sexta-feira, 14 de agosto de 2015

CRÔNICA - Saudade de Vaqueiro (PX)

SAUDADE DE VAQUEIRO
Paulo Ximenes*


Para quem se pôs o tempo todo ao sol escaldante tangendo bois no cafundó do judas, enfrentar uma metrópole nos andaimes da construção civil não representa empreitada que importe intrepidez. Talvez a mudança brusca de vida – isso sim – o trânsito engarrafado, a fumaça de óleo diesel, a violência decretada em cada canto de esquina e a crueza imudável entre as pessoas, implicasse em peleja maior.

Zé Gomes era vaqueiro celebrado nos rincões cearenses por suas atuações em memoráveis vaquejadas; ademais, saía-se perfeito no arrebanhar do boi brabo onde quer que ele estivesse. De repente, ao revés da sorte, deu de si na grande São Paulo sentando tijolo e cimento em arranha-céus colossais. E talvez pelo simples fato de a conterraneidade criar laços entre estranhos, ele logo arrumou um amigo. Severino Alves, de Pernambuco (havia uma penca de nordestinos naquele prédio, mas amizade mesmo, foi com o Severino). Pareciam irmãos. O mesmo apego ao gado, às veredas de espinhos; as mesmas histórias de meninice entrançadas de traquinagens, chibata e peia.

Por razões óbvias, o nordestino maldotado ao se enfiar numa cidade grande, fixa residência nas suas beiradas. Foi justo o caso do Zé. Mas a morada do Severino extrapolou a raia: houve-se com sua família num pequeno terreno baldio além da periferia, pondo de parte a urbanidade. Tratava-se de domínio rural alheio e legalizado por usucapião que após trato e zelo tornou-se quase uma chácara. Criatório de galinhas e capotes; uma garrota viçosa ainda desfilava para cima e para baixo sacolejando um chocalho.

Como era de se esperar, Zé Gomes foi convidado com sua prole a um fim de semana na “chácara”. Dois dias de chuva fina, clima ameno, aguardente e sossego. Não deu outra: maravilharam-se ao raiar do sábado para o domingo com o cantar do galo, o verde intenso do relvado, o cheiro da terra úmida. No alvoroço da saudade chegou a ouvir rangido de cancela, grunhidos de porcos, gritos de aboios. Aflorou-lhe imediatamente a estampa do Ceará molhado, lindo como nenhum outro Estado da República pode ser, onde brilha o seu estirão de terra abençoado e a sua casa caiada rodeada de umbuzeiros.


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