CONVERSAS DE DOMINGO
Vianney Mesquita*
Os insetos picam, não por
maldade, mas por precisarem viver. A igual ocorre com os críticos – querem o
nosso sangue, porém não assumem a nossa dor. (Frederico
Guilherme Nietzsche – YRocken, 15.10.1844 †Weimar, 25.08.1900).
Armazeno na gaveta alguns escritos inéditos, pelo
fato de não os haver tencionado publicar, meramente em razão de constituírem
juízos restritivos a respeito de obras para mim defeituosas, pois insossas, não
verdadeiras, de elocuções toscas, viciosas sob o prisma da Língua, e tantas
outras deformidades a fazerem piso do bestunto de escritores, quer ingênuos,
despreparados, insolentes literários ou mesmo ferroados pela mosca azul – o que, convenhamos, é bem pior.
Este evento sobrevém, justamente, numa terra onde
muitas pessoas não se apropriam, por descaso, preguiça, inadvertência,
incapacidade ou algo semelhado, dos aviamentos exigíveis para aportar à
ilustração, no entanto, intentam – e logram sucesso – pertencer aos nossos silogeus,
hoje delas cheios à repleção, saindo dos sangradores, pelos ladrões fluentes,
ao despejarem presumidos artistas.
Não os publico porque, contrariamente às alocuções do
Escritor de Genealogia da Moral e de A Gaia Ciência, na epígrafe a estas notas,
acho de tomar suas dores, motivo pelo qual prefiro não editar nada a respeito
de textos de má qualidade, nem tomar de assalto os bons escritos e
assentar-lhes, de estudo, defeitos não contidos, como procedem certos arquitetos a
posteriori, com vistas a emular arengas e conduzir vinditas.
Entrementes, com referência a Conversas de Domingo, nada me faz deixá-las como recheio dos
escaninhos, porquanto me afiz ao jaez literário da crônica, medida perfilhada
por João Soares Neto para compor os escritos desse livro, na qualidade de
compositor a mancheias, de dotes escriturais irrefragáveis.
Costumo exprimir – e tenho isto por verdade – a ideia
de a leveza desse gênero atrair a maioria dos leitores, principalmente se
veiculado nos jornais sabatinos e dominicais. Nos finais da semana, pois – e
tal já expressei noutras passagens – os cadernos se conformam, também, a
matérias menos prosaicas, transpondo a trivialidade de notícias, reportagens,
entrevistas e demais expedientes informacionais a suster o periodismo diurnal de
nossas cidades.
A prática da crônica, malgrado exercitada desde datas
por demais recuadas, como adjutório dos relatos verazes e nobres, passou, nos
Oitocentos, a ser móvel da atenção de escritores de nomeada, os quais ainda a
desenvolvem à saciedade, para refletir, com perspicácia e em momentos
propícios, a vida da sociedade, concernente às relações sociopolíticas, aos
motos culturais citadinos e a muitos outros motivos a ensejarem conceitos.
Consoante o procederam, e.g, no Brasil e em Portugal, esses quatro jotas – Joaquim Maria
Machado de Assis, José Martiniano de Alencar, José Maria Eça de Queirós e José
Duarte Ramalho Ortigão, muitos renomeados compositores ensaiaram seu gênio
inventivo via recursos da crônica, em livros e folhetins. E também nos jornais, na expressão escorreita e no
âmbito de procedência etimológica desta palavra – diários.
De passagem, e
propositadamente, cumpre dizer, a espécie literária em alusão constitui usança
particular, ainda hoje, na prática jornalística do Brasil, sendo este um dos
poucos, senão o único, a exercer a crônica, mediante a qual obtiveram visão
pública eminentes jornalistas patriais, hoje cultuados, como foram, dentre
tantos, Evaristo (Ferreira) da Veiga, Alcindo Guanabara, José (Carlos) do
Patrocínio e Carlos (Frederico Werneck de) Lacerda.
Com grande satisfação, revi, nesses dias, o volume Conversas de Domingo, crestomatia muito
bem joeirada, da autoria do acadêmico, administrador de empresas, advogado e
homem de negócios do Ceará, João Soares Neto, da Academia Cearense de Letras.
Aqui ele exprime suas prendas naturais na grade
literária ora sob glosa, obediente ao melhor padrão estético e sujeito às
regras do Português, averso, no entanto, daqueles servilismos elocutórios, de
natureza estilística, tão comuns aos escrevinhadores ainda visitantes à senda
nem sempre muito acessível da Literatura.
Sua prosa é fácil, magnificamente correta,
arquitetada com o esmero vocabular e o veio imaginativo do escritor terminado,
na qual demonstra, nas entrelinhas, conhecimento lato e erudição temperante,
como se estivesse a cuidar para não parecer afoito na manifestação dos seus capitais cultural e social, fato, convenhamos, alentador para o consulente sinistro a
exibicionismos estilísticos e jactâncias pessoais.
Conversas de Domingo reúne poucas dezenas de textos
curtos, emasculados pelos editores por economia de espaço, de apurado paladar
artístico, a serem saboreados de vez única, para regozijo do espírito e
levitação anímica, tais se exibem seus alteados teores, sob agradáveis recursos
literoestilísticos.
Tem seu continente achegado dos toques de esteta,
assinados pelo escritor imortal Geraldo Jesuino da Costa, bem como da Nota a si acrescida por Nilto Maciel,
produtor de livros e editor baturiteense, intelectual de visão internacional (transferido
para a outra vida há pouco mais de um ano), ao ataviar redundantemente um
trabalho já por si nutrido de alcance e merecimento.
Prazer enorme foi reler esta obra e dever é
recomendar sua leitura a quem não o fez.
NOTA DO EDITOR:
A primeira observação a se fazer sobre
esse artigo de Vianney Mesquita é o fato de não ter nele o autor aplicado
nenhuma vez a palavra “quê”, um exercício feito por ele muitas vezes para censurar
o uso vicioso e abusivo dessa partícula gramatical, pelo redator menos zeloso. “Às vezes, o quê tinge o estilo, e há
expedientes para deixar de empregá-lo, eludir seu uso a bem da elocução” –
segundo a sua própria explicação.
A segunda anotação a respeito do texto
refere a existência de intelectuais de pouco fôlego literário na composição das
academias de letras do País.
Confirmando essa assertiva para tentar
justificá-la, vale o exemplo dos grandes conventos católicos, em que há teólogos
eruditos e frades de sabença modesta, essenciais para as tarefas mais pedestres
da irmandade. Todos, entretanto, absolutamente reverentes aos sublimes princípios
que os unem. Talvez aqueles mais humildes cheguem ao Céu antes dos outros.
Por último, o registro que o artigo
transporta sobre a crônica, esse magnífico gênero literário, difícil de
definir, uma derivação dos escritos cotidianos dos escrivães náuticos, que
traçavam o dia a dia dos navios, e dos “diários” em que algumas pessoas
registravam todos os fatos de sua vida. Sem esse rigor cronológico, os cronistas
modernos sabem extrair graça e lirismo de suas vivências comezinhas.