A NUDEZ QUE
SERIA CASTIGADA
Wilson Ibiapina*
O Ceará e o
Piauí são considerados os estados mais católicos do país. No Ceará, até bem
pouco tempo, a Igreja mandava e desmandava. Lembro que, quanto tinha uns 15
anos, fui passar uns dias em Ibiapina, na Serra Grande. Meus primos, para
homenagear-me, resolveram promover uma vesperal (uma festinha no final da tarde)
num salão da prefeitura.
Era a oportunidade que me ofereciam de rever amigos e parentes já que ia demorar pouco na cidade. Os músicos ainda estavam afinando os instrumentos quando chega um portador dizendo que o padre estava avisando que ia começar a “benção” e queria todos na igreja. Adeus homenagem.
Era a oportunidade que me ofereciam de rever amigos e parentes já que ia demorar pouco na cidade. Os músicos ainda estavam afinando os instrumentos quando chega um portador dizendo que o padre estava avisando que ia começar a “benção” e queria todos na igreja. Adeus homenagem.
Pois foi
durante esse clima de religiosidade, quando até falar palavrão era pecado, que
Luiz Severiano Ribeiro resolveu brindar os conterrâneos com a exibição de um
filme de arte. Anunciou para o cine Diogo a apresentação do filme Êxtase, com a
atriz austríaca Hedy Lammar. Foi aí que o mundo desabou. O jornal católico
"O Nordeste" fez logo uma campanha contra a exibição do filme. Os
padres, nas missas, numa verdadeira declaração de guerra, ameaçavam com o
inferno quem tivesse a ousadia de ir ver aquela imoralidade. A propaganda
contra só aumentava a curiosidade.
Nos bares, na praia, nos cafés e mesmo nos
papos na praça do Ferreira não se falava em outra coisa: a atriz aparece nua. O
filme, de 1933, dava asas à imaginação coletiva. Quanto mais se falava no
filme, mais pressão fazia a igreja. Só que ninguém sabia que se tratava de um
filme inocente, uma obra de arte que contava a história de um homem, já
sexualmente decadente, que se envolvia com uma jovem de raro encanto. Mas todos
só pensavam em que diabo essa mulher nua ia fazer na tela. Coisa boa não era,
senão a igreja não estaria tão preocupada. Os jovens já não se importavam em ir
para o inferno como ameaçavam os padres. Uma multidão fechou a rua Barão do Rio
Branco, onde ficava o cine Diogo.
Claro, só os sortudos conseguiram entrar. O
jornalista Blanchard Girão conta, em seu livro “Sessão das Quatro”, que estavam
todos ali, com os nervos à flor da pele, diante da possibilidade de descobrir o
mistério condenado pela Igreja e que tanto fantasiavam: “Como será aquela deusa
de Hollywood sem roupa, fazendo o que?”
O filme começa.
A personagem Eva, em seu cavalo, vai rumo ao lago nadar, nua. Sai da água e
anda pelo campo à procura do cavalo. Tudo mostrado de longe. As únicas tomadas
em que aparecem os seios em close são rápidas. O desânimo toma conta da
plateia, que fica impaciente. Alguém sugere quebrar tudo. Sentem-se
ludibriados. Não sei se o Blanchard estava lá, mas ele conta que todos saíram
frustrados. Pensando em filme de sacanagem, não perceberam, segundo ele, que
acabaram de ver uma obra prima do cinema europeu que tinha como ponto alto a
beleza das imagens.
Viu-se uma cena
da atriz Hedy Lammar na lagoa. E eles acharam pouco.
TODA NUA
"Particularmente gostei do filme. Uma história mais
interessante , ao vivo, no teatro e eu vi. A Cia. de teatro Raul Levi, que
viajava pelo pais, anunciou UMA ÚNICA apresentação, da peça "TODA
NUA", terminantemente proibida para menores de 18 anos. Teatro Lotado. A
peça teve início e o público esperando... No final da peça, moralista por
sinal, o ator diz para a platéia: "Eis ai a verdade... TODA NUA... ".
A vaia comeu. No outro dia a Cia. foi embora da cidade com toda a grana da
"casa lotada" da única apresentação da peça...
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