativa, valendo-se da prerrogativa de errar por último, como órgão supletivo do Poder Legislativo. O acumulo da função de tribunal constitucional com a função de tribunal penal pode colocar o Legislativo sob controle do tribunal aludido. A concentração de poder é vista pela óptica da desconfiança democrática, não quanto a máquinas, mas no tocante aos seus operadores. Lord John Dalberg-Acton (1834 – 1902) advertiu-nos dizendo que o poder corrompe e o poder absoluto corrompe de modo absoluto. 

A democracia tem instrumentos de autodefesa. Mas quando é atacada desde dentro das suas instituições, quando os titulares dos órgãos exercem o poder ultrapassando os limites da competência constitucional que lhes foi dada, não temos previsão de procedimento democrático. Desde Tomás de Aquino (1225 – 1274), passando John Locke (1632 – 1704) pensadores de escol têm defendido o direito de resistência ou rebelião, quando os governantes ultrapassem os limites da outorga que lhes foi dada para governar e não reste aos governados outro meio de defesa em face da arbitrariedade e do abuso de poder.

domingo, 13 de novembro de 2022

NOTA CULTURAL - Aquavelas

 AQUAVELAS

Totonho Laprovitera está entre os artistas plásticos convidados a decorar com seus traços pictóricos uma das velas de jangada que vão colorir as embarcações participantes da Exposição Flutuante Aquavelas, que marcará a abertura da XII Edição do Encontro Sesc Povos do Mar, no dia 20 de novembro.

 

O artista acelejano assim se manifesta, poeticamente, sobre a experiência de contribuir com o evento, já pela terceira vez: 

À família Aquavelas, minha gratidão pelo convívio e aprendizado dos significados que a gente do mar nos oportuniza. Também sempre grato à Mãe Arte, que nos faz enxergar com simplicidade os verdadeiros valores da vida. Arte em minhas teias… ; Arde em minhas veias…”.

Pintadas por um coletivo de 12 artistas, as jangadas podem ser vistas na Enseada do Mucuripe (próximo ao Mercado dos Peixes) a partir das 8:00h da manhã, antes de seguir direção ao Rio Ceará e encerrar o trajeto por volta das 13:00h. 

A pintura das velas inicia nesta sexta, 11, às 9h, no Sesc Iparana Hotel Ecológico. No encontro, eles começam a personalizar suas jangadas, além de compartilhar ideias e experiências artísticas para o processo criativo de suas velas.

FONTE: Equipe Focus
focus@focus.jor.br

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

ARTIGO - A Subjetividade e a Cultura do Cancelamento (ERP)

 A SUBJETIVIDADE
E A CULTURA DO CANCELAMENTO
   Elizabeba Rebouças Praciano*

 

Escuta-se aos quatro ventos que cada um de nós tem uma forma de perceber o mundo, que cada um de nós tem uma maneira de experienciar nossos desejos, comportamentos, afetos ou qualquer outro ato construído em nossas vivências. 

No entanto, essa subjetividade que, segundo o professor e psicólogo Luís Cláudio M. Figueiredo, fora desenvolvida com o iluminismo, face à ruptura do período medieval, que praticamente continha uma verdade única, por conta do domínio político e religioso da época, ela restou consagrada na Revolução Francesa, no sentido de que “homens são iguais em capacidades e devem ser iguais em direitos”, e que, para tanto, “devem ser livres, e que para que essa liberdade não se torne um caos, todos devem ser solidários uns aos outros”. São os clássicos ideais daquela Revolução: liberdade, igualdade e fraternidade.  

Assim, se é possível delimitar o nascedouro dessa subjetividade, vinculando-a a uma liberdade antropocêntrica, pode-se dizer que seu ápice fora atingido com o advento da Internet, através do uso das redes sociais, em que cada um tem a oportunidade de exercer sua liberdade, para mostrar sua singularidade, oportunizando, inclusive, a divulgação de todo o seu “eu”, seja no campo das ideias, emoções e desejos, seja na apresentação da sua imagem corporal. 

