quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

ARTIGO - O Monopartidarismo Discreto III (RMR)

O
MONOPARTIDARISMO DISCRETO
III
(ou A revanche do sagrado)
Rui Martins Rodrigues*



A hegemonia ideológica (a conquista de um quase consenso político na sociedade), alcançou Igrejas. Universidades, imprensa e indústria cultural muito contribuíram para tanto. A sensibilidade política das lideranças, o ativismo de infiltrados e a ingenuidade de muitos fiéis facilitaram a influência secular. A aproximação entre os cristianismo e doutrinas políticas foi propiciada pelo desconhecimento, de grande parte dos seguidores das Igrejas, do que seja a doutrina que professam.

O segundo pós-guerra trouxe o fortalecimento dos partidos comunistas e socialistas na França e na Itália, quando eles cresciam a cada eleição. A cúpula do Vaticano era majoritariamente formada por italianos e franceses. A impressão de que estes países seriam dominados pelos partidos citados influenciou a cúria metropolitana. A secularização das sociedades, agudizada na segunda metade do Século XX, deu credibilidade à ideia de uma civilização inteiramente secularizada, dando origem a uma era pós-cristã.

A sensibilidade política adotada desde o concílio de Niceia (325 a.D.), quando as lideranças do cristianismo renderam-se ao Império Romano, aceitando a direção do Imperador Constantino, impondo até um nome que adjetivava o cristianismo contraditoriamente como universal (católico) e romano, mais uma vez se fez presente. Era hora de aderir aos vencedores da guerra fria, a tempo de chamar a si parte dos méritos pela vitória. A América-Latina parecia inclinada a seguir a revolução cubana. Os soviéticos saiam à frente na corrida espacial, com o primeiro satélite e o primeiro homem lançado ao espaço. Ao vencedor as batas.

O Concílio Vaticano II adotou a dialética. A unidade dos contrários permitiria juntar o teocentrismo com o antropocentrismo; a não violência do cristianismo com a filosofia de guerra dos revolucionários; confundir o reino que não é desse mundo com as lutas políticas; indiferenciando a proposta de fazer o bem, socorrendo necessitados e assumindo o ônus da iniciativa, com a “luta pelo mundo melhor”, que aponta culpados contra quem propõe castigos; conciliar o amor aos inimigos com o ódio aos “opressores”; além de suprimir a responsabilidade individual própria do cristianismo, transferindo-a para os condicionamentos econômicos, sociais e culturais proposta pelas ideologias libertárias.

Já não era preciso fazer o bem com uma mão sem que a outra soubesse, nem sem olhar a quem. A propaganda revolucionária exigia que se trombeteasse benefícios destinados aos desvalidos, ainda que estes não tivessem sustentabilidade a longo prazo. A luta pelo poder, “só para fazer o mundo melhor”, legitimava tudo. Sobrava uma pose de superioridade moral e intelectual dos “esclarecidos”, embora nem sempre soubessem sequer o diziam. Assim, o público ilustrado, catequizado pelas escolas e universidades aparelhadas, seria contemplado. Os templos vazios, na velha Europa, teriam de volta o público secularizado. Nascia a Teologia da Libertação, entre os católicos; e a Teologia da Missão Integral, entre protestantes tradicionais.

Sabedoria é um bicho que quando cresce muito engole o dono. A revanche do sagrado não tardou. Um novo sagrado, na forma de religiões políticas, levou os “esclarecidos” para os “movimentos sociais”, abandonando as Igrejas tradicionais secularizadas, afinal partidos, sindicatos e outros organizações seculares tinham mais competência neste campo e agora tornavam-se sagradas, na forma de religião política. A busca do sagrado do tipo espiritual levou parte do público para o islã, na Europa onde as conversões se fazem aos milhares; e para os neopentecostais na América-Latina. Estes também foram alcançados pela ideologia do “mundo melhor”, mas o ativismo da nova moral sexual, das teses abortivas e outras mais, veio o rompimento do namoro das igrejas avivadas com os movimentos “politicamente corretos”.

A hegemonia ideológica apresenta assim uma primeira fissura, facilitada pelas redes sociais, que driblaram o bloqueio da imprensa e da indústria cultural submetidas à hegemonia ideológica das doutrinas o Céu na terra. Instalou-se uma saudável cizânia entre “progressistas” e “conservadores”, na forma de guerra interna no coração do Vaticano.


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