quarta-feira, 12 de agosto de 2015

CRÔNICA - A Falta que Faz uma Rede (WI)

A FALTA QUE FAZ UMA REDE

Wilson Ibiapina*
  
No Nordeste brasileiro tem gente que nunca dormiu numa cama. A rede de dormir, armada no quarto, é o utensílio doméstico mais usado, principalmente no sertão. 

Escravos carregam senhor de engenho em uma rede.

É usada também para o lazer, para enterrar mortos e como transporte no tempo do Brasil colônia. Os senhores eram carregados em redes pelos escravos. As primeiras portuguesas que chegaram ao Nordeste se apaixonaram pela rede e imediatamente armaram o utensílio indígena nas varandas de suas casas coloniais. Foram elas que também passaram fazer redes de algodão, com franjas. No Nordeste tem gente que usa a rede até para fazer sexo.


Rubem Braga registrou em crônica a visita que fez à cidade de Ibiapina, no Ceará. Passeando pela Serra da Ibiapaba chegou à Ibiapina no final da tarde e procurou a única pensão que existia na época. Foi recebido pelo dono, seu Alfredo, que era também o principal barbeiro do município. Quando ele abriu a porta do quarto, Rubem Braga tomou um susto. Um salão imenso, sem cama, sem armário, sem mesa, sem nada.

– Onde vou dormir?

Seu Alfredo ficou indignado e respondeu com outra pergunta:

– Você está chegando de onde?

– Do Rio, disse Rubem Braga.

– Você é um viajante relapso. Como é que vem de tão longe e não carrega sua rede?

Teve que ir ao mercado para comprar uma, senão dormiria no chão.

Hoje, o uso da rede está disseminado pelo país e pelo exterior. No Ceará, como dizia Jáder de Carvalho, “peça pousada que terás água fresca para tua sede e rede cheirosa e limpa para teu sono”.

Tem cearense que não consegue dormir em cama. É o caso do jornalista Edilmar Norões que, em visita a Brasília passou a noite sentado na cama do hotel, sem pregar os olhos. No dia seguinte, caindo de sono pediu-me para ajudá-lo a encontrar um hotel que disponibilizasse redes para os hospedes. Acredite, não existem aqueles ganchos, chamados armadores, nos quartos dos hotéis de Brasília. Nos mais de 30 que contactamos, os recepcionistas nem sabiam do que se tratava. Tem rede aí? - Que rede? Internet, temos. Rede Globo?

Não adianta trazer sua rede. Não tem como armá-la. O meu amigo conseguiu uma receita e foi pra cama à base de lexotan. Parece que a cidade não foi construída por uma reca de nordestinos.



Presente do amigo Macário Batista para minha esposa


No Nordeste brasileiro tem gente que nunca dormiu numa cama. A rede de dormir, armada no quarto, é o utensílio doméstico mais usado, principalmente no sertão.



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