sexta-feira, 14 de agosto de 2015

CRÔNICA - O Velho Omar (AM)

O VELHO OMAR
Assis Martins*

Oh mar, solitário noivo da tormenta, inutilmente é que ergues as ondas para seguir o teu amor! (Rabindranath Tagore).


Os frequentadores habituais da praia já se acostumaram àquela figura sentada nas pedras, com uma postura bem tranquila; um tipo alheado, de gestos vagarosos e olhar distante, procurando algo no além-mar. Cada onda que se fragmenta na praia lhe remete a fatos e lugares longínquos.

O velho Omar  esse, seu nome de batismo  nasceu num lugarejo remoto, atrasado e sem horizontes, de onde escapuliu ainda jovem. Livrou-se do clima hostil, do meio tacanho, do trabalho rude na enxada, e se mandou pelo mundo, com muita coragem e o destino acertado pelas forças misteriosas da natureza.

Andou, virou, mexeu, perdeu e ganhou dinheiro, amealhou experiência e, quando alcançou a meia-idade, começou a verdadeira sina, que era o setor de vendas, com muita disposição e tirocínio comercial.

Foi com muita esperança que se estabeleceu em Bacabal no Maranhão, onde entrou com otimismo no ramo de vendas em domicílio, tornando-se o que o vulgo chama de "galego". As suas mercadorias davam um lucro grande e, em poucos anos, progrediu e multiplicou o capital.

A roda-viva do destino, entretanto, reserva surpresas, nem sempre agradáveis. O baiano Dorival Caymmy, numa de suas canções, diz que com qualquer dez mil réis e uma nega se faz um vatapá... Eu parodio: com qualquer dez mil réis e uma nega se faz um bafafá... E assim aconteceu.

Quando o cristão pensa que as coisas estão nos eixos, casa arrumada e negócios a mil, o coração dá uma bobeira e quem paga o pato é o bolso. No caso sob relato, a cilada veio na figura de uma dengosa morena posta no seu caminho, no patamar da igreja.

Não percamos tempo com detalhes sobejamente conhecidos em casos semelhantes. Mudam-se os atores, as circunstâncias e o local, porém o enredo é quase sempre o mesmo. No princípio é amor demais, delicadezas recíprocas como: - meu quindim, meu cheiro, meu querubim, e quando um fala, o outro escuta. Com o passar do tempo, os dois falam e os vizinhos escutam.

A pessoa que revirou a vida de Omar foi Neusa, morenaça bonita, de atributos físicos apreciáveis e, de caráter ... nem tanto. O fascínio que exerceu sobre ele apressou os acontecimentos. Pouco tempo decorreu entre olhares, namoro e casamento, que esse negócio de paixão em homem maduro requer pressa, pois as necessidades do corpo não acompanham o calendário.

Casa montada e mobiliada nos trinques, tudo indicava o clássico "e foram felizes para sempre."

Que nada! Neusa cismou de mudar para uma cidade maior, onde pudesse desfrutar das benesses do progresso. De tanto repisar o assunto, a cada dia aumentando os sonhos e as exigências, conseguiu, afinal, o intento: iriam para a metrópole, no litoral, contando agora com outra personagem, o irmão vindo do interior para morar com eles. Era Rodolfo, um rapaz calado, de mãos macias e modos delicados.

No começo, a vida conjugal até que foi bem na nova moradia, perto do mar.

A situação financeira, porém, é o fiel da balança. Os primeiros atritos começaram quando o negócio de vendas a crediário nas portas teve uma derrocada, motivada, entre outros fatores, pelo aparecimento dos cartões de crédito, aceitos em qualquer biboca.

Neusa, com novas amizades, começou a frequentar festas, muitas vezes dormindo fora. Esse distanciamento do marido, não chegado a polêmicas, foi fazendo-o criar fortes laços de amizade com Rodolfo, e muitas foram as noites em que ficavam levando papos intermináveis. Houve até quem visse naquela amizade algo mais profundo.


Epílogo mais do que previsível: Neusa arribou com um embarcadiço jovem e forte, levando o irmão. Hoje, o rejeitado Omar que virou, mexeu, amou, ganhou e perdeu dinheiro é visto diariamente sentado na praia olhando o mar. De vez em quando rabisca uma letra na areia molhada e as ondas da preamar teimosamente apagam. É um R, de Rodolfo...

(Ilustração: Audifax Rios)


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