No entanto, ao passo que contribuíram para o fortalecimento da subjetividade dos indivíduos, bem como ampliaram o contingente de pessoas conscientes de sua singularidade, as redes sociais passaram também a exigir códigos de conduta restringindo a subjetividade daqueles que pensam diferente, criando mecanismos de censura, como no caso da atual “cultura do cancelamento”. 

Tal sistema de censura funciona quando um usuário das mídias sociais, ao entender que há uma ação que considera ofensiva ao seu modo de pensar, ou do seu grupo, passa a usar medidas constrangedoras ao “agressor”, para que este seja excluído do meio em que esteja inserido e, consequentemente, seu comportamento destoante não seja mais propagado, ou não tenha o alcance devido, em virtude de ter sido “cancelado”. 

No campo da política atual, o cancelamento evidencia-se bastante recorrente. Desde o resultado das eleições presidenciais de 2014, comentaristas políticos afirmam que se acendeu uma polarização acirrada no processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, em que simpatizantes de direita e de esquerda, respectivamente nomeados de “coxinhas” e “mortadelas”, passaram a travar lutas para além do campo partidário, alijando dos grupos quaisquer pessoas que não compartilhassem das mesmas pautas ideológicas que os seus integrantes resolvessem encampar. 

Tomando como exemplo as eleições presidenciais deste ano, pode-se verificar que a exclusão das pessoas era assunto recorrente nos sites de Internet. Basta uma pesquisa na rede e logo se depara com manchetes do tipo: “famílias rompida pelas eleições”; “discussões acirradas durante eleições abalam amizades”. Na verdade, até a relação entre ídolos populares e seus fãs foram abaladas, a exemplo do Neymar, jogador da Seleção Brasileira de Futebol, pois tendo ele declarado apoio ao então candidato e atual Presidente da República Jair Bolsonaro, recebeu inúmeras críticas de seus seguidores virtuais, inclusive do ex-jogador e comentarista da Seleção Brasileira, Walter Casagrande, que não cancelou apenas o próprio Neymar, mas todo o selecionado brasileiro, à medida em que afirmava não torcer pela equipe enquanto o camisa 10 estivesse no time. 

Também, no mesmo cenário eleitoral, a cantora Claudia Leite foi censurada pelos seus fãs quando perceberam que ela seguia, na sua conta do Instagram, o Pastor Evangélico André Valadão, apoiador do candidato Jair Bolsonaro e crítico ferrenho do então candidato Lula. As manchetes de diversos sites do dia 20 de outubro tratavam do assunto[i], e nesta reportagem a fala do cancelamento é expressa pelo internauta do Twitter que exclamou: “(...) ela só vai entender o que tá fazendo quando ninguém mais apoiar a carreira dela”. 

Outras reportagens na Internet apontam que os fãs do ritmo de axé tentaram excluir Claudia Leite da programação da Micareta Salvador 2022, onde ela estava agendada para cantar no dia 04 de novembro. Mas como sua apresentação foi mantida, a interrupção do show, através de vaias, foi o que restou para censurá-la, pois, segundo o comentário de um outro internauta no Twitter, “essas pessoas públicas, principalmente aquelas que vivem de pink money, precisam ser constrangidas em público, afinal o constrangimento ele é sim pedagógico"[ii]. 

Mas esse alijamento não possui destinatário especifico. Podem ser cidadãos comum ou figuras públicas, como os artistas ou profissionais do mundo cientifico/acadêmico, a exemplo da antropóloga, historiadora e Professora Lília Moritz Schwerez que fora pauta do jornal Folha de São Paulo, no dia 11 de agosto de 2021, em um artigo intitulado “O Cancelamento da Antropóloga Branca e a Pauta Identitária” referindo-se a diversas críticas proferidas contra ela, por ocasião de um artigo intitulado “Filme de Beyoncé Erra ao Glamorizar Negritude com Estampa de Oncinha”, publicado no mesmo jornal, no dia 02 de agosto. 

