terça-feira, 11 de agosto de 2015

ARTIGO - O Navio Voador que Encantou Camocim (WI)

O NAVIO VOADOR QUE
ENCANTOU CAMOCIM
Wilson Ibiapina*

Faz mais de 80 anos que o maior hidroavião já construído no mundo desceu em Camocim, escala dessa sua única viagem. Foi num dia 13 de junho. O avião alemão de doze motores não teve o sucesso comercial que seu idealizador imaginou. Depois de percorrer 43 mil quilômetros foi levado para o museu da Aviação de Berlim, onde terminou destruído num bombardeio durante a Segunda Grande Guerra.

Imagine só o alvoroço que deve ter sido naquela manhã de 13 de junho de 1931 na pequena e pacata cidade de Camocim. O avião, inventado em 1903 pelos irmãos Wright, como querem os americanos, ou em 1906, quando Santos Dumont voou com o 14 Bis, em Paris, ainda era uma coisa do outro mundo. Nos anos 50, na Serra da Ibiapaba, uma mulher perdeu o marido porque, ao ouvir o som de um avião pensou que o mundo estava se acabando e resolveu contar-lhe que o tinha traído.

As companhias aéreas não existiam como hoje e os inventores ainda estavam com a mão na massa tentando colocar no ar aparelhos que transportassem pessoas mais rápido do que os navios e trens.

O hidroavião é um avião equipado para utilizar uma superfície aquática como pista de pouso e decolagem. O hidroavião verdadeiro é um barco voador. O primeiro deles foi projetado pelo francês Alphonse Penaut (1876), mas nunca foi construído.

Outro francês, Henri Fabre, realizou o primeiro voo de hidroavião em Martigues, França (1910), mas foi o projetista de aviões norte-americano Glenn Curtiss que pilotou o primeiro hidroavião prático em San Diego, EUA, e transportou o primeiro passageiro, ambos os feitos realizados em 1911.
Nas décadas de 20 e 30, muitos países estavam construindo hidroaviões para uso civil e militar. Na segunda metade dos anos 30 começou a era dos hidroaviões gigantes, iniciada pelo Dornier.

O DO-X

O professor alemão Claude Dornier, em 1929, engrossou a lista dos que queriam colocar no ar um transporte seguro e rápido. Foi nos estaleiro do Lago Constance que ele conseguiu concluiir seu invento, batizado de Dornier DO-X. Um gigante hidroavião para o transporte civil. O avião tinha 12 motores curtiss de 12 cilindros em V, refrigerados a água – 600 hp. 

O gigante tinha 48 metros de largura e 40,05 m de cumprimento. Peso na decolagem: 52.000 kg. Velocidade cruzeiro de 190 km/h. Foi projetado para voar a uma velocidade máxima de 210km/h a uma altitude de 500 metros. Tinha autonomia de 1.700km. Podia levar 72 passageiros e 20 tripulantes. Era dividido em três pavimentos. No primeiro, no nível mais baixo ficavam o combustível e a bagagem. No meio iam os passageiros e no pavimento superior a cabine do piloto e espaço para a equipe técnica.

Deslumbrando o mundo.

O primeiro voo-teste, no dia 12 de julho de 1929, foi sobre o lago Constance. Depois e outros testes fez seu primeiro voo com 169 pessoas a bordo no dia 21 de outubro de 1929. Tudo testado e aprovado, o professor Claude parte para sua ousada viagem de longa distância. Levanta voo no dia 5 de novembro de 1930,  para um cruzeiro mundial. 

A rota começou pela Europa, mais exatamente no Rio Reno. Foi a Amsterdã, e de lá voou para Calshot, na Inglaterra, Bordeaux, na França, La Coruna e Lisboa, onde um acidente interrompeu a viagem. Pegou fogo na asa esquerda, o que atrasou a viagem em mais de um mês. Decolou no dia 31 de janeiro para Las Palmas, onde enfrentou mais problemas. Bateu num banco de areia e o avião ficou parado por mais três meses. Depois de voar pela costa africana atravessou o atlântico. O tanque de 16 mil litros de combustível praticamente vazio fez com que esse navio-voador descesse em Camocim, na manhã daquele dia 13 de junho de 1931.

