O MONOPARTIDARISMO
DISCRETO - IV
ou
O SUICÍDIO DAS ELITES
Rui Martinho Rodrigues*
A história, no sentido de fatos e atos
sucedidos, é feita pelas elites (Gaetano Mosca, 1858 – 1941), que assim a distinguiam: guerreira, sacerdotal, política, intelectual e econômica.
Democracia, para G. Mosca, exige pluralidade de elites em relativo equilíbrio
de forças e um mínimo de circulação dos seus integrantes (mobilidade social). O
domínio de apenas uma delas resulta em ditaduras.
O sistema de freios e contrapesos, com a divisão das funções do Estado entre Legislativo, Executivo e Judiciário, busca
o equilíbrio pela contenção recíproca entre eles, como independentes e
harmônicos, é uma barreira contra as tiranias. Os poderes, de fato exercidos
pelas elites enumeradas por Mosca, também funcionam como um sistema de freios e
contrapesos. O domínio de uma delas produz ditadura. O poder político dominou
quase que sozinho sob Stalin, Hitler, Pol Pot.
Intelectuais são o segundo violino da
orquestra. Serviçais dos poderosos, não chegam a ter poder. Têm apenas
prestígio e, a longo prazo, influência. Sacerdotes, com o advento da modernidade,
perderam poder e até influência, embora preservem algum prestígio.
Apenas os muçulmanos, com os governos
teocráticos, exercem poder ou grande influência. Guerreiros (militares), chegam
a exercer poder, como no Século XX. Hoje continuam integrando as forças de
sustentação do poder, porém em lugar secundário. Políticos lideram convencendo
e manipulando por todos os meios. Estão sempre no poder. Quando outra elite
assume o comando se converte à política, embora com outras práticas.
Sacerdotes praticaram suicídio simbólico.
Destruíram o próprio trunfo, uma suposta superioridade moral. Desmoralizam-se
quando tornam evidentes as suas falhas humanas e trocaram o campo do sagrado
por cogitações seculares. Guerreiros, quando assumiram o poder, sem o
treinamento dos que convencem e enganam, desgastam-se com o exercício do poder.
Intelectuais nunca assumem o poder. Políticos, como Nereu, filho da Terra e do
Mar na mitologia grega, tornam-se mais fortes cada vez que levam um tombo. Dividem-se, culpando
uma de suas facções pelos fracassos, permanecendo como dirigentes por meio de
algumas das suas divisões, ou fantasiando-se de outra elite, como a de intelectuais
ou de operários, mas sendo sempre políticos.
A elite econômica não tem tempo para cuidar da
política. Apoia ou designa representantes. Não tem tempo de pensar nos
problemas do poder. Não compreende que está sendo destruída, deixando-se iludir
por sacerdotes, políticos e – principalmente – por intelectuais (em sentido
amplo). Os pais dos alunos das escolas da “burguesia”, como dizem os camaradas,
doutrinam os filhos da elite econômica contra ela mesma. Os anunciantes e os
donos das empresas de comunicação não se dão conta do aparelhamento delas, ou
não compreendem o que isso significa a longo prazo, como efeito da catequese na
política.
A Globo, por exemplo, é um ninho de
revolucionários, que agem, nem sempre discretamente, semeando doutrina
contrárias à elite econômica, isto é, contra os seus patrões, enquanto os seus
companheiros acusam a emissora de persegui-los. Marcelo Freixo, do PSOL,
candidato à prefeitura do Rio de Janeiro, foi derrotado nos bairros populares,
mas teve ampla vitória nos bairros “burgueses”. O outro Marcelo, o Crivela, foi
hostilizado pela Globo e por toda a imprensa havida como inimiga dos
revolucionários, mas foi eleito pelo povo que os “esclarecidos” diziam ser
manipulado pela “imprensa burguesa”. Assim, os socialistas e assemelhados
conquistaram a hegemonia ideológica, transformando suas ideias em senso comum.
Os caminhos da hegemonia ideológica passam, entre outras coisas, por este
aparente suicídio.
Os revolucionários, em certa época, diziam: “a
burguesia é suicida”. Estariam certos?
Talvez a “burguesia” pense que: a catequese
das escolas e universidades seja deixada de lado pelos ex-alunos destas
instituições; a catequese quer apenas “justiça”, “igualdade” e um “mundo
melhor”, opondo-se aos “preconceitos” (moral tradicional), lutando por uma
“sociedade solidária”. Não pensam que: conceitos indeterminados têm sentido
oculto; que ex-alunos dos catecismos ideológicos geralmente não se tornam
ativistas, mas votam com os partidos totalitários; que os belos propósitos
exigem poder absoluto, oprimem e não entregam o prometido.
Temos conceitos indeterminados unanimemente
aceitos nos programas dos partidos; no Direito, vinculando o juiz, não à lei,
mas ao que ele entende como justo; na economia focada na “desigualdade”, embora
o que importa seja a pobreza. Disputam eleições polarizadas entre o PT, com o
seu viés leninista, e o PSDB, com o socialismo que promete liberdade política
sem liberdade econômica. Conservadores e liberais não têm espaço. Isso é um
monopartidarismo discreto.
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