Ao tecer críticas sobre o filme “Black Is King”, da cantora do pop americano, que buscava engrandecer a cultura negra a partir de uma releitura de “O Rei Leão”, a pesquisadora apontou que a Beynoncé errou por “glamourizar a negritude” e que ela “precisa aprender que a luta antirracista não se faz só com pompa, artifício hollywoodiano, brilho e cristal”. E prosseguiu: “Nesse contexto politizado e racializado do ‘Black Lives Matter’ e de movimentos como o ‘Decolonize This Place’, duvido que jovens se reconheçam no lado didático dessa história de retorno a um mundo encantado e glamourizado, com muito figurino de oncinha”. 

Logo após a publicação desse artigo diversas críticas começaram a se seguir, a exemplo do ator Ícaro Silva, que comentou em uma das postagens da professora: “Você é uma grande, grande vergonha. Não somente para o Brasil e para o povo preto, mas para todos os povos aqui presentes. Não vejo por onde defender seu declarado racismo, sua arrogância branca elitista em se dar o direito não somente de reduzir uma obra prima ao nicho ‘antirracista’, mas em acreditar que tem conhecimento antropológico sobre África”. A cantora Iza também rechaçou com acidez a antropóloga ao dizer: “Eu preciso entender que privilégio é esse que te faz pensar que você tem alguma autoridade para ensinar uma mulher negra como ela deve ou não falar sobre seu povo. Se eu fosse você estaria com vergonha agora”. 

Também pelos movimentos negros, a atriz Fernanda Torres foi julgada como racista pelas redes sociais, em razão de um artigo publicado no blog #AgoraÉqueSãoElas, da Folha de São Paulo, intitulado “Mulher”, postado no dia 22 de agosto de 2016,  de sua autoria, que ao destacar a beleza de sua antiga babá Irene, descreve-a como “mulata”. Para compreensão melhor da fala da atriz, transcreve-se seu texto: “Minha babá era um avião de mulher, uma mulata mineira chamada Irene que causava furor onde quer que passasse. Eu ia para a escola ouvindo os homens uivando, ganindo, gemendo, nas obras, nas ruas, enquanto ela seguia orgulhosa. Sempre associei esse fenômeno à magia da Irene. O assédio não a diminuía, pelo contrário, era um poder admirável que ela possuía e que nunca cheguei a experimentar”. 

Pelo conteúdo linguístico acima e também porque no mesmo texto Fernanda Torres afirmou que “rejeita campanha anti fiu-fiu porque considera o flerte um estado de graça a ser preservado”, ela também foi julgada pelos movimentos feministas, que acusaram-na de machista. 

Após 48 horas da publicação desse texto, no dia 24 de fevereiro de 2016, a atriz pediu desculpas aos movimentos feministas e aos movimentos negros, publicando um artigo intitulado Mea Culpa, no mesmo meio de comunicação. 

Ainda em relação à Fernanda Torres, acerca da temática aqui tratada, ela afirmou, em entrevista a Revista GZH, publicada no dia 15 de dezembro de 2017,  que aprendeu a ser muda. Em sua fala ela disse: “Apanhei do novo feminismo, mas aprendi as novas regras. Elas fazem sentido, mas a minha experiência passada, com os Dzi Croquettes (grupo de teatro da década de 1970), com aquele mundo hipersexualizado em que eu cresci, pré-aids, pós-1968, isso não vai mudar em mim. Cresci em um país miscigenado e sincrético, que talvez não seja o Brasil do futuro. Eu vou me acostumar, mas estranharei para sempre essa mudança. A idade é uma coisa muito louca, a sua memória é tão ou mais real do que a realidade mesmo... A idade é uma experiência muda, solitária e reflexiva!”. 

