SAUDADE DE VAQUEIRO
Paulo Ximenes*
Para quem se pôs o tempo todo ao sol escaldante
tangendo bois no cafundó do judas, enfrentar uma metrópole nos andaimes da
construção civil não representa empreitada que importe intrepidez. Talvez a
mudança brusca de vida – isso sim – o trânsito engarrafado, a fumaça de óleo
diesel, a violência decretada em cada canto de esquina e a crueza imudável
entre as pessoas, implicasse em peleja maior.
Zé Gomes era vaqueiro celebrado nos rincões cearenses
por suas atuações em memoráveis vaquejadas; ademais, saía-se perfeito no
arrebanhar do boi brabo onde quer que ele estivesse. De repente, ao revés da
sorte, deu de si na grande São Paulo sentando tijolo e cimento em arranha-céus
colossais. E talvez pelo simples fato de a conterraneidade criar laços entre
estranhos, ele logo arrumou um amigo. Severino Alves, de Pernambuco (havia uma
penca de nordestinos naquele prédio, mas amizade mesmo, foi com o Severino).
Pareciam irmãos. O mesmo apego ao gado, às veredas de espinhos; as mesmas
histórias de meninice entrançadas de traquinagens, chibata e peia.
Por razões óbvias, o nordestino maldotado ao se
enfiar numa cidade grande, fixa residência nas suas beiradas. Foi justo o caso
do Zé. Mas a morada do Severino extrapolou a raia: houve-se com sua família num
pequeno terreno baldio além da periferia, pondo de parte a urbanidade.
Tratava-se de domínio rural alheio e legalizado por usucapião que após trato e
zelo tornou-se quase uma chácara. Criatório de galinhas e capotes; uma garrota
viçosa ainda desfilava para cima e para baixo sacolejando um chocalho.
Como era de se esperar, Zé Gomes foi convidado com
sua prole a um fim de semana na “chácara”. Dois dias de chuva fina, clima
ameno, aguardente e sossego. Não deu outra: maravilharam-se ao raiar do sábado
para o domingo com o cantar do galo, o verde intenso do relvado, o cheiro da
terra úmida. No alvoroço da saudade chegou a ouvir rangido de cancela,
grunhidos de porcos, gritos de aboios. Aflorou-lhe imediatamente a estampa do
Ceará molhado, lindo como nenhum outro Estado da República pode ser, onde
brilha o seu estirão de terra abençoado e a sua casa caiada rodeada de
umbuzeiros.
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