A população de Camocim, mesma acostumada a ver a amerissagens como a que o aviador Pinto Martins fez em 19 de novembro de 1922, tomou um susto quando viu o DO-X. O aviador Euclides Pinto Martins fizera o primeiro voo dos Estados Unidos para o Brasil, saindo da Flórida. Nem esse feito do filho de Camocim provocou tanta comoção na cidade. Pinto Martins pilotava o hidroavião biplano, de 28 metros de envergadura e dois motores "liberty" de 400 hp, cada. Acompanhado por um jornalista e um cinegrafista, decolou uma máquina de oito mil quilos, criada na pioneira Fábrica Curtiss. Mas o DO-X parecia um navio-voador, movido por 12 motores. O DO-X mais parecia uma nave espacial, uma coisa do outro mundo.

Orlando Campos é o que se pode chamar de um homem culto. Ler é seu passatempo preferido. Sua memória invejável faz a diferença. Os amigos o chamam carinhosamente de Google. Tem sempre na ponta da língua resposta para qualquer pergunta sobre política, história, geografia ou conhecimento geral. Atualmente, o paulista Orlando Campos mora em Brasília, onde dirige uma ONG que cuida do meio ambiente da Amazônia, mas já exerceu outras profissões. Militar da reserva do Exército, já foi até caixeiro-viajante no Nordeste, época em que palmilhou o Ceará. Até hoje lembra de pessoas e cidades do interior cearense. Foi para ele que enviei as fotos raras sobre o DO-X que recebi do cinegrafista da Globo, o cearense Luiz Gonzaga Pinto. Imediatamente Orlando lembrou que o hidroavião havia amerissado no Rio Coreaú. Ficou bem em frente a Estação Ferroviária de Camocim. A cidade praticamente parou.

Até hoje a história é lembrada pelos mais antigos e já foi alvo de matérias como a que foi publicada pelo jornal O Literário, de Camocim. No texto, o jornal fala de um tal Ildemburgue, que na época tinha 9 anos de idade. Orlando conheceu muito o Ildemburgue Aguiar. Nas visitas que fez a Camocim estabeleceu amizade com o comerciante, cuja loja, por coincidência, ficava em frente a Estação Ferroviária. “Era uma figura muito simpática, de porte caucasiano, e que por várias vezes comentou sobre o DO-X”.

Contou que foi levado num barco, junto com outras crianças, para ver de perto o gigante. Os barqueiros cobravam uma pequena quantia para levar os curiosos para perto do avião.

Artur Queiroz, outro camocinense que viu o avião, conta ao jornal O Literário que o DO-X ficou parado ali, de manhã até à tarde, sem que ninguém desembarcasse. O avião tinha no seu interior sala de estar, bar, restaurante e cabine com cama.

Se tinha passageiro a bordo, nenhum se arriscou a enfrentar o calor na pequena cidade, sem uma atração que merecesse um passeio turístico, embora já fosse importante interposto comercial, com ferrovia e porto. A demora foi suficiente para que os barcos de apoio carregassem combustível em latas de 20 litros que foram abastecendo o tanque da nave, a qual, segundo o jornal, queimava 400 galões por hora.

A inesperada visita virou notícia que correu mundo a fora. Em Fortaleza, muita gente se preparou para ir ver de perto o avião, quando ele chegasse à Capital. As pessoas ficavam olhando para céu, na expectativa de vê-lo passar com toda sua imponência.

No inicio da tarde daquele 13 de junho o DO-X levantou voo em direção a Natal, e de lá para o Rio de Janeiro, frustrando os que esperavam por sua passagem na Capital cearense. No Rio ele foi fotografado sobrevoando a enseada de Botafogo. Do Brasil ele seguiu para Nova Iorque, onde teve que ficar alguns meses, por causa do inverno.

O DO-X retornou a Berlim muito danificado. Com muitos problemas técnicos e sem êxito comercial, o projeto foi arquivado. O avião foi levado para o Museu de Berlim, onde infelizmente foi destruído num incêndio provocado por bombardeios durante a guerra mundial, em 1945. O DO-X alemão, de 12 motores, desapareceu assim, sem nunca ter entrado em serviço regular.

Logo depois da guerra o espaço aéreo já estava sendo dominado pelos enormes Sikorsky e Martin Clipper norte-americanos. Com o lançamento do Boeing 314 Clipper, em 1939, começou o transporte regular de passageiros, unindo Europa e EUA. Hoje em dia existem jatos enormes voando pelo planeta, com mais de 200 passageiros a bordo.

O DO-X teve um triste fim, mas o seu tamanho descomunal nunca vai ser esquecido. Orlando Campos, meu amigo que mandou as informações sobre o voo ao Ceará, lembra que o DO-X, realmente, era uma obra prima da indústria aeronáutica alemã, particularmente se considerarmos a época em que foi construído.


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