SAUDADES DA HIPOCRISIA
Rui Martinho Rodrigues*
A velha tradição de corrupção,
associada ao patrimonialismo, que indiferencia a fazenda pública do patrimônio
privado dos detentores do poder, sempre foi desmentida pelos seus agentes políticos atuais, que
proferiam discursos hipócritas sobre virtudes cívicas. Pagavam, assim, tributo
às virtudes.
Por isso os aliados apanhados em flagrante eram abandonados,
expulsos dos partidos. Hoje, fazem-se manifestações de desagravo aos corruptos
condenados pela Justiça, com base em dilúvios de provas.
A nova realidade é o cinismo. Fazem-se
reuniões escancaradas entre investigados e autoridades que deverão julgá-los.
Fala-se abertamente em um "acordão", viabilizando a ágil recondução do Procurador
Geral da República, afastando o perigo de denúncia contra o Presidente do Senado, o ex-presidente Lula e a Presidente Dilma.
A louvável nota dissonante foi o Ministro Marco Aurélio de
Mello, do STF, que se recusou a participar de uma estranha confraternização, dizendo que
o fazia em nome do povo brasileiro.
O Ministro Luís Barroso, comentando as
condenações do mensalão, disse, em tom de crítica, que o episódio havia sido
“um ponto fora da curva” (da impunidade). Sair de tal curva seria algo a ser criticado!?
Seguindo o curso do dinheiro e
negociando colaboração dos réus da operação Lava Jato surgem toneladas de
provas. Depósitos bancários milionários são comprovados. Pagamentos de serviços
que não foram prestados e superfaturamento são identificados. Figuras do alto
mundo político são identificadas atuando como “corretores” de negociatas.
No passado tivemos crises econômicas e
políticas associadas. Mas havia no horizonte alguma solução. O impasse que se
seguiu à renúncia do Jânio foi remediado com o parlamentarismo, porque existiam
líderes hábeis, apoiados em agremiações que, embora cheias de imperfeições, eram, minimamente, partidos políticos. Aquela solução fracassou porque na verdade aquilo era um “parlaprismo” (mistura
de parlamentarismo com presidencialismo), e foi extinto pela ambição dos
presidenciáveis.
A crise de 84/5 foi resolvida com a eleição de Tancredo e
posse do Sarney, graças a mediação de líderes com alguma credibilidade, embora
já não tivéssemos partidos. A crise do governo Collor foi solucionada com o impeachment, seguido de um governo de coalizão, com a contribuição de líderes de peso. Agora não se fala em
parlamentarismo. Não se cogita de um governo de coalizão. Não temos partidos
nem líderes respeitáveis e a crise econômica é mais complexa.
A semelhança da Caixa de Pandora, só
nos resta uma virtude: as instituições jurídicas e políticas legadas pelos
constituintes de 1988. Por isso temos um Ministério Público e um Judiciário
independentes; e uma Polícia Federal atuante. Por isso temos a operação Lava
Jato, a penúltima esperança do Brasil.
Mas o trabalho dos seus agentes depende
do que poderá ser feito nas mais altas esferas da República. Contra uma pizza
vinda das cúpulas só a última esperança: o povo brasileiro... se o gigante
despertar. As ruas dizem que ele está se mexendo. Irá acordar?
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