O VELHO OMAR
Assis Martins*
Oh mar, solitário noivo da
tormenta, inutilmente é que ergues as ondas para seguir o teu amor! (Rabindranath Tagore).
Os frequentadores habituais da praia já se acostumaram
àquela figura sentada nas pedras, com uma postura bem tranquila; um tipo
alheado, de gestos vagarosos e olhar distante, procurando algo no além-mar.
Cada onda que se fragmenta na praia lhe remete a fatos e lugares longínquos.
O velho Omar – esse, seu nome de batismo – nasceu num lugarejo remoto, atrasado e sem
horizontes, de onde escapuliu ainda jovem. Livrou-se do clima hostil, do meio
tacanho, do trabalho rude na enxada, e se mandou pelo mundo, com muita coragem
e o destino acertado pelas forças misteriosas da natureza.
Andou, virou,
mexeu, perdeu e ganhou dinheiro, amealhou experiência e, quando alcançou a
meia-idade, começou a verdadeira sina, que era o setor de vendas, com muita disposição
e tirocínio comercial.
Foi com muita
esperança que se estabeleceu em Bacabal no Maranhão, onde entrou com otimismo
no ramo de vendas em domicílio, tornando-se o que o vulgo chama de
"galego". As suas mercadorias davam um lucro grande e, em poucos anos,
progrediu e multiplicou o capital.
A roda-viva do
destino, entretanto, reserva surpresas, nem sempre agradáveis. O baiano Dorival
Caymmy, numa de suas canções, diz que com
qualquer dez mil réis e uma nega se faz um vatapá... Eu parodio: com qualquer dez mil réis e uma nega se faz
um bafafá... E assim aconteceu.
Quando o
cristão pensa que as coisas estão nos eixos, casa arrumada e negócios a mil, o
coração dá uma bobeira e quem paga o pato é o bolso. No caso sob relato, a
cilada veio na figura de uma dengosa morena posta no seu caminho, no patamar da
igreja.
Não percamos tempo com detalhes sobejamente conhecidos em casos semelhantes. Mudam-se os atores, as circunstâncias e o local, porém o enredo é quase sempre o mesmo. No princípio é amor demais, delicadezas recíprocas como: - meu quindim, meu cheiro, meu querubim, e quando um fala, o outro escuta. Com o passar do tempo, os dois falam e os vizinhos escutam.
A pessoa que
revirou a vida de Omar foi Neusa, morenaça bonita, de atributos físicos
apreciáveis e, de caráter ... nem tanto. O fascínio que exerceu sobre ele
apressou os acontecimentos. Pouco tempo decorreu entre olhares, namoro e
casamento, que esse negócio de paixão em homem maduro requer pressa, pois as
necessidades do corpo não acompanham o calendário.
Casa montada e
mobiliada nos trinques, tudo indicava o clássico "e foram felizes para
sempre."
Que nada! Neusa
cismou de mudar para uma cidade maior, onde pudesse desfrutar das benesses do
progresso. De tanto repisar o assunto, a cada dia aumentando os sonhos e as
exigências, conseguiu, afinal, o intento: iriam para a metrópole, no litoral,
contando agora com outra personagem, o irmão vindo do interior para morar com
eles. Era Rodolfo, um rapaz calado, de mãos macias e modos delicados.
No começo, a vida conjugal até que foi bem na nova moradia, perto do mar.
A situação
financeira, porém, é o fiel da balança. Os primeiros atritos começaram quando o
negócio de vendas a crediário nas portas teve uma derrocada, motivada, entre
outros fatores, pelo aparecimento dos cartões de crédito, aceitos em qualquer
biboca.
Neusa, com novas amizades, começou a frequentar festas, muitas vezes dormindo fora. Esse distanciamento do marido, não chegado a polêmicas, foi fazendo-o criar fortes laços de amizade com Rodolfo, e muitas foram as noites em que ficavam levando papos intermináveis. Houve até quem visse naquela amizade algo mais profundo.
Epílogo mais do
que previsível: Neusa arribou com um embarcadiço jovem e forte, levando o irmão.
Hoje, o rejeitado Omar que virou, mexeu, amou, ganhou e perdeu dinheiro é visto
diariamente sentado na praia olhando o mar. De vez em quando rabisca uma letra
na areia molhada e as ondas da preamar teimosamente apagam. É um R, de
Rodolfo...
(Ilustração: Audifax Rios)
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