segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

CRÔNICA - A Casa dos Libion (TL)


A CASA DOS LIBION
Totonho Laprovitera*



A história de expressivos artistas da MPB passa pela casa de Lydia e Jacques Libion, na Travessa Santa Leocádia, 56, em Copacabana, no Rio de Janeiro.

A iugoslava Lydia e o francês Jacques se conheceram logo após o final da Segunda Guerra Mundial, na França, quando na dor da perda de seus afetos se encontraram e se uniram no amor.


Assim sendo, decidiram morar no Brasil. Na época, Jacques era representante da respeitável Hachette, uma tradicional livraria e casa editorial francesa fundada em 1826. A partir daí, com extraordinário carisma, o casal se destacou por atrair muita atenção e causar boa impressão nas pessoas, naturalmente. Desse modo, prestigiado, tornou-se muito querido e passou a reunir em seu lar os mais diversos intelectuais e artistas nacionais e internacionais.
 
Lydia e Jacques, ainda, acolheram muita gente das artes em sua morada, um autêntico mirante do azul localizado em uma acentuada ladeira no coração da Zona Sul carioca. Por lá passaram: Elis Regina; Fagner; Chico Feitosa; Miele; Joana Fomm; Maysa, Sérgio Mendes; Amelinha, Nonato Luiz e Bernard Buffet – um dos pintores mais famosos do mundo pós-guerra – dentre outros.

Coberta de arte e cultura, a casa dos Libion se tornou patrimônio material e imaterial da cultura brasileira. Ambientada com as mais diversas passagens, era um precioso santuário a guardar viva a nossa memória.

Em cada canto da casa, nas paredes, quadros dos mestres Bernard Buffet, Di Cavalcanti, Guignard e Chico da Silva, por exemplo, descreviam a paisagem de tantas histórias que acendem as luzes dos postes que iluminam uma rua chamada saudade.

Conheci Jacques e Lydia através do amigo Raimundo Fagner, que os tinha como seus pais no Rio de Janeiro, desde quando o casal soube que ele aniversariava no mesmo dia de um filho que havia perdido.

A última vez que vi Jacques foi por ocasião da gravação do disco “Amigos e Canções”, do Fagner, no estúdio Companhia dos Técnicos, em Botafogo, em 2004. Lembro como se hoje fosse, a canção era “Saudade”, de Mário Palmério, e teve a participação da cantora Joana.

Após a partida de Jacques, Lydia ficou morando só, mas sempre muito bem assistida pelos “filhos” Fagner, Lilibeth e Lulinha.

Certa vez, quando minha filha Joana foi estudar teatro no Rio, Lydinha nos ofereceu um jantar de boas vindas. Para reafirmar a nossa benquerença, ela deu de presente para Joana um pingente de ouro em formato de coração, e disse:  “Joana, receba o meu coração.”

Dos passeios que tive o privilégio de compartilhar com Lydinha, dois permanecem bastante claros em minha memória: um, à casa de Lilibeth em Araras, na região serrana do Rio de Janeiro, acompanhados da maravilhosa e irreverente Alina Bulcão; outro, em Orós, no ardente sertão cearense, em visitação aos domínios de Fagner, quando fomos hóspedes do “seu” Eliseu Batista.

A última vez que estive com Lydinha foi em sua histórica casa. Acompanhado de minha mulher Elusa e de meu filho Fernando Victor, fomos muito bem recebidos, como sempre. Falamos sobre as coisas simples da vida e de passagens corriqueiras que se tornam preciosidades existidas. A sua lucidez nos alumiava e maravilhava.

Lydinha se foi em 12 de Maio de 2011.


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