sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

ARTIGO - Casuísmos Judiciais (RMR)


CASUÍSMOS JUDICIAIS
Rui Martinho Rodrigues*


A nomeação da Deputada Cristiane Brasil foi obstada por um juiz de primeira instância e mantida em segundo grau. O fundamento fático do decreto judicial foi a condenação da deputada em ação trabalhista. A base jurídica apresentada foi a moralidade pública, ferida pela nomeação de uma reclamada vencida na Justiça do Trabalho. A derrota em ação trabalhista passa a ser coisa de pessoa desqualificada. O juiz de primeiro grau se considerou competente para julgar os atos do presidente da República. E a segunda instância convalidou tudo isso.

A Justiça do Trabalho é conhecida pela parcialidade. Mas não é preciso considerar este aspecto para contestar o argumento da desqualificação moral de quem perde uma causa trabalhista. Milhões de brasileiros já passaram por isso, sem perder a idoneidade. Tais ações não consideram “réu” nem “vítima” cada uma das partes, mas simplesmente “reclamante” e “reclamado”. 

Então, o fundamento fático contra a Deputada  não é hilário porque é trágico, pela insegurança jurídica que introduz no Direito Brasileiro. A impugnação do ato em nome da moralidade administrativa, sem amparo fático idôneo, falece de fundamento jurídico.

O princípio da moralidade administrativa, invocado neste caso, desnuda toda a insegurança que resulta da troca da espécie normativa “regra” pela espécie normativa “princípio”. A regra é uma espécie normativa que só têm uma hipótese de incidência. O princípio enseja inúmeras hipóteses de incidência.

É “regra”, por exemplo: “É proibido jogar lixo na rua [preceito primário]; pena: multa de valor X [preceito secundário]”. A multa só incidirá sobre o ato por ela descrito, sem lugar para a subjetividade da autoridade, acarretando uma pena igualmente definida claramente, tipificando o governo das leis, não dos homens que se presumem sábios e virtuosos, herdeiros dos reis filósofos de Platão (428/427 – 348/347).

A mesma proibição, quando expressa por meio da espécie normativa “princípio”, seria assim: “Atentar contra a saúde pública [preceito primário]; pena: multa severa [preceito secundário]”. Deixaria em aberto o que seja “atentar contra a saúde pública” e qual seja o valor da “pena severa”. Estes são exemplos de conceitos indeterminados, também chamados obscuros ou indefinidos.

A indeterminação é parte da pós-modernidade, juntamente com a fluidez dos significados. A vontade de potência gosta disso, pela oportunidade facultada ao arbítrio e à corrupção. Quem não tem força nem voto para impor a sua revolução procura confundir os significados com a “novilíngua” descrita por George Orwell (1903 – 1950). Quem procura confundir tem algo a esconder e quer enganar. Mas democracia é o governo das leis e não dos homens, justamente porque precisa de segurança jurídica. 

Infelizmente constitucionalizaram os princípios, fortalecendo o poder das autoridades e fragilizando a posição dos cidadãos. Os ingênuos, achando que falar em princípio é próprio de elevação moral, deixam-se embair pelo ardil dos totalitários.


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