CASUÍSMOS JUDICIAIS
Rui Martinho Rodrigues*
A nomeação da Deputada Cristiane Brasil foi
obstada por um juiz de primeira instância e mantida em segundo grau. O
fundamento fático do decreto judicial foi a condenação da deputada em ação
trabalhista. A base jurídica apresentada foi a moralidade pública, ferida pela
nomeação de uma reclamada vencida na Justiça do Trabalho. A derrota em ação
trabalhista passa a ser coisa de pessoa desqualificada. O juiz de primeiro grau
se considerou competente para julgar os atos do presidente da República. E a
segunda instância convalidou tudo isso.
A Justiça do Trabalho é conhecida pela
parcialidade. Mas não é preciso considerar este aspecto para contestar o
argumento da desqualificação moral de quem perde uma causa trabalhista. Milhões
de brasileiros já passaram por isso, sem perder a idoneidade. Tais ações não consideram “réu” nem “vítima”
cada uma das partes, mas simplesmente “reclamante” e “reclamado”.
Então, o fundamento
fático contra a Deputada não é hilário porque é trágico, pela insegurança jurídica que introduz
no Direito Brasileiro. A impugnação do ato em nome da moralidade
administrativa, sem amparo fático idôneo, falece de fundamento jurídico.
O princípio da moralidade administrativa,
invocado neste caso, desnuda toda a insegurança que resulta da troca da espécie
normativa “regra” pela espécie normativa “princípio”. A regra é uma espécie
normativa que só têm uma hipótese de incidência. O princípio enseja inúmeras
hipóteses de incidência.
É “regra”, por exemplo: “É proibido jogar lixo
na rua [preceito primário]; pena: multa de valor X [preceito secundário]”. A
multa só incidirá sobre o ato por ela descrito, sem lugar para a subjetividade
da autoridade, acarretando uma pena igualmente definida claramente, tipificando
o governo das leis, não dos homens que se presumem sábios e virtuosos,
herdeiros dos reis filósofos de Platão (428/427 – 348/347).
A mesma proibição, quando expressa por meio da
espécie normativa “princípio”, seria assim: “Atentar contra a saúde pública
[preceito primário]; pena: multa severa [preceito secundário]”. Deixaria em
aberto o que seja “atentar contra a saúde pública” e qual seja o valor da “pena
severa”. Estes são exemplos de conceitos indeterminados, também chamados
obscuros ou indefinidos.
A indeterminação é parte da pós-modernidade,
juntamente com a fluidez dos significados. A vontade de potência gosta disso,
pela oportunidade facultada ao arbítrio e à corrupção. Quem não tem força nem
voto para impor a sua revolução procura confundir os significados com a
“novilíngua” descrita por George Orwell (1903 – 1950). Quem procura confundir
tem algo a esconder e quer enganar. Mas democracia é o governo das leis e não
dos homens, justamente porque precisa de segurança jurídica.
Infelizmente constitucionalizaram os
princípios, fortalecendo o poder das autoridades e fragilizando a posição dos
cidadãos. Os ingênuos, achando que falar em princípio é próprio de elevação
moral, deixam-se embair pelo ardil dos totalitários.
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