TEORIA DO MEDALHÃO
Rui Martinho Rodrigues*
Joaquim Maria Machado de Assis é um escriba de
largos méritos. Uma de suas obras, o conto Teoria do Medalhão, destaca-se pela
atualidade. Consiste em um diálogo entre pai e filho.
O rapaz completava vinte e dois anos e
conquistara um diploma. O pai o aconselhava enumerando o acervo acumulado pelo
jovem e o orientava quanto ao uso dos trunfos amealhados. O bacharelismo faz parte
destas orientações.
Nos nossos dias diríamos “credencialismo”,
pois a vulgarização do título de bacharel deslocou o fetichismo do diploma para
a pós-graduação em sentido estrito. Pós-graduação, hoje, é um trunfo, pelo
menos até que se descubra que doutores nem sempre são doutos.
Frequentar livrarias é uma das orientações
paternas. Não necessariamente para adquirir e ler livros. Basta conversar
acerca de amenidades e não ter opinião. Os discursos devem ser “metafísicos”,
nas palavras do autor.
Hoje diríamos que o rapaz deveria limitar-se às
generalidades, dizendo coisas como “é preciso discutir democraticamente”, “a
solução é política”, “importante é superar a desigualdade”, “construir uma
sociedade justa”. Mas nunca diga como fazer para alcançar tais desideratos.
Caso solicitem alguma definição mais clara sobre as generalidades, basta
responder modestamente: “quem sou eu para dizer como devem ser as coisas.
Apenas defendo que devemos discutir democraticamente”.
A princípio pensei, ingenuamente, que tal
atitude irritaria as pessoas, as quais se sentiriam ofendidas com a retórica
vazia, que insulta a inteligência do interlocutor.
Ledo engano. A audiência
também está cheia de doutores que não passam de medalhões machadianos. As
frases vagas levam cada um a supor que o declarante quer dizer o que ele também
pensa; enseja aliança com quem igualmente deseja se evadir da clareza; permite
a quem não tem propostas ocultar a própria superficialidade sob a camuflagem de
frases feitas e vagas. Os conceitos indeterminados, a exemplo de “justiça”,
evitam debates.
Quem é contra a superação da desigualdade, o debate democrático
e a sociedade justa? Poucos terão a curiosidade de saber como o orador pretende
perseguir tais metas e qual será o significado de justiça e de sociedade justa
do medalhão. O verbo discutir é bitransitivo. Discute-se algo com alguém, mas pouco
importa.
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