Utilizando o mesmo tempo da atriz, inclusive contabilizado no seu pedido de desculpas, a Antropóloga utiliza sua conta no Instagram para manifestar seu arrependimento de ter escrito o artigo intitulado “Filme de Beyoncé Erra ao Glamourizar Negritude com Estampa de Oncinha”. Em sua rede social ela escreveu: “Passei as últimas 48 horas praticando a escuta. Conversei com pessoas amigas e críticas e rascunhei essa mensagem inúmeras vezes. Não deveria ter aceito o convite da Folha, a despeito de apreciar muito o trabalho de Beyoncé; seria melhor uma analista ou um analista negro estudiosos dos temas e questões que a cantora e o filme abordam (…)”. E continuou: “Errei e peço desculpas aos feminismos negros e aos movimentos negros com os quais desenvolvi, julgo eu, uma relação como aliada da causa antirracista. Assumo a minha responsabilidade pelo artigo e não pretendo vencer qualquer discussão. Quando uma situação dessas se monta, todos perdem; tenho consciência”. No programa Roda-Viva, transmitido pela TV Cultura no dia 07 de setembro, ela afirmou: “Eu estou aqui aprendendo nesse debate, aprendendo muito nesse processo dolorido, por certo, mas que eu não sou uma vítima (…) e que a escuta é um processo transformador”.

Como se vê, a atriz e a pesquisadora adotaram o mesmo comportamento: silenciar, não discutir assuntos relacionados a anos de vivência e de expertise acadêmica, como no caso da professora Lilia que expôs as chagas do racismo no Brasil, sobretudo no período colonial, em diversas obras publicadas. 

O Professor Wilson Gomes, Titular da Faculdade de Comunicação da Bahia, em seu artigo “O Cancelamento da Antropóloga Branca e a Pauta Identitária”, indaga muito bem: “Por que aceitar as acusações de racistas e as descomposturas em que se acusam de ter exorbitado por ter falado sobre o que está proibida de falar simplesmente por não ser de raça ou da cor que reivindica o monopólio do tema? (...) Afinal passou a vida lutando contra o racismo, ensinando contra o racismo, publicando contra o racismo. Nela deve doer ser acusada de racista (...)”.

É lamentável que o silêncio seja o efeito nefasto desse cancelamento, pois, vindo de artistas e pesquisadores, quem silencia é a arte e o conhecimento científico, os quais devem ser livres de qualquer censura. Não se pode substituir o Tribunal da Inquisição pelo tribunal virtual dos grupos sociais da Internet, e não se pode trocar a pena da fogueira pela pena do cancelamento. 

Em favor da liberdade de expressão e contra esse cancelamento, a carta intitulada “A Letter on Justice and Open Debate”, publicada pela revista americana Harper’s, no dia 07 de julho de 2020, em que foi pontuado “a maneira de derrotar as más ideias é expondo-se, argumentando e persuadindo, não tentando silenciá-las ou desejá-las embora. E a restrição do debate, seja por um governo repressivo ou por uma sociedade intolerante, invariavelmente fere os que não têm poder e torna todos menos capazes de participar da democracia. Recusamos qualquer falsa escolha entre justiça e liberdade, que não podem existir uma sem a outra”. 

A referida carta foi assinada por 153 personalidades, os quais mantêm pensamento liberal e conservador, dentre filósofos, escritores e diversas especialidades acadêmicas, a exemplo de Noam Chomsky, JK Rowling e Steven Pinker, o qual demonstra que é preciso construir pontes entre todos os seguimentos da sociedade civil e institucionalizada para alcançar e aceitar as “humanidades” existentes entre nós, e assim termos uma cultura, não de cancelamento, mas sim de um conhecimento num sentido ampliado com acesso a todas as maneiras como nossa subjetividade se expressa.


[ii] https://www.uol.com.br/splash/noticias/2022/11/05/claudia-leitte.htm?cmpid=copiaecola



COMENTÁRIOS: 

Muito me alegrei ao me deparar com esse artigo, muitíssimo bem escrito e que nos traz uma reflexão bastante atual: o mal estar que vivenciamos, mudos, diante das diversas situações da atualidade perante as quais não temos a liberdade, essa que é o mais sublime dos direitos da alma humana, de expressar nossos pensamentos e ideias, sem que corramos o risco de sermos cruelmente trucidados. Para onde caminhamos? Onde tudo isso irá nos levar? 

Rosiana Correia Ribeiro

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Bem colocadas palavras, maravilhosamente escritas, de forma a traduzir a angústia que eu sinto ao me deparar com situações reais e análogas, onde silenciar parece a melhor opção, afinal de contas parece que desapredi a viver nesses tempos modernos.

Como poderemos reaprender a viver? Quando poderemos discordar de um pensamento, expor uma opinião, sem sermos cancelados? Que mundo frágil e sem emoções, esse virtual. Tão diferente do robusto mundo real, que tanto aprecio. 

Ceiça

 

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

RESENHA - Reunião Virtual da ACLJ (07.11.2022)

 REUNIÃO VIRTUAL DA ACLJ
   (07.11.2022)





PARTICIPANTES

Estiveram reunidos na conferência virtual desta segunda-feira, que teve duração de uma hora e meia, oito acadêmicos.

Compareceram e trocaram ideias o Jornalista e Advogado Reginaldo Vasconcelos, o Marchand e Publicitário Sávio Queiroz Costa, o Professor, Médico e Latinista Pedro Bezerra de Araújo, o Especialista em Câmbio e Comércio Exterior Stenio Pimentel (Rio de Janeiro-RJ), o Agrônomo e Poeta Paulo Ximenes, o agente comercial internacional Dennis Clark (Maringá-PR), o Advogado Sionista Adriano Vasconcelos, e o Procurador Federal Edmar Ribeiro.


TEMAS ABORDADOS

Na reunião virtual da ACLJ desta segunda-feira tratou-se longamente sobre o resultado das eleições, assunto dominante em qualquer ambiente social neste momento.

Na sequência, conversou-se sobre a Assembleia Geral de Final de Ano da ACLJ, prevista para a noite do dia 08 de dezembro, no Palácio da Luz, em que tomarão posse novos acadêmicos, e se fará um tributo ao intelectual cearense falecido Augusto Pontes, que dará nome ao troféu a ser outorgado aos artistas Téti e Rodger Rogério.

Edmar Ribeiro fechou a reunião com a leitura em espanhol de um belo poema  do poeta argentino Jorge Luiz Borges (1899-1986), "Soneto Del Vino", abaixo reproduzido e traduzido. 


SONETO DEL VINO
Jorge Luiz Borges
 
 
¿En qué reino, en qué siglo, bajo qué silenciosa
conjunción de los astros, en qué secreto día
que el mármol no ha salvado, surgió la valerosa
y singular idea de inventar la alegría?
 
Con otoños de oro la inventaron. El vino
fluye rojo a lo largo de las generaciones
como el río del tiempo y en el arduo camino
nos prodiga su música, su fuego y sus leones.
 
En la noche del júbilo o en la jornada adversa
exalta la alegría o mitiga el espanto
y el ditirambo nuevo que este día le canto
 
otrora lo cantaron el árabe y el persa.
Vino, enséñame el arte de ver mi propia historia
como si ésta ya fuera ceniza en la memoria.

 


Soneto do Vinho


Qual o reino, qual o século, e qual era a silenciosa
Conjunção dos astros, naquele secreto dia 
Que o mármore não salvou e viu a luz a valorosa
E singular ideia de inventar a alegria?

 

Com outonos de ouro a inventaram.
Flui vermelho o vinho no correr das gerações
Como um rio de tempo que no árduo caminho
Concede-nos sua música, seu fogo e seus leões.

 

Na noite de júbilo ou na jornada adversa
Exalta a alegria ou mitiga o espanto
E o ditirambo novo que este dia lhe canto.

Outrora o cantaram o árabe e o persa.
Vinho, ensina-me a arte de ver a minha história
Como se esta já fosse cinza na memória.


 

DEDICATÓRIA

A reunião desta segunda-feira, dia 07 de novembro de 2022, por aclamação do grupo virtualmente reunido, foi dedicada às Forças Armadas do Brasil, na pessoa do Sr. Ministro da Defesa, General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (eleito Cearense do Ano de 2021 pela ACLJ, ainda quando Comandante Geral do Exército), pelo seu esforço e desempenho no trabalho de fiscalização das eleições deste ano, a convite do Superior Tribunal Eleitoral.



Às Forças Armadas coube a produção de um competente relatório técnico, em busca de possíveis vulnerabilidades e eventuais inconsistências que possam ter maculado o processo, tendo em vista que, assim como a mulher de César, a quem não bastava ser honesta, mas, principalmente, parecer honesta  às eleições não basta que pareçam lícitas, mas também que se revelem absolutamente transparentes e tecnicamente inquestionáveis. 


   

sábado, 5 de novembro de 2022

NOTA SOCIAL - Sereia de Ouro - 2022

 SEREIA DE OURO
2022

 

Após a grande lacuna provocada pela pandemia da Covid, o Grupo Empresarial Edson Queiroz volta a promover a solenidade de premiação de honra ao mérito que destaca personalidades cearenses com a outorga do Troféu Sereia de Ouro. A festa transcorreu na noite do último dia 4, no Teatro José de Alencar, em Fortaleza.

 

A comenda foi criada pelo empresário Edson Queiroz, em 1971, e após a sua morte, em 1982, mantida por sua mulher Yolanda, estando entre os seus continuadores atuais as filhas Paula Frota, Renata Jereissati e Lenise Rocha, e os netos Edson Queiroz, Abelardo Rocha e Igor Queiroz Barroso, atual presidente do Conselho de Administração do Grupo – três deles (frisados no texto) Membros Beneméritos da ACLJ. 


A solenidade deste ano, na sua quinquagésima edição, completa duzentos agraciados ao longo do tempo, quatro a cada evento. Desta vez, dois dos ilustres “sereiados! – o jornalista, cartunista e artista plástico Mino Castelo Branco (com sua Inês), e o empresário Ricardo Cavalcante (com sua Rosângela), atual Presidente da Federação das Indústrias do Ceará, também são detentores do título de benemerência da ACLJ. Além deles receberam o troféu o Desembargador Federal Cid Marconi e o médico Darival Bringel.

A Sereia de Ouro deste ano reuniu características simbólicas importantes: o retorno da sociedade ao chamado “novo normal”, após a grande crise sanitária; os números redondos de 50 edições e de 200 agraciados que ela atingiu agora; e os auspiciosos rumos que as empresas da holding da família descortina no momento, com a retomada da economia nacional.

 

Certamente por tudo isso a festa foi esplendorosa, a mais bem organizada e concorrida dos últimos anos – tanto a cerimônia quanto o coquetel que se seguiu, animado por grupo musical de alto nível, acompanhando a excelente cantora Geovana Bezerra, além de impecável serviço de bar e de bufê.


 

Especial destaque para os discursos proferidos por Igor Barroso, falando em nome da família anfitriã, bem como por Ricardo Cavalcante, por sua vez agradecendo em seu nome e em nome dos demais agraciados a homenagem recebida.


Entre os convidados, a ACLJ estava representada pelo Bibliófilo José Augusto Bezerra e pelo Empresário Beto Studart (com a sua Ana Maria) – ambos “sereiados” em edições anteriores.

Também presentes seus Membros Titulares Totonho Laprovitera, Paulo César Norões, Wilson Ibiapina, Fernando César Mesquita, Marcos André Borges, Sávio Queiroz Costa e os irmãos Reginaldo e Adriano Vasconcelos (estes últimos, na imagem do repórter fotográfico Luiz Carlos Moreira, entre Carlos Rotella, Presidente Executivo do Grupo Edson Queiroz, e Igor Queiroz Barroso, Presidente de seu Conselho de Administração).