SAUDADE DE VAQUEIRO
Paulo Ximenes*
Para quem se pôs o tempo todo ao sol escaldante
tangendo bois no cafundó do judas, enfrentar uma metrópole nos andaimes da
construção civil não representa empreitada que importe intrepidez. Talvez a
mudança brusca de vida – isso sim – o trânsito engarrafado, a fumaça de óleo
diesel, a violência decretada em cada canto de esquina e a crueza imudável
entre as pessoas, implicasse em peleja maior.
Zé Gomes era vaqueiro celebrado nos rincões cearenses
por suas atuações em memoráveis vaquejadas; ademais, saía-se perfeito no
arrebanhar do boi brabo onde quer que ele estivesse. De repente, ao revés da
sorte, deu de si na grande São Paulo sentando tijolo e cimento em arranha-céus
colossais. E talvez pelo simples fato de a conterraneidade criar laços entre
estranhos, ele logo arrumou um amigo. Severino Alves, de Pernambuco (havia uma
penca de nordestinos naquele prédio, mas amizade mesmo, foi com o Severino).
Pareciam irmãos. O mesmo apego ao gado, às veredas de espinhos; as mesmas
histórias de meninice entrançadas de traquinagens, chibata e peia.
Por razões óbvias, o nordestino maldotado ao se
enfiar numa cidade grande, fixa residência nas suas beiradas. Foi justo o caso
do Zé. Mas a morada do Severino extrapolou a raia: houve-se com sua família num
pequeno terreno baldio além da periferia, pondo de parte a urbanidade.
Tratava-se de domínio rural alheio e legalizado por usucapião que após trato e
zelo tornou-se quase uma chácara. Criatório de galinhas e capotes; uma garrota
viçosa ainda desfilava para cima e para baixo sacolejando um chocalho.

Nenhum comentário:
Postar